Forçada a se casar com o primo ainda na adolescência, Val deixou o interior de Minas para reconstruir a própria vida em São Paulo.
por
Nicolly Novo Golz
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30/05/2025

Por Nicolly Golz

 

Valdete, ou simplesmente Val, nasceu entre plantações de milho e cheiro de terra molhada, na pequena São João do Pacuí, no norte de Minas Gerais. Em um lugar onde o tempo parecia andar mais devagar, o destino das meninas era quase sempre o mesmo: casar cedo, ter filhos e servir à lavoura. A tradição era regida tanto pelos costumes familiares quanto pela força da religião, Val e sua família são da Congregação Cristã no Brasil, onde o silêncio das mulheres é um mandamento e o casamento é, mais que um compromisso, uma sentença perpétua.

Val era a filha do meio de cinco irmãos. Seus pais, primos entre si, se casaram aos 13 anos e iniciaram uma vida pautada pela roça e pela rigidez religiosa. Naquela casa de chão batido e paredes frágeis, estudar não era prioridade. Mas Val tinha outros planos, com a ajuda de um padrinho persistente, convenceu os pais a deixá-la ir para a escola. Caminhava mais de 10 quilômetros para pegar o ônibus, e só faltava quando o pai a obrigava a trocar os cadernos pela enxada. Mesmo assim, estudou e se tornou a única alfabetizada de sua família. Porque entendia que a educação era sua única chance de escapar.

Mas escapar não seria tão simples. Aos 17 anos, Val foi forçada a se casar com um primo, como tantos antes dela. A justificativa era religiosa, cultural e inevitável. Com ele, teve dois filhos: Miriam e Lucas. E foi por eles que, anos depois, encontrou forças para dar o passo que mudaria sua história. Ela já tinha aceitado o próprio destino, acreditava ser mais uma mulher marcada pela invisibilidade, pelo silêncio, pela submissão. Mas quando viu seus filhos crescendo, percebeu que ainda havia tempo para mudar o curso deles, e talvez o seu também. Pegou o pouco que tinha e partiu para São Paulo.

Chegou à capital com uma mala pequena e um coração em pedaços. Dormiu no chão de casas emprestadas, dividiu espaços com desconhecidos e trabalhou no que apareceu: faxineira, cozinheira, babá, cuidadora de idosos. Com fé em Deus e força nos braços, reconstruiu sua rotina sem nunca deixar que o cansaço a definisse. Em uma de suas primeiras faxinas em São Paulo foi chamada para limpar uma mansão em um bairro nobre da zona sul. Ao entrar, seus olhos se perderam entre os detalhes: a piscina de azulejos claros, o chão de mármore, uma geladeira maior que o quarto onde dormia. Ali, pela primeira vez, viu um vaso sanitário aquecido e uma máquina de lavar louça. E também ali, pela primeira vez, entendeu que a desigualdade não era apenas econômica era estrutural, cotidiana e cruel.

Val teve que levar Miriam para o trabalho um dia, por não ter com quem deixá-la. Enquanto limpava o chão da sala, ouviu risadas vindas do quarto das crianças. Miriam brincava com a filha da patroa. Minutos depois, a patroa a chamou em voz baixa, com um sorriso gelado. Pediu que, por favor, não levasse mais a filha. E, dias depois, mandou Val embora. Disse que "não estava dando certo". Val entendeu o recado. Não era só o olhar torto. Era o prato separado, o copo de plástico, os talheres guardados em um armário diferente. Era a desconfiança velada, o “você pode esperar na área de serviço”, o “não precisa entrar”, e entender que sua presença era tolerada. E mesmo assim, ela permaneceu. Por necessidade, por orgulho, por amor aos filhos. Miriam e Lucas cresceram vendo a mãe sair antes do sol nascer e voltar exausta, mas ainda sorrindo, ainda tentando. Val se recusava a ser reduzida ao estigma de “mais uma empregada”. Por isso, foi atrás de cursos. Queria se profissionalizar, entender técnicas, estudar padrões de organização. Descobriu que era apaixonada por isso, por transformar o caos em ordem, o excesso em funcionalidade. Já fez mais de dez cursos, pagou cada um com suor e fé. E não para de estudar.

Seu trabalho hoje é em Mogi das Cruzes, onde conquistou uma clientela fiel como personal organizer. Uma antiga patroa, sensibilizada pela sua dedicação, pagou a última mensalidade do curso e a indicou para outras mulheres. A agenda de Val cresceu e com ela, a sua autoestima. Mas nem tudo está resolvido.

O marido, com quem foi obrigada a se casar, vive encostado. Não trabalha, não ajuda, não participa. Val sustenta a casa sozinha e ainda não conseguiu se divorciar. A religião que sempre lhe deu força, hoje também é sua prisão. A Congregação Cristã não aceita o divórcio. Dentro dela, mulheres como Val devem suportar caladas. Val, no entanto, vive uma batalha íntima, silenciosa, mas diária. Ela sabe que precisa se libertar desse casamento. E está decidida a fazê-lo. A fé, para ela, não está na instituição, mas em Deus. Val não perde um culto. Vai de cabeça coberta, Bíblia na bolsa e joelhos prontos para dobrar. É nas orações que encontra fôlego. Conversa com Deus a todo momento no ônibus, na limpeza, ao organizar uma gaveta. Sente a presença de Deus em tudo. E é essa presença que a mantém firme, mesmo quando o mundo parece desabar.

Hoje, aos 43 anos, Val vive com os filhos em uma casa simples, mas só dela. Decidiu que não vai mais se curvar para sobreviver. Quer viver com dignidade, com escolha, com liberdade. Ainda enfrenta preconceito, ainda batalha por respeito, mas não aceita mais ser silenciada. Val não é exceção. É o retrato de milhares de mulheres negras, pobres, invisibilizadas. Mas o que ela construiu com fé, estudo e força ninguém tira. Sua história é sobre coragem não a coragem de quem vence tudo, mas a de quem continua mesmo quando tudo conspira contra, Val sempre sendo simplesmente Val. 

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Em diferentes setores, relatos revelam o impacto direto da automação na vida de profissionais dispensados após a chegada da inteligência artificial.
por
Arthur Rocha
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20/06/2025

por Arthur Rocha

As luzes de São Paulo, em sua dança incessante, sempre foram um palco para sonhos e desassossegos. Mas nos últimos anos, uma sombra sutil, quase invisível, começou a alongar-se sobre o horizonte de concreto e vidro: a sombra da Inteligência Artificial. Não a IA dos filmes, com robôs a caminhar entre nós, mas uma presença silenciosa, um código a reescrever destinos, a destecer carreiras.

Pedro Vasconcelos, aos 42 anos, era um artista das cores e das formas. Seus 15 anos como designer gráfico na agência "Conceito & Traço", de médio porte na Vila Olímpia, eram uma tapeçaria rica de campanhas visuais, logotipos que cantavam e layouts que seduziam. Ele amava a tangibilidade de seu trabalho, o toque da caneta na prancheta, o ritual de dar vida a uma ideia. Seu escritório era seu santuário, um refúgio da agitação urbana, onde a criatividade fluía como um rio calmo.

