Como forma de aproveitar a aliança entre Lula e Geraldo Alckmin, chapa que concorre à presidência pelo PT, a campanha de Fernando Haddad para o governo de São Paulo busca utilizar a figura do ex-tucano para levantar votos no interior. O ex-prefeito, porém, enfrenta o forte antipetismo que existe nesse eleitorado.
De acordo com Juliana de Souza Oliveira, mestra do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do Núcleo de Políticas e Eleições (NIPE-CEBRAP), há um efeito diferente em capitalizar a figura do ex-tucano em eleitores do interior e da capital.
''O eleitor do interior tende a ser mais fiel aos tucanos, e a gente não pode esquecer que uma grande parcela de quem vota no interior de São Paulo vêm da agricultura e também de um setor industrial importante. Essas pessoas tendem a ter mais receio de uma mudança, o que caracteriza um eleitor mais conservador'', explica Juliana.
O eleitor das metrópoles, por outro lado, é conhecido por "arriscar mais", segundo Juliana, como foi o caso da eleição do próprio Fernando Haddad para a prefeitura paulistana, em 2012. A pesquisadora ainda completa destacando que "o sindicalismo em São Paulo é uma questão muito importante, não só na capital em si, como em toda a região metropolitana, o que ajuda ainda mais a determinar a diferença entre os dois eleitores".
As últimas duas eleições para o governo do estado ajudam a explicar a importância do eleitorado do interior. Segundo levantamento da Folha de São Paulo a partir de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em 2018 Márcio França (PSB) venceu na capital com 56,1% dos votos, mas teve apenas 41,2% no interior contra os 58,8% de João Doria - que levou a disputa conquistando 60% desses municípios. Já em 2014, Geraldo Alckmin venceu no primeiro turno com 46,4% dos votos na capital e 54,6% no interior.
O PT, que nunca venceu as eleições para o governo do estado, vê o eleitorado do interior como seu calcanhar de aquiles, e segundo Datafolha realizado no dia 15 de setembro, o problema parece persistir. A pesquisa aponta que Haddad possui 43% das intenções de voto na capital e 34% no interior. Seguindo a lógica das eleições anteriores, o petista teria que ampliar a vantagem na capital ou crescer de forma substancial nos outros municípios.
A coordenação de campanha do PT, nesse sentido, tem utilizado a figura do Alckmin de forma muito estratégica, não só no que diz respeito às distinções regionais como também em situações mais específicas.
Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez visita à Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, que possui um eleitorado mais cativo, não se levou o ex-tucano. Já em reuniões em portas fechadas, com o empresariado, o candidato à vice-presidência aparece.
A oposição ao PSDB com o apoio de Geraldo Alckmin
Apesar do apoio do ex-governador alavancar votos, a campanha do petista enfrenta o problema de poder entrar em contradição aos olhos do eleitorado. Em comícios e pronunciamentos do candidato Fernando Haddad, há um esforço em defender a tese de que há uma grande diferença na forma de governar de Geraldo Alckmin e João Doria, que venceu as eleições pelo PSDB em 2018.
Além disso, em debates, para atacar o candidato Rodrigo Garcia, do PSDB, que está em segundo nas pesquisas, o petista tem usado a estratégia de colar ao tucano elementos da gestão Doria, como foi o caso do debate no SBT, que ocorreu no dia 17 de Setembro.
Para Juliana, tanto os governos de Alckmin, quanto o de João Doria dividem o mesmo espectro do neoliberalismo, apesar do segundo ter ido mais fundo na ideologia. Segundo a pesquisadora, o fato de Doria ter vindo do setor privado fez com que ele trouxesse toda uma rede para dentro do governo, o que caracterizaria uma investida neoliberal mais agressiva.
Na opinião de Ernersto Vivona, que foi coordenador regional do PSDB em 1998 e coordenador da campanha de Geraldo Alckmin para as eleições de 2002, a diferença que a campanha de Haddad traça entre os dois últimos governadores é justificada, visto que, para ele, o novo PSDB está muito mais próximo do bolsonarismo. ‘‘O PT, no governo federal, foi mais inteligente ao criar partidos satélites para agregar novos apoiadores. O PSDB fez diferente. Trouxe essa gente para dentro do partido. Isso ajudou a desfigurar, ideologicamente, a legenda’’, explica.
A repercussão do apoio na militância petista
Já que no diz respeito a possíveis desconfortos na militância petista em ter um inimigo histórico marchando ao lado de Haddad para angariar votos, o candidato a deputado estadual e militante do PT, desde 1989, Fernando Puga afirma que isso deixou de ser um problema: "O pessoal engoliu. Toda essa turma que a princípio falava mal e me bateu, inclusive, nas redes sociais, quando eu elogiei a aliança, se calaram, engoliram seco e estão tocando a campanha’’.
O candidato a deputado afirma que um aspecto em específico contribuiu para a virada de chave: ‘‘Ajuda muito a postura do Alckmin. Ele não só veio em apoio ao Lula, mas ele seduziu completamente com uma generosidade muito grande e fazendo um discurso muito amistoso com relação ao PT, inclusive muito carinhoso’’.
Apesar disso, algumas diferenças mais profundas podem seguir sendo um entrave para alguns eleitores aceitarem o apoio do ex-tucano. Particularmente, a questão da segurança pública no governo de Alckmin ainda é alvo de polêmica. Episódios marcantes, como o Massacre de Castelinho, em 2002, que levou à execução de 12 supostos membros do PCC, e dados como o número de 939 indivíduos mortos pelas Polícias Civil e Militar, em 2017, ao final de seu governo, renderam ao ex-governador, por parte de um parcela dos eleitores de esquerda, as alcunhas de ‘‘autoritário’’ e ‘‘fascista’’.
