As pesquisas de intenção de voto para a eleição ao governo do Estado de São Paulo apontavam um empate técnico entre o segundo e terceiro colocados – o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o atual governador paulista, Rodrigo Garcia (PSDB). Os resultados, contudo, apontaram grande vantagem para Tarcísio. Em um cenário de desconfiança em relação ao sistema democrático brasileiro, é importante pontuar a atuação dos institutos por trás dos resultados nas pesquisas de 2022.
As pesquisas de intenção de voto têm o objetivo de projetar possíveis resultados para as eleições. Felipe Nunes, CEO da Quaest e doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles, diz que o maior desafio dos institutos foi não ter conseguido estimar adequadamente o grau de abstenção eleitoral. Ele afirma já estar acostumado a ataques, principalmente de grupos que estão perdendo.
Nunes acredita que, para reverter essa situação, o único caminho é investir em uma educação que explicite as reais expectativas que a população deve ter a respeito do papel dos institutos. “Pesquisas são prognósticos, e não diagnósticos. Serve para retratar um dado momento da opinião pública brasileira, não devendo ser utilizadas para fins de previsão” diz, em entrevista ao Contraponto.
Segundo o Conselheiro Estadual da OAB/SP e doutor em direito das relações sociais pela PUC-SP Alexandre Rollo, os grandes perdedores nas eleições do Estado de São Paulo foram as pesquisas eleitorais.
O especialista ainda argumenta que existem explicações sobre os resultados coletados. Os fatores que podem ter alterado os dados, de acordo com o advogado, podem ter sido a falta da coleta do Censo antes do período eleitoral, organizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou o boicote por parte dos apoiadores de Jair Bolsonaro às pesquisas eleitorais.
Em entrevista ao UOL News, a presidente do Datafolha, Luciana Chong, defendeu a tese de que houve uma dificuldade em coletar as intenções de votos bolsonaristas. Segundo ela, os ataques hostis à imprensa e, em especial, aos institutos de pesquisa, alteraram as proporções dos dados captados.
“No último mês, os ataques em relação às pesquisas, aos institutos, ao Datafolha especialmente, moldaram um clima de hostilidade e agressividade em relação aos pesquisadores. Em um ambiente normal, com outras condições, a gente teria captado algo mais do Bolsonaro na véspera."
Já Andrei Roman, cientista político e CEO do Instituto AtlasIntel, destacou para o jornal Correio Braziliense que existiu dificuldades em realizar cortes de rendas eficientes, além da dificuldade em registrar o "voto envergonhado", quando o eleitor não divulga seu voto até o momento da eleição por medo de represálias ou linchamento político.
Segundo a especialista em ciência de dados pela USP Paula Oliveira, os institutos devem investir no aprimoramento dos seus métodos, e assumir maiores custos operacionais para oferecer mais qualidade e confiança aos eleitores.
Boicote às pesquisas
Em 1986, o então candidato a prefeito para a capital paulista Franco Montoro (PSDB) pediu para que seus eleitores não respondessem às pesquisas eleitorais. Na época, empresas e institutos de pesquisa apontavam a vitória de Fernando Henrique Cardoso, que então estava filiado ao PMDB.
Algo similar aconteceu nas eleições para presidente de 2022, onde blogueiros e políticos próximos a Bolsonaro incentivaram a fraude das pesquisas. Durante o período eleitoral, o Ministro das Comunicações Fábio Faria clamou por boicote publicamente. “Quero dizer ao povo brasileiro: não respondam mais nenhuma pesquisa desses institutos de pesquisa, nem Datafolha nem Ipec”, diz em vídeo publicado em suas redes sociais.
Foi protocolado, neste ano, o Projeto de Lei, na Câmara de Deputados, que previa punição para institutos de pesquisa que não acertassem o resultado das urnas. Segundo a proposta, enviada pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), a punição é de 4 a 10 anos de prisão para líderes de grupos de coleta de dados eleitorais.
Rollo também afirma que a criação de um crime para institutos que erram resultados não é a solução, já que o crime apenas existiria como “prova de dolo de falsear” um levantamento de intenção de votos, que não se parece com o cenário atual, segundo ele.
Outros especialistas também apontam que a falta de regulamentação dos institutos de pesquisa podem causar dúvidas e questionamentos na população, porém acham o projeto de lei inconstitucional.