No entanto, o rio da sua vida profissional estava prestes a encontrar uma barragem digital. Era março de 2024 quando o e-mail, frio como metal polido, pousou em sua caixa de entrada: "Reestruturação Departamental". A linguagem burocrática mascarava a verdade brutal: uma ferramenta de IA generativa assumiria as tarefas repetitivas e de alta demanda visual. A promessa era clara: redução de custos e agilidade sem precedentes. Pedro, um dos três designers, foi "realocado para o mercado".

Pedro diz que sente como se anos de experiência, de noites em claro para um cliente exigente, de cada linha traçada com intenção, tivessem sido reduzidos a um mero comando. Ele observa o horizonte de sua pequena varanda na Lapa, onde o cheiro de pão fresco se mistura ao burburinho da cidade. A notícia doeu mais que um corte. Doeu na alma. Ele não é um caso isolado. Pesquisas indicam que 53% dos empregos no Brasil podem ser alterados pela IA, com setores como o de serviços criativos, atendimento ao cliente e análise de dados entre os mais vulneráveis. Globalmente, o Fórum Econômico Mundial projeta que a automação pode substituir 85 milhões de empregos até 2025, uma onda silenciosa que avança.

Os primeiros dias foram um vácuo. Pedro acordava sem um propósito claro, o corpo ainda acostumado ao ritmo frenético da agência. A raiva deu lugar a uma angústia profunda, um desamparo quase existencial. Ele se questionava como sua arte e sua identidade poderiam ser replicadas por um conjunto de algoritmos. Os dados da Robert Half, que revelam que mais de 70% das empresas brasileiras já utilizam ou planejam utilizar IA em suas operações, eram agora uma estatística fria que o atingia em cheio.

O dinheiro da rescisão, antes um pequeno alívio, tornou-se uma contagem regressiva. Com o custo de vida crescente em São Paulo, o orçamento apertou. Pedro relata que cortou tudo que não era essencial, desde ir ao cinema até o café especial de sábado, que se tornaram luxos. Ana Clara, sua esposa, professora em uma escola pública, sentiu o peso e precisou assumir mais responsabilidades. A casa, antes um porto seguro de prosperidade compartilhada, agora ecoava uma tensão silenciosa. Pedro tentou se candidatar a vagas similares, mas percebeu que o mercado buscava algo mais: profissionais com competências digitais avançadas, familiaridade com as novas IAs. A consultoria Korn Ferry alerta que o Brasil pode enfrentar uma escassez de talentos qualificados em tecnologia em paralelo a um excedente de profissionais com habilidades desatualizadas. Pedro era uma dessas estatísticas vivas.

Hoje, nove meses após a demissão, Pedro está em um limbo. Ele fez cursos online sobre ferramentas de IA para designers, buscando entender como a tecnologia pode ser uma aliada. Ele explora a ideia de se tornar um "prompt engineer" – alguém que sabe dar as instruções certas para a IA. Para ele, não é mais sobre "criar do zero", mas sobre "dialogar com o que já existe" e refinar. Ele também busca refúgio em nichos que valorizam o toque humano insubstituível: design de experiência do usuário (UX), que exige empatia, e branding conceitual, onde a estratégia e a alma de uma marca ainda dependem de uma mente humana. Pedro afirma que é uma corrida contra o tempo e que precisa aprender a usar essas ferramentas para não ser completamente engolido, para achar sua voz de novo, enquanto esboça novas ideias em seu tablet, agora com a ajuda de um software de IA.

Clara Rezende, aos 35 anos, era uma analista de dados brilhante. Sua mente trabalhava com a precisão de um relógio suíço, transformando planilhas complexas em insights acionáveis para a "Synapse Consultoria", uma grande empresa na Berrini. Ela amava a lógica, a beleza dos padrões ocultos nos números, a sensação de desvendar mistérios através da matemática. Seu trabalho era seu orgulho, sua torre de babel construída em códigos e relatórios que orientavam decisões corporativas de milhões.

Em outubro de 2024, a notícia chegou como um raio em céu azul, sem a menor previsão em seus modelos estatísticos. O diretor do departamento anunciou um novo "parceiro estratégico": um sistema de IA capaz de processar volumes massivos de dados, identificar tendências e gerar relatórios preditivos em uma fração do tempo que um humano levaria. "Otimização de processos" foi a palavra-chave. Clara, juntamente com metade da equipe de análise de nível júnior e pleno, foi dispensada.

Clara relembra, com um tom de voz ainda carregado de uma incredulidade amarga, que lhe disseram que suas tarefas eram "rotineiras demais", que a máquina faria isso com mais "eficiência". Ela, que dedicou anos a aprimorar seus modelos e a entender as nuances dos dados, viu seu conhecimento ser sumariamente descartado. A ironia era cruel: ela própria, com sua expertise em sistemas, havia ajudado a construir plataformas que agora a substituíam. Pesquisas indicam que a IA tem potencial para impactar significativamente 2,4 milhões de empregos no Brasil nos próximos três anos, com o setor financeiro e de serviços sendo altamente expostos.

O desemprego para Clara foi um choque que reverberou em cada aspecto de sua vida. Acostumada à estrutura e à clareza dos dados, ela se viu em um mar de incertezas. A rotina desabou. As manhãs, antes preenchidas por reuniões e algoritmos, agora se estendiam em uma busca incessante por vagas. As ofertas, quando surgiam, eram para salários muito menores ou exigiam habilidades que ela não possuía, como "engenharia de prompt" ou "ciência de dados com IA generativa", áreas que sequer existiam em sua formação inicial.

O impacto financeiro foi imediato e severo. Clara, que sempre foi independente, viu suas economias minguarem rapidamente. Ela teve que se mudar do seu apartamento confortável nos Jardins para um menor e mais distante, no Tatuapé. Ela tenta racionalizar, dizendo que é um recuo, um passo para trás para talvez poder dar um passo para frente, mas a frustração transborda. A pressão social, o olhar dos amigos que ainda estavam empregados, era um peso invisível.

Clara, em sua jornada, abraça a complexidade. Ela mergulhou em cursos de machine learning e ética em IA, buscando entender não apenas como as máquinas operam, mas quais são suas limitações e vieses. Ela se matriculou em um bootcamp intensivo de programação avançada, um caminho difícil, mas que ela vê como sua única saída. Seu objetivo é ser uma cientista de dados com especialização em IA responsável, atuando na fiscalização e aprimoramento dos próprios algoritmos que um dia a demitiram. Ela reflete que, por ironia, precisa entender o "inimigo" para poder vencê-lo, ou, pelo menos, para conviver com ele de forma mais justa. Ela colabora com um grupo de estudos online que discute o futuro do trabalho e a necessidade de regulamentação da IA, buscando uma voz coletiva em meio à sua luta individual.