‘‘Em termos de segurança pública é uma leitura muito justificada. Depois de 2006, quando o PCC saiu do controle, existem algumas evidências de uma certa aliança do governo com esses grupos organizados. Não é um governo que cuida das periferias ou de lugares mais vulneráveis. A polícia não chega exatamente para proteger, mas sim para resolver na base da bala. Quando você olha os índices de homicídios nesses locais, você percebe como eles são altos’’, explica Juliana.
Apesar disso, tanto a campanha do PT, quanto o próprio PSDB, buscam não tocar no assunto. Ambas as campanhas ostentam, em propagandas eleitorais, os pontos considerados positivos do governo Alckmin. Programas como o Bom Prato e o Poupatempo aparecem nos materiais de Fernando Haddad e Rodrigo Garcia, com o primeiro utilizando a figura do governante por trás das medidas e o segundo difundindo a ideia da necessidade de uma continuidade. Nesse caso, os candidatos parecem disputar esse trunfo com um cabo de força.
A Cracolândia em São Paulo voltou a ser pauta de propostas de “resolução” no debate, a poucos meses da eleição tanto âmbito do Legislativo quanto do Executivo. Por conta das sucessivas tentativas de acabar com a situação, gerou-se uma nova dispersão dos moradores, piorando de forma abrupta a situação tanto das pessoas que ali vivem quanto a vida desta população excluída.
Em junho deste ano, o vídeo de uma mulher sendo agredida por agentes da Guarda Civil Metropolitana a golpes de cassetete e gás lacrimogênio viralizou e gerou grande repercussão na mídia. O fato ocorreu na região da Santa Cecília, onde a Cracolândia se concentra após a última grande ação das polícias na cidade de São Paulo.
Violência policial se tornou um dos artifícios do Estado para tentar responder de maneira rápida às Cracolândias. Mas, como de acordo com a jornalista e doutora em Ciência Política pela PUCSP, Deysi Cioccari, tentar resolver pautas como essa de maneira rápida e sem “tratar a raiz” é um problema da política brasileira: “É um processo a longo prazo, social, e não do dia pra noite e isso não dá voto”, explica.
Fernando Haddad, do PT, defendeu durante os debates e em sua campanha que “o que tem dado certo no mundo é um programa que envolve teto, tratamento e trabalho”. O Programa de Braços Abertos, criado por ele, e posto em prática durante seu governo na Prefeitura de São Paulo em 2014, previa a oferta de moradia em primeiro lugar para os moradores da Cracolândia, sem nenhuma espécie de condicionante, e ofertava trabalho em alguns serviços de zeladoria, como a varrição de ruas.
O atual governador e candidato à reeleição, Rodrigo Garcia (PSDB), afirmou que a Cracolândia precisa de "ação e tratamento para dependentes químicos e ação policial".
Para Tarcísio de Freitas, do Republicanos, suas propostas aplicam uma política de "valorização do profissional de segurança pública, acolhimento, assistência jurídica, médica e habitacional, assim como a revitalização dos centros das cidades, e habitação". O candidato acredita que a o problema da Cracolândia é um problema do estado precisam de uma união de políticas públicas.
Como criar soluções eficientes para a questão?
Para Daniel Mello, militante d'A Craco Resiste - um coletivo autônomo que atua contra a violência policial na região - o projeto piloto da prefeitura do governo Haddad foi uma iniciativa pequena para o tamanho do problema. Daniel afirma que as propostas "têm que ocorrer na direção de cuidar das pessoas e não atacar as drogas. Essas propostas policialescas existem porque existe uma força política em torno disso”.
O coordenador do programa Pão do Povo da Rua - que atua distribuindo alimento para a população de rua - Ricardo Mendes, diz que “soluções prontas e editadas para agradar e esconder para baixo do tapete a realidade, podem se tornar marketing eleitoreiro”.
Segundo Deysi Cioccari, pautas como essa acabam entrando num âmbito genérico, porque para entrar na especificidade do assunto, o candidato tem que mostrar se sabe do assunto ou não. Cioccari também relaciona o tema com a “espetacularização” da sociedade, e como a mídia com “programas específicos de televisão glamourizam a violência”.
O militante da Craco Resiste também aponta que resolver a Cracolândia passa por aspectos estruturais da nossa sociedade. Segundo ele, é preciso entendê-la não como necessariamente um espaço de uso de drogas, e relembra que “vão para Cracolândia pessoas que não encontram outros espaços na cidade”.
Uma pesquisa da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas, realizada em 2019, mostrou que apesar dos 31,2% dos entrevistados afirmarem que estão na Cracolândia pela disponibilidade da droga, existem 13,2% de pessoas abandonadas pelas famílias.
Daniel complementa citando pessoas com transtorno mentais que não podem ficar com a família, pessoas que saem do sistema prisional e não têm oportunidade de emprego, ou que foram expulsas de casa.
Para o militante, tudo isso parte para uma situação de que quando a pessoa está na rua, a droga acaba substituindo a comida, por exemplo. E tentar resolver a questão somente como política de drogas não é o caminho: “Só tirar o crack não resolve nada”.