Segundo Turno
Sobre os resultados nas urnas, o doutor em direito constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa de Brasília (IDP/DF) Acacio Miranda afirma que o reconhecimento dos resultados é, inegavelmente, mais importante para a democracia brasileira do que manter o foco sobre os erros das pesquisas eleitorais.
“Zelar pela Constituição significa reconhecer o resultado divulgado pela justiça eleitoral, seja qual for o resultado. Eventuais questionamentos posteriores são legítimos, mas eles passam, necessariamente, por um primeiro reconhecimento que é essencial para a pacificação social”, afirma o especialista.
O resultado das eleições para governador de São Paulo colocou em destaque a força do antipetismo no interior paulista. Tarcisio de Freitas (Republicanos) obteve 55,27% dos votos, enquanto Fernando Haddad (PT), 44,73%. As cidades do interior e do litoral foram decisivas para esse resultado.
O eleitorado do interior de São Paulo apoia e se identifica com as pautas defendidas pelo candidato bolsonarista, como a liberação das armas, e se afasta da esquerda, diferentemente da capital, explica Vinicius Alves, cientista político e pesquisador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). “O interior, desde sempre, tem uma mente mais conservadora, por conta do agronegócio, da religião e do que aconteceu nos últimos anos com o PT. Esses elementos ficaram fixados no imaginário dessa população e, com tudo isso, criou-se o antipetismo”, complementa.
Não é à toa que a campanha de Tarcísio focou nos votos da população de cidades pequenas ou médias, como Campinas, Barretos e Sorocaba. Diferentemente de Haddad, que encontrou dificuldades para atingir esse público e teve que cancelar a agenda de campanha em Presidente Prudente, após receber um áudio com apoiadores do Bolsonaro combinando de hostilizar o candidato. A assessoria do petista justificou o cancelamento da passagem pela região devido à “ameaças explícitas à passagem do candidato na cidade”, disse a assessoria do petista.
“O PT hoje é um partido que se alinha com pautas da minoria: movimento negro, movimento LGBT, pautas ambientais. Então, quanto mais você sai dos grandes centros, menos essas pautas são aceitas. (...) Nessas eleições, muitas fake news foram criadas para indignar essas pessoas que têm esse pensamento mais conservador”, explica Marco Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Teixeira complementa que Haddad até tentou se aproximar desses locais, mas não foi bem aceito. Por isso, o foco maior da campanha foram os grandes centros, como na capital de São Paulo, onde obteve 54,41% dos votos, contra 45,49% do candidato bolsonarista.
Relação das cidades pequenas com a religião
Na cidade de Pinhalzinho, com cerca de 15 mil habitantes e a 112 km da capital paulista, Tarcísio recebeu 68,94% de votos, contra 31,06% do petista no segundo turno. Durante a campanha, foram organizadas passeatas a favor do governador eleito em que houve grande mobilização das igrejas evangélicas da cidade, além da participação de moradores de municípios vizinhos, como Bragança Paulista, Socorro e Amparo. A oposição foi quase inexistente nesses locais.
Muitos fiéis da igreja repetiram o discurso do líder religioso. Na primeira semana após o primeiro turno, uma seguidora que não quis ser identificada, vestida com uma camiseta do Brasil, saiu de um culto com uma Bíblia em mãos e foi até a lotérica em que Giovana Silvestre, de 19 anos, trabalha para pedir voto ao seu candidato.
Ao chegar, a cristã começou a defender a candidatura do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) e de Tarcísio. “Eu não entendo como alguém pode defender esse traste [Lula], e ainda querem trazer a gangue dele para São Paulo [Haddad]. Não podemos deixar isso acontecer!”, afirmou a senhora. Giovana relata que expressou discordância da fala em sua expressão facial, o que desencadeou a pergunta: “Você é petista? Por favor, não me bata. Vocês do PT são tudo loucos!” Depois, a senhora saiu brava do estabelecimento.
O acontecimento é um retrato do antipetismo forte nas cidades do interior, reforçado ainda por um discurso religioso. O pastor da igreja, que também não quis se identificar, afirma que pede votos ao candidato Bolsonaro “pelos cidadãos de bem'', para a ‘quadrilha’ não voltar ao poder. "E para nós podermos frequentar aqui [igreja] sem sermos perseguidos."