As histórias de Pedro Vasconcelos e Clara Rezende não são apenas sobre desemprego. São sobre a resiliência humana diante de um futuro incerto, sobre a busca por propósito em um cenário profissional que se reinventa a cada dia. Elas são um espelho das transformações digitais que afetam milhões, e um lembrete de que, mesmo quando os algoritmos reescrevem o mundo, a capacidade de adaptação e a busca por um novo sentido ainda pertencem aos humanos. A questão não é se a IA substituirá empregos, mas como as pessoas como Pedro e Clara se reinventarão para coexistir e prosperar, desenhando novos caminhos em uma tela que nunca para de mudar.

 

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Olhares podem determinar o que a avenida mais movimentada de São Paulo é...
por
Vitor Bonets
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12/06/2025

Por Vitor Bonets


Ande. Passeie. Pedale. Dirija. Trabalhe. Viaje. Venda. Compre. Veja, faça ou seja arte. Seja paulista ou turista, a Avenida é a mesma, mas cada olhar determina o que ela é de fato. Ao andar pela famosa “Paulista” é possível ver de tudo, desde o homem que se equilibra em pernas de pau na frente do farol até a mulher que equilibra os produtos em cima da cabeça. O empresário engravatado que carrega a vida dentro de uma pasta embaixo do braço até o morador de rua que carrega seu mundo de papelão na palma das mãos. Nenhum deles debaixo do mesmo teto, a não ser que estejam por algum motivo abaixo do MASP. Porém, todos em cima da mesma calçada. Para alguns, um solo sagrado. Para outros, um solo sangrento. E para todos, a mesma Avenida. 

Cerca de 1,5 milhão de pessoas passam pela Paulista todos os dias. 63% estão na avenida a trabalho. 14% escolhem a região para atividades de lazer. Seis em cada dez frequentadores são mulheres. 60% são da classe emergente. 73% dos adultos que transitam pela avenida - sete em cada dez - têm até 35 anos. Apenas 1% dos visitantes tem acima de 56 anos. Sabe o que esses números significam? Nada. 

A não ser que sejam acompanhados de uma história. Números são só números. Histórias são mais que histórias. Assim como a de Gerson, que conta a sua e canta a de outros cantores. O homem, de 36 anos, faz o papel de quem dá luz à Avenida mais iluminada de toda a cidade de São Paulo. Com apenas um cavaco e um banquinho, vestido com sandálias da humildade e travestido de Zeca Pagodinho, Gerson canta como se fosse estrela, em uma noite estrelada na capital, a música “Naquela Mesa”, de Nelson Gonçalves.  Ele cantava a história, que hoje na memória todos que estavam ao redor quase sabiam de cor. Ao invés da mesa, ele juntava gente na frente do banco, seja no que ele estava sentado ou no Santander que figurava atrás de seus ombros, para ouvir em alto e bom som a música. E nos seus olhos era tanto brilho, que nem os postes da Avenida entendiam de onde vinha tanta luz. Gerson e seu chapéu para as moedas estão no mesmo ponto desde 2022. Uma hora na cabeça, outra no chão, o amuleto que carrega os trocados está sempre presente. O cantor usa o acessório que ganhou do pai para recolher o dinheiro de quem passa e tem os ouvidos agraciados com as canções. Graça mesmo sente o artista, que abre um belo sorriso quando o faz-me-rir é depositado no protetor de sonhos. 

Nascido em 1979, 20 anos após o ídolo Jessé Gomes da Silva Filho, Gerson teve tempo suficiente para aprender o que Zeca tinha para ensinar. Deixou a vida lhe levar, até que ela a levou de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, até o ponto principal da Metrópole. A Avenida Paulista. Ali, ele encontrou tudo aquilo que ainda não tinha visto. E já que o camarão que dorme a onda leva, ele decidiu ficar sempre de olhos abertos no meio desse mar de gente. Mar esse que parece não dar trégua para ninguém que se atreva a pegar uma onda. Mas Gerson subiu na prancha e dominou a praia paulista cheia de prédios comerciais altos e com banhistas que te olham de cima a baixo se você estiver com “roupas inadequadas”. E como todo bom artista, o cantor não está nem aí para as vestes e faz questão de ser olhado. Porém, ainda sente que só te olham, mas não o veem. Aliás, se sente surpreso quando alguém pergunta seu nome e quase que em tom de esperança entoa que se chama “Gerson da Paulista”. 

Se a Bahia é de todos os santos, se todos os Zecas têm um quê de Rio de Janeiro, a Paulista tem algo para chamar de seu também. Ou melhor, a Avenida tem o seu artista e vice-versa, assim como versa Gerson. 

Foi na Paulista que Gerson se viu como parte do todo. Com tantas pessoas que passavam em sua frente desde o primeiro dia em que lançou os dedos sob o cavaco, ficou fácil para o músico escolher onde queria ficar. Ele faz da calçada seu “palco a céu aberto” e dá um show para quem quiser parar e ouvir o que o cantor tem a cantar. Sem ingresso para entrar e sem área vip para assistir, são todos um só conectados apenas pela voz de quem “dá uma palinha”. 

E não são poucos que param para apreciar sua arte. Principalmente nas noites em que a cidade não dorme, forma-se um público ao redor do banquinho do cantor. E que sorte de quem acompanha o espetáculo. Pedro é um deles. Impressionantemente, o jovem de apenas 19 anos, sabia todas as músicas que Gerson puxava. Desde o samba do mais velho até o pagode do mais novo. Só não colocou a ginga para jogo, porque não nasceu com o samba no pé, mas pelo menos estava com o ritmo na palma da mão. 

Pedro, após mais uma grande apresentação foi agradecer pelo show proporcionado. E como forma de retribuição, estendeu a mão ao artista, colocou uma onça-pintada no chapéu do artista e fez um pedido especial. Agora, não era para que outra música fosse tocada, mas sim para que ele pudesse dar um abraço em Gerson. O jovem arrancou um sorriso do cantor que nenhuma nota, seja qual fosse o valor, poderia arrancar. O abraço foi dado, o público em volta aplaudiu e talvez o artista tenha ganho um dos seus maiores cachês de todas as noites de apresentação na Paulista. Gerson fez um amigo com uma onça e não um amigo da onça como muitos que existem por aí. 

Após o show, as estrelas se recolhem no céu e na calçada. As únicas luzes que continuam a iluminar a Avenida são as dos edifícios e é difícil não reparar em como elas não se apagam. A paulista sempre tão movimentada, de madrugada deixa só que alguns “gatos pingados” andem por ela. E se há gato, há rato. Alguns, de cinza, sempre estão pelo local, já que para eles os Gerson’s que estão pelas ruas são criminosos. E para eles, infelizmente, não é por roubarem a atenção dos que passam pelo local com a família. 

A Paulista que nunca dorme, virou mais uma noite. Ao raiar do sol, já se viu lotada novamente. Cheia, quase entupida de tanta gente, trouxe a velha máxima de que mesmo que esteja apertada, sempre cabe mais um.  Seja a passeio ou a trabalho, a calçada é a mesma. Seja como caminho para o trabalho ou casa, a calçada é a mesma. Seja como vitrine ou palco, a calçada ainda é a mesma. A Avenida Paulista é para todos, por bem ou por mal. Sagrada ou sangrenta. Tudo depende dos olhos de quem olha, dos pés de quem anda, dos ouvidos de escuta ou da voz de quem canta. 
 

