O montanhismo ensina que o caminho não se resume ao destino, enquanto o processo é o verdadeiro objetivo do corpo e da mente
por
João Curi
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18/11/2024

Por João Curi

No alto. O que fazem lá, como chegam tão longe, o que comem, onde querem chegar, são perguntas comuns. Esse é o primeiro engano. Não tem nada de comum na escalada. Cada experiência é individual, mesmo subindo em grupo. Cada pulmão aguenta um determinado ritmo, cada perna desafia a altitude numa determinada dose de coragem e persistência.

Persista. E se o risco for alto demais, desista. Não tem vergonha nenhuma em voltar. A experiência é única. A vida também. O jogo não pode ser desbalanceado e o que importa é viver ao máximo no máximo. Não desperdice bateria com os fones no ouvido. Qualquer chamado da natureza é vital. Seja um bicho à espreita, o ronco das nuvens enegrecendo, ou a surpresa de uma companhia exploradora, tudo que toca os ouvidos é uma chamada indispensável.

Não perturbe. Passo a passo, a trilha vai ganhando curva e o tênis perde a firmeza do pé. As rochas, aglomeradas no caminho, requerem total atenção. É escorregadio, pontudo, nada convidativo. Desafiador.

Pedro Galavote é praticamente graduado em Jornalismo pela PUC-SP, já prestes a entregar o TCC, um documentário sobre escaladas e evidência artística de sua trajetória no montanhismo. Com as lentes, registra as experiências de subir e descer dos picos e montes do sul do Brasil, sem testemunhas, e as histórias que essas visitas temperadas de aventura lhe proporcionaram.

Montanhista posando à frente de um amontoado de galhos que bloqueiam a trilha
Pedro Galavote (Foto: acervo pessoal)

Decidido a estrear algum esporte, o coração jovem estava em busca de alguma novidade para se exercitar. Foi quando se deparou com vídeos de trilhas, montanhismo, alpinismo, e pegou gosto pela meditação guiada sobre as rochas. Já tinha certa experiência, mas nada elaborado. Na última aventura, subiu o Pico Paraná em quatro horas.A formação rochosa de granito e gnaisse está situada entre os municípios Antonina e Campina Grande do Sul, no conjunto de serra Ibitiraquire ("Serra Verde", em tupi), na Serra do Mar paranaense. O pico em questão é o ponto mais alto da região sul do País, chegando a cerca de 1877m acima do nível do mar.

Não conseguiu de primeira, confessa. Quando estreou, ainda este ano, tinha emendado a viagem de ônibus que, perturbado pelo ronco de um passageiro, o fez virar a noite com os olhos mal pregados. Cansado das mais de seis horas de estrada, amanheceu nervoso, sem tomar café e assim subiu.

Não muito tempo depois, já num ponto distante, sentiu a pressão baixar enquanto o corpo tentava subir. A montanha o desafiava a pensar num plano de contenção, que seguiu na montagem da barraca ali mesmo e, natureza à parte, uma noite sem roncos. O pesadelo viria ao acordar, vestido da frustração de ter que descer antes de chegar ao topo, mas era preciso. De pressão baixa, tão escurecida quanto a noite anterior, era arriscado de passar mal em algum trecho que o exigisse vencer os quinze, vinte quilos que carregava nas costas para escalar as rochas do trajeto em que os pés não teriam mais a mesma firmeza. Frustrado fica, mas é melhor voltar mais cedo do que não voltar. Estava sozinho, afinal.

Gosta assim porque é subindo, ele por ele, que acaba se conhecendo melhor, enfrenta e desvenda os próprios limites, e só tem que se preocupar consigo. Se chover, choveu. Se pesar o passo ele espera. Não tem pressa. Nem se compara aos corredores das alturas, adeptos do trailrun, que volta e meia ultrapassam o entusiasta pra voltar descendo pouco tempo depois. Não, o jogo dele é outro. Pedro gosta da imersão de se permitir meditar em meio à natureza, ascendendo corpo e mente numa experiência aberta e solitária, tão convidativa quanto perigosa. É uma paz, um sossego que só, afirma.

