Gleice e Bruna, mãe e filha, formaram laços de sangue ao viverem a experiência do cárcere
por
Vitor Bonets
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24/10/2025

Por Vitor Bonets

 

É tarde de sábado, mais um dia de visita. 20 minutos. É tudo que elas têm. Passado e presente, frente a frente, em uma mesa apertada para duas. Sacolas nas mãos, filas lotadas, muitas mulheres e poucos homens. Primas, irmãs e cunhadas ansiosas. Sem contar as "mainhas", que se precisar dormem em frente a Penitenciária Feminina de Sant'ana. Do lado de fora, um sol pra cada uma. Do lado de dentro, apenas a ânsia de ver o sol nascer redondo novamente. Desde o dia 12 de dezembro de 2020, Bruna não sabe o que é a liberdade. Ela é uma daquelas que, se pudesse, escreveria nas paredes da cela a quantidade de dias que faltam para voltar a ser livre. Por falta de espaço e ferramenta, não faz. Mas na cabeça, guarda a data da prisão e o dia em que sairá. Aliás, ao falar da possível saída, ela esboça um sorriso, frente a um olhar que já não parece ser tão doce quanto o das fotos antigas. Bruna foi vítima do amor cego. Seu crime, como brincam os mais jovens, talvez tenha sido amar demais.

Aos 16 anos, quando era apenas uma garota, ela conheceu Kaynan. O jovem, com 19, já era conhecido por todo o bairro do Livieiro, na zona Sul de São Paulo. Jogava bola como poucos, tinha nos pés uma leveza difícil de se encontrar nos campos e nas quadras. Mas leves mesmo eram suas mãos. Bobeou na frente do "muleke" era gol. Ou melhor, era bolso, onde ele guardava com maestria os pertences das vítimas que fazia pelas redondezas. 

Não demorou muito para enxergarem o talento de Kaynan no bairro. E não, não era o talento nas quadras. Porém, "os meninos do ramo" não gostaram muito quando viram que o jovem atuava próximo às áreas deles. Então, certo dia, Kaynan foi chamado para uma conversa e tomou o famoso "salve". Sem violência, a princípio, mas ouviu palavras que certamente não foram de consolo. Entre toda a mensagem passada, uma coisa fez com que o jovem mudasse. Ele ouviu que se fosse para tirar de alguém, teria que ser dos que tem, dos endinheirados, e não de trabalhadores da comunidade. E então, não precisou de muito tempo para as mãos leves de Kaynan sentiram o peso de pegar em uma arma, essa até dada pelos meninos. E já que a peça já estava em mãos, e a cena já tinha sido roubada, o jovem se tornava protagonista da história. Porém, havia uma coadjuvante que ainda entraria em ação. 

Ela era Bruna, que sabia do que Kaynan fazia nos últimos tempos. De mero furtador para assaltante número um do bairro. Não só sabia, como aproveitava de alguns privilégios que havia tido por ser a "namoradinha da vez" do jovem. Ninguém mexia com Bruna, muito menos ousava desrespeitá-la. Ela passava e as outras garotas abaixavam a cabeça. Era a "princesa da quebrada", intocável, cheia de si, na flor da idade e com um certo "poder" que cada vez mais subia para a mente. Mas em casa, o tratamento era diferente. Sua mãe, Dona Cleide, fazia de tudo para que Bruna não seguisse seus passos. Com toda experiência de quem já viveu as ruas, ela sabia que o caminho que a filha tomava só tinha um final. O dela mesma, como foi há 32 anos. Cleide não admitia o relacionamento da filha com Kaynan, não queria que ela se envolvesse com os meninos, mas já não era mais capaz de frear a garota. Talvez por não ficar tanto em casa devido ao trabalho de diarista, a mulher que tentava mostrar para filha um futuro melhor, não conseguiu a tirar das mãos do crime. Ela dizia à filha que depois que entra, não tem mais volta. Dizia que Kaynan, quando a casa caísse, não iria segurar nem a própria bronca, imagine a de Bruna. A menina decidiu não escutar a mãe e preferiu ficar com o jovem, que cada vez mais ganhava destaque pelas ruas. E no final, quem é peixe pequeno no meio do grande mar do crime vira isca de peixe grande. 

Era dia 10 de dezembro. Kaynan recebeu uma missão. Coisa rápida e fácil, como a vida errada que levava. Ele só precisava pegar uma encomenda com os meninos e deixar em uma "casa bomba", local usado para o armazenamento de drogas vindas do crime. Porém, a única coisa que explodiu foi a liberdade de Kaynan. Ao virar na Rua João Semeraro, a polícia já o esperava no endereço. A fuga nem foi cogitada, pois já não havia mais para onde correr. Kaynan foi pego no flagra e desde esse dia a vida de Bruna virou de cabeça pra baixo. Ao ser preso, o jovem disse que Bruna o ajudava nos delitos. Era ela quem armazenava drogas e os objetos frutos de roubo em casa. Era ela quem entrava em contato com os mandantes do crime. Era ela quem decidia as missões que valiam a pena ou não para Kaynan. E foi ela o primeiro alvo da polícia após a prisão do namorado. A polícia localizou Bruna em casa e, de fato, encontrou drogas e produtos roubados. Porém, ela não sabia que Kaynan guardava os flagrantes em casa e, então, já era muito tarde para se explicar. Foi levada para o 3º DP (Sacomã) e prestou depoimento. 

Dois dias depois, estava decretada sua prisão. Foi cúmplice e culpada por um amor que o levou para cadeia. E só pensava que era melhor ter escutado a própria mãe. Gleice avisou, pois sabia como tudo acontecia. Três décadas atrás, havia sido presa também com envolvimento em um amor criminoso. Ela também levou a culpa por crimes cometidos pelo namorado. Era jovem e também se vislumbrou com as regalias da vida bandida. Mas após passar quatro anos na cadeia entendeu o que tentou explicar para filha. Não vale a pena, mesmo que a pena seja pouca. 

Hoje, mãe e filha se encontram. Uma na frente e outra atrás das grades. A vida separada pelas barras de ferro. Passado e presente. Só restam 20 minutos nos dias de visita e o gosto da liberdade e da falta dela. Os homens não estão mais presentes. As abandonaram, assim como a fila de espera para entrada na Penitenciária Feminina de Sant'Ana identifica um padrão. São mulheres do lado de fora que cuidam de mulheres do lado de dentro. Passados os 20 minutos, só as resta voltar para suas famílias. As de cela e as de ceia. Dividem e vestem laços de sangue, juntas e misturadas. Após pouco tempo de voo livre, uma das borboletas em formação volta para o casulo. A outra, em liberdade plena, pode voltar para casa sem medo de se tornar lagarta novamente.

Cleide e Bruna, dois lados da mesma moeda, duas faces de uma mulher leal. Duas encarceradas. Liberdade e cárcere. Memórias da prisão. De qualquer forma, passado e presente. Mas acima de tudo, juntas. Uma família, que ao lado de irmãs, primas e cunhadas, ganha outros familiares no convívio. Ainda sim, nada é como ver o sol nascer redondo, deitar na própria cama, comer uma boa comida e degustar do sabor de estar livre. Para Gleice, o crime não compensou. E para Bruna, os ensinamentos da mãe ainda ecoam nos ouvidos e pelas paredes da cela.

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A crença da autonomia financeira e a liberdade de horários esconde a precarização do trabalho.
por
Rafael Rizzo
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23/09/2025

Por Rafael Rizzo

 

A luz dourada e cansada do final de tarde de uma terça-feira paulistana invadia o carro pelas frestas dos arranha-céus, pintando listras fugazes no painel e no rosto de José. Aceitei a corrida na Avenida Paulista, e o cheiro que me recebeu não era de um carro de aplicativo qualquer. Era um odor de vida vivida ali dentro; um misto do aromatizante de baunilha pendurado no retrovisor, do café que ele devia ter tomado horas antes e de algo mais profundo, o cheiro de um espaço que é, ao mesmo tempo, ferramenta de trabalho, refeitório e, por vezes, confessionário.

José me cumprimentou com um "boa tarde" que carregava o peso do dia inteiro. Seus olhos, vistos pelo retrovisor, eram fundos, cercados por uma teia fina de rugas que a tela do celular parecia ter gravado ali. As mãos, calejadas e grossas, seguravam o volante com uma firmeza que contrastava com a vulnerabilidade em sua voz quando disse ter começado como motorista de Uber há seis anos.

- "A gente ouve aquela conversa, né? 'Seja seu próprio chefe', 'faça seu próprio horário'. Parece um sonho." Ao dizer "sonho", ele soltou uma risada curta, um som seco, sem alegria, que morreu rapidamente no ar abafado do carro. Seus dedos tamborilaram no volante.

- "A maior mentira que já me contaram."

A primeira emoção que transpareceu em José foi o desengano. Não era raiva, não era tristeza ainda. Era o cansaço de um homem que perseguiu uma miragem e encontrou um deserto. Ele gesticulou com a mão direita, tirando-a do volante para desenhar um círculo no ar. Disse que era uma liberdade falsa e que era livre para escolher a hora que começa a se acorrentar. Conta que inicia o aplicativo às seis da manhã se quiser ter a chance de pagar as contas no fim do mês. Só desliga depois das sete, oito da noite. Isso num dia bom. Doze horas.

Ele disse o número como se fosse uma sentença.

- "Doze horas é o mínimo. É o chão. Mas nesse chão, você não constrói nada. Você só sobrevive."

Enquanto falava, o trânsito forçou a parar. José não olhou para os outros carros. Seu olhar se perdeu em algum ponto da rua, talvez vendo não os pedestres apressados, mas os boletos que o esperavam em casa. Havia uma quietude em seu corpo que era assustadora; a imobilidade de quem se sente encurralado.