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Palavras tem o poder tanto de preservar a vida de alguém como ajudar a afundar uma. Essa, é uma virtude e o maior sufoco de uma pessoa que trabalha diariamente tentando preservar vidas
por
Beatriz Alencar
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20/06/2025

Por Beatriz Alencar

 

A cada dia, em média, 34 pessoas tiram a própria vida no Brasil. Por ano, são registrados 14 mil ocorrências. Apesar de um assunto banalizado, não é uma atitude pensada de repente. O suicídio é o último pedido de ajuda daqueles que mais querem viver. Encarando esse cenário diariamente, Rosa* (*nome inventado para poupar a identidade verdadeira da entrevistada), que faz parte de um Centro de Valorização da Vida, um instituto que tem como função prestar apoio emocional para prevenção de suicídios, declara que uma das lições mais importantes que aprendeu trabalhando com isso, é que palavras tem o poder tanto de preservar a vida de alguém como ajudar a afundar uma.

Nos primeiros meses de trabalho, Rosa prestava apoio apenas através do telefone. Mas era difícil ajudar ainda tendo em pensamento que a vida era valiosa e que dar fim a ela não acabava com o sofrimento, só gerava outros em quem ficava. Porém, esse conceito mudou depois de uma ligação. Rosa explica que a identidade dela ou de quem atende pode ser preservada caso queiram. Ela não tinha o costume de trocar o próprio nome, mas em um atendimento específico, nem teve a chance de dizer.

A pessoa do outro lado da linha chorava muito. Rosa apenas conseguia pedir para respirar fundo. E permaneceu assim por minutos. Até que ela conseguiu dizer que tinha tentado mas nem isso conseguia fazer dar certo. Às vezes, a pessoa tem que lutar tanto pela vida que nem sobra tempo para viver. Nosso sistema nos diz que podemos ser grandes vencedores, mas não nos contam a respeito das misérias, dos suicídios ou do terror de uma pessoa sofrendo sozinha em um lugar qualquer. E no fim, criam uma população frustrada.

Parte disso passou na cabeça de Rosa ao ouvir aquela frase de um desconhecido que tinha ela como confidente. Ela sabia dessa versão "sombria" da vida, mas confessa que se assustou ao lembrar que teve que atender, em um único dia, mais de 5 ligações. Ao longo da chamada, a pessoa do outo lado da linha revelava cada ponto da vida dela, tentando achar uma explicação do porquê se sentia assim e por que tinha ligado, mesmo achando que o suicídio era a melhor solução. De acordo com Rosa, isso era comum.

A pessoa também contou já ter beijado mais bocas de garrafas do que pessoas, e como cada memória de momentos bons da sua jornada não era uma bênção. Isso, porque as lembranças vinham como flashes incovenientes que surgiam sem nenhum consentimento. Como algo que deveria ajudar ele a viver, só dava mais desespero? Para Rosa, vida é um ato de desapego. E o que mais dói é não reservar um momento para se despedir. Por mais que falasse desejar acabar com a vida, a pessoa do outro lado da linha ainda não tinha se despedido dela.

Rosa entendeu que aquela ligação não exigia mais do que seu ouvido. Só se fosse pedido. E ela sentiu esse querer em um suspiro. A pessoa do outro lado da linha declarou que sabia o porquê tinha ligado: depois de desligar, tudo ia ser esquecido. E ele também. Rosa não podia deixar a pessoa desligar.

Foi quando declarou: "eu vou me lembrar de você".

Depois de um silêncio, a pessoa agradeceu. Mas Rosa não conseguiu ser tão bendita quanto a morte, que é o fim de todos os milagres.

O último som que conseguiu escutar foi um grito seguido de um estalo. Ela o perdeu. E passou meses se culpando e sonhando com aquela voz do outro lado da linha. Por conta dessa ligação, Rosa demorou para começar os atendimentos presenciais, mas conta que, quando iniciou o trabalho tendo contato com as pessoas e a imagem de um rosto real, ficou muito mais fácil de controlar o próprio desespero.

Rosa já foi a parapeitos, casas de repouso, em ruas consideradas perigosas e centros de detenção. Ela revela que o medo do lugar nunca passou pela cabeça, mas sim, o receio de ir até alguém que não conseguisse segurar sua mão. O que já aconteceu algumas vezes, mas preferiu não comentar os casos isolados.

A vida pode ser emocionante e magnífica e, essa, é a sua maior tragédia. Sem a beleza, o amor, o perigo e as expectativas, seria mais fácil de viver. Rosa teve que lidar com perdas mas também guarda vezes em que foi capaz de preservar uma vida. Às vezes, se via até mesmo encarando em como lidar com a própria e se esse era seu objetivo. Ela ficou o quanto pôde, considerando as limitações da idade, então diz que hoje, sabe que, pelo menos uma das metas, foi cumprida.

Com o tempo, as vivências de Rosa se assemelharam ao dia a dia de alguém que trabalha no setor da saúde: com situções difíceis de lidar, mas corriqueiras o suficiente para não absorver o sofrimento. Mas para isso foi preciso acumular muitas histórias.

No fim do dia, conseguimos suportar muito mais do que pensávamos e, no fim da vida, guardamos tudo o que dela nos foi proporcionado.

As cicatrizes não precisam de "porquês", e o suicídio também não. A cura não vem do esquecer, vem do lembrar sem sentir dor. É um processo que nem todos estão dispostos a encarar sozinhos. E essa era a função que Rosa desempenhava.

Como tudo começou

Rosa entrou para esse meio em uma fase que todos compartilhamos em comum em algum momento da vida: no auge dos seus 20 anos, precisando de um emprego e com dificuldades para encontrar um. Não se identificava com muitas das opções do mercado de trabalho mas, mesmo assim, esperava um retorno das empresas das quais, diariamente, entregava currículos.

Foi então que esbarrou em um CVV. Depois de andar por todos os cantos procurando uma chance de ganhar alguma renda, encontrou uma oportunidade a poucas quadras de casa. No curso de treinamento, ela aprendeu diversos conceitos, como a importância de escutar, mas não achar que isso é a única solução; a necesidade de mostrar para as pessoas que, independente das escolhas dela, a vida dela é tão importante como qualquer outra; além do poder do afago, da palavra e, sobretudo, a falta de julgamento. 

Rosa perdeu as contas de quantas ligações atendeu, de quantas reunões frequentou, lugares visitou e de quantas pessoas que ajudou encontrou por acaso na vida. De acordo com ela, todas essas experiências a fizeram ter uma relação diferente com o que chamam de destino e final. Aprendeu que as emoções que ficam muito tempo guardadas, ao invés de serem esquecidas, devem ser reiventadas. Mas é sempre cristalino como a força de alguém aumenta quando percebe que ela está segura, quando é notada e quando percebe que pode e deve ser amado.