A mãe, por consequência, perdeu o dela e não vai dormir de preocupação. No começo foi difícil entender. Imagina! Deixar o menininho que ela carregou no colo, criou com o maior cuidado, assim sozinho no meio de uma montanha. E a chuva? Os bichos? E se chegar algum estranho e levar tudo, se ele se perder, se cair, se passar mal quem é que socorre? Toma cuidado, tem certeza que vai? Não quer levar alguém com você?

O filho, compadecido, foi convencendo com o tempo. Para acalmar a mãe preocupada, mostra o planejamento todo, desde o caminho traçado por profissionais até os equipamentos e as medidas de proteção. Informava a previsão de tempo, de vento, o itinerário, e garantia que sozinho não ficaria – pelo menos não o trajeto todo. Sempre vai passar alguém lá.

Essa é uma das magias do montanhismo. Entender que as pessoas que sobem e descem, assim como as flores e as aranhas do caminho, são minúsculas e efêmeras. As vidas vêm e vão, e o pico continua lá, lembrando que Pedro não passa de um sopro. Ele, os pais dele, avós, e futuramente os filhos, netos, bisnetos. Todos que passaram e passarão, que vêm e vão embora, tudo vai mudando enquanto a montanha permanece.

O tempo caminha lentamente nas alturas.

Quando chega ao topo, finalmente, abre o livro de registros e deixa a assinatura, junto à data, hora, e uma frase. É uma tradição nos cumes brasileiros, além de ser uma importante questão de segurança. Dessa forma, não só deixam marcada a vitória pessoal de cada montanhista como asseguram quem subiu e há quanto tempo.

Uma vez lá em cima, Pedro já não conta mais com o relógio. Respira fundo, acalma a vista e aprecia. Tudo, desde o lanchinho até a paisagem. Tira foto, passa café, monta acampamento, e aí chega a melhor parte: o cochilo da vitória. Esse é bom, viu? O prêmio merecido antes da descida. Porque subir é só a ida. E a volta?

Essa é uma viagem a parte.

Tem quem ensine a subir na vida

Seu Orlando é idealizador e proprietário da Triboo! Parque, um centro de treinamento de montanhismo em Itajubá, Minas Gerais, próximo à UNIFEI. Fundou o negócio em 2001, num outro ponto menor do que ocupa hoje, já com foco na caminhada e em equipamentos de escalada, um projeto que nasceu do TCC quando se formou em Administração em 1998.

A ideia foi ganhando forma, firmeza, e logo reuniu uma clientela fiel para sustentar o empreendimento e incentivar o esporte na região. Junto a mais dois funcionários, seu Orlando oferece a experiência segura e monitorada de escalar as formações rochosas. Primeiro, na parede de treino, depois num espaço mais controlado e natural. Tudo vigiado e com orientação de profissionais.

Até porque escalada não é brincadeira de criança – por mais que alguns buffets infantis tenham provem o contrário. O jogo aqui é justamente essa diferença. Não adianta achar que para subir uma montanha basta um tênis bom, pulmão forte e a coragem de subir. Não, longe disso. Altitude não requer só atitude, tem muito jogo de cintura e cabelo branco por trás.

Ninguém sobe sozinho. Até Pedro, que é adepto do montanhismo a um, segue o itinerário e as rotas que alguém antes dele já traçou. A comunidade se sustenta e se apoia à distância, mas o trabalho de Orlando é fazer isso de perto. Nos últimos anos, inclusive, os jovens têm se interessado mais pela ideia.