Em de julho de 2022, a prefeitura de São Paulo divulgou resultados da operação policial Sufoco. Segundo Ricardo Nunes, prefeito da capital, “os primeiros resultados da Operação Sufoco mostram que a ação também está sendo bem-sucedida. Com o pacote de modernização da PM e a ampliação do efetivo da GCM, com o concurso que está sendo realizado, além de outros investimentos, a cidade terá condição de atuar com ainda mais eficiência no combate ao crime e na proteção das pessoas".
O que dizem os candidatos ao cargo de deputado (a) de São Paulo:
A candidata Carina Vitral, do PCdoB-SP, que defende bandeiras do campo da esquerda política, explica que esse “drama social” precisa ser combatido com múltiplas medidas que combinem redução de danos, acolhimento às vítimas e políticas sociais, educacionais, econômicas, ambientais, e outras que assegurem vida digna a toda a população.
A candidata Déia Zulu AfroFuturista, do PT, que diz que a Cracolândia, que deveria ser uma praça de eventos, acabou sendo “um ponto focal das dificuldades da cidade em resolver os seus problemas”. Déia critica os governos anteriores, e pontua que um governo que não olha para as pessoas piora isso situações como essa. “Nos governos Dória, Covas, Nunes, o que fizeram foi juntar GCM e a PM para jogar água fria nas pessoas durante o inverno. Eles precisam entender que é um problema de saúde pública.”
Como meios para solução, Déia Zulu afirma ser necessário realizar uma força-tarefa entre as assistências sociais da prefeitura e do estado, para conseguir ter acesso à dados, e saber da onde essas pessoas vieram, e tentar realocá-las num local de convivência. Déia ainda questiona o motivo de tanta demora para que isso seja feito, já que segunda ela, o centro da capital está com diversos prédios vazios, fechados e abandonados.
A mesma comenta ainda, sobre o rombo familiar existente naquele local: “Tem gente que vai precisar se restabelecer, como pai, como mãe” E afirma que assistência social, que inclui psicólogos e médicos, é a primeira fase para a reestruturação social. “A gente não pode ter prefeitos e governadores que acham graça em jogar água fria numa pessoa que está morando na rua às 7:00 da manhã”, finaliza Zulu.
A cracolândia já afeta o estado há mais de 30 anos
Altair Moraes, candidato pelo Republicanos, diz à reportagem que a Cracolândia é um câncer social, e complementa dizendo que por diversas vezes a dispersão dos dependentes químicos não resolveu o problema. “Eles simplesmente se deslocaram para outras regiões próximas e continuaram se drogando e praticando crimes. Por isso, há necessidade de ações conjuntas da prefeitura e dos órgãos estaduais competentes para resolver o problema”.
Rafael Moreno, do PMB, enxerga que a questão da Cracolândia envolve a polícia militar do estado de São Paulo, e diz acreditar que sem a internação compulsória, não há solução alguma, “Chega uma hora que a família perde o controle sobre eles. Não adianta, o único jeito é a internação compulsória”. Moreno ainda pontua que a Cracolândia não se trata apenas de uma questão de segurança pública. Para ele, o governo precisa fazer parcerias e arrumar empregos para que os dependentes saiam de lá trabalhando, e que tenham um recomeço.
Para Alexandra Abreu, do Partido Novo, “não tem mais como a cidade de São Paulo ficar nessa situação”. Segundo ela, a população da capital não pode mais andar tranquilamente pela cidade, com o medo constante de ser assaltado. Alexandra finaliza dizendo ser triste ver essas pessoas vivendo em situação de vulnerabilidade, e que é a “degradação do ser humano” que ali está naquele local. Assim como Moreno e Silmara, ela é adepta da internação compulsória e que depois de tratados, os usuários sejam qualificados, possam ter um trabalho e assim “conquistar o seu espaço”.
Se as operações policiais são um sucesso ou não, depende. É fato que os conflitos desencadeados pelas ações policiais preocupam os moradores e os donos de comércios do centro, e muitos pensam em fechar as portas. À noite, relatos de grupos quebrando estabelecimentos e criando confusão são cada vez mais recorrentes.
Monica Seixas, candidata à reeleição do PSOL, diz que a questão dos dependentes químicos vai muito além da segurança pública, e se trata de uma questão de saúde pública que deve ser discutida em todas as esferas. “ Sabemos que essa é uma questão que não será resolvida a curto prazo. É preciso investir e cuidar da base da sociedade, desde a infância”. A mesma defende a criação de uma proposta de redução de danos, com a criação de centros de acolhimento aos usuários, e “tratar os dependentes químicos não com operações policiais, mas sim com ações cuja a base seja a assistência social”.
Alexandra Abreu, do Novo, complementa dizendo que só a política não acabará com a Cracolândia, e que é necessário “integrar as polícias civil, militar, a GCM, e combater o tráfico.” Além de acesso à saúde e assistência social para esses dependentes.
O que vem sendo feito está gerando algum resultado positivo?
Em junho de 2021, a Polícia Civil deflagrou pela primeira vez a Operação Caronte no centro de São Paulo. O objetivo era combater o tráfico na região da Cracolândia, ou como ficaram conhecidos os bairros onde o consumo e o comércio de drogas acontece quase livremente. Um ano depois, em junho deste ano, a polícia realizou mais uma fase da operação com 75 mandados de prisão e prendeu 111 pessoas além de apreender toneladas de drogas.