Rosa não trabalha mais diretamente com o CVV, mas é sócia de uma instituição sem fins lucrativos que acolhe pessoas em profundo estado de depressão e as ajudam a retornar a viver sem culpa. Ou, como ela mesma declara, voltar a enxergar prazer nas pequenas coisas e agradecer até em sentir um pingo de chuva no cabelo que acabou de passar chapinha.

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Tido como foragido por um erro na Justiça, Victor Lopes Centeno viveu um pesadelo por quase 7 anos
por
Julia Quartim Barbosa
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12/06/2025

Por Julia Quartim Barbosa

 

Em agosto de 2018, Victor conversava com amigos em uma rua perto de casa quando a polícia apareceu. Entre as agressões e o algemamento, os policiais perguntavam onde estavam as chaves, que mais tarde Victor descobriria serem de um veículo roubado a 2 quilômetros dali, encontrado na mesma rua. Uma amiga da família viu a situação e correu para chamar Ivanilda, a mãe de Victor, que agora era tido como assaltante.

 Victor foi apontado pelas vítimas como o responsável pelo roubo e reconhecido por uma foto, porém, voltaram atrás. Um vídeo de câmera de segurança ajudou a comprovar sua inocência, no entanto, a imagem, que mostrava o carro roubado passando pela rua enquanto ele caminhava ao lado de um colega, não foi suficiente, e as evidências de sua inocência não impediram que o rapaz ficasse mais de três meses preso.

Em novembro do mesmo ano, o caso foi a julgamento e ele foi absolvido por falta de provas, porém, esse não era o fim da história de Victor com o erro da justiça. Mesmo depois do alvará de soltura, Victor ainda foi detido injustamente outras 10 vezes. Isso porque, até maio de 2025, quase 7 anos depois, o mandado de prisão ainda seguia ativo.

Detido em casa, no trabalho e até mesmo diante de seu filho, na época, Victor perdeu seus dois empregos e juntou dinheiro para comprar uma moto, que até hoje utiliza para trabalhar como motoboy. O problema, é que os radares inteligentes dispostos pela cidade acionavam a polícia assim que o rapaz, tido como foragido, passava por um deles. 

Depois da sétima prisão, a advogada de Victor entrou com um pedido para que determinassem a baixa definitiva do mandado de prisão e a comunicação urgente a todos os órgãos públicos competentes para eliminação de qualquer registro de procurado junto com uma atualização cadastral. A solicitação seguiu sem resolução até o dia 13 de maio deste ano, dois dias depois da exibição do caso no domingo à noite, em um programa da TV aberta, quando ele recebeu a notícia de que, finalmente, poderia viver tranquilo.

O sistema judiciário brasileiro, em sua complexidade e morosidade, é palco de diversas injustiças que afetam diretamente a vida dos cidadãos. Na edição de 2024 do “Rule of Law Index”, publicado pela World Justice Project, o Brasil ocupava a 80º posição no ranking global de Estado de Direito entre 142 países. Entre as categorias analisadas pelo índice, o Brasil teve seu pior desempenho no campo da justiça criminal, disputando o primeiro lugar de judiciário mais parcial do mundo com a Venezuela.

Um levantamento realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo em fevereiro de 2024 com informações da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário, mantida pelo Conselho Nacional de Justiça, revelou que 40 milhões de processos no país contêm algum tipo de erro, evidenciando falhas que vão desde a coleta de informações até a análise de provas. Esses erros, por sua vez, contribuem para condenações equivocadas, prisões indevidas e a perpetuação de ineficiências que minam a confiança da população no sistema. 

Um dos aspectos alarmantes se manifesta nos problemas relacionados aos mandados de prisão. De acordo com uma pesquisa da Innocence Project Brasil, mandados com erro e falhas no reconhecimento já levaram quase 2 mil inocentes ao cárcere.

Devido a falhas na base de dados ou falta de atualizações no sistema, mandados já cumpridos, revogados ou com informações errôneas permanecem ativos. A gravidade é tamanha que advogados chegam a recomendar que seus clientes, mesmo sem pendências, portem um habeas corpus no bolso para evitar prisões injustas. Essa foi a realidade de Victor Lopes Centeno, de 25 anos, por quase sete anos. O caso de Victor é um entre os 40 milhões de processos com algum tipo de erro e se junta às quase 2 mil prisões de inocentes já identificadas no Brasil por falhas em mandados ou processos de reconhecimento. Para além de uma falha burocrática, a advogada do rapaz entende a situação como uma grave violação da dignidade da pessoa humana, e uma violação à honra e à imagem.

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Todos queríamos o poder de congelar o tempo
por
Michelle Batista Gonçalves
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26/09/2023

13 de setembro de 2023. 29 dias que completei 21 anos. 2 anos que "seu magrão" não compartilha mais sua vida conosco. A data — dia 13 de setembro — fica bem vívida porque foi consideravelmente perto do meu aniversário, uma data que você sempre fez questão de lembrar. Não só de lembrar, mas também de celebrar. Uma data a qual eu mesma já não comemoro há bastante tempo. Mas que você não se permitia esquecer. Lembro que um dos meus primeiros e melhores celulares (para a época, claro) foi um presente seu de aniversário. Que você me avisou num post na minha linha do tempo do Facebook achando que era uma mensagem privada. Post esse que acabou entrando no meu vídeo de retrospectiva do ano, feito de maneira automática pela própria rede social e que eu guardo com muito carinho até hoje. 

 

Ainda é difícil assimilar que o senhor não está mais aqui. Sua presença tinha muita força. Eu sabia que tinha chegado em minha casa só pelo jeito que fechava o portão, por exemplo. De uma maneira ou de outra, o senhor sempre esteve por perto. No jeito que era apaixonado por música e viciava a mim e meus irmãos em cantores como Ritchie, Fagner, Raça Negra e Raul Seixas (este último originou o nome de seu próprio filho, até). Seu violão, aliás, continua aqui em casa. Não me atrevo a tentar tocá-lo, mas lembro que me ensinou uma ou duas notas certa vez. Lembro da maneira que tocava nos bares e animava a todos. Às vezes eu esqueço, é só como se eu não tivesse mais ido te visitar ou vice-versa. E consigo sorrir e imaginar que você tá por aí fazendo algum corre, porque você nunca conseguiu ficar muito tempo parado e estava sempre trabalhando com alguma coisa. 

 

Tento lembrar de qual foi nossa última vez juntos, mas nada me vem à mente. Só consigo lembrar de momentos longínquos, como se meu cérebro tentasse se proteger ao chegar perto demais da fração de tempo em que recebi a notícia da sua partida. Um membro perdido. Te sinto como se ainda estivesse aqui. O formigamento que os soldados dizem sentir após terem alguma parte do corpo amputada, como se ela ainda estivesse ali. Sua ausência pesa quase como uma presença. O não te ter como "ter" um vazio carregável, do qual não consigo me livrar. A angústia dos mistérios que cercam sua morte. A certeza de que só posso te visitar num cemitério. A revolta de sempre querer adiar setembro. 