- "E o corpo cobra", ele continuou. A voz agora um tom mais baixo, mais íntimo. Ele ajeitou as costas no banco, um movimento que era claramente para aliviar uma dor crônica na coluna, nos joelhos... Ficar sentado aqui o dia todo nos destrói aos poucos. Comemos mal, comemos rápido. Um salgado aqui, um lanche ali. Sua saúde vira um luxo que você não pode pagar, porque parar para se cuidar é deixar de ganhar o dinheiro do aluguel.

Foi quando ele falou sobre o risco que suas mãos, antes repousadas, voltaram a se agitar. Ele não gesticulava de forma ampla, mas seus dedos se fechavam e abriam sobre o volante, como se testassem a própria força. Ele tem o medo. Todo dia. Não sabe quem vai entrar no seu carro. Já entrou em cada lugar... Cada beco escuro, cada rua sem saída. Uma vez, de madrugada, entraram três rapazes. Ficaram o caminho todo em silêncio. Um deles só o olhava pelo retrovisor, conta.

Nesse momento, o tom de José ficou denso, pesado. A luz do dia já se despedia, e as luzes de neon dos prédios começavam a piscar, lançando sombras dançantes dentro do carro. O rosto dele ficou parcialmente na penumbra. Só pensava nos seus filhos. A cabeça só repetia o nome deles, um por um. Graças a Deus, não era nada. Eles desceram, pagaram e foram embora. Mas o gelo na espinha... esse ficou com ele por dias. A menção aos filhos mudou completamente a atmosfera. A dureza em sua voz se desfez, dando lugar a uma ternura que era quase palpável. São cinco, ele disse, e pela primeira vez, um sorriso genuíno, ainda que breve, tocou seus lábios. A mais velha tem catorze, o mais novo tem três. Ele pegou o celular por um instante no semáforo, a tela de bloqueio iluminando uma foto de um grupo de crianças sorridentes e um pouco bagunçadas. O olhar dele para a tela era o de um devoto.

- "É por eles. Tudo. Cada quilômetro rodado, cada 'bom dia' forçado, cada engarrafamento... é pensando no prato de comida deles, no material da escola, no remédio quando ficam doentes. A emoção embargou sua fala por um segundo. Ele pigarreou, virando o rosto para a janela como se quisesse esconder uma lágrima que teimava em se formar. A mão esquerda, que antes se fechava em tensão, agora repousava suavemente sobre a marcha, um gesto de cansaço e resignação. "Mas tem dia...", ele fez uma longa pausa, e o silêncio foi preenchido apenas pelo zumbido do ar-condicionado. Tem dia que a vontade é de desistir. De verdade. De parar o carro no acostamento, desligar esse aplicativo e nunca mais ligar. Se sente um rato de laboratório numa roda gigante. Corre, corre, corre e não sai do lugar. O dinheiro que entra mal cobre a gasolina, a manutenção do carro, o seguro... o que sobra é tão pouco pelo tanto que a gente se doa, confessa.

Seu suspiro foi profundo, um som que parecia vir do fundo da alma, carregando o peso de anos de exaustão. José é só um número para eles, para o aplicativo. Se quebrar o carro, em um minuto eles bloqueiam e ativam outro José qualquer. Não tem direito, não tem segurança, não tem amparo. É seu próprio patrão na hora de arcar com todos os custos e todos os riscos, mas é um empregado sem direitos na hora de receber. Chegando ao fim do trajeto, que no mapa parecia curto, a voz de José já não tinha o desengano do início, nem a tensão do medo, nem a ternura da família. O que restava era um esgotamento puro e simples. A energia de suas palavras havia se esvaído, deixando apenas a casca de um homem que se preparava para a próxima corrida, a próxima batalha.

 

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Comerciante histórico do Centro de SP resiste à onda de gentrificação que transforma bairros tradicionais em polos de luxo.
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Carolina Rouchou
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16/09/2025

Por Carolina Rouchou

 

O ar dentro da cafeteria pesava, um caldo espesso de gordura fria de rosca, o dulçor enjoativo de calda de glucose e o amargo persistente do café requentado que impregnava as paredes, as cortinas, as roupas, a própria pele. Era um cheiro que se tornara parte dele, uma segunda camada que carregava para casa todas as noites e que retornava todas as manhãs. O mármore do balcão guarda a memória de milhares de cotovelos, a superfície lisa e gelada sob a pele áspera da mão do homem que a limpa, um ritual de meio século que começava sempre antes do amanhecer, quando a cidade ainda respirava o hálito úmido e frio da noite. Seus dedos, calejados e marcados por pequenas queimaduras antigas, percorriam cada centímetro da pedra polida com um movimento estudado, removendo os últimos vestígios do dia anterior.

Um ventilador de teto quebrado há tempos acumulava poeira em suas pás. As grades enferrujadas testemunhavam a umidade de cinquenta verões paulistanos. Lá fora, o asfalto já começava a derreter em ondas visíveis, exalando um ar de borracha e concreto que entrava pela porta entreaberta, um antagonista ao cheiro familiar de dentro.

Era um calor que grudava na nuca, uma segunda pele salgada de suor que escorria em filetes lentos pelas costas, marcando a camisa com mapas de umidade. Seus pés doíam, uma dor surda e enraizada que subia pelas canelas, testemunha silenciosa de décadas na mesma posição, sobre o mesmo piso de ladrilhos que outrora brilhavam com o vai-e-vem de centenas de sapatos, e que agora apresentavam lascas e falhas, pequenas crateras de um mundo em desgaste constante.

Toninho observava, através do vidro embaçado e sujo onde se acumulava uma película fina de poluição urbana, o novo fluxo que fluía na calçada. Não era mais a maré humana familiar, aquela massa diversa e barulhenta que cheirava a trabalho, a cigarro barato, a perfume forte de madame e a suor honesto de quem dependia do ônibus lotado. Esse novo fluxo era mais lento, mais silencioso, e exalava um perfume estranho, doce e amadeirado, que vinha da nova loja do outro lado da rua, onde uma xícara de café custava o que ele cobrava por cem. Eles passavam com seus copos de líquido verde e opaco, vestindo roupas de tecidos leves e neutros que não pareciam soar, seus olhos fixos nas telas brilhantes que carregavam nas mãos, alheios ao mundo que os cercava, consumindo o espaço como consumiam a imagem no aparelho. Seus passos eram diferentes, não o arrastar cansado dos que carregavam fardos invisíveis, mas um andar despreocupado, quase flutuante, de quem sabia que um conforto artificial o aguardava a poucos metros de distância.

Antes, o centro da cidade era um corpo quente, pulsante, um organismo complexo onde o suor do office-boy que corria com envelopes se misturava com o cheiro de alfazema da senhora que comprava fios para tricô, onde o pão com mortadela era devorado com a mesma urgência que o pastel de vento mole. A cafeteria era um órgão vital naquele corpo, um ponto de encontro onde o dinheiro era pouco, mas a conversa era farta. O balcão era quente ao toque, aquecido pelos corpos aglomerados, e o ar tremulava com as vozes, com as risadas, com os protestos. O som das colheres batendo nas xícaras formava uma percussão constante, acompanhando o burburinho das conversas que iam desde os preços da feira até as notícias do jornal da tarde. O chão, à hora do almoço, ficava pegajoso de restos de café e migalhas, e o ar ficava tão denso com fumaça de cigarro e vapor de comida que se podia quase mastigá-lo. Agora, o centro estava a ser transformado noutra coisa, um corpo com ar-condicionado, onde o silêncio era uma mercadoria cara e o toque casual, um incômodo. O frio do ar-condicionado das novas lojas invadia a rua em rajadas fugazes quando as portas de vidro automáticas se abriam, um sopro de gelo artificial que cortava o calor real como uma faca, um contraste tão violento que fazia a pele arrepiar.

Ele lembrava das mesas de fórmica rachada, sempre ocupadas e manchadas de café serviam como um testemunho de incontáveis histórias sussurradas sobre dívidas, amores e empregos perdidos. Lembrava do toque áspero do açúcar de papelinho, do cheiro de leite fervendo às pressas, do vapor quente da máquina de espresso antiga que queimava as pontas dos dedos dos seus funcionários, marcas de um ofício vivo.

Cada manhã começava com o ranger metálico das portas de aço enroláveis sendo levantadas, um som que ecoava na rua ainda silenciosa, anunciando o início de mais um dia. O primeiro cheiro a tomar o ar era o do café fresco moído na hora, um aroma terroso e vigoroso que dominava todos os outros por alguns minutos preciosos. Depois vinham os cheiros dos pães sendo aquecidos, da manteiga derretendo nas chapa, dos ovos sendo fritos na gordura. Tudo isso estava a ser apagado, lixado, substituído por superfícies lisas e frias, por madeiras de demolição que fingiam uma história que não era delas, por luzes indiretas que não deixavam sombra para a poeira se esconder. O som do centro mudara; o burburinho vital dera lugar ao zumbido baixo de conversas contidas e ao ruído de fundo de playlists cuidadosamente curadas que vazavam pelas portas das novas lojas.

Mudanças de cenário

 

Os preços subiam como a temperatura num dia de verão paulistano, ultrapassando os quarenta graus na sombra, um calor que fazia o metal da porta queimar ao toque e que obrigava a deixar a entrada entreaberta, por mais que isso permitisse a entrada da poeira fina que cobria tudo com um manto cinzento em questão de horas. O imposto, um fantasma que antes assombrava de longe, agora batia à porta com uma fome nova, um apetite que só aumentava à medida que o endereço ganhava valor nos cadastros da prefeitura, valor esse que ele nunca veria, mas que seria cobrado em notas cada vez mais altas. As contas de luz, outrora previsíveis, agora chegavam com valores que parecia piada de mau gosto, um custo proibitivo para manter os freezers ligados e as luzes acesas. Os antigos vizinhos, as lojas de ferragens, as barbearias, as casas de fio, foram fechando, um a um, substituídos por estúdios de ioga e hamburguerias artesanais onde o pão era preto e o queijo, derretido sobre a carne, custava mais que um prato feito completo. A cada porta que se fechava para sempre, um pedaço da história do lugar morria, e o silêncio que ficava era mais pesado, mais opressivo.