O agronegócio com Tarcísio
Outro aspecto que mobiliza o interior de São Paulo é o agronegócio. Ribeirão Preto, que está a 315 km da capital, se identifica como o município do agro e, não coincidentemente, Tarcísio ganhou no local com 59,56% dos votos. Um produtor de hortifruti local diz que ficou feliz com a vitória de Tarcísio, e que, diferentemente do governo do atual tucano e do ex-governador João Doria, ele tem esperança de melhorias em São Paulo e da valorização de seu trabalho.
O empresário do ramo da mineração Arthur Silva mora em Bragança Paulista. Ele afirma que não teria como Fernando Haddad governar para ele e para a sua classe, uma vez que acredita que perderia alguns privilégios, mas não quis citar quais eram. Em seu escritório, há bandeiras do Brasil espalhadas pela parede.
Tarcísio agradece ao interior
“Eu agradeço muito o interior do nosso Estado, que foi fundamental nessa vitória. Vamos trabalhar muito em prol do interior. (...) Agradeço muito ao nosso interior do Estado, assim como agradeço os mais de 3,4 milhões de paulistas que depositaram esse voto de confiança e a todo o Estado de São Paulo”, discursou Tarcísio na vitória.
No plano de governo do bolsonarista, a gestão foi dividida em três segmentos: desenvolvimento social, desenvolvimento urbano e do meio-ambiente, desenvolvimento econômico e inovação. Até o momento, as pautas de transição estão alinhadas com a trajetória dele no governo Bolsonaro, sendo os principais temas de infraestrutura que atingem principalmente o interior do Estado.
“Os problemas de infraestrutura se espalham por São Paulo, mas se concentram no interior. Há demandas de manutenção e construção de estradas, problemas de logísticas, escoamentos de produção etc. Boa parte das propostas de Tarcísio é para o interior, principalmente no âmbito da infraestrutura, que é uma demanda daquela população”, diz Teixeira.
Contudo, o governador eleito encontrará dificuldades para fazer a gestão da capital, uma vez que o ponto de atenção é a segurança pública, aspecto preocupante para esses moradores, já que grande parte não está de acordo com as medidas propostas, como a reavaliação do uso das câmeras nos uniformes dos policiais. “A segurança é o maior ponto de atenção dele [Tarcísio]. A violência é, sobretudo, um tema metropolitano”, conclui o cientista político.
Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), há ao todo 156.454.011 brasileiros aptos a votar nas eleições de 2022, e desse total, 53% são mulheres. Entretanto, esse número não se reflete nas candidaturas, uma vez que candidaturas femininas são minoria.
Em proporções nacionais, há 224 candidatos que tentavam ser eleitos para uma das 27 vagas de governador do Estado e dentro desse número, havia somente 38 mulheres concorrendo aos cargos.
Essa situação fica mais acentuada em São Paulo, que tem o maior colégio eleitoral do Brasil. Entre as 10 pessoas em campanha para ser o novo governador do estado, havia somente uma única candidata. A ativista social Carol Vigilar do Unidade Popular (UP), que teve cerca de 0,38% dos votos válidos.
Na Câmara dos Deputados esse cenário mudou das eleições de 2018 para as de 2022. Antes das 70 cadeiras de São Paulo na Câmara dos Deputados, 9 foram ocupadas por mulheres. Agora esse número aumentou para 14, representando 20%.
Mulheres de baixa renda na política
Entretanto, como observa Danusa Marques, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, essa falta de representatividade afeta principalmente as eleitoras de baixa renda, que, muitas vezes, não se enxergam nas poucas candidatas aptas.
Isso porque há realidades de vida muito divergentes entre eleitoras e candidatas. “Quando há mulheres, a maior parte delas não têm a mesma trajetória, não compartilha de uma visão de mundo comum com as mulheres trabalhadoras, com as mulheres pobres, periféricas do Brasil”, elucida a docente.
A falta de representatividade tanto de gênero quanto de raça e classe gera um afastamento das pessoas que não estão na atuação política. O fato de estar distante não significa falta de interesse pelo debate.
Pelo contrário, o que acontece, na verdade, é que o eleitorado feminino de baixa renda não consegue estar atento ao que está acontecendo no viés político devido à dupla jornada de trabalho, isto é, pela sobrecarga advinda da divisão sexual do trabalho.