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Grupos de extrema direita encontraram o revisionismo histórico como uma importante ferramenta para sua expansão ideológica, buscando se infiltrar nos ambientes escolares.
por
Gabriel Lourenço e Lucca Fresqui
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26/07/2023

Com o crescimento recente da extrema direita no país, além de confrontos no campo político, a disputa no campo ideológico se agravou. Nesse cenário de intensa polarização, pautas revisionistas ganharam força

Com isso, observamos uma tendência preocupante de reexaminar eventos históricos cruciais, sob uma lente de relativização e negação. Essa abordagem visa diminuir ou até mesmo apagar a gravidade e as consequências desses acontecimentos. 

Leonardo Nascimento, professor de História e pesquisador da Universidade Federal da Bahia, conta que, se por um lado a universidade sofreu ataques durante os quatro anos de governo Jair Bolsonaro, por outro adotou comportamentos para se blindar de ameaças.

Em sua avaliação, o ambiente democrático e crítico das universidades passou a ser corrompido uma vez vozes dissidentes eram vistas com um olhar de desconfiança. Por vezes até mesmo encaradas como bolsonaristas.

Para ele, a tentativa de silenciar vozes dissidentes e de construir uma homogeneidade de opiniões no ambiente acadêmico teve como impacto a perda da crítica e da inovação no ensino.

Já Marcelo Reis, professor de História em uma escola de ensino médio na capital paulista, reclama de projetos educacionais, como o “Escola sem Partido”, que buscam implementar uma cartilha conservadora na escola. “Eles [revisionistas] falam tanto de doutrinação, entretanto, na verdade eles querem que a escola seja um meio de dispersão de pautas conservadoras”.

Reis também acredita que discursos revisionistas passaram a ser mais presentes nos últimos anos em suas salas de aula. “Criou-se uma relação de conflito entre professor e aluno. A figura do professor foi desacreditada”, diz.
Existe também medo do “comunismo” e de uma esquerda que seria a grande detentora de toda a mídia e todo o sistema educacional – visões irreais, mas que são tidas como fatos por alguns. 
 
Guilherme Assis, de 22 anos, fez parte de movimentos bolsonaristas no passado e diz que esses grupos tinham como prática uma conduta agressiva em sala de aula. Conta que esses comportamentos eram motivo de admiração nas redes bolsonaristas. “Mandavam vídeos de dentro da sala de aula para mostrar para os outros”, explica Assis.

Essa postura de negação da história e de “desafio ao sistema” é extremamente valorizada entre apoiadores desses movimentos, segundo Guilherme.

Reis afirma que esses casos estão fortemente ligados ao fenômeno da extrema direita. “A retórica é a mesma do Bolsonaro, é parte de um projeto de criar uma juventude bolsonarista” Na sua avaliação, descreditar o ambiente acadêmico permite criar suas próprias verdades.

Leonardo Nascimento diz que a ideia de traçar o ambiente da escola como um ambiente a ser combatido estava fortemente presente nas políticas do ex-presidente. Aponta para sua candidatura em 2018, onde uma de suas principais pautas era de “desesquerdizar” o ambiente escolar, incorporando no bolsonarismo movimentos pré-existentes como o “Escola sem Partido”.

Essas pautas se mantiveram em voga durante os quatro anos do seu mandato. “Vamos acabar com a doutrinação no Brasil”, declarou Bolsonaro em sua cerimônia de posse em 1º de janeiro de 2019.

O ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, deu declarações atacando a “doutrinação marxista” nas escolas. Em uma reunião no Conselho Nacional da Educação, em abril de 2019, disse: "Não vamos permitir que nossas crianças e jovens sejam doutrinados ideologicamente por uma minoria que detém o poder".

Segundo Marcelo Reis, essas políticas têm uma forte ligação com a mentalidade violenta da extrema direita. “O bolsonarismo coloca com um alvo em qualquer discurso que se oponha a ele. Fazem com que sejam inimigos a serem eliminados”, opina. “Faz parte da ideia de criar um clima bélico contra a imprensa, professores e quaisquer outros considerados inimigos”, continua.

Questionado sobre os desafios gerados pelo revisionismo no sistema educacional, o professor de Comunicação da PUC-SP, José Salvador Faro afirma que isso "força os professores a se manterem sempre antenados e atualizados".

Mas ele aponta que esse desafio tem pontos positivos, uma vez que, mesmo trazendo consigo uma carga de desinformação e fraude, novas descobertas e perspectivas podem surgir ao se revisitar a História.

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A fome ou uma dieta pobre em nutrientes e minerais traz prejuízos incalculáveis às crianças,
dificultando a concentração e o foco
por
Guilherme Lima Alavase
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24/07/2023

“O desemprego, o trabalho precário e mal remunerado, a má distribuição de
renda, são os principais causadores da fome e da desnutrição no Brasil.” Essa
é avaliação de Nanci Maria da Silva de Oliveira, uma das coordenadoras da
Pastoral da Criança em São Paulo.

Uma de suas funções é acompanhar e orientar as gestantes e crianças de zero
a 6 anos em relação à alimentação saudável e barata, ensinando as mães para
o aproveitamento completo dos alimentos, utilizando as folhas, cascas,
sementes e tudo o que for possível ser consumido.  

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil voltou ao
mapa da fome, ou seja, a estar em situação de insegurança alimentar, quando
as famílias vulneráveis economicamente, ao acordar, não sabem se terão
algum alimento para comer no decorrer do dia.

De acordo, com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma
situação é crônica “quando os moradores passaram por privação severa no
consumo de alimentos”. Com a insuficiência de comida, o indivíduo não tem
energia suficiente para manter o seu organismo funcionando adequadamente
para desempenhar as suas atividades cotidianas. 

A coordenadora da Pastoral da Criança diz que desperdiçamos muitos
alimentos e que o principal programa de seu grupo é ensinar as famílias, que
frequentam as atividades da pastoral, a fazer as suas compras no final da feira,
a chamada “xepa”, pois os preços estão mais baixos. Mas também pechinchar
pelos produtos que estão sobrando na banca do feirante, pedir a doação das

folhagens e legumes que ele pretende descartar. Com os alimentos em mãos,
ensinam a higienizá-los e armazená-los adequadamente.

Por fim, preparam pratos, muitas vezes desconhecidos pelos participantes.

Segundo o IBGE, cerca de 30% dos alimentos comercializados no Brasil são
descartados em alguma parte do processo. Isso equivale a jogar 46 milhões de
toneladas de comida no lixo todos os anos. 

O desperdício acontece em todas as fases da produção e comercialização dos
produtos. As perdas começam no transporte, sem o cuidado necessário,
passam pelo ponto de venda, onde os produtos “machucados” ou com
pequenos defeitos são descartados, pois não há interesse comercial neles.

Por fim, o consumidor final joga fora uma parte dos itens adquiridos, pois
compra em excesso, descuida com a conservação ou descarta frutos, legumes
e verduras que não estão bonitos e viçosos. Boa parte do desperdício de
alimentos é proveniente do dia a dia das famílias. 