A nova tendência da juventude, talvez por obra e incentivo do algoritmo, tem conquistado espaço no cenário esportivo nacional. A escalada esportiva entrou no quadro olímpico em 2018, durante os Jogos Olímpicos da Juventude em Buenos Aires. Dois anos depois, nos Jogos Olímpicos de Verão em Tóquio, o esporte foi adicionado ao programa e se firmou na última edição, em Paris.

Em 2021, a Prefeitura de Curitiba anunciou o primeiro Centro de Treinamento Olímpico de Escalada Esportiva do país, com instalações ideais para as modalidades Boulder e Velocidade. As paredes novas foram construídas na área externa ao ginásio do Centro de Iniciação ao Esporte (CIE) Nelson Comel, na capital parananese, que já sediou as primeiras competições nacionais da modalidade.

Orlando, inclusive, destaca o vice-campeão brasileiro de escalada na etapa boulder, o escalador itajubense Davi Peres, que é aluno da Triboo e o orgulho da cidade. Esses olhares mais cuidadosos com o esporte acarretaram incentivo à preservação dos picos e maior respeito aos proprietários dos espaços de treinamento desse esporte que não é uma loucura dos jovens. Existe regra, tem uma forma segura e comprovada de conquistar a montanha, abrir uma rota, um caminho novo.

A Triboo, por exemplo, disponibiliza uma croquiteca com as rotas de escalada recomendadas para cada pico estudado pelos profissionais. O caminho é pedregoso, mas tem pavimento de quem já tem os pés calejados.

É um esporte que pode ser radical, é verdade, e por isso tem que aprender antes de fazer. Não dá para pilotar um carro sem aprender a dirigir antes. Para as montanhas, o caminho é parecido. Não adianta querer escalar o Everest de primeira. Todo mundo quer subir a Pedra do Baú, o Pico dos Marins, e acaba esquecendo que a subida não tem só flores.

Mas as pedras do caminho fazem parte do esporte. É tudo organizado, desde o grau de dificuldade até os equipamentos necessários para cumprir a missão de subir, porque para descer todo santo ajuda.

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A vida de Maria Leonilde é marcada por mudanças, desafios e superação, tudo costurado com a paixão.
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Marcello Toledo
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18/11/2024

Por Marcello Toledo

 

Nascida em Tietê-SP, no dia 14 de dezembro de 1945, Maria Leonilde Valentini, mais conhecida como “dona Nide” é uma dessas pessoas que parecem carregar no sorriso a história de uma vida inteira. Hoje com 78 anos, ela lembra com carinho dos altos e baixos de uma longa jornada, sempre acompanhada de sua inseparável máquina de costura. De linhas e tecidos, Nide tirou o sustento, fez amizades e encontrou forças para superar as dificuldades que surgiram no caminho.

Casada aos 18 e mãe de dois, ela passou por várias cidades, sempre carregando consigo o dom de transformar tecido em amor e sustento. Costurando desde os 24 anos, foi em São Manuel que ela deu seus primeiros passos na profissão, e de lá em diante, a costura nunca mais deixou de ser o centro da sua vida. Dona Nide conta que aprendeu tudo sozinha, não fez nenhum curso, apenas seguiu seu caminho e foi conquistando clientes.

Ali, como seu marido era motorista de ônibus,  ela fez muita camisa para os motoristas locais e costurou amizade com muitas das mulheres da cidade. Depois, vieram novas mudanças. Em São Paulo, ela trabalhou para uma confecção de Tatuí, onde ganhou experiência em larga escala. Mas a vida em São Paulo foi complicada e por conta do trabalho de seu marido. Foram obrigados a se mudar mais uma vez.

Dessa vez foram para Santa Rita do Passa Quatro onde as coisas foram muito turbulentas, com seus filhos relativamente grandes, dona Nide foi obrigada a trazer sustento para dentro de casa, pois seu marido não era nem um pouco solidário com sua família. Ficaram na cidade e logo se mudaram novamente, pois as coisas em Santa Rita ficaram muito complicadas financeiramente. Sua filha conta com muito orgulho que se não fosse o talento e a dedicação de sua mãe, teriam passado fome.