Marina Brito, doutora em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais especializada na participação política de mulheres, explica que a dupla jornada de trabalho é quando uma trabalhadora tem tanto o desgaste com o emprego remunerado quanto com as atividades domésticas.
Quanto a isso, a estudiosa esclarece que “há uma dificuldade em compartilhar essas responsabilidades familiares com companheiros” pois esses não sofrem uma pressão social para tal pois “aos homens não existe essa cobrança, a eles é esperado outro jeito de viver”. “Os homens têm muito mais tempo livre para participar politicamente não só na política institucional como na própria militância, movimentos sociais, sindicatos”, completa.
Estado de ‘viração’
Rosemary Segurado, pesquisadora e docente de ciências sociais da PUC-SP, ressalta que dentro desse grupo há mulheres em famílias monoparentais que são, de fato, as únicas responsáveis pela renda e pelos cuidados, dificultando ainda mais seu envolvimento político. Segurado utiliza o termo “viração” para tratar disso.
Segundo Segurado, esse conceito acaba por definir a vida cotidiana de uma trabalhadora cercada de preocupação. Um exemplo comum nos dias de hoje é a inserção no mercado de trabalho informal, onde direitos trabalhistas e um salário precário são a realidade e, a partir disso, a mulher precisa “se virar” para conseguir sustento.
São nessas circunstâncias da “viração” que vive Josidalva Silveira, agente de higienização, que para chegar ao emprego que fica no bairro de Perdizes, zona oeste de São Paulo, pega três conduções e chega em casa somente às 23h. Nesse horário, por exemplo, os debates e entrevistas que passam na televisão já estão ocorrendo. Silveira acredita que se não tivesse uma rotina tão cansativa conseguiria acompanhar e entender melhor de política.
Como essas mulheres enxergam a política?
Já Aparecida de Oliveira, auxiliar de faxina, enxerga a política de maneira intrínseca ao período eleitoral. “De quatro em quatro anos acontece a política”, declarou. Eloides Matias, colega de trabalho de Oliveira, declarou não entender de política, mas procura saber sobre, “ ler mais, ver as propostas''.
Apesar disso, Matias afirmou não saber quais eram os planos de governo dos candidatos ao governo de São Paulo, isso há menos de um mês para o dia das eleições. “Ainda não, ainda não tive tempo de ver as propostas. Por conta do meu horário [de trabalho] não tive tempo”, finalizou.
Quatro coisas específicas unem essas mulheres: a condição de baixa renda, a sobrecarga, falta de tempo e a indecisão acerca de seu voto mesmo com a proximidade das eleições.
Tendo isso em vista, Marques completa. “A decisão do voto está orientada pelas informações e pelas condições que as pessoas têm para tomar essa decisão. Então, se a pessoa não tem boas condições, ela não tem informação, não tem tempo para pensar, não tem nada. Vai seguir como se fosse uma coisa desimportante”.
Outro ponto interessante sobre o perfil eleitoral desse grupo é a perspectiva acerca das políticas públicas. Quando questionadas a respeito, Josidalva Silveira e Aparecida de Oliveira responderam que essas ações não as afetam em nada, nem sequer notavam essas políticas públicas. Matias seguiu com o mesmo raciocínio: “Não sei te dizer por que não me afetam. Eu não consigo ver muita coisa, mas eu sei que afetam muita gente”.
Essa “muita gente” que Matias cita deveria, em tese, corresponder a elas também. As mulheres de baixa renda, inclusive, são as pessoas que mais utilizam o serviço público, segundo as pesquisadoras.
Segurado compreende que “quando elas dizem ‘Eu não sinto que a política pública chega a mim’, nós estamos falando do posto de saúde, da escola pública, é que ela nem identifica isso como política pública pela precariedade dessas ofertas”. A docente ainda acrescenta que as mulheres são o principal público de políticas públicas pois normalmente são designadas, pela sociedade, a zelar e gerenciar a vida de seus familiares.
Sob essa perspectiva, Segurado afirma que “elas querem ser cuidadas pelo Estado para que elas possam cuidar também dos seus com algum nível de qualidade”. A docente ainda ressalta que, por passar pelos em serviços públicos, a mulher querendo ou não, torna-se um ótimo parâmetro para se saber como essas ações estão atuando de fato.