Em maio deste ano, 650 oficiais participaram da sétima ação da operação Caronte, cujo único objetivo era tirar os usuários, e suas barracas, da Praça - apontada como nova Cracolândia. Vinte pessoas foram presas e levadas para a delegacia de Santa Cecília (77º DP). Na sexta ação, realizada em 14 de abril, 22 mandados de prisão e seis de buscas e apreensão foram autorizados na Praça. Desde o início das operações policiais, os usuários se espalharam em pelo menos 16 pontos da cidade.
“Fizemos apreensões expressivas aqui na seccional centro. Apreendemos 600 kg de cocaína que concluímos ser destinados ao abastecimento da Cracolândia”, afirma Roberto Monteiro Dias, delegado titular da 1ª Delegacia Seccional, responsável pela região central de São Paulo. Para sustentar essa tese, a polícia baseia-se também em prisões feitas nos últimos meses.
O candidato Altair Moraes, que também é apresentador do quadro “Alto Aí” do Cidade Alerta, na Record TV, relata que acompanhou de perto o trabalho dos policiais civis e militares na Cracolândia, e que “é preciso aprender com os erros do passado'' e que não há como se ter uma ação única na Cracolândia.
Não é estranho que candidatos a deputados estaduais pelo estado de São Paulo, de diferentes espectros políticos, enxerguem que é necessário mudar a forma que o problema está sendo tratado. É fato que o problema da Cracolândia persiste, e, enquanto for tratado como área de lazer de criminosos, e não como real problema de saúde e segurança pública, estará longe de ser resolvido.
As eleições de outubro bateram o recorde no número de policiais e de oficiais de forças de segurança para disputar cargos políticos. Segundo o levantamento realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral, foram mais de 1,8 mil candidatos registrados, o que representou um aumento de 27% em relação ao pleito anterior. Sendo impulsionados pela pauta de segurança encabeçada por Bolsonaro e a esperança de assegurar mais direitos, os que concorrem veem como uma oportunidade de conquistar um cargo na política e de melhorar as condições de trabalho dos policiais.
O impasse policial
Considerada como uma das profissões mais estressantes do mundo, o policial passa por constante pressão psicológica, baixos salários e hostilização por parte da sociedade. Segundo o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, houve 121 casos de suicídio entre policiais no Brasil, tendo um aumento de 55,4% quando comparado ao ano anterior. Em termos da média populacional, este número é quase oito vezes maior.
A constante exposição à violência, aliada ao elevado risco de morte e situações traumatizantes formam elementos que podem impactar diretamente a saúde mental dos policiais. Esses fatores podem torná-los mais vulneráveis, potencializando o surgimento de doenças psiquiátricas, como depressão e ansiedade; doenças que podem ser encaradas como sinais de fraqueza ou de falta de comprometimento profissional pela instituição.
O delegado Mario Palumbo, do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), terceiro vereador mais votado em 2020, diz que: “há fortes restrições na corporação, no nosso serviço você consegue resolver alguns problemas até certo ponto, além disso, só é possível resolver entrando na política”.
O policial não pode entrar em greve, sofre com casos de corrupção, falta de infraestrutura e fornecimento de equipamentos de segurança, não podendo protestar fora das normas da corporação. Por ter autonomia limitada para resolver essas situações, acabam aceitando as condições impostas.
Com muitos se sentindo sob pressão, observados e julgados pelas suas ações, Palumbo diz que os policiais se sentem desrespeitados pela população: “daqui a pouco vão pedir para gente servir um café para quem você vai prender”. Por ser um consenso entre grande parte dos agentes, torna-se mais fácil para os policiais se agruparem, “todos estão passando pelo mesmo perrengue”, conclui.
A falta de representatividade e apoio institucional, fez surgir entre os agentes um crescimento natural do interesse pela política, sendo visto como a única saída para buscarem os seus direitos trabalhistas. Somado a extrema direita no poder, que traz pautas sobre armamentismo civil e segurança pública, surge para os policiais o terreno propício para recorrerem aos seus direitos.
Troca de valores na participação política
Como principal ferramenta para alavancar votos, o uso das redes sociais são utilizadas para impulsionar a popularidade dos agentes, autopromovendo a sua imagem como um bom representante político para defender os direitos da categoria. No entanto, além de desejarem assumir o papel de representante dos policiais, os candidatos priorizam o seu interesse pessoal em conquistar poder e influência no campo político.
Segundo Fábio Vasconcellos, cientista político e doutor pela UERJ, o fator da violência funciona como uma estratégia dos policiais como bandeira eleitoral. Utilizando o seu serviço em campo para fortalecer a sua imagem política, muitas vezes de forma não ética e desrespeitando o código judicial. “Esses candidatos apresentam características em comum, o discurso radical e o fato de usarem das prerrogativas concedidas pela sua posição pública em benefício próprio”.
Os membros das forças de segurança têm uma vantagem maior na questão da sua representação midiática, pois além de falarem para os colegas de trabalho, conseguem alcançar a população, “eles utilizam de discursos populistas que a sociedade se interessa, dizendo que vão prender mais criminosos e impedir o tráfico de drogas”, diz Vasconcellos. Aplicando também a narrativa de arriscar a vida para proteger a comunidade, sendo estratégias que funcionam para o ganho de votos.
Esse fenômeno da transformação do policial em figura de herói está sendo formado há décadas, desde os programas policiais que cobrem o dia a dia dos agentes até mais recentemente com o surgimento de celebridades policiais. Mario Palumbo, que também foi protagonista do reality show “Operação de risco”, diz que muitos policiais estão utilizando o poder que possuem para ganhar popularidade nas redes sociais: “não sou contra as forças de segurança usando esses veículos para fazer propaganda política”. O delegado enfatiza que este é o único jeito de competir contra o poder que os políticos detêm.