Ele se via ali, uma ilha de fórmica e gordura num mar de concreto polido e plantas ornamentais. Sua cafeteria era a última contra-utilidade, um obstáculo orgânico no caminho da pasteurização total daquela quadra. Os novos moradores dos apartamentos reformados, aquelas caixas de vidro que refletiam o sol cego da tarde, olhavam para a sua vitrine com um misto de curiosidade e desdém. Entravam às vezes, para experimentar o "autêntico", compravam um café e saíam rapidamente, sem sentar, sem tocar nas mesas, sem se contaminar com aquele ar parado que cheirava a um passado que eles pagavam caro para observar de longe. Seus dedos limpos batiam levemente no balcão manchado, e ele via o discreto enrugar do nariz quando o cheiro de óleo requentado os atingia. Eram como visitantes de um museu, observando uma relíquia de um tempo que não entendiam, protegidos pela barreira invisível do seu próprio mundo higienizado.

O pó de café queimado no fundo da chaleira era a mesma textura de sempre, áspera e escura sob a unha. Era o único cheiro que não mudara, a única certeza térmica da água a ferver. Tudo à sua volta se transformara num cenário, e ele, o dono da cafeteria, era agora um figurante, um artefato pitoresco na paisagem gentrificada. O centro já não era um lugar de encontros, mas um produto. E ele, com suas mãos calejadas e seu balcão gasto, era a última ruga num rosto que estava a ser esticado e alisado para agradar a um novo olhar, um olhar que comprava o espaço, mas não sabia habitá-lo.

O ventilador quebrado pendurado no teto era o seu coração ali, silencioso, coberto de pó, testemunha de um calor que já não era mais bem-vindo. As tardes eram as piores. O sol incidia violentamente sobre a fachada, transformando o interior numa estufa, apesar da ventoinha pequena e barulhenta que ele mantinha atrás do balcão e que só movia o ar quente de um lado para o outro. O suor escorria por suas têmporas, e ele usava um pano áspero e já úmido para enxugar o rosto, vezes sem conta. Era nesses momentos que as memórias mais fortes vinham. Lembrava do barulho ensurdecedor dos bondes que passavam lá fora, do apito do afiador de facas, do grito do vendedor de amendoim. Lembrava dos clientes fixos, aqueles que vinham todos os dias à mesma hora, ocupavam o mesmo lugar, pediam a mesma coisa. O homem do jornal, que lia as notícias em voz alta para quem quisesse ouvir. A costureira, que trazia sempre um trabalho para fazer enquanto tomava seu café com leite. O estudante universitário, de ideais fervorosos e livros espalhados pela mesa. Eles não existiam mais. Tinham sido substituídos por uma rotatividade silenciosa e anônima.

A noite chegava, e com ela uma luz diferente banhava a rua. As antigas lâmpadas que davam um tom alaranjado e quente à calçada, foram substituídas por LEDs brancos e frios que iluminavam tudo com uma claridade crua e sem sombras, como um interrogatório. As sombras, outrora cheias de vida e mistério, foram banidas. A própria escuridão se tornara uma mercadoria rara, um luxo que só existia nos cantos mais esquecidos, onde a iluminação pública ainda não fora modernizada. Ele fechava a porta com a mesma chave pesada de sempre, sentindo o peso do cansaço nos ossos, um cansaço que ia além do físico, era um esgotamento da alma. O caminho para casa era agora uma viagem por um território estranho. Onde antes havia bares com mesas na calçada e conversas altas, agora havia esplanadas silenciosas com velas e menus em inglês. O cheiro de comida de boteco, fritura e cerveja derramada, dera lugar ao aroma de cozinha de fusão e cocktails caros. Ele caminhava rápido, seus sapatos gastos ecoando no calçada nova e lisa, um som solitário na noite que já não lhe pertencia. Sua casa, um pequeno apartamento num prédio antigo que milagrosamente ainda resistia, era o último reduto onde o tempo parecia ter parado. Lá, o cheiro era de mofo e de comida caseira, a iluminação era amarela e fraca, e o silêncio era quebrado apenas pelos ruídos familiares dos vizinhos antigos. Era o único lugar onde ainda podia respirar fundo sem sentir o perfume artificial da nova cidade.

O verão avançava, trazendo consigo chuvas torrenciais que alagavam as ruas e revelavam a fragilidade da nova beleza. A água suja subia pelas calçadas, carregando consigo o lixo e a sujeira, invadindo as lojas reluzentes e deixando um rastro de lama e destruição. Enquanto os novos estabelecimentos fechavam em pânico, protegendo seus pisos de madeira clara e seus móveis de design, a cafeteria permanecia aberta. O velho dono estava acostumado. Sabia que a água baixaria, e ele sabia como limpar o chão depois. A resistência era a sua única linguagem. Uma tarde, após uma dessas chuvas, o ar estava estranhamente fresco. Uma brisa rara varria a cidade, limpando temporariamente a fuligem do ar. Ele estava lá, como sempre, quando a porta se abriu e entrou um casal jovem. Não eram como os outros. Vestiam-se bem, mas sem a frieza dos outros. Olharam em volta com curiosidade genuína, não com desdém. Sentaram-se a uma mesa, ignorando a ligeira camada de gordura na superfície. Pediram dois cafés. E, então, ficaram em silêncio, não mergulhados nos seus celulares, mas olhando em volta, absorvendo a atmosfera. O homem notou as mãos do dono, a forma como ele manuseava os equipamentos com uma familiaridade que era quase uma dança. Notou o vapor subindo do líquido, o som da colher batendo na porcelana rachada. E, pela primeira vez em muito tempo, o dono da cafeteria sentiu que estava sendo visto, não observado. Eram apenas dois clientes, um momento breve, mas naquele instante, naquele sopro de ar fresco após a tempestade, pareceu-lhe que talvez nem tudo estivesse perdido. Que talvez, por baixo do verniz novo, o coração velho da cidade ainda pudesse, de vez em quando, dar uma única, fraca, batida.

O pó de café queimado no fundo da chaleira era a mesma textura de sempre, áspera e escura sob a unha. Era o único cheiro que não mudara, a única certeza térmica da água a ferver. Tudo à sua volta se transformara num cenário, e ele, o dono da cafeteria, era agora um figurante, um artefato pitoresco na paisagem gentrificada. O centro já não era um lugar de encontros, mas um produto. E ele, com suas mãos calejadas e seu balcão gasto, era a pièce de résistance. O ventilador quebrado pendurado no teto era o seu coração ali, silencioso, coberto de pó, testemunha de um calor que já não era mais bem-vindo.

Certa manhã, ele encontrou um papel debaixo da porta. Era um envelope fino e elegante, com o logotipo de uma imobiliária que ele não reconhecia. A carta, redigida em um português impecável e frio, expressava um "interesse genuíno" no seu "quiosque comercial de carácter tradicional" e oferecia uma proposta numérica que, outrora, lhe pareceria uma fantasia. O valor era astronômico, obsceno. Ele leu e releu o papel, seus dedos manchados de café deixando uma marca suave no papel brilhante. Aquelas cifras representavam uma vida de descanso, uma fuga daquela luta diária. Mas também representavam o apagamento final. A aceitação seria a última assinatura no atestado de óbito daquele pedaço de cidade que ele conhecera. Dobrou o papel com cuidado e guardou-o numa gaveta cheia de talões e recibos, debaixo do balcão. Não era uma recusa consciente, era um adiamento. Um adiar do inevitável. Nos dias que se seguiram, a presença dos corretores de imóveis na rua tornou-se mais óbvia. Eles usavam ternos leves e sapatos caros, e falavam em voz alta sobre metros quadrados, potencial e valorização. Apontavam para os prédios, mediam as fachadas com olhos clínicos, calculavam. Eles não olhavam para as pessoas, olhavam para os espaços vazios que as pessoas ocupavam provisoriamente. Eram os arquitetos do novo mundo, desenhando uma cidade sobre a cidade, sem precisar de lápis ou papel, apenas comprovantes de transações bancárias.

O dia terminava como começara, com o gesto lento de limpar o balcão. O pano, agora úmido e sujo, percorria a superfície lisa, removendo os últimos vestígios do dia. Lá fora, a cidade nova brilhava, iluminada por luzes LED, enquanto na vitrine da cafeteria, a lâmpada incandescente tremulava, fraca e amarela, uma estrela prestes a apagar-se num céu que já não reconhecia as suas constelações. Ele apagou a luz e ficou na penumbra, olhando para a rua através do vidro. Um último grupo de jovens passou rindo, o som das suas risadas ecoando no silêncio da noite. Eles não olharam para dentro. A cafeteria já era parte da paisagem noturna, invisível como um móvel antigo numa casa nova. Ele trancou a porta, sentindo o peso da fechadura pesada girar com um clique familiar. O som ecoou na calçada vazia, um ponto final minúsculo num texto que ninguém mais lia. O cheiro do café velho impregnou-lhe os dedos uma última vez, um fantasma de um mundo que teimava em não morrer completamente, enquanto ele se perdia nas sombras do seu centro, que já não era seu.