As mulheres que se encontram nas classes mais baixas têm um perfil eleitoral heterogêneo. Quase todas elas se encontram em trabalhos terceirizados ou informais, costumam ser o sustento da casa e possuem uma dupla jornada em seu cotidiano que impede de estarem, na opinião delas próprias e de especialistas, ativa nas questões políticas.
Por isso, traçar sua intenção de votos ou viés político é tão complexo. Sobre a ausência delas em espaços de poder, Marina Brito declara: “Para uma mulher dessas conseguir se eleger, ela precisa mover montanhas”.
Apesar das expressivas melhoras estatísticas dos dados de violência policial no estado de São Paulo, Tarcisio de Freitas segue flertando com a ideia de retirar câmeras corporais e mantém um discurso favorável a uma “linha dura” da polícia. No primeiro semestre de 2022, houve uma redução de 60% na letalidade policial do estado de São Paulo em relação ao primeiro semestre de 2020. As mortes desses agentes do Estado também diminuíram substancialmente nos últimos anos.
Durante toda a sua campanha, Tarcísio de Freitas foi contra a implementação de ferramentas que freassem o poder de fogo policial, principalmente as câmeras corporais, dizendo que as extinguiria caso fosse eleito. Tais câmeras tem o propósito não somente de diminuir a corrupção e a violência policial, mas também de defender os agentes da lei contra falsas alegações de abuso de poder, por exemplo.
A Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) é uma das maiores do país, tanto no quesito de contingentes quanto na verba. De acordo com relatório do Monitor de Violência do G1, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, até 2020, a polícia de São Paulo também era uma das que mais matava, com uma taxa de mortes de 814 pessoas a cada 100.000 habitantes, número que caiu 30% em 2022.
O estado também apresentou uma redução de 49% nos policiais mortos em serviço entre os anos de 2020 e 2021, opondo-se à alta de 44,1% entre 2019 e 2020.
Com a eleição do governador bolsonarista, no entanto, esses números podem voltar a crescer. Tarcísio é abertamente favorável à uma polícia mais dura e alega, por exemplo, que batalhões estão “perdendo produtividade” por conta das câmeras corporais. Ao seu lado, o governador conta com a bancada do PL, a maior eleita, e com o apoio de uma ampla ala bolsonarista na Câmara.
Para o sociólogo e coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, Rafael Rocha, a queda da letalidade policial se deve a uma mudança do governo Dória na área da segurança pública, principalmente a partir da segunda metade de 2020, após o Massacre de Paraisópolis, quando Dória passou a se distanciar do discurso de Bolsonaro, quem o ajudou a se eleger em 2018.
Em 2019, uma intervenção desastrosa em um baile no bairro Paraisópolis culminou na morte de nove jovens. Os policiais encurralaram a multidão, causando uma série de pisoteamentos.
Entre 2019 e a primeira metade de 2020, cerca de 30% das mortes violentas no estado foram cometidas pela Polícia Militar, números estes que são computados juntamente com casos de homicídio e latrocínio. “Em certos bairros, como Heliópolis, se fosse retirado da conta essas mortes, o número de pessoas mortas cairia mais da metade”, comenta Rocha.
“Houve então uma tentativa de mudar o modelo de segurança pública, principalmente o controle do uso da força”, explica o sociólogo. Entre as mudanças estão: o investimento em armas não-letais, como os tasers e o uso de câmeras corporais.
Conforme apontou Rafael Rocha, essas e outras questões mostram um projeto de segurança pública falho, e muito contraditório: “Ele disse, por exemplo, que não era necessário colocar mais câmeras nos policiais, mas sim tornozeleira eletrônica nos bandidos. Mas uma coisa não exclui a outra, é muito simples”
Tarcísio de Freitas já voltou atrás em alguns de seus posicionamentos, no entanto, mesmo que não descontinue as câmeras, pode sucatear o sistema que as sustenta. As câmera corporais exigem uma estrutura para transmitir, armazenar e analisar as imagens.
“O Tarcísio pode acabar com as câmeras sem acabar com as câmeras. Se o custo político for muito alto, ele pode sucatear a estrutura por trás”, comenta o sociólogo.
Alan Fernandes, Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo, e Doutor em Administração Pública e Governo, afirma que as mudanças na PM de São Paulo também reduziram as mortes de policiais militares.