O tiro pode sair pela culatra
A organização militar identifica como problemática a figura do policial herói e mais especificamente o policial celebridade, que utiliza do seu status e suas histórias como munição para os seus interesses políticos. O deputado federal coronel Glauco Marcolino, observa que: “essa glamourização também causa problemas no comportamento dentro da instituição, criando mais abertura para a manipulação de evidências e politizando uma organização que precisa ser apartidária”.
Marcolino diz que: “nos estados de São Paulo e Santa Catarina, está sendo discutido entre os oficiais como limitar a apropriação da figura do policial”. A figura citada pelo coronel é referida aos símbolos da corporação, - a arma, o uniforme, ou distintivo, os seus títulos e as suas ações feitas no campo - benefícios que podem facilitar a entrada para a carreira política.
O delegado Carlos da Cunha (MDB) é um exemplo de quem gravava as suas operações policiais - algumas foram encenadas - e publicava na rede social Youtube para aumentar sua popularidade. As atitudes forjadas do ex-delegado, somada às declarações contra integrantes da instituição acarretaram na sua demissão, mas o efeito da divulgação midiática rendeu a ele o cargo de deputado federal em São Paulo com mais de 181 mil votos.
Katia Sastre, do PL (Partido Liberal), também utilizou da própria imagem para alavancar votos, utilizando de um registro de câmera onde ela dispara contra um criminoso em reação a um assalto. Ao final de sua propaganda eleitoral, ela aparece fardada e diz: “Atirei, e atiraria de novo. Coragem eu tenho”.
A estratégia surtiu efeito, sendo eleita deputada federal com mais de 264 mil votos. Ao estimular o ato violento, Sastre aprofunda a violência social, legitimando expressões como: “bandido bom é bandido morto” e fomentando que o cidadão armado também tem o direito de se defender.
O Instituto Sou da Paz, também demonstra interesse na questão. Seu intuito é propor formas que o policial consiga se representar e ser ouvido politicamente, sem que a politização afete a instituição em garantir a segurança pública. O instituto apresenta em seu podcast “Policialismo - A sua segurança é pública”, possíveis soluções para limitar o aproveitamento da imagem do policial para os ganhos pessoais sem ser hostil com a corporação e o serviço que ele presta à comunidade.
Para tentar combater essa distorção da atividade policial e manter um equilíbrio entre as forças de segurança e o aparelho político, é sugerido pelos especialistas do instituto e as forças armadas um leque de opções, tais como: estabelecer um período de quarentena para o membro das forças de segurança antes de se inscreverem no ramo da política. Assim como uma maior regulamentação das mídias sociais pelos membros da corporação, impedindo a presença de elementos da instituição em campanhas políticas.
Como dito no início de todos os episódios do podcast: “o policial ou qualquer oficial das forças de segurança, tem o direito de ter os seus interesses representados na política e ter as suas vozes ouvidas como qualquer cidadão que atua dentro de um sistema democrático”. O problema surge quando indivíduos dentro da corporação se aproveitam da imagem do policial para ganho pessoal, prejudicando a credibilidade de ambas as instituições.
Alexandre Rocha, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que esse comportamento de fé no policial não traduz os sentimentos de segurança da corporação, seja ele parte da polícia ou da política nacional. Segundo ele, não há correlação entre aumento de popularidade nas páginas de serviço público com a popularização de policiais influencers, sugerindo que muitas vezes esse valor não é compartilhado com a instituição: "muitas vezes a pessoa se vincula ao influenciador mas não se importa com a polícia. Então a segurança está depositada em quem? Na instituição ou no influencer?", conclui Rocha.
Alguns nomes como Jilmar Tatto, deputado federal por São Paulo e Eduardo Bolsonaro, também deputado federal pela maior metrópole do país, são bem conhecidos no cenário político de São Paulo. Isso porque eles não representam somente uma pessoa, mas sim uma família que atua de forma direta ou indireta na política paulista. O fato é que essas famílias, independentemente se são de esquerda ou direita, muitas vezes possuem grande influência dentro do cenário político brasileiro.
Um clã pode ser definido com um conjunto de pessoas que por conta de algum parentesco em comum se mantém unido. E é isso que encontramos quando falamos dos irmãos Tatto e de Jair Bolsonaro e seus filhos em questões políticas. Ambas as famílias possuem cargos na câmara dos deputados e nas câmaras municipais.
Outro fator em comum entre eles é o fato de que se fortalecem com a presença de seus membros. O sobrenome ganha uma força que supera as ideias e até mesmo os partidos políticos. O doutor em sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Tiago Valenciano ressalta que existe esse empréstimo de sobrenome para que as campanhas eleitorais ganhem mais força e seja um atrativo para futuros votos.
Apesar da frente política dos Tatto ser bem forte em São Paulo, principalmente na região de Capela do Socorro, na Zona Sul de São Paulo, os irmãos não possuem origem paulistana. A família migrou do interior do Paraná para o Estado mais populoso do país na década de 70.
Arselino, Ênio, Nilto, Jilmar e Jair Tatto são os únicos dos 10 filhos de pequenos agricultores que entraram de cabeça no cenário político de São Paulo. Os Tatto estão tanto no governo estadual e federal quanto no municipal.