 

 

 

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O corpo da feminino se reinventa como profissão, mercadoria e alternativa de trabalho.
por
Mohara Ogando Cherubin
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23/09/2025

Por Mohara Cherubin

 

Atualmente, os dias começam com a checagem de mensagens e propostas no perfil de conteúdo adulto, antes mesmo do café da manhã de Maria. A academia, os compromissos e o almoço ocupam as primeiras horas do dia, mas é no retorno para casa que o trabalho realmente começa. As tardes e noites são dedicadas a gravar vídeos, responder clientes e editar conteúdos. A rotina, que pode facilmente ultrapassar 12 horas de dedicação, exige organização e disponibilidade. Embora muitos ainda julgam a atividade como algo distante de um “trabalho de verdade”, ela descreve longas jornadas de produção, chamadas de vídeo e edição, realizadas sem apoio externo.

Demissão, dívidas e a responsabilidade de ajudar nas contas de casa foram os fatores que a levaram descobrir, por meio de uma amiga, a criação de conteúdo adulto como uma forma de garantir sua sobrevivência financeira. Provida apenas de um celular e da necessidade de pagar suas despesas, ela decidiu abrir um perfil em uma plataforma e, no primeiro dia, já conseguiu lucrar 300 reais em poucas horas. O resultado imediato a convenceu de que, apesar das dúvidas e inseguranças, havia ali um meio de se sustentar. A partir daquele momento, a rotina de trabalho passaria a girar em torno de gravações, interações com clientes e a construção de uma nova fonte de renda.

O início, contudo, não foi marcado apenas por ganhos. Como era anônima e não tinha seguidores, demorou para alcançar estabilidade financeira na plataforma. Nos primeiros meses, precisou pedir dinheiro emprestado e lidar com a desconfiança da família, que até hoje não sabe exatamente de onde vem sua renda. Para ela, lidar com o estigma social que associa a profissão à piedade é um dos maiores desafios, quando, em sua visão, foi uma escolha consciente diante das circunstâncias que enfrentava.

Apesar de ainda não saber se seguirá no mercado por muitos anos, garante que, por agora, não pensa em parar. Reconhece que sua relação com os clientes é de dependência, mas não admite ser “tirada” dessa vida, como já lhe foi oferecido por um dos consumidores mais recorrentes. Solteira, ela prefere manter o controle sobre suas decisões, sem dever nada a ninguém. Entre o cansaço das longas jornadas, as incertezas sobre o futuro e a satisfação de ver o dinheiro cair na conta, segue encarando um dia de cada vez, certa de que, se for preciso mudar de caminho, encontrará uma forma de se reinventar, como sempre fez.

De acordo com Maria Cláudia Neves, psicanalista especialista em adolescentes, embora o discurso do empoderamento seja colocado como um instrumento de defesa e apareça com frequência nesse contexto, a Psicanálise observa que a sensação de controle dessas mulheres é temporária. No início, a mulher acredita decidir o que mostrar e como se expor, porém à medida em que o sustento dela só é possível com o pagamento de seus assinantes, ela se vê dependente do desejo do cliente. Toda aquela liberdade sentida no começo passa a se tornar vulnerabilidade, uma vez que os conteúdos passam a responder às exigências externas, caso contrário o cliente deixará de pagar e procurará um perfil que atenda às suas vontades. 

Do outro lado da tela, o consumidor busca satisfação em uma fantasia que nunca se completa. Para a psicanalista, trata-se de uma busca por pulsão de vida, por um corpo idealizado que nunca é suficiente. É por essa razão que tantos indivíduos desenvolvem vícios em pornografia. De acordo com dados do PornHub, site canadense de compartilhamento de vídeos pornográficos, o Brasil está entre os dez países que mais consomem pornografia, com 39% de usuárias mulheres e 61% de usuários homens. Os conteúdos são esporádicos e a satisfação é sempre passageira, levando ao consumo repetitivo. Assim como a criadora de conteúdo se torna refém da manutenção de sua imagem e dos gastos associados a ela, o cliente também se torna refém de seu próprio desejo.
 

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Forçada a se casar com o primo ainda na adolescência, Val deixou o interior de Minas para reconstruir a própria vida em São Paulo.
por
Nicolly Novo Golz
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30/05/2025

Por Nicolly Golz

 

Valdete, ou simplesmente Val, nasceu entre plantações de milho e cheiro de terra molhada, na pequena São João do Pacuí, no norte de Minas Gerais. Em um lugar onde o tempo parecia andar mais devagar, o destino das meninas era quase sempre o mesmo: casar cedo, ter filhos e servir à lavoura. A tradição era regida tanto pelos costumes familiares quanto pela força da religião, Val e sua família são da Congregação Cristã no Brasil, onde o silêncio das mulheres é um mandamento e o casamento é, mais que um compromisso, uma sentença perpétua.

Val era a filha do meio de cinco irmãos. Seus pais, primos entre si, se casaram aos 13 anos e iniciaram uma vida pautada pela roça e pela rigidez religiosa. Naquela casa de chão batido e paredes frágeis, estudar não era prioridade. Mas Val tinha outros planos, com a ajuda de um padrinho persistente, convenceu os pais a deixá-la ir para a escola. Caminhava mais de 10 quilômetros para pegar o ônibus, e só faltava quando o pai a obrigava a trocar os cadernos pela enxada. Mesmo assim, estudou e se tornou a única alfabetizada de sua família. Porque entendia que a educação era sua única chance de escapar.

Mas escapar não seria tão simples. Aos 17 anos, Val foi forçada a se casar com um primo, como tantos antes dela. A justificativa era religiosa, cultural e inevitável. Com ele, teve dois filhos: Miriam e Lucas. E foi por eles que, anos depois, encontrou forças para dar o passo que mudaria sua história. Ela já tinha aceitado o próprio destino, acreditava ser mais uma mulher marcada pela invisibilidade, pelo silêncio, pela submissão. Mas quando viu seus filhos crescendo, percebeu que ainda havia tempo para mudar o curso deles, e talvez o seu também. Pegou o pouco que tinha e partiu para São Paulo.

Chegou à capital com uma mala pequena e um coração em pedaços. Dormiu no chão de casas emprestadas, dividiu espaços com desconhecidos e trabalhou no que apareceu: faxineira, cozinheira, babá, cuidadora de idosos. Com fé em Deus e força nos braços, reconstruiu sua rotina sem nunca deixar que o cansaço a definisse. Em uma de suas primeiras faxinas em São Paulo foi chamada para limpar uma mansão em um bairro nobre da zona sul. Ao entrar, seus olhos se perderam entre os detalhes: a piscina de azulejos claros, o chão de mármore, uma geladeira maior que o quarto onde dormia. Ali, pela primeira vez, viu um vaso sanitário aquecido e uma máquina de lavar louça. E também ali, pela primeira vez, entendeu que a desigualdade não era apenas econômica era estrutural, cotidiana e cruel.

Val teve que levar Miriam para o trabalho um dia, por não ter com quem deixá-la. Enquanto limpava o chão da sala, ouviu risadas vindas do quarto das crianças. Miriam brincava com a filha da patroa. Minutos depois, a patroa a chamou em voz baixa, com um sorriso gelado. Pediu que, por favor, não levasse mais a filha. E, dias depois, mandou Val embora. Disse que "não estava dando certo". Val entendeu o recado. Não era só o olhar torto. Era o prato separado, o copo de plástico, os talheres guardados em um armário diferente. Era a desconfiança velada, o “você pode esperar na área de serviço”, o “não precisa entrar”, e entender que sua presença era tolerada. E mesmo assim, ela permaneceu. Por necessidade, por orgulho, por amor aos filhos. Miriam e Lucas cresceram vendo a mãe sair antes do sol nascer e voltar exausta, mas ainda sorrindo, ainda tentando. Val se recusava a ser reduzida ao estigma de “mais uma empregada”. Por isso, foi atrás de cursos. Queria se profissionalizar, entender técnicas, estudar padrões de organização. Descobriu que era apaixonada por isso, por transformar o caos em ordem, o excesso em funcionalidade. Já fez mais de dez cursos, pagou cada um com suor e fé. E não para de estudar.

Seu trabalho hoje é em Mogi das Cruzes, onde conquistou uma clientela fiel como personal organizer. Uma antiga patroa, sensibilizada pela sua dedicação, pagou a última mensalidade do curso e a indicou para outras mulheres. A agenda de Val cresceu e com ela, a sua autoestima. Mas nem tudo está resolvido.

O marido, com quem foi obrigada a se casar, vive encostado. Não trabalha, não ajuda, não participa. Val sustenta a casa sozinha e ainda não conseguiu se divorciar. A religião que sempre lhe deu força, hoje também é sua prisão. A Congregação Cristã não aceita o divórcio. Dentro dela, mulheres como Val devem suportar caladas. Val, no entanto, vive uma batalha íntima, silenciosa, mas diária. Ela sabe que precisa se libertar desse casamento. E está decidida a fazê-lo. A fé, para ela, não está na instituição, mas em Deus. Val não perde um culto. Vai de cabeça coberta, Bíblia na bolsa e joelhos prontos para dobrar. É nas orações que encontra fôlego. Conversa com Deus a todo momento no ônibus, na limpeza, ao organizar uma gaveta. Sente a presença de Deus em tudo. E é essa presença que a mantém firme, mesmo quando o mundo parece desabar.

Hoje, aos 43 anos, Val vive com os filhos em uma casa simples, mas só dela. Decidiu que não vai mais se curvar para sobreviver. Quer viver com dignidade, com escolha, com liberdade. Ainda enfrenta preconceito, ainda batalha por respeito, mas não aceita mais ser silenciada. Val não é exceção. É o retrato de milhares de mulheres negras, pobres, invisibilizadas. Mas o que ela construiu com fé, estudo e força ninguém tira. Sua história é sobre coragem não a coragem de quem vence tudo, mas a de quem continua mesmo quando tudo conspira contra, Val sempre sendo simplesmente Val. 

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O instrumento ainda ressoa em uma região marcada pela lida com o gado
por
Artur dos Santos
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30/09/2024

"Apareceu um peão com um berrante repicando - naquele mesmo instante a boiada foi parando - para perto do peão a boiada foi chegando - era um gadão de raça, ficaram todos sem graça - sem fazer mais ameaça, vinham todos berrando” - O Chifre do Boi Soberano, Cacique e Pajé.