A professora Irene Neves, também colaboradora da Arquidiocese de São
Paulo, afirmou que a fome ou uma dieta pobre em nutrientes e minerais
essenciais ao crescimento e desenvolvimento traz prejuízos incalculáveis às

crianças, dificultando a concentração e o foco - habilidades essenciais no
processo de aprendizagem.

Segundo ela, não se consegue aprender quando o corpo não tem os nutrientes
necessários.  Tais impactos no desenvolvimento físico, emocional e cognitivo
certamente irão prejudicar a qualidade de vida na fase adulta, pois o jovem terá
baixa escolaridade associado à dificuldade de aprendizagem, frustrando sua
inserção no mercado de trabalho.
Irene também ressaltou que a fome na primeira infância pode levar à morte,
pois a criança desnutrida apresenta o sistema imunológico vulnerável, sendo
menos resistentes às doenças comuns da infância.  
 
A coordenadora da Pastoral da Criança, Nanci enfatizou que a fome e as
restrições a uma alimentação saudável desaparecem com uma renda bem
distribuída, pois, segundo ela, a questão não é de escassez de alimentos no
país e sim do convívio com a desigualdade social.

Uns desperdiçam comprando e consumindo em excesso, outros ficam na fila
do osso para conseguir resto de carne para fazer uma sopa. Como exemplo,
basta observar a grave crise de desnutrição e fome dos índios Yanomami. Eles
não estão morrendo de fome por falta de alimentos no Brasil e sim porque o
governo anterior não garantiu que a comida chegasse às aldeias.

O Brasil saiu do mapa da fome nos primeiros anos do século 21, porém, as
políticas públicas de combate à fome e a pobreza adotadas na época foram
gradativamente desmobilizadas. As reformas trabalhistas não trouxeram os
empregos prometidos, pior, abriram a possibilidade de ampliação sem
precedentes do trabalho precário, sem garantias sociais e com baixos salários
empobrecendo ainda mais a população já vulnerável.

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Após repercussão dos ataques que ocorreram em abril deste ano nas mídias sociais, ministros ressaltam a importância do projeto de regulamentação das redes e do combate às fake news
por
Por Nicolly Novo Golz, João Victor Esposo Guimarães e Guilherme Lima Alavase
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08/07/2023

“Os ataques às escolas estão totalmente ligados às redes sociais e a principal solução a curto prazo é a sua regulamentação”, essa é a avaliação de Pablo Ortellado, coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), um dos maiores especialistas em desinformação nas redes sociais.

Ele afirma que existem comunidades nas mídias sociais que celebram massacres e endeusam terroristas, isso demanda uma ação do Congresso Nacional para aprovar leis que obriguem as plataformas a agir.

Em abril deste ano um homem de 21 anos entrou em uma escola em Cambé e assassinou a aluna Karoline Verri Alves, 17, e o aluno Luan Augusto, 16, ambos foram baleados na cabeça. O criminoso foi preso logo após cometer o crime e na noite seguinte, o assassino foi encontrado morto na Casa de Custódia de Londrina.

Este não foi um caso isolado de ataque à escola no ano de 2023. No dia 5 de abril deste ano, um homem de 25 anos invadiu a creche Bom Pastor, na cidade de Blumenau, Santa Catarina e causou a morte de 4 crianças. O massacre foi feito menos de um mês depois que um adolescente de 13 anos matou uma professora a facadas em uma escola estadual em São Paulo.  

“Quando acontece um ataque bem sucedido e é veiculado na mídia do jeito que foi, faz com que os membros da comunidade se inspirem em um indivíduo que saiu do anonimato e passou a ser venerado, isso estimula pessoas a fazerem logo na sequência o mesmo tipo de ataque”, diz Ortellado. A True Crime Community é uma comunidade online popular que cultua esses tipos ataques e seus autores, uma fração de membros ficam muito próximos de cometer atentados para sair do anonimato.  

“A imensa maioria do que foi registrado nesse período foram trotes, eram meninos fazendo ameaças falsas para perder prova de matemática e coisas desse gênero.” O coordenador explica que foi o que aconteceu no caso do Brasil, gerando um pânico que se agravou por conta da quantidade de desinformação que circulou.

Ortellado conta que nos últimos 20 anos, o Brasil teve 93 vítimas de ataques a escolas, entre mortos e feridos e no último ano ocorreram mais episódios do que nos últimos 10 anos anteriores, então a reação das pessoas acabou sendo uma mistura de uma sociedade que não estava acostumada com essa sequência de ataques e trotes.

A dentista Márcia Pancini, mãe de Valentina, disse que mesmo sabendo que o WhatsApp não é a melhor ferramenta para se manter informada, utilizava o grupo das mães como fonte de informações. “O grupo das mães era uma loucura, disseram que dia 20 de abril ia acontecer massacre em todas as escolas, mandaram áudios, vídeos, e até fotos com ameaças e a gente na hora do desespero acredita em tudo que vê.”

“A Valentina descobriu dos ataques pelas redes sociais, ficou apavorada com os vídeos que viu pelo Tik Tok e não quis ir para escola com medo dos próprios colegas de classe”. Pancini explicou que com a rotina de trabalho, os pais acabam utilizando a tecnologia em busca de um momento de tranquilidade e entregam nas mãos das crianças o acesso livre à internet e não conseguem filtrar o tipo de conteúdo que os filhos têm acesso.

Somente depois do ataque à escola em Blumenau, no dia 5 de abril, 225 pessoas foram presas ou apreendidas, no caso de menores, por suspeitas de envolvimento no caso. Além disso, a Justiça já retirou ou suspendeu 756 perfis em redes digitais dedicados a difundir ódio.

Ricardo Kassin, advogado especialista em direito digital explica: “É sempre bom destacar que tanto a criação quanto a propagação dessas fake news são práticas criminosas e os responsáveis identificados responderão por tal ato”.

A delegacia de crimes cibernéticos iniciou investigações para responsabilizar quem propaga notícias falsas sobre ataques às escolas. Kassin explica que para se defender juridicamente é preciso identificar quem escreveu a fake news, em seguida deve ser feita uma notificação extrajudicial, que serve como uma prova preparatória e se caso o indivíduo não responder, se transforma em uma prova para um eventual procedimento judicial.

Quando perguntado sobre medidas efetivas para acabar com o ódio propagado nas redes sociais, o especialista de imediato cita a regulação das mídias: “É de extrema importância a regulação das mídias, mas a autorregulação das empresas não é o suficiente e enquanto não tiver um órgão fiscalizador com instrumentos para exigir a retirada desses conteúdos a gente vai seguir tendo um problema sério”.

Logo após os episódios em abril, o presidente Lula convocou uma reunião no Palácio do Planalto sobre combate à violência nas escolas. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que a regulação da internet é fundamental para combater problemas como a violência nas escolas.

A proposta de regular redes sociais e serviços de mensagens, é considerada um instrumento importante para combater a violência nas escolas. Entre as regras que o projeto estabelece estão a retirada imediata, da internet, de conteúdos que possam causar dano iminente de difícil reparação ou que violem direitos de crianças e adolescentes. Também deverão ser imediatamente excluídas publicações que coloquem em risco a segurança do usuário ou que contenham crimes previstos na Lei do Racismo.