Para Fernandes, isso se deve a duas razões: a primeira delas é que, em razão das câmeras, policiais militares em campo buscam estratégias para evitar o confronto armado, o que reduz tanto a letalidade de suas ações, como os coloca em menores níveis de risco. A outra razão é que as câmeras corporais teriam a capacidade de mitigar ações violentas por parte dos agressores não-policiais.
O coronel explica também que existe um discurso político que coloca a polícia como última salvação perante a criminalidade e estimula policiais a arriscarem suas vidas para o cumprimento do dever. Para Fernandes, isso funciona como agravante da mortalidade policial: "Mensagens messiânicas que invocam o papel dos policiais na luta contra o “mal”, lançam-os em ações arriscadas, em que o saldo de vidas perdidas, de quaisquer lados do cano de um fuzil, é resultado aceitável. Não deve ser!"
Dados da GV Executivo apontam que entre o terceiro e o quarto trimestre de 2021, os batalhões que faziam parte do programa Olho Vivo, apresentaram redução de 63,6% e 77,4% na letalidade provocada pelos PMs em serviço, demonstrando a eficácia das câmeras corporais.
Para Rafael Rocha, a imagem dos policiais perante a sociedade também melhorou e grande parte dos agentes sendo contrários ao projeto de extinção das câmeras: “É engraçado achar que a câmera desabona o policial, pelo contrário, esses policiais tem preocupação com a imagem da instituição, eles sentem que isso os qualificou”
O estado de São Paulo pode influenciar o debate sobre as propostas de segurança pública em outros estados, explica David Marques, doutor em sociologia pela UFSCar e Coordenador de Projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
"São Paulo reduziu em 30% o total de vítimas de letalidade policial, fato em grande medida atribuído às mudanças institucionais pelas quais vem passando a Polícia Militar desde meados de 2020", comenta Marques.
São Paulo foi o Estado com maior número de pessoas pretas eleitas para a assembleia estadual em todo o país. As pessoas pretas totalizam nove eleitas, e as mulheres pretas são a maioria desde 2014 na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
A Alesp está inserida no Estado que mais elege deputados estaduais (94) do país e devido dois mandatos coletivos: Bancada Feminista e Movimento Pretas, ambos do Psol, o número de pessoas pretas pode ser expandido para 19 pessoas eleitas. A Bancada Feminista conta com cinco mulheres e o Movimento Pretas, sete.
O Contraponto Digital realizou um levantamento considerando os eleitos para a Alesp autodeclarados pretos. Sem os mandatos coletivos, os deputados eleitos sozinhos totalizam sete, sendo eles: Ediane Maria (Psol); Guto Zacarias (União Brasil); Reis (PT); Barba (PT); Thainara Faria (PT); Leci Brandão (PCdoB) e Luiz Cláudio Marcolino (PT).
Se observado os espectros políticos dos pretos eleitos em São Paulo, há mais pessoas de esquerda, com oito no total. A direita só tem Guto Zacarias (União Brasil) como representante. As mulheres também são maioria nessa categoria.
“É um processo que vem se transformando lentamente ao longo dos anos, mas que começou a ter um pouco mais de consistência a partir das eleições de 2014”, argumenta Aírton Fernandes Araújo, doutor em ciência política pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e diretor de formação política da Frente Negra Gaúcha.
Alguns estudiosos defendem que os partidos denominados de esquerda são reconhecidos dessa forma no Brasil porque têm um corpo parlamentar que pensa em políticas públicas igualitárias e coletivistas. Já os de direita atuam de maneira meritocrática, visando apenas o lucro e têm poucas políticas públicas pensadas para a massa.
2014 foi o ano em que os candidatos foram obrigados a informar sua cor/raça ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Com isso, foi possível traçar qual era a raça/cor dos candidatos e eleitos a partir desse ano. Em 2014, a Alesp teve três autodeclarados pretos eleitos: Leci Brandão (PCdoB), Clélia Gomes (PHS, atual Podemos) e Barba (PT). Já em 2018, cinco pessoas pretas foram eleitas: Leci Brandão, Tenente Nascimento (PSL, atual União Brasil), Érica Malunginho (Psol), Bancada Ativista (Psol) e Barba e, neste ano, nove.