"Apareceu um peão com um berrante repicando - naquele mesmo instante a boiada foi parando - para perto do peão a boiada foi chegando - era um gadão de raça, ficaram todos sem graça - sem fazer mais ameaça, vinham todos berrando” - O Chifre do Boi Soberano, Cacique e Pajé.

 

Por Artur dos Santos

 

A entrevista com o berranteiro foi marcada para as 8h30min da manhã em Pereira Barreto, cidade banhada pelo rio Tietê distante 660 quilômetros do centro da Capital paulista. Joel Mangabeira Gonçalves dos Santos chegou em sua bicicleta com o chapéu sombreando a cabeça, bigode em cima da boca, canivete dentro da bainha e carregando a fonte de seu sustento, um berrante Sorocabana. Joel é conhecido na região; quem não o encontra em casa, certamente o verá acompanhado de seu berrante e dos que frequentam o "Bar do Massa" para um dedo de prosa.

Joel Mangabeira Gonçálves dos Santos
Foto: Artur dos Santos

Foi necessário negociar a conversa. Com sua timidez tipicamente caipira, Joel não queria aparecer em vídeo, mas se convenceu ao saber que o registro do encontro seria em áudio. O berranteiro também não tem celular e o contato foi feito por meio de um conhecido que apontou as cadeiras amarelas da calçada do famoso estabelecimento na rua Luís Paulo Arantes Ramos como logradouro parcial do artesão.

Não dá um dinherão, mas cê véve; Joel faz berrantes há 41 anos e já pelejou de ensinar duas pessoas na cidade. Nenhuma delas deu certo, ao invés delas irem por aqui, iam pro outro lado... o apavoramento acaba com o serviço. Seu pai puxou muito gado na Bahia e no estado do Alagoas fazendo do lombo do cavalo, a lida com o gado e o são do berrante parte da sua vida antes de descobrir, depois de tentar por dois anos, que seu ofício não era o de peão, mas o de berranteiro. Joel não consegue largar dele e mesmo com a morte de sua esposa por Covid-19 não parou de fabricar os instrumentos - se aposentou dos bares por seis meses, mas não do ofício que pegou ainda jovem.

Joel Berranteiro
Foto: Artur dos Santos

Começou a fazer berrantes com 19 anos de idade em Presidente Prudente, cidade cortada pela estrada de ferro Sorocabana, que deu nome à sua marca. Não teve professor, um ou outro ajudava de vez em quando e assim como aprendeu a soprar, aprendeu a descarnar, cortar, colar e polir os chifres - três dos quais rendiam um berrante na época - sozinho. 

Algumas coisas mudaram de quando começou pra cá. Uma delas é a idade do boi, que era abatido mais velho... os berrantes que antes tinham três emendas hoje têm cinco devido à pouca idade do animal. Por muitos anos, Joel comprava os chifres na cidade de Aparecida do Taboado. Hoje em dia, os 80 a 150 quilos que traz com a carreta de seu filho vêm do frigorífico de Ilha Solteira, assim como o coro que utiliza no acabamento. A seleção vai pela qualidade e pelo tamanho - os chifres de Guzerá e Gir ficam em pilhas no seu terreno, prontos para serem selecionados, cortados e descarnados. Antes do corte e do descarne, Joel avalia os tamanhos, mapeia o próximo berrante. Depois do corte, o descarne. Joel lixa e deixa secar por uns seis dias. Bate um chifre no outro para ver se canta (o som varia de material para material) e se não cantar nas suas mãos, não serve para ser berrante.

Estágios da montagem dos berrantes Sorocabana
Foto: Artur dos Santos

 

Secos, Joel os encaixa conforme o mapa que testou antes do descarne. Engrava o símbolo Sorocabana e cola com araldite. As mãos trabalham o chifre e o coro que orna o instrumento já lixado. Depois de montado, descarnado, lixado e colado, o berrante é polido e está pronto para a venda. 

O Berrante, o Boi e as Comitivas

O berrante é uma forma de conversa com os bois. Boiadeiros têm nele uma maneira de se comunicar tanto com o gado quanto entre si durante o transporte do rebanho. Por muitos anos, as Comitivas de boiadeiro foram a forma mais eficiente de fazer o transporte de bois e eram contratadas para levarem a boiada de uma para outra fazenda, para o matadouro ou até mesmo para fugir da cheia do pantanal. Hoje em dia, muitos transportes são feitos com caminhões e as Comitivas não são tão comuns quanto antes.

O Capataz forma a comitiva, normalmente o mais experiente e o que recebe o pagamento ao final da viagem para dividir entre seus companheiros. O Ponteiro vai à frente, soprando o berrante que dá as coordenadas para o rebanho e para os peões. Cada peão com sua "Cabeça" (arreios, esporas, laços e selas). Os Meieiros vão no meio e os Culatreiros, atrás. Na frente de todos vai o Cozinheiro, que prepara a refeição no ponto de parada mais próximo. Os peões se conhecem assim como conhecem os bois que transportam.

Sabem os bois que teimam a obedecer assim como os que apreciam a viagem e colaboram. Contam nas mãos, apartam, atentam para os que querem fugir e tocam a boiada pelo estradão levantando poeira. O rebanho obedece o sopro do berrante e os peões, o Capataz. A refeição já pronta na próxima parada às ordens da fome. O pouso é a rede, causos contados, avista de onça e histórias passadas na relva. Quando o sertão acorda, acorda também a Comitiva e com ela o rebanho.

Do boi não só sai a carne e o leite, mas o coro, a pele, os chifres. Em torno do seu transporte necessário se desenvolve um modo de vida que mistura saberes tradicionais de diferentes origens e funções, marcado pelos perigos do trajeto. Na lida é um ser sacrificável por sua vida ter valor - expresso inclusive no dizer "boi de piranha" em que um boi é sacrificado para que o rebanho consiga realizar a travessia de maneira segura por um rio infestado de piranhas - e no imaginário, a boiada é uma força da natureza  cujo estouro tem som de tempestade, cheiro de chifre queimado e risco real de vida. Comunicável, o boi responde aos aboios dos peões e toques do berrante enquanto formam a linha branca da boiada.

Cabe ao Ponteiro e seu berrante o papel de juntar o gado, avisar a hora do almoço, ordenar que o gado tome água, chamar um peão à frente da comitiva, alertar perigos no caminho e avisar o eventual e tempestuoso estouro da boiada. O berrante vem do próprio boi e sobre ele tem influência direta. Joel diz que O ponteiro repica e o boi vem, e que é melhor ter um berrante bom do que um peão ruim pra te acompanhar. 

Joel Berranteiro
Foto: Artur dos Santos

As pessoas também são atraídas pelo som do berrante. Muitos ouvem o toque e lembram de sua infância na fazenda, (no rancho, no sítio) e, quem ouve pela primeira vez, também tem sua curiosidade despertada. Joel comenta que o Berrante e viola chama as pessoas para perto depois de uma senhora pedir para que ele tocasse um pouco para ela. Disse que conhecia bem o som do berrante e que lembrava sua infância. Cidades marcadas pela lida com o boi, comitivas, matadouros e transportes de boiada têm em sua memória sons como esse, que remetem não só a um passado, mas a uma identidade de algumas pessoas com o toque. 

À vista do material, Joel já sabe do próximo berrante que vai fazer, onde cada chifre encaixará com o outro, quantas emendas e os que não servem para virar instrumento (aproveitados em Guampas e cuias). Ao encontro do som, pessoas param para ouvir, cantam e contam histórias, reproduzindo o imaginário popular ao redor do toque dos berrantes. O contexto os recebe com carinho - ressoam com um passado próximo da cidade e que ainda povoa a memória de uma região marcada por fazendas e pela lida com gado - e tem deste universo causos, símbolos e filosofias guardados na memória.  

Ponteio para Joel
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O que mudou para elas desde a extensão da lei em 2022?

por
Luísa Ayres
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28/08/2024

O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, no começo de 2022, que a Lei Maria da Penha deveria compreender não só mulheres cis. Na teoria, isso é um passo importante no mapeamento da violência doméstica, suporte e proteção de mulheres trans. Na prática, muita coisa ainda precisa mudar. 

Segundo os 15 últimos relatórios anuais da ONG Transgender Europe, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. E São Paulo, o estado mais violento da nação, com um aumento de 73% da violência contra mulheres trans em um período de um ano, conforme aponta o dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra).  

Além disso, em 2023, cerca de 12 pessoas trans morriam por mês no Brasil, totalizando ao final do período 145 assassinatos, dos quais 136 foram cometidos contra mulheres. De 2017 até o ano passado, 1024 travestis e mulheres trans morreram assassinadas.  

Gráfico 1
Fonte: Antra

Ainda segundo o dossiê, esta parcela da população tem até 32 vezes mais chance de serem atacadas do que homens trans, pessoas transmasculinastrans masculinas e não binárias. 

Para além da problemática do gênero, questões raciais e de classe entram como agravante, já que a maior parte destas vítimas são negras, pertencentes também às classes mais baixas da sociedade. 

Por isso, apesar do importante papel atribuído à Lei Maria da Penha, sobretudo na proteção de mulheres contra a violência física, sexual, psicológica, patrimonial ou moral, é notório que muitas denúncias e casos acabam ficando por baixo dos panos do machismo e da LGBTQAPN+fobia.  

Mercado de Trabalho 

O gênero feminino, independentemente do sexo biológico, ainda é um fator determinante no que se diz respeito à exposição a violência e discriminação, em qualquer época e setor da população.  

No entanto, a realidade vivenciada de maneira cada vez mais perigosa por mulheres trans traz consigo questões ainda mais complexas, a começar pelo mercado de trabalho. 