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Apesar de não ser o papel principal na questão da fome, a educação é um agente direto de garantir refeições às crianças
por
Nathalia Teixeira, Eshlyn Cañete e Henrique Baptista
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08/07/2023

As escolas públicas têm um grande papel no combate à insegurança alimentar das crianças, pois é o local que garante a principal refeição do dia à elas: o almoço. Especialistas defendem aumentar a quantidade de tempo nas escolas para aumentar o número de refeições e a melhoria da qualidade de vida das mães em uma sociedade com alto abandono parental.

Mas o problema da fome é muito mais complexo do que oferecer refeições. Ele exige uma abordagem multidisciplinar que envolva não apenas a educação, mas também políticas públicas de saúde, assistência social e economia, visando garantir o acesso universal à alimentação adequada e saudável.

A merenda escolar é a ferramenta mais potente que as instituições de ensino têm atualmente para lidar com a crise da insegurança alimentar dos alunos. Ela assegura que os estudantes se alimentem durante o período das aulas. 

De acordo com o Censo da Educação Básica de 2022, a cidade de São Paulo abriga aproximadamente 5300 escolas. Cerca de 60% dos alunos fazem refeições no ambiente. Na teoria, a oferta da merenda serve para o desempenho da criança na escola. Na prática, muitos alunos continuam a frequentar o ambiente escolar justamente para ter acesso à alimentação. 

Existem formas de ampliar o poder da educação como agente de combate a este problema social.

O diretor da FGV Social Marcelo Neri explica que, assim como em outros países, a jornada escolar das crianças no Brasil deveria ser ampliada. “A partir do momento que você aumenta o tempo da criança na escola, ela tem como obrigação ofertar outras refeições, como café da manhã e lanche da tarde”, afirma. Estender a jornada escolar é uma das medidas cabíveis no cenário atual.

Vale destacar que, além de melhorar a quantidade, também há a necessidade de melhorar a qualidade do que é ofertado às crianças. O vereador Celso Giannazi explicou que essa mudança é possível no cenário atual da cidade de São Paulo: “O orçamento tem recursos para que a gente tenha uma alimentação saudável e em quantidade suficiente, falta vontade política de implementar uma ação voltada à alimentação escolar”. 

Portanto, o investimento em educação leva, necessariamente, ao investimento no combate à fome. Esses dois pilares estão diretamente interligados por vários fatores. A nutricionista infantil no Instituto de Desenvolvimento Infantil Dyandra Loureiro explica que crianças com déficit nutricional, estão com o desenvolvimento comprometido: “A parte cognitiva é a autora do desenvolvimento neurológico e precisa estar bem nutrida”. 

No ano passado, a lei 11.947, de 2009, recebeu uma proposta de alteração em São Paulo. No artigo, a alimentação escolar foi posta como um direito do aluno e dever do Estado. O projeto de 2022 propõe adicionar um novo parágrafo colocando a disponibilidade de duas refeições por dia para atender as necessidades nutricionais de cada faixa etária. 

Apesar de se encaixar perfeitamente no contexto atual, a medida não saiu do papel. Além do mais, é preciso analisar a situação a partir de outras vertentes, pois dois pratos de comida não resolvem o problema. É imprescindível considerar a questão maternal para entender outras raízes da fome infantil. 

Garantir alimento às mães para garantir aos filhos

Junto com o trabalho das escolas, é necessário o trabalho efetivo de políticas públicas, como por exemplo o Bolsa Família. Somado a esses, o combate à fome das mulheres deve ser priorizado para reduzir o problema da fome infantil. 

A quantidade de mães solo nos lares mais pobres é abundante, isso explica o porquê da importância do papel materno na alimentação infantil. Portanto, em muitos casos, a mãe é a única fonte de renda que a criança possui.

Segundo Neri, “empoderar as mães é a melhor forma de garantir a alimentação infantil”. Isso porque os filhos são extremamente dependentes das mães, ainda mais considerando um contexto de famílias em situação de extrema pobreza com um maior índice de abandono paternal (56%, de acordo com dados do IBGE). 

“De um lado, as escolas fechadas, de outro, mulheres ficando sem emprego. A situação só se agravou na pandemia”, relembrou o economista. O exemplo do que ocorreu durante a crise da Covid-19 esclarece o que ocorre quando tiram as crianças da escola e deixam as mães desempregadas. As mulheres ficam sem opções e os filhos, sem comida.

Por esse motivo, programas sociais como o Bolsa Família priorizam as mães no recebimento do auxílio. 

Políticas de combate à fome 

O Bolsa Família é o mais conhecido programa de combate à fome no Brasil. Os valores repassados às famílias são calculados de acordo com a quantidade de filhos que os tutores são encarregados de sustentar. Mas existem outros programas essenciais para prevenir o agravamento da fome infantil. 

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) oferece refeições nas escolas e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública. O governo federal repassa valores conforme o número de matriculados em cada rede de ensino.

Durante os governos Temer e Bolsonaro, o projeto foi abandonado. Sem reajustes desde 2017, o PNAE passou pelos anos mais críticos da história do país sem nenhum aumento em seu orçamento. 

Todavia, após 7 anos de boicote, o atual governo aumentou em 39% o valor repassado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), corrigindo o orçamento destinado à compra da merenda de 4 bilhões de reais para 5,5 bilhões. 

Tanto o Bolsa Família quanto o PNAE e outros programas com o mesmo viés complementam o trabalho de incentivo à garantia da alimentação nas escolas e ajudam a construir um cenário mais cauteloso e atento aos arredores da questão.

Em entrevista ao Jornal da USP, a economista Tereza Campello afirmou que “embora seja relevante para combater a fome no Brasil, o assistencialismo não substitui as políticas públicas, uma vez que a insegurança alimentar é um problema estrutural e não momentâneo”.

Contudo, os indicadores ainda são escassos, o que dificulta os estudos. Segundo o pesquisador e doutorando da UFABC José Raimundo Souza, “esse é um assunto delicado e limitado em termos de pesquisa. É preciso avaliar o sistema como um todo para ajudar a encontrar soluções eficazes”. 

Uma melhoria foi garantida nos últimos dias.O Ministério do Desenvolvimento Social divulgou que vai iniciar uma pesquisa de mapeamento da insegurança alimentar no Brasil. O estudo é de extrema importância porque, a partir do momento que tivermos esse mapeamento, é possível identificar as regiões que precisam de uma atenção maior, qual a situação atual e quais melhorias serão eficazes na prática.

O ideal para combater a fome infantil seria um plano político que rompa com a influência do dinheiro e possibilite transformações sociais efetivas. Logo, o investimento em educação e empregabilidade de mulheres são primordiais para diminuir os índices da fome infantil. 

Investir no combate à insegurança alimentar infantil é investir no futuro do país. As crianças que não sofrerem com a fome, vão poder usufruir melhor da vida, que acabou de começar. Elas são os adultos do futuro, ou seja, quanto antes conseguirmos diminuir o problema, mais tempo e qualidade de vida daremos à população do nosso país.

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Economia e Negócios

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