Atualmente, Nilto e Jilmar foram reeleitos em 2022 para deputados federais por São Paulo, cargos esses que já estavam à frente desde 2006 e 2014, respectivamente. Já Ênio, que é deputado estadual desde 2006, se reelegeu para mais um mandato. No âmbito municipal, há Jilmar e Arselino como vereadores da cidade de São Paulo, ambos reeleitos na última eleição. Ambos estão no poder há mais de dois mandatos.
Os irmãos também são peças-chave para a história do Partido dos Trabalhadores (PT). Todos eles são filiados ao partido desde suas primeiras candidaturas. Alguns deles, como Arselino e Ênio, participaram ativamente da fundação do PT.
Um clã que, segundo Valenciano, em que o sobrenome vale muito mais do que o partido político é o da família Bolsonaro. Apesar de não terem São Paulo como seu maior foco, possui uma certa ramificação no Estado graças a Eduardo Bolsonaro, que já está em seu terceiro mandato como deputado federal pelo Estado. Essa influência se dá mais por ideias do que de fato por políticos.
Ao contrário dos Tatto, os Bolsonaro tiveram origem paulista, uma vez que Jair Messias Bolsonaro nasceu em Campinas. O presidente que não conseguiu sua reeleição em 2022, construiu toda a sua carreira política no Rio de Janeiro. Ele foi vereador da cidade maravilhosa em 1989. Desde 1991, ano de sua primeira eleição como deputado federal, ele garantiu sete mandatos.
Com exceção de Eduardo, os filhos de Bolsonaro Flávio e Carlos também são ativos no cenário político carioca. Seu filho mais novo, Jair Renan, já deixou claro que pretende entrar na política em 2028.
A estrutura dos clãs políticos
Mesmo o clã Bolsonaro sendo de extrema direita e os Tatto serem de esquerda, Valenciano ressalta que a estrutura de suas famílias na política é a mesma. A partir do momento em que um membro se torna uma figura pública, as chances de os demais conseguiram os mesmos feitos, apoiados em um sobrenome, são grandes.
Essa situação fica clara com nomes de envergadura nacional, como no caso da família Bolsonaro. Isso se dá muito pela eleição de Jair Bolsonaro em 2018 à Presidência da República. Usar seu nome para angariar votos, segundo Valenciano, virou uma forte tática nas campanhas eleitorais, principalmente de seus familiares próximos. E não foi somente os filhos que se aproveitaram disso, as ex-esposas também aproveitaram esse benefício.
Um exemplo desse empréstimo aconteceu nessas eleições. Cristina Bolsonaro, ex-esposa do atual presidente, se candidatou para o cargo de deputada distrital pelo Distrito Federal. Apesar de não ter sido eleita, ela usou o nome Bolsonaro como um “empurrãozinho” em sua campanha, para conseguir mais votos.
Sérgio Praça, professor da Fundação Getúlio Vargas, apontou que o fato de pertencer a uma família com tradição política, aumenta não só as chances de um candidato ser eleito, mas também de entrar para o cenário político. Isso seria um dos principais motivos para que tanto os Tatto quanto os Bolsonaro tenham poder e influência nas mãos.
Existe também a questão da credibilidade na hora de decisão dos eleitores. Se um eleitor se identifica com as pautas de um dos Tatto, é provável que ela vote em um deles ou nas indicações feitas por eles. Valenciano explica que, “em geral, o cidadão vota na família política, exatamente porque ele espera uma entrega de um resultado, com uma dominação que já vem de muito tempo.”
Sob essa perspectiva, é possível perceber que essas famílias podem ter grandes influências nos bastidores do cenário político. O empréstimo de sobrenome é colocado em prática e acaba se tornando um tipo de marca. Ou seja, os candidatos que se apossam e se apoiam de nomes, acabam sendo relacionados diretamente às pessoas que já estão no meio político e tem alguma relevância, seja ela positiva ou negativa.
O professor Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirma que “toda política brasileira é dominada por famílias ou clãs políticos, o que significa que todas as instituições políticas brasileiras são atravessadas por relação de parentesco”. Seguindo essa lógica, a ideia de que os clãs políticos realmente seriam uma espécie de grife se fortalece e confirma que pode existir candidatos novos em cada eleição, mas na realidade eles pertencem a grupos que já estão no poder.
Oliveira ainda destaca que essas famílias acabaram se tornando uma instituição dentro do cenário político e que isso facilita que as futuras gerações desses clãs continuem perpetuando as ideologias desse grupo.
O retorno financeiro
Valenciano destaca que a política precisa ser tratada muitas vezes como uma empresa, uma vez que aqui no Brasil existe uma rede de pessoas que depende das grandes campanhas políticas e das equipes de gabinetes para sobreviver. Seguindo essa lógica, o especialista ainda ressalta que apesar de muitos clãs quererem ajudar a população e suas demandas, eles possuem um retorno financeiro ao serem ativos na política.
Sob essa ótica, tanto Valenciano quanto Oliveira, revelam que não é somente os candidatos que lucram ao serem reeleitos em cada eleição, mas também quem participa de suas campanhas, que acaba garantindo de quatro em quatro anos uma renda. Muitas vezes, existe uma única grande equipe por trás de um clã, algo que vimos nas últimas eleições com os Bolsonaro.
Termos políticos sendo reeleitos por vários anos consecutivos já se tornou algo rotineiro no cenário de São Paulo. A força familiar nesse âmbito é renovada a cada eleição e a cada novo membro que adota um nome para entrar no jogo político. Apesar de não serem os mais importantes para o cenário político de São Paulo, os clãs possuem sua relevância ao manter a democracia viva, mesmo que para o próprio interesse.