Por mais que a população feminina ainda ganhe 21% a menos do que os homens, mulheres trans ganham 17% a menos do que as cis. Ou seja, ganham 38% abaixo da média masculina nos mesmos cargos. Em muitos casos, não restam alternativas senão recorrer à prostituição. É justamente neste meio que  79,5% delas já foram atacadas, conforme os registros do Grupo Gay da Bahia (GGB) no período de 2002 a 2016. 

Ódio e repulsa às diferenças 

A Antra também nos conta que a aparência aparece como ponto importante ao analisarmos a violência praticada contra transgêneros. Estéticas e aparências não normativas são apontadas como fatores de risco.  

A frequente incitação de ódio praticada por grupos fundamentalistas religiosos, crescente nos últimos 8 anos, também ajuda a propagar estereótipos de quem “merece” mais ou menos ser atacado.   

Mapeamento e subnotificação 

Os crimes de transfobia acontecem, em grande maioria, em locais públicos, mostrando a mínima preocupação dos agressores com a punição ou exposição de seus ataques.  

Estes criminosos normalmente são pessoas desconhecidas da vítima, quase sempre as ferindo com grande crueldade. As armas de fogo são as mais usadas, seguidas pelas armas brancas (49,8% e 23,6%, respectivamente), a maioria com uma variação de 2 a 5 golpes ou disparos. 

A partir das análises dos casos, em 2023, pelo menos 54% dos assassinatos foram cometidos com uso excessivo de violência. Isso inclui múltiplos golpes e degolamento, por exemplo, Além disso, houve grande associação de crimes com mais de uma forma brutal de violência. Vítimas tiveram seus corpos arrastados pela rua e grande número de golpes em regiões como cabeça, seios e genitais. Este dado denota um elemento facilmente identificado em feminicídios e outros crimes de ódio, e denuncia a transfobia gritante que ainda assombra o país. 

Gráfico 2
Fonte: Antra 

É importante entender como a justiça contribui para que isso aconteça, de diferentes formas e em diferentes níveis. Isso porque as práticas policiais e judiciais ainda se caracterizam pela falta de rigor na investigação, identificação e prisão dos suspeitos.  

Existem casos de assassinato por transfobia sendo registrados como "morte por causas naturais" e ocorrências de homicídio tentado registrados como “lesão corporal”. Isso minimiza a violência de forma errônea e ignora a própria classificação da tentativa de assassinato, conta o dossiê da Antra.  

Para piorar, as vítimas são descritas frequentemente como indivíduos do sexo masculino, aumentando a subnotificação e dificultando o verdadeiro mapeamento do cenário de ataques às mulheres trans.  A situação é tão crítica que é a mídia quem tem cumprido este papel que, na verdade, caberia ao governo. A imprensa ocupou-se em notificar cerca de 80% dos casos utilizando as denominações e pronomes corretos.  

Por fim, mulheres atacadas ou que presenciam cenas de violência são pouco acolhidas, por vezes até desacreditadas pelos órgãos de segurança - o que é ainda mais recorrente em atentados cometidos em meio à prostituição.  

Gráfico 3
Fonte: Antra 

Orientação 

As delegacias da mulher cumprem um papel importante no atendimento e proteção de mulheres que precisam recorrer à Lei Maria da Penha. Nelas, é possível que a vítima solicite medida protetiva, denuncie ataques sofridos e até mesmo consiga proteção e segurança para retirar seus bens de casa evitando qualquer contato doloroso e perigoso com o agressor.  

Segundo o STJ, em agosto de 2022, a Polícia Civil de Minas Gerais publicou a Resolução 8.225 para, alterando resolução anterior, estabelecer que mulheres transexuais e travestis, vítimas de violência doméstica ou familiar baseada no gênero, fossem atendidas em delegacias especializadas, independentemente de mudança do nome no registro civil ou da realização de cirurgia de redesignação sexual. 

Após isso, cerca de 224 mulheres transexuais vítimas de violência doméstica foram atendidas em delegacias da mulher no estado. 

Suporte 

A Casa Florescer, localizada no bairro do Bom Retiro em São Paulo, é uma organização especializada no suporte de mulheres trans e travestis. 

Desde março de 2016 trabalha com duas casas de acolhimento recebendo mulheres que tenham sofrido problemas familiares em decorrência de sua identidade de gênero ou que foram gravemente  prejudicadas com a exclusão escolar, o preconceito constante e, claro, que tenham passado por qualquer tipo de  situação que compreenda violência e experiências traumáticas.  

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Legenda: Dormitórios da Casa Florescer / Reprodução: Estadão 

Em entrevista, o gerente da Casa, Alberto Silva, explica ainda que os objetivos não se limitam ao suporte das condições mínimas de uma vida digna, mas do apoio emocional. “O trabalho que é desenvolvido no espaço é pautado também nas relações afetivas. Quando envolve alguma questão nesse sentido as mulheres são encaminhadas para a Casa da Mulher Brasileira, onde contam com um atendimento mais específico”. 

A Casa da Mulher Brasileira, citada por ele, constitui um centro especializado no cuidado de vítimas de violência doméstica e familiar, com 8 unidades espalhadas por todo o país. Trata-se de mais uma rede de apoio de extrema importância - não mais apenas para as mulheres cis.  

Para Silva, apesar da importância da integridade física, é preciso “pensar políticas de saúde, esportes, lazer e cultura”. Este apontamento é de suma importância, já que a população trans, sobretudo feminina, é constantemente marginalizada.  

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Legenda: Curso de confeitaria artesanal em parceria com o SENAI / Reprodução: @casaflorescer1 

Basta que olhemos para mais alguns dados da Antra dos últimos anos: 82% das pessoas trans abandonam o Ensino Médio entre os 14 e os 18 anos.  

Por isso, a instituição precisou entender que as vivências diárias das mulheres que atendem estão repletas de obstáculos. “Um dos maiores desafios é lidar com as vulnerabilidades, a coleção de ‘nãos’ que muitas mulheres recebem no seu dia a dia. Infelizmente, muitas mulheres ainda são muito marginalizadas pois em muitos momentos possuem somente a prostituição como meio de sobrevivência”, esclarece. 

Além das rodas de conversa, o projeto já contou com o apoio de cursos ministrados pelo SENAI, atuando na capacitação profissional e reinserção dessas mulheres no mercado de trabalho.  

As festividades também são constantes: festas juninas, ceias de Natal, festivais gastronômicos e até mesmo a presença de DJ 's chegam para ajudar na socialização e promoção de momentos de alegria no dia a dia da instituição.  

 

Na pele 

A jovem Luara de Amorim, de 21 anos, afirmajá ter sido vítima de violência psicológica e verbal em locais públicos, além de ter presenciado isso com outras pessoas.  

Segundo ela, apesar da grande incidência de crimes violentos, os ataques verbais ocorrem praticamente na mesma frequência. Com medo, sabe que nem sempre pode estar sozinha.  “Conto majoritariamente com amigos e familiares para auxílio, mas procuro sempre estar enturmada em redes maiores para apoiar e ser apoiada quando necessário”, relata. 

Luara
Legenda: “Não é novidade que o Brasil é recordista na não aplicação prática dos direitos e leis dos cidadãos”  / Reprodução: Luara Amorim 

Quando questionada sobre a importância da extensão da Lei Maria da Penha para sua comunidade, aponta que o sistema ainda é muito pouco eficiente: 

"A lei em questão já possuía diversas falhas em sua composição e na sua execução, mesmo quando ainda abrangia apenas mulheres cis gênero. Dentre essas falhas, pode-se relatar a falta de um acompanhamento adequado das medidas protetivas, a ineficaz comunicação entre os órgãos responsáveis durante sua execução, as limitações das medidas protetivas e a falta de apoio à vítima. À vista disso, é certeiro que para mulheres trans e travestis não seja diferente (...)”, afirma.  

Por isso, Luara Amorim relaciona os crimes, ataques e mortes de mulheres trans e travestis principalmente a esta dura realidade, impotente e misógina. Segundo ela, uma vida melhor para esta população atravessa a mesma necessidade de tantos outros grupos e minorias: a efetivação do respeito aos direitos humanos. 

“Portanto, diante do atual cenário brasileiro, a ineficácia das leis e julgamentos contra mulheres transgêneros e travestis está enraizada em questões sistêmicas de discriminação, transfobia e da falta de sensibilidade por parte do sistema legislativo. Enquanto houver a cultura de seletividade na aplicação dos direitos humanos e na diversidade de gênero, será necessário muito mais esforço e ações para alcançar de fato uma mudança positiva”, explica.  

Até que isso aconteça, Luara Amorim seguirá, em suas palavras, se sentindo “desprotegida”.  

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Presença feminina em bandas de rock tem crescido no cenário musical e incorpora engajamentos com o feminismo.
por
Rodrigo Silva Marques
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17/09/2024

Por Rodrigo Marques

Ao longo de décadas, o rock, um dos gêneros musicais mais emblemáticos da cultura pop contemporânea, tem testemunhado uma evolução em termos de representatividade das mulheres. Inicialmente relegadas aos bastidores, com o estrelato dado sumariamente aos homens, as mulheres têm desempenhado papéis cada vez mais proeminentes na cena do rock, desafiando estereótipos e redefinindo os limites do gênero musical ao longo de vários anos. De vocalistas a guitarristas, baixistas a bateristas, compositoras a produtoras, as mulheres têm desempenhado papéis essenciais na música. Artistas como Joan Jett, Rita Lee, Janis Joplin, Cassia Eller, Suzi Quatro e Patti Smith, entre muitas outras, emergiram como ícones, demonstrando talento e muita simpatia no palco. 