De volta a São Paulo, agora em Guarulhos, ela reencontrou freguesas antigas do bairro da Casa Verde, onde morou pela primeira vez. Elas foram verdadeiros anjos na vida dela, como dona Nide não tinha dinheiro para se locomover, suas clientes faziam questão de pagar o ônibus para que ela fosse buscar as roupas. Isso ajudou não só a se sustentar, mas também a ficar perto dos filhos, cuidando da casa e garantindo o mínimo de estabilidade.

Sergio, seu filho mais velho, já falecido, era homossexual e isso foi motivo de muitas brigas e discussões dentro de casa a vida inteira, pois seu Ênio, não o aceitava de maneira nenhuma. Além das dificuldades financeiras, dona Nide ainda tinha que segurar a bronca dentro de casa para que pudesse manter seu filho junto a familia, pois o desejo de seu marido era diferente. 

Então, tempo depois, dona Nide retorna a Tietê, sua cidade natal, mas agora sua vida tem outra reviravolta: ela descobre que seu filho acabou contraindo AIDS, o que piorou ainda mais as coisas, pois além das dificuldades familiares, a questão financeira não era fácil, então todos os exames, tratamentos e remédios, era dona Nide que pagava com o dinheiro da costura, pois seu marido se recusava a ajudar na maioria das vezes.

As coisas foram muito pesadas emocionalmente durante este período, sua filha mais nova Célia, também contribui  como podia para ajudar seu irmão, assim como sua clientela de costura que sempre deu todo tipo de apoio a dona Nide, pois sempre foi muito querida por todos.

Infelizmente, com 30 anos, seu filho acabou falecendo, foram momentos de muita dor, conta dona Nide. Logo após, também se cansou dos abusos de seu marido e acabou se separando, mas ela sempre se recusou a abaixar sua cabeça, sempre manteve o sorriso no rosto. Apoiada por suas freguesias e amigas, que já eram quase da família, dona Nide seguiu bem firme. 

Após tanta turbulência, ela encontrou uma nova chance ao lado de Ricardo Grando, um senhor de Cerquilho,cidade vizinha de Tietê, com quem viveu quase 14 anos. Lá, Nide ficou conhecida pelas arrumações e reparos de roupas das lojas da cidade. Conta que foi muito feliz ao lado de seu Ricardo, era um homem bom e honesto, sempre apoiou e tratou sua família como se fosse dele, principalmente seu neto Marcello, filho de Célia sua filha mais nova, seu Ricardo era muito presente em sua vida, o que deixava dona Nide ainda mais contente.. Mas, quando ele também partiu, a costureira voltou para Tietê, onde mora até hoje, costurando para amigas que conheceu ao longo da vida.

Por causa da costura e de seus esforços ela foi capaz de auxiliar nos estudos de sua filha e de seu neto financeiramente. Além do talento com as agulhas, dona Nide sempre soube administrar seu dinheiro, mesmo com as dificuldades nunca deixou ninguém passar fome e ainda mais, ficar sem estudar.

A casa de dona Nide até hoje é movimentada. É conhecida por suas clientes por ser uma pessoa muito doce e de um coração lindo, sempre receptiva com café, pães e bolos, além de sempre ter sido super elogiada por seu talento na costura, suas clientes não a trocam por nada nesse mundo. 

Além do mais, dona Nide ainda cuidou muito de sua mãe, Genoefa, que só com seus 94 anos foi ficar doente e parar na cama. Ela era quem ia em sua casa todo dia, cozinhar e limpar, até sua mãe finalmente descansar. Ainda hoje também cuida de sua irmã Alaíde que acabou ficando com Alzheimer.