Pela primeira vez em 28 anos, o PSDB foi derrotado nas eleições para o governo do Estado de São Paulo. Na disputa eleitoral entre Fernando Haddad (PT) e Tarcísio Freitas (Republicanos), a vantagem que levou o apoiador do presidente Jair Bolsonaro à vitória foi de 10,54%. Nesse sentido, especialistas acreditam que a ascensão de Tarcísio é explicada pela queda da importância do PSDB, em que os votos foram direcionados para uma direita mais conservadora.
No segundo turno da disputa, o candidato do Republicanos obteve 55,27% dos votos válidos contra 44,73% do petista. De acordo com dados do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), foram 6,76% votos brancos e 4,04% nulos. Em relação à taxa de abstenção, o percentual caiu de 21,63% para 21,07%, do primeiro para o segundo turno da eleição deste ano.
Na cidade de São Paulo, o candidato pelo PT, Fernando Haddad, venceu por 44,38%. Já no interior do Estado, quem venceu foi Tarcísio de Freitas. Grandes cidades interioranas como Bauru, Campinas e São José dos Campos tiveram resultado favorável ao aliado de Bolsonaro: 50,95%, 46,13% e 53,45%, respectivamente.
Bolsonarismo conquista espaço do conservadorismo tucano
Pesquisadora sobre o conservadorismo no Brasil, a professora doutora na PUC-SP Katya Mitsuko acredita que o pensamento conservador nos dias atuais, liderado por Bolsonaro e seus aliados, é um dos fatores que levou Tarcísio a ser eleito. Katya acredita na existência de uma ampla substituição do poder político tucano pelo poder bolsonarista justamente pelo discurso “personalista” que utiliza o elemento da família para chamar os eleitores, uma característica do conservadorismo brasileiro.
De acordo com Katya, a denominação de família tradicional, por exemplo, foi criada para servir como um símbolo ao cidadão conservador, uma espécie de identificação global com os pares que se identificam com essa representação. Como símbolos da família tradicional, a professora descreve essa representação utilizando o homem, a mulher e filhos. Ao fazer um contraponto com o cenário nacional, ela afirma: “Mentira, a história do Brasil deixa isso claro”.
Segunda Katya, é difícil encaixar esse padrão da família tradicional na sociedade brasileira, lembrando que as pessoas podem ter vida fora do casamento. Toma como exemplo o período de escravidão no país onde “pessoas foram casadas e amantes dos seus escravos”. “O mundo não é assim, mas, no entanto, se cria uma tradição e se pauta todo um movimento social em cima de uma tradição criada”, afirma.
Esse viés ideológico se firmou como uma forma de resposta às mudanças, com o desejo por estabilidade na condição social e econômica. Nesse sentido, Katya afirma que o pensamento conservador muitas vezes parte de uma classe mais alta, que quer consolidar sua posição na elite.
Analisando o histórico paulista, ela acredita que a força política da direita também não é de hoje e houve um longo processo histórico que perpetuou a tradição conservadora. “No meu entender, isso está estabelecido desde as bases da cafeicultura dos primórdios do republicanismo paulista. Isso é muito antigo”, afirma. Dessa forma, a pesquisadora aponta que, ao longo dos anos, apesar do conservadorismo ter se mantido presente no Estado, ele se alterou, pois é adaptativo. “Não dá para dizer que nós estamos falando dos mesmos conservadores de 1920 e que um sujeito conservador é imediatamente fascista”, argumenta.
Katya é moradora do município de Cerquilho, a 137 km da capital, no interior paulista, - que IDH alto de 0,782, segundo o Censo de 2010. Ela destaca que a cidade é bonita, limpa, tem transporte público gratuito e na maior parte dos anos foi liderada por partidos de direita. Por isso, segundo ela, se gera uma sensação de estabilidade no munícipe em votar na direita.
“Uma das coisas que o cerquilhense diz é: ‘Ah, vai mudar partido, mas a cidade continua’. Então também tem essa ideia de que ‘Para que eu vou votar na esquerda?’”, afirma.
Segundo apuração da reportagem, a gratuidade do transporte em Cerquilho é parcial e se baseia no serviço de “Tarifa Zero”, implementado e bancado pela gestão municipal desde outubro de 2020 e direcionado para toda população cerquilhense, cerca de 52 mil habitantes, segundo estimativa do IBGE 2020. De acordo com a prefeitura, o serviço inclui apenas algumas linhas de ônibus e com horários tabelados, não contemplando todos os itinerários de transporte público do município.
A professora destaca a religiosidade como ferramenta amplificadora para o pensamento conservador nas eleições deste ano. Associando a sensação de nostalgia ao conservadorismo, ela acredita que essa vontade de estar no passado também está presente no discurso evangélico, em que se utiliza a fé como forma de manter o passado no presente. "Os reacionários do conservadorismo acham que podem fazer a marcha ré, 'a família tradicional é o homem, a mulher e os filhos", afirma.
Outro ponto que a pesquisadora aponta sobre o conservadorismo nas igrejas é em relação à capacidade de modernização do discurso. Analisando algumas correntes evangélicas dos Estados Unidos e do Brasil, Katya afirma que essas se fundam pela tradição, mas buscam constantemente se manter atuais. "O conservador nem sempre vai se apegar apenas ao velho, muitas vezes a ideia é ressignificar a tradição de modo que ela se apresente como nova. É por isso que temos sempre conservadores presentes, eles se refazem o tempo todo", diz.
A cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), acredita que uma explicação para a direita estar muito presente no interior é a forma como o Estado desenvolve o seu crescimento econômico.
“O interior de São Paulo é muito rico. Recebe muito investimento. Tem várias empresas e, muitas delas, a direção apoia o atual presidente. Que, por sua vez, existe todo um trabalho para conseguir o apoio dos seus funcionários para o mesmo grupo político, que é o de Jair Bolsonaro”, ressalta Socorro.
Além disso, a cientista política reforça que a visão de estado mínimo agrada o conglomerado empresarial, e isso explica o motivo do antipetismo na região que, por tamanha força, representa o estado.
“A maior parte desse segmento empresarial apoia essa visão de Estado mínimo. Enquanto o PT, partidos de esquerda defendem um Estado provedor, de políticas sociais que abrangem a maior parte da sociedade, especialmente, as mais vulneráveis. Essa visão acaba se contrapondo a boa parte dos empresários que controlam as empresas no interior de São Paulo”, afirma Socorro. “Isso afeta o comportamento eleitoral dos trabalhadores dessas empresas, que podem temer seus empregos, caso venha uma força em outra direção daquelas que eles acreditam ser essencial para a continuidade da existência das empresas, o que não é verdade.”
Socorro menciona que a existência de igrejas tanto católicas como evangélicas também pode influenciar no comportamento eleitoral.
Para Monica Muniz, professora do departamento de sociologia da PUC-SP, esse conservadorismo também é representado, principalmente, pela questão fundiária, simbolizada por uma elite agrícola do interior do Estado.
Essa perspectiva contrapõe-se à visão que a maioria do eleitorado conservador tem sobre as pautas de esquerda nesse campo, como, por exemplo, o Movimento Sem Terra (MST), afirma. “Coloca muito medo nessa elite do interior. É uma elite que está enraizada e tem muito temor ligado ao discurso da reforma agrária ou do MST”, diz a professora ao CP Digital.
A queda do PSDB
De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), nas eleições de 2022, 39 cidades da região metropolitana somaram 16,4 milhões de eleitores, e os 606 municípios do interior, 18,2 milhões. Tarcísio de Freitas venceu na maioria das cidades do interior. Ele perdeu para Haddad na capital do Estado.
Em 2018, na disputa entre Márcio França (PSB) e João Doria (PSDB), o tucano foi eleito no segundo turno com 51,7%. França teve 56,1% dos votos da Grande São Paulo e 41,2% do restante do Estado.
Em 2010, Geraldo Alckmin venceu no primeiro turno, com 50,6% - 46,4% na capital e 54,6% no interior. Em 2014, foi reeleito, vencendo em todas as cidades paulistas, com exceção de Hortolândia.
Anteriormente, em 2006, 2002, 1998 e 1994, foram eleitos José Serra, Geraldo Alckmin e Mário Covas (dois mandatos), respectivamente. Todos do PSDB.
Maria do Socorro comenta que, quando Mário Covas (PSDB) foi eleito em São Paulo ao mesmo tempo em que Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi eleito presidente, teve início a força do partido no Estado, o princípio de um apoio contínuo que a região teve ao PSDB. Essa "dobradinha" entre o diretório estadual e nacional fez com que o interior de São Paulo tivesse muitos ganhos. Houve muito investimento no interior de São Paulo.
Mas em 2022 a hegemonia do partido nas eleições do Estado chegou ao fim. Socorro aponta que a derrocada ocorre paralelamente ao crescimento do bolsonarismo no interior de SP, sinalizando a piora do PSDB no Estado. Ela explica que o fim do PSDB já podia ser visto desde a união "bolsodoria". No segundo turno das eleições de 2018, o então candidato ao Estado João Doria se aproximou de Jair Bolsonaro (PL) em uma aliança política batizada de “bolsodoria” para angariar mais votos do eleitor de direita.
A cientista política argumenta que a aliança de parcela do PSDB com o bolsonarismo construiu uma barreira entre quadros mais velhos do partido, conhecidos como “cabeças brancas”. A ala de deputados jovens do partido que apoiavam Doria votava alinhados ao presidente Bolsonaro em muitas pautas no Congresso, contrapondo-se o posicionamento dos integrantes mais velhos da legenda.
Para Maria do Socorro, essa heterogeneidade do próprio partido foi um dos fatores responsáveis pelo seu declínio. A falta de um consenso de seus membros e de uma unidade que minimizasse os problemas internos da sigla, revelou que o PSDB não deu conta de se manter popular, em comparação com outras legendas de mesma estatura e história. Socorro resume a situação do partido na seguinte expressão: “cavou a sua cova". declara Socorro.
O pensamento conservador, segundo análise de Monica Muniz, professora do departamento de sociologia da PUC-SP, é regido por uma mudança social interpretada como um termômetro que serve de orientação a esse grupo. Como lembra a professora, a história mostra que o lema ‘Deus, Pátria, Família’, utilizado como slogan político pelo bolsonarismo, esteve presente em momentos significativos no país: no movimento Integralista de 1930; na Ditadura Militar de 1964; e no atual debate político.
As transformações sociais, políticas e econômicas que ocorreram durante esses períodos, impactaram na maneira como a parcela da população que se identifica como conservadora, e seus representantes políticos, age de acordo com o momento. “É a mudança que traz essa reação. Ficam todos desesperados e vão em busca da ordem”, aponta Muniz.