É nesse cenário que se encontra Michelle Alves, vocalista e líder da banda de indie rock NBM (Nunca Beijei de Mochila). Recém formada em letras na USP, formou a banda ainda no primeiro ano de faculdade como um trio. Contou que desde pequena gostava bastante de música, mas só depois que seu pai a levou em um show do Iron Maiden em 2009 que se encantou com o rock. Começou ouvindo principalmente rock pesado, mas sentia que não se encaixava com estilo. Posteriormente, foi se encontrando melhor através do alternativo e o indie, pois eram estilos que conversavam melhor com sua personalidade. A partir daí, aprendeu a tocar violão/guitarra e começou a conhecer as grandes nomes do gênero. Sua artista favorita é a Stevie Nicks, do Fleetwood Mac. 

Sua ideia inicial era uma banda normal, ou seja, não necessariamente ser só de garotas, mas encontrou dificuldade para achar outros membros. A maioria das pessoas da sua sala ouviam MPB ou sertanejo, só quando conseguiu furar a bolha social do seu curso que encontrou o que procurava, e curiosamente também eram garotas. Daniela é a baterista e fazia artes plásticas e a Marina, de psicologia, no baixo.  No início, não ligava muito para os gênero dos integrantes, mas depois achou uma boa ideia. Uma banda de rock só de garotas universitárias, soou incrível. Começaram a ensaiar juntas depois das aulas e aos poucos fazer alguns shows pelo imenso campus da USP. Notou algo curioso em relação ao público, enquanto as outras meninas achavam um máximo, os rapazes ficavam divididos entre os que apoiavam e curtiam e aqueles que só iam por curiosidade ou tirar sarro. 

Foi a primeira vez que percebeu que não seria tão fácil ter uma banda feminina. Por mais que fosse boa, precisava convencer também. Michelle passou a escrever músicas mais potentes poeticamente e melhorar as melodias. Mesmo chamando bastante atenção pelo campus, tocando até mesmo na rádio USP, ainda tinham que lidar com os narizes torcidos e surgimento de “haters” nas redes sociais. No fim, a perseverança começou a dar frutos. Conseguiram produzir uma demo com ajuda de colegas, chamando a atenção de produtores alternativos e independentes, organizaram shows em lugares com públicos maiores e estão prestes a lançar seu primeiro EP em estúdio. Para ela, foi gratificante depois dos problemas e as críticas enfrentadas ser recompensada por aquilo que lutou para conseguir, esperando ser a primeira de muitas. No momento, o trio compõe músicas para serem usadas em um futuro albúm inteiro.

Por outro lado, existem bandas de mulheres que usam as ideias e o engajamento feminista como forma de lutar, quase literalmente, por maior representatividade do rock entre as mulheres. O apoio do som punk, o principal gênero musical relacionado aos movimentos sociais institucionalizados, com os ideais  “básicos” do feminismo: letras que falam de liberdade sexual, violência, relacionamentos abusivos e aborto, acabou criando um amálgama perfeito entre música e letras. Mesmo com as primeiras bandas surgindo ainda no auge do movimento (anos 1970 e 80), foi a partir dos anos 1990 que o feminismo realmente se popularizou dentro do punk, com o nascimento de um subgênero chamado Riot Grrrl (algo como “garota revoltada”, em inglês) – que culminaria na terceira onda feminista. Criado em Washington, nos Estados Unidos, o movimento apresentou pela primeira vez bandas exclusivamente femininas, como Bikini Kill, Tribe 8, Bratmobile e Hole, e tinha como objetivo criar espaços seguros para as mulheres e aumentar sua visibilidade dentro do punk, criando selos de música, fanzines e festivais exclusivos para elas.

Através desse mergulho em uma parte do submundo punk, está Edwiges Carvalho, guitarrista e vocalista do Menstruação Anarquika, também conhecida como Diva. Sua banda já tem mais de trinta anos de estrada e lançamentos de albúns, coletâneas e demos. Edwiges entrou em contato com o movimento punk ainda no final dos anos 80, quando via vários Punks em uma Praça no Teatro Clara Nunes em Diadema e sempre tinha admiração vendo eles, suas roupas, o visual. Começou a se aproximar e entender as ideias e a aprender do que se tratava o porquê de tudo aquilo, das bandas, dos zines e tals, foi aprendendo e se identificando com aquilo cada vez mais ao ponto de não conseguir ser ou viver sem isto.

 

 

Formou a banda em 1992, num momento em que o punk no Brasil estava em baixa, devido às brigas e o desinteresse público. O início foi bastante complicado devido aos altos cultos para manter coisas como equipamentos e local de ensaio, mas desistir estava fora de cogitação. Tentou até ter membros masculinos no grupo, mas abortou a ideia pois todas vez que tocavam, resultava em briga. O primeiro registro veio na coletânea "SP Punk Vol.1" , num convite feito pelo vocalista do Invasores de Cérebro, Ariel Uliana. No entanto, o primeiro albúm só viria a sair em 2009, chamado "Bazar dos Milagres", com quinze músicas autorais. As letras abordam tematicas como anarquismo, liberdade, igualdade e algumas ideias do feminismo moderno, como estupro, o patriarcado, a sexualidade, e o empoderamento feminino. No ano passado, em maio, o grupo lançou seu segundo disco, Maria Bonita. Atualmente o Menstruação Anarquika é uma das poucas bandas de mulheres punk feministas ainda em atividade nos palcos.

Foto contraponto puc
Edwiges "Diva" Carvalho, em apresentação com o Menstruação Anarquika em 2023

 

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Cultura e Entretenimento

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cultura-entretenimento
Dois grupos de WhatsApp criados por fãs da tenista brasileira Beatriz Haddad Maia mostram o porque de pessoas com vivências muito diferentes se juntam em torno de um assunto de interesse comum.

por
Rodrigo Vaz Guimarães Mendonça
|
11/06/2024

Por Rodrigo Vaz

Beatriz Haddad Maia é uma tenista paulistana com mais de 14 anos de carreira profissional e que passa quase todos os 365 dias do ano viajando o mundo. Enquanto isso, diversos fãs seus do Brasil se reúnem no aplicativo de mensagens WhatsApp para acompanhar sua carreira e discutir sobre seus jogos, tendo ocasionais encontros presenciais quando Bia vem disputar algum torneio no Brasil, o que já tem muitos anos que  é um acontecimento raro, ou eventualmente em um ou outro jogo dela fora do Brasil. O “Beatriz Haddad Maia Fans 2.0” e o “BIA HADDAD BR” são dois desses grupos, mas o que explica que pessoas de origens e realidades tão diferentes se unam por conta de uma pessoa especifica?
  

A mineira Lorena Lehmann de 27 anos é engenheira civil e integra um desses grupos. Diz que ela se identifica muito com os valores que a Bia transmite e que busca sempre ser consciente com o que acontece no mundo, aproveitando a simplicidade por ter essa identificação com a tenista. Para Lorena, o tênis a ajudou a superar um momento ruim de sua vida e que entrar em grupo dedicado à uma atleta que ela admira  e ao esporte que a ajudou no seu pior momento.  Foi como respirar ar puro depois de passar muito tempo embaixo d’água. Das inúmeras coisas que ela admira na Bia ela diz que é a resiliência. Praticante amadora de tênis, Lorena conseguiu seguir firme mesmo após as derrotas, lesões e tudo que já enfrentou. Acha  incrível poder ver todas as barreiras que a Bia já quebrou pelo esporte e tudo que já conquistou, sempre com muito amor, foco, luta, garra e resiliência.

A belo-horizontina e servidora Pública estadual Isabela Aguiar de 37 anos também integra esses grupos. Isabela diz que quando começou a acompanhar a Bia jogando sentia uma emoção difícil de descrever no começo. Ela não sabia se era a garra ou o "tudo" que ela tinha deixado em quadra. Isabela conta que isso chamou muito sua atenção  porque essas características são as que ela gostava das tenistas que acompanhava desde pequena, mas nunca uma brasileira, pois as brasileiras raramente apareciam na televisão. Foi conhecendo a Beatriz Haddad em pessoa que a admiradora virou fã. Para Isabela, os valores que ela carrega são os mesmos que compartilha como a proximidade com a família, o carinho pelos avós, o cuidado, o respeito e a responsabilidade que tem diante do posto de "referência no esporte" que ela conquistou. Isabela acredita que estar em um grupo como esses a possibilita conversar e conectar com pessoas com um assunto em comum, ao mesmo tempo com pessoas de diferentes contextos e vivências, Isabela acredita que isso traz novos olhares sobre esse assunto. Ainda que os jogadores, o jogo, os campeonatos sejam os mesmos, sempre existe algo novo e camadas diferentes a serem descobertas. E também novas conexões reais. Isabela considera que Isso é legal, especialmente nesse ano e no ano passado, quando pode conhecer as pessoas do grupo ao vivo em Brasília e em Madrid, durante os jogos da Bia. 

Bia Haddad tirando fotos e dando autógrafos para alguns fãs no Ginásio do Ibirapuera em São Paulo
                              Bia Haddad tirando fotos e dando autógrafos para fãs no Ginásio do Ibirapuera em São Paulo

A curitibana Patrícia Zeni, jornalista que também integra esses grupos, segue a carreira da Bia por acreditar que ela representa as mulheres brasileiras em um esporte individual difícil, que é o tênis. Bia conseguiu estar entre as melhores do mundo, e superou várias dificuldades para chegar onde está hoje. Patricia conta que entrou nesses grupos por curiosidade e pela vontade de saber mais sobre as outras pessoas que também acompanham a Bia e acredita que estar nesses grupos é uma experiência boa, mesmo quando não participa ativamente e que gosta de ler o que os outros estão comentando e saber a opinião de cada um.