Nide fala com carinho do que a costura representou para ela. “Foi o que me salvou”, conta. Quando a vida ficava difícil e o marido passava por problemas, a costura foi o que garantiu um dinheirinho e uma segurança. Com ela, conseguiu ajudar a sustentar a casa, os filhos, e, mais tarde, criar laços que a fortaleceram nos momentos mais duros.

Entre vestidos de noiva e trajes de carnaval, lembra de peças feitas com amor e dedicação. Costurou para festas, para formaturas, e nunca se esquece dos trajes para o famoso Baile do Havaí e para os blocos de carnaval da cidade. São histórias de vida entrelaçadas com as linhas que ela sempre costurou, fazendo dela uma parte de cada celebração.

Hoje, ao lado do neto Marcello, que é a paixão da sua vida, dona Nide olha para trás com gratidão, agradece a Deus pelo dom que lhe foi dado. Se não fosse a costura, ela diz, talvez não tivesse superado tanto. Para ela, cada ponto é um pedaço de tudo o que viveu, cada peça é uma lembrança – e costurar é sua maneira de dar sentido à própria história.
 

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Quando se percebe, a doença degenerativa já levou a pessoa muito antes de morrer.
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Catarina Pace
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05/11/2024

Por Catarina Pace

Dona Joaquina teve seu primeiro derrame aos 80 anos — um acidente vascular transitório, desses que “vão e voltam”. Quando se recuperou, ainda reconhecia todos ao seu redor. Seis meses depois, em julho, sofreu um derrame isquêmico que comprometeu partes do corpo, deixando-a com movimentos limitados, embora ainda lembrasse de algumas pessoas. No último derrame, ela perdeu a fala, deixou de reconhecer quem amava e precisou se mudar para uma casa de repouso.

A segunda vida de Dona Joaquina começou quando ela tinha 73 anos e foi diagnosticada com Alzheimer, mas ninguém na família sabia o que significava conviver com essa doença, que apaga, lentamente, as memórias de quem a enfrenta. Quem conta essa história é sua filha, Maria Irene, que não apenas sentiu a partida da mãe, mas também testemunhou o impacto dessa doença, que chega sorrateira e leva a vida embora, devagar, mas de forma inevitável.

O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa progressiva que afeta a memória, o pensamento e o comportamento. É a causa mais comum de demência, um termo geral para o declínio das funções cognitivas que interfere com a vida comum e as habilidades básicas. As células cerebrais começam a se deteriorar, formando placas e emaranhados de proteínas que prejudicam a comunicação entre os neurônios. Esse processo causa, aos poucos, uma perda da função cerebral e costuma envolver lapsos de memória, confusão e desorientação, dificuldade de planejamento e raciocínio e também, alterações de humor e comportamento. Com o tempo, os sintomas pioram e a pessoa perde habilidades essenciais, como falar, andar e cuidar de si mesma. Ela não tem cura, e mesmo com tratamentos que ajudam a retardar e tratar de algumas consequências, é difícil não ver a diferença na pessoa com o passar do tempo.

Para Irene, aceitar essa mudança foi doloroso, e colocar sua mãe em uma casa de repouso parecia inimaginável. Aos poucos, ela começou a ver os “lares de idosos” de uma forma diferente, uma perspectiva que só encontrou nesse momento difícil. Irene visitava sua mãe em diversos horários, conhecia todos os plantões, saía mais cedo do trabalho ou abria mão do almoço para estar ao lado dela. E mesmo assim, ela conta, com um sorriso no rosto, que Dona Joaquina sempre foi uma mulher de espírito leve e com alta autoestima — “mesmo gordinha”, gostava de si mesma e vivia bem com a vida, lembra.

Um dos maiores desejos de Dona Joaquina era ver seus filhos e netos formados, e conseguiu. Presente em todas as formaturas, dizia que a vida era perfeita como estava e que não queria mais nada. Com o avanço da doença, começou a esquecer os rostos que tanto amava, a família, sempre muito unida, sentiu um vazio crescente. Quanto mais ela se afastava, mais eles se viam sozinhos.