Mesmo que a cidade de São Paulo tenha 37% da população negra (considerando pretos e pardos), segundo os dados do Censo Demográfico de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) os políticos pretos ainda continuam sub-representados se comparado a proporção da população brasileira, formada de 56% de pessoas negras.
Mulheres pretas em destaque
A Alesp terá a maior representatividade feminina da história na próxima legislatura (2023/2026), com 25 mulheres. A quantidade de mulheres na atual composição da Casa já era considerada uma marca histórica, com 19 parlamentares. Dentro da categoria de eleitos autodeclarados pretos, há mais mulheres, sendo cinco (15 se contar as integrantes dos mandatos coletivos).
Para Araújo, isso pode ser explicado a partir do protagonismo que a mulher negra vem exercendo na sociedade civil e o papel de uma campanha frente ao eleitorado e à sociedade acerca da importância do voto feminino negro. “Vejo isso como tomada de consciência”.
E quanto elas serem dos partidos de esquerda, o cientista político argumenta que são essas instituições que, bem ou mal, melhor representam e discutem toda a ansiedade da mulher negra.
Todavia, ele salienta que essas parlamentares se responsabilizam por exercer os seus mandatos não só para negros, mas para todos os desfavorecidos na sociedade, o que acaba atraindo um eleitorado diverso.
Desde 2014 as mulheres autodeclaradas pretas se destacam em número de eleitas, ficando sempre à frente dos homens pretos, mesmo que dentro de um número já pequeno.
Em 2014, a Alesp teve três autodeclarados pretos eleitos, dois eram mulheres. Já em 2018, cinco pessoas pretas foram eleitas, três eram mulheres e, neste ano, nove pretos eleitos, sendo cinco mulheres.
Simone Nascimento, codeputada (pessoa que compartilha o cargo de deputada com outros membros) da Bancada Feminista, eleita neste ano explica que o mandato coletivo atuará em prol das lutas populares e serão uma forte oposição ao governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), pois são contra várias medidas que ele propôs em sua campanha, como a retirada das câmeras dos uniformes da Polícia Militar (PM).
Isso porque, a inserção das câmeras nos uniformes dos policiais militares foi um mecanismo que reduziu a letalidade policial em 72% no estado de São Paulo, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) estadual.
“Lutaremos para que o Estado de São Paulo priorize o combate à fome, o investimento na educação, saúde, moradia e queremos fortalecer a rede de proteção às mulheres e o combate ao racismo”, afirma Simone.
Assim como Simone, a codeputada do Movimento Pretas, Ana Laura, também cita que o mandato coletivo será um instrumento e uma ferramenta social para ser caixa de ressonância das lutas sociais e enfatizar a importância da representação da mulher negra dentro da política.
“Temos mulheres negras de várias regiões do Estado que são figuras públicas ou lideranças em seus movimentos sociais. No meu caso, faço parte da Rede Emancipa, o movimento de educação popular. A ideia é que eu fortaleça esse movimento da educação popular, o movimento cultural e o combate ao racismo religioso, e cada uma das integrantes atuando de sua maneira, mas em conjunto”.
A segunda mulher preta a ocupar a Alesp, Leci Brandão, foi reeleita para o seu quarto mandato neste ano. A primeira foi Theodosina Rosário Ribeiro, que morreu em 2020.
Brandão expõe que enxerga de maneira positiva o aumento do número de mulher negras eleitas, pois em sua trajetória sempre visou apoiar candidatas negras.
Quanto ao aumento no número de mulheres na política institucional de um modo geral, a deputada também afirma ser o reflexo do protagonismo das mulheres negras que atuam nas ruas, nos sindicatos, nos coletivos, nas universidades e em todos os lugares.
“Acredito que ocupar todos os espaços de poder tem sido muito mais do que uma fala, uma bandeira, mas sim o foco da luta de negros, e principalmente das mulheres negras”, ressalta a parlamentar.
Pretos de direita e de esquerda
A esquerda tem mais autodeclarados pretos na Alesp desde 2014, pois antes não era possível traçar a cor/raça dos eleitos. Os autodeclarados pretos e que fazem parte de um partido de direita na Alesp não se sobressaíram nenhuma vez. Mas não podem ser desconsiderados dentro da política.