Outra fã, a fotógrafa Rebecca Martins de Campina Grande na Paraíba que também faz parte desses grupos diz gostar muito de comentar durante os jogos da Bia e que por não ter amigos próximos que acompanhem esporte, os grupos a proporcionam isso. Para Rebecca, estar em grupos proporciona fazer muitas amizades e também ter informações de forma prática e fácil sobre a Bia. É também o caso de Polyana, advogada recifense de 34 anos, outra integrante desses grupos que acompanha a Bia porque considera que ela é uma mulher que, além de ser uma atleta excepcional, ainda usa sua voz para assuntos importantes para as mulheres sul-americanas. Polyana entrou no grupo pois não conhecia pessoas que discutiam sobre a Bia ou o tênis e acredita que grupos como esses ajudam a ficar mais próxima dos assuntos que ela mais gosta. Da mesma cidade de Polyana, Gilka Dueire, é outra integrante desses grupos. Estudante de Engenharia Ambiental, Gilka diz que acompanha a Bia por conta de seu carisma e resiliência e também por ser brasileira, canhota, humilde e com bastante potencial. Ela conta que entrou nos grupos para entender mais as perspectivas dos jogos da Bia, como o rendimento e acompanhar o calendário dos seus jogos. Para ela o grupo não só a fez gostar mais de Bia, como também conhecer pessoas que compartilhando do mesmo sentimento. É um grupo com bastante troca.

A psicóloga Flavia Mendonça acredita que existam dois pontos, o da a identificação com o ídolo e do desejo do pertencimento, para ela quando alguém segue seu ídolo, se sinta próximo, identificado, quase como se pudesse ser, em parte, ele. Ela também afirma que o ídolo  pode refletir nossos primeiros modelos, nossos pais, como se pudéssemos manter a imagem ideal que um dia tivemos deles e que a realidade ou s maturidade vai desconstruindo, o ídolo se manteria neste lugar idealizado. Mendonça também acredita que a simples sensação de identificação ao ter um mesmo objeto de “desejo” pode dar a sensação  de pertencimento. Para ela, pode haver também uma sensação de proximidade ou familiaridade com o ídolo como se todos fizessem parte de um mesmo sistema (feito uma grande família). O advento da Internet tornou mais frequente o surgimentos desses grupos de fãs, pois segundo diz  há maior facilidade para montar grupos e encontrar as pessoas que tem a mesma afinidade por conta  da chance de comunicação mais fácil e oculta. Entretanto ressalta que também existe um lado não muito positivo: a  adoração de um ídolo muitas vezes gera a tendência a olhar somente para a positividade daquela pessoa e isso é irreal e insustentável como um todo, explicando que quanto maior a adoração, maior a frustração quando se deparar com a humanidade do ídolo e as sombras dele, e que, sobre os grupos, o ponto negativo é da possibilidade das pessoas projetarem no ídolo uma vida ideal, que deve ser perseguida. Ela acredita que o excesso da idolatria pode gerar um distanciamento da realidade e que o excesso de energia empregada nestes grupos também pode gerar uma limitação de temas e um empobrecimento na comunicação e socialização do indivíduo.

 

 

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Um pouco da vida dos pilotos de arrancada e suas histórias sobre como chegaram nas pistas
por
Rodrigo Silva Marques
|
14/06/2024

 Por Rodrigo Silva      

A origem das corridas de arrancada remonta o pós Segunda Guerra, quando jovens americanos apaixonados por velocidade, mas sem muito dinheiro, passaram a construir e customizar seus carros a partir de sucatas de roadsters (veículos conversíveis de dois lugares) encontrados em ferros-velhos, transformando-os em supermáquinas equipadas com motores V8 de grande cilindrada. Os duelos para saber que era os mais rápido aconteciam no leito seco do Lago Muroc, no deserto do Mojave, na Califórnia.

Por aqui no Brasil, as arrancadas chegaram em São Paulo e Curitiba, começando a tomar força no fim dos anos 80, quando as provas eram oficializadas e realizadas na reta principal do Autódromo de Interlagos. Na época, era uma solução para acabar ou pelo menos diminuir a quantidade de rachas que aconteciam em diversos pontos das capitais paulista e paranaense, como a Marginal Pinheiros e a Avenida Iguaçu. 

Atualmente, as corridas são administradas pelos próprios pilotos juntos com os organizadores de eventos. Os denominados mais rápidos que cada região do país se enfrentam numa final conhecida como Armageddon, que será realizada esse ano em São Paulo, justamente em Interlagos. 

Para entender um pouco mais sobre esse universo, é preciso conhecer um pouco da história dos responsáveis por isto, os pilotos. Entrando em contato com dois deles, pode-se se ter uma noção  melhor desse mundo. 

O primeiro contato foi com Ricardo Galli, conhecido como o Rei. Membro da equipe de preparação Peninha Street, venceu sua sétima coroa no início de Maio. Ao falar um pouco de sua história, contou que como vários outros garotos dos anos 80 que gostavam de carros, cresceu admirando os grandes nomes do automobilismo brasileiro da época como Nelson Piquet e Ayrton Senna. Natural de Osasco, Galli também explicou como foi difícil viver na cidade devido aos altos indíces de criminalidade da região.

Esses eram basicamente seus dias, ia para escola e ficava desenhando carrinhos de corrida na mesa até a professora chamar atenção, voltava lendo uma revista Quatro Rodas e depois ficava ajudando o avô com seu carro.

Com isso, aprendeu ainda jovem a mexer em motores, inicialmente por razões mecânicas e depois para extrair potência. Quando ele tinha uns 17 anos por aí, ia junto com um amigo seu até a Hildebrando de Lima, ele tinha um Golzinho quadrado endriabrado. E às vezes deixava ele dirigir aquele treco. Foi basicamente sua primeira experiência dirigindo um veículo, foi aí também que começou seu gosto pelo popular carro da Volkswagen. 

Quando conseguiu financiar seu primeiro carro, a primeira coisa a fazer foi justamente ver até quanto ele chegaria com ele. depois começou Mexer nos componentes para ficar mais potente. Nessa época começou a participar de rachas, que se tornaram "um vício" na sua vida por bastante tempo. Começou como um escape, mas a sensação de adrenalina e perigo total era como uma droga, tipo heroína e crack, ele corria toda noite depois da faculdade, era uma parte de eu financiar meus estudos com o dinheiro das vitórias, o resto ia pro carro. 

 A rotina deu a Ricardo uma certa reputação, chegando ao ponto de desafios valendo altas apostas de dinheiro, mas também alguns problemas com a polícia. Nessa época conheceu os mecânicos da Peninha Street, que somente atuavam como oficina de preparação. A junção do útil com o agradável. 

Através da Peninha, que se tornou sua equipe, foi apresentado as arrancadas profissionais e viu uma oportunidade de sentir adrenalina de correr sem tantos riscos, até porque descobriu que sua esposa estava grávida de seu primeiro filho. Nessa situação, acabou se vendo obrigado a largar e se "desintoxicar do vício dos rachas para ter uma família.

Mas se tornar "profissional em acelerar" e vencer se tornou rentável. Aos poucos, foi escalando na lista dos mais velozes de São Paulo, o que resultou na participação de eventos de mais prestígio como o Race Valley Outlaws e o Armageddon (maior evento de arrancada do país). Inclusive afirmou estar ansioso para sua partipação esse ano. Nos outros anos, a equipe não conseguia ir longe, mas agora estão confiantes de que podem chegar na final e vencer".

Arrancada 1
      O gol 4x4 de Ricardo

O outro contato foi João Couto, o "Joãozinho". Diferente de Ricardo, ele é um novato em arrancadas, começou a correr ano passado, e ainda busca se classificar na Lista de Curitiba. O ranking de classificação, chamado de Shark Tank, consiste num grupo de quatro estreantes que competem com os pilotos que ocupam ranking da Lista e duelam no estilo mata-mata. Os vencedores que derrotarem os pilotos que estiverem na Lista, terão seus nomes preenchidos automaticamente as posições da lista correspondente. 

Couto começou seu contato com carros através do kart, onde competiu por anos em divisões amadoras e juvenis. Mas depois de uma ida aos Estados Unidos, tudo mudou. Seus pais o levaram a uma arrancada oficial da NHRA (associação norte-americana de arrancada) e se encantou instantaneamente com o que viu. Rapidamente trocou a precisão das curvas pela agilidade das retas longas.

Começou junto com o Tio, que é mecânico, a aprender sobre motores, mas como era novo ainda não podia dirigir, apenas dar umas aceleradas. Com isso. uma situação engraçada aconteceu, durante um teste que fazia com um uno no dinamômetro, o tio deu permissão pra ele acelerar o carro, e na busca para ver qual era a potência final dele, o motor estourou. Seu tio tinha acabado de colocar pistões novinhos e eles foram pro espaço basicamente, ele queria matá-lo ao mesmo tempo que não parava de rir. 

Depois de se tornar maior de idade, começou a treinar no autódromo de Curitiba aos fins de semana, aos poucos foi ficando cada vez melhor. O seu ponto fraco era a largada, derrapava um pouco e perdia tempo, era difícil manter o carro em linha reta depois do tranco do motor. Depois de pegar mais prática, rapidamente começou participar de eventos locais. A primeira corrida foi na pista de Cascavel. Ganhou a primeiro corrida como profissional. De lá pra cá foi só subindo.

Arrancada 2
O chevy opala de João antes das modificações

No início do ano, se tornou piloto da equipe de Helder Gandolfo, um dos maiores nomes de arrancadas no Paraná, mirando uma boa participação no Armageddon desse ano. Como é um dos mais novos, acredita que tem muito ainda a evoluir ficar ainda melhor e quem sabe um dia participar de um evento da NHRA.

As  arrancadas tem ganhado cada vez mais popularidade e prestígio no Brasil, e ouvir um pouco da história dos pilotos que participam delas, mostra um pouco de seus mundos. São pessoas que vivem um pico de adrenalina durante 402 metros (cerca de um quarto de milha) em menos de 10 segundos. 

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