Para Irene, o fim da vida de Dona Joaquina foi um pouco diferente. Ela contou que foi muito mais difícil do que imaginava, que ver a pessoa que amava e que viu se dedicar tanto a ela nesse estado, vegetando, e não percebeu que também estava ficando doente. Estava cansada, esgotada e estressada. Um dia estava indo para a clínica visitá-la e do nada não reconheceu mais o caminho. Estava dirigindo e teve uma crise de ansiedade. Para ela, estava totalmente perdida. E assim foi seu primeiro contato com a síndrome do pânico decorrente do Alzheimer, que mesmo não tendo, sentiu nela a dor dessa doença.

Ela foi diagnosticada com depressão e síndrome do pânico antes da Dona Joaquina falecer, mas que foi agravando depois de sua morte. Quando ela percebeu que a doença de sua mãe era irreversível, ela foi piorando.

Além da doença da mãe, Irene soube lidar com a sua, mas sempre pensava se poderia se recuperar, se poderia continuar sendo forte nesse momento. Seu jeito brincalhão e divertido de ser levou a uma hipótese: as brincadeiras poderiam ser apenas uma maneira de esconder a depressão que já estava ali há algum tempo, talvez desde quando descobriu a doença da mãe, mas só foi expressivo quando se viu em um beco sem saída, quando sabia que não tinha mais volta.

Autor: Catarina Pace
Dona Joaquina e Maria Irene
Arquivo Pessoal

Outra experiência de contato com a doença é a de Davi Valentim, um neto que viu o Alzheimer tomar conta de sua avó. Diferentemente de Joaquina, para Davi, a vinda da doença de sua avó, Dona Yara, foi um processo mais natural, porque ela já mostrava sinais de esquecimento há algum tempo, o que para a família, vinha com o avançar da idade. Mas, após o diagnóstico, o esquecimento ficou mais intenso, até ela começar a esquecer dos nomes dos filhos e netos.

Davi se lembra que ele sempre foi o “moço bonito”, apesar de não saber seu nome, Dona Yara o marcou com o que podia se lembrar. Ele conta que apesar de um processo muito triste, também foi muito bonito, porque ela nunca se esqueceu de quem ela era ou das coisas que tinha paixão, em especial da música clássica, que sempre ecoava pelas paredes da casa onde passou o resto da vida.

Para seus netos, que cresceram ao lado da casa dela em Lorena, Dona Yara era uma constante. Passaram a infância por lá, quase diariamente, aproveitando a comida de vó e brincadeiras. Ela sempre os recebia com um sorriso, e mesmo quando já não podia cozinhar ou andar como antes, o amor e a gentileza dela ainda eram os mesmos.

Com o tempo, a doença avançou, e a situação se tornou ainda mais delicada depois do falecimento do esposo de Dona Yara, Antônio Carlos. A partir desse momento, o Alzheimer progrediu rapidamente. Ela começou a perder a noção de quem era sua família e já não conseguia se lembrar de ninguém ao seu redor. Davi conta que a família ficou muito abalada com a condição, sempre na cama, limitada pelas consequências da idade e pela doença que a dominou.

Ainda assim, ele guardou as melhores lembranças de sua avó, uma mulher amável e alegre, que sempre falava muito e ria como se não houvesse tempo ruim. Mesmo depois que ela parou de reconhecê-lo, ele jamais se esquecerá de quem ela era e de tudo o que viveram juntos. A imagem de Dona Yara, de alguma forma, nunca mudou: era ainda a mesma avó afetuosa e tagarela, cheia de alegria e amor.

Ele conta que no final da vida de Dona Yara, na última vez que ele a viu, ela estava recitando uma música clássica, umas das quais ela nunca esqueceu, e para ele, essa foi a parte mais importante de seu último encontro: mesmo não sabendo quem ele era, ou se lembrando de tudo que já viveram juntos, uma paixão ainda estava viva em sua mente debilitada.