Araújo destaca que nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores de quase todas as capitais, vem crescendo a presença de negros.
“Percebe-se que os partidos políticos, principalmente os de esquerda, sejam mais sensíveis e efetivos em relação à participação dos negros nas instâncias de poder”, adiciona o cientista político, que também avalia a atuação de negros de direita dentro da política.
“Vejo isso como uma dicotomia natural da política. Se observarmos a história do Quilombo dos Palmares, alguns historiadores dizem que existiam contrariedades na forma de atuar entre Zumbi dos Palmares [visto como um revolucionário com ideias de esquerda] a Ganga Zumba [considerado um traidor por fazer um acordo com a corte portuguesa]”, exemplifica.
Além disso, dentro da Frente Negra Brasileira, a mais importante entidade do movimento negro brasileiro na primeira metade do século 20 também havia os monarquistas versus os republicanos. “É do sistema político e é de fórum íntimo essa escolha”, completa Araújo.
O historiador e professor da PUC-SP Amailton Magno Azevedo contribui dizendo que os pretos são muito diversos, política e ideologicamente, podendo se falar de pretos de direita e conservadores alocados em partidos de igual tendência ideológica.
Em sua análise, com pretos de direita eleitos, poucos avanços se fará no plano social, pois são conservadores e fomentam a ideologia meritocrática para as conquistas pessoais e a ascensão socioeconômica. Por outro lado, afirma, os pretos de esquerda eleitos atuam considerando haver uma dívida histórica com o próprio povo, devido à herança da escravidão e do racismo que barram a plena cidadania deste grupo.
Por isso, para ele é notável a atuação que os pretos progressistas têm para a existência de políticas públicas que busquem superar o passado escravocrata.
Mesmo que a falta de representatividade signifique que as pautas que interessam a essa população não sejam defendidas ou sequer apresentadas, nem sempre é uma regra, pois nem todos são progressistas, defendem.
Demandas da população e a atuação a partir de 2023
Simone e Leci defendem ser preciso superar a pobreza, a fome, ter emprego, educação, assistência à saúde e a cidadania plena para todos e todas. Ana Laura também, mas avalia que as demandas são muitas e diversas, pois a população negra de São Paulo tem particularidades plurais.
A codeputada da Bancada Feminista afirma que para próximo ano buscarão a superação da crise de vida hoje, somada ao resultado do ex-governador de São Paulo João Doria e do atual presidente Jair Bolsonaro nos últimos anos, pois para ela, o povo precisa com urgência de trabalho e renda para zerar a fome, moradia, porque subiu muito o número de pessoas sem teto no estado e educação, pois a evasão escolar aumentou especialmente entre os mais pobres e negros na pandemia.
“É necessário criar oportunidades e combater a letalidade policial, com outro modelo de segurança pública sendo essencial”, pontua Simone.
De acordo com os dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (Polos-UFMG) apenas na cidade de São Paulo, são 42.240 pessoas vivendo nas ruas.
Outra pesquisa divulgada pelo Datafolha em janeiro deste ano, mostrou que 4 milhões de estudantes abandonaram a escola durante a pandemia. As principais causas foram a dificuldade do acesso remoto às aulas e problemas financeiros. Os alunos que lideraram a taxa de evasão escolar pertenciam às classes D e E.
Para Ana Laura, a população preta tem diversos tipos de demandas, sejam as mais objetivas como a segurança pública, ou as mais subjetivas, que envolvam a identidade, por meio do resgate histórico ou até mesmo o combate ao racismo religioso.
“Visaremos unir as pautas do Movimento Pretas com o da população, mas é preciso reconhecer que as pautas e as demandas do movimento negro são demandas de reparação históricas, e não demandas únicas de toda a população negra, pois a população negra é uma camada diversa” conta.
Araújo avalia que os parlamentares negros (pretos e pardos) terão muito trabalho para fazer valer suas pautas, principalmente as de ordem racial. E que, provavelmente, irão compor com os deputados brancos de esquerda. Mesmo assim, ainda terão dificuldades por serem a minoria num ambiente masculino, branco e com um conservadorismo forte, enfatizando também a importância do apoio dos movimentos sociais e da sociedade civil aos parlamentares negros.
“A pressão da sociedade e sua presença nas galerias da Assembleia será vital para o sucesso dos mandatos”, conclui.