Autor: Catarina Pace
Dona Yara e sua família
​​​​​Arquivo Pessoal 

 

O Alzheimer afeta principalmente pessoas acima dos 65 anos e é o principal tipo de demência no mundo, responsável por aproximadamente 70% dos casos da doença. A estimativa é que cerca de 50 milhões de pessoas vivem com a doença, número que deve aumentar nos próximos anos, devido ao envelhecimento da população. No Brasil, centros de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) oferecem tratamento multidisciplinar integral e gratuito para pacientes com a doença, além de medicamentos que ajudam a retardar a evolução dos sintomas da condição, que afeta 1,2 milhão de pessoas e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano.

Assim como Maria Irene e Davi, são muitas famílias que devem lidar com a doença e passar pelo trauma de ver quem amam terem a vida levada rapidamente por essa doença tão avassaladora, mas, as memórias, por mais dolorosas que possam ser, sempre terão um espaço no coração de quem fica.

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Transformações simbólicas fogem a negociação do Estado sobre o direito à terra
por
Antônio Bandeira
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18/11/2024

Por Antonio Bandeira

 

O momento era temido havia anos, desde a primeira visita de uma empresa de energia rotulada como “limpa” no município de Queimada Nova, em 2012. As visitas se tornaram mais frequentes quando a empresa italiana Enel Green Power apontou a região como favorável à energia eólica. As tensões cresceram, e em uma reunião, o impasse se instaurou. Nela estavam, em lados distintos da sala, as lideranças da comunidade quilombola Sumidouro e os representantes do empreendimento de energia eólica. A sala era abafada e as cadeiras estavam em círculo, no qual se esperava chegar ao consenso sobre o Plano Básico Ambiental Quilombola (PBAQ), um documento essencial para regulamentar os impactos das operações de energia renovável no território da comunidade. A reunião foi tensa desde o início. De um lado, os quilombolas defendiam que o plano deveria respeitar as particularidades culturais e ambientais de suas terras. Do outro, a empresa argumentava sobre os prazos e custos que as adaptações exigiriam, sustentando seus argumentos pela ideia de “progresso”. O mediador do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), sentado ao centro, tentava organizar as falas e acalmar os ânimos, mas o clima era de impasse. A medida tomada foi a de encerrar a discussão, sem avançar.

Esse primeiro conflito da reunião foi apenas o marco inicial da discussão que se arrasta há anos. Um debate que para Nilson José dos Santos, líder comunitário do Quilombo Sumidouro, membro da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí e radialista, não leva em consideração os danos imateriais e culturais dos empreendimentos de energia “limpa” no território quilombola. E tampouco freia os ímpetos da empresa. Nilson conta que viu de perto as construções começarem. Embora acompanhasse todas as mudanças que o estudo da empresa trouxe à comunidade local, ele não acreditava que o dia no qual as torres passariam a ser construídas de fato chegaria. A poeira da estrada de terra, levantada por caminhonetes e caminhões que chegavam ao local embaçando o ar, e o barulho dos motores e máquinas, que trabalhavam no local rompendo o som natural do espaço, ficaram marcados na memória do quilombola. Mas aquilo seria apenas o começo.

Os veículos carregados levavam aquilo que seria a primeira linha de transmissão, estruturas físicas que transportam eletricidade de usinas geradoras até as subestações e distribuidoras de Queimada Nova, localizada a cerca de dois quilômetros do quilombo. Ali estava de pé a primeira torre de medição, rompendo a linha do horizonte e passando a integrar a paisagem local. Paisagem de terras rochosas da caatinga, rodeadas de morros e serras, onde estão as casas feitas de argila, com telhas de barro, sem reboco e pisos de pedra dos quilombolas; e ao redor das casas, a vegetação natural do bioma: espécies arbustivas e herbáceas, plantas de pequenos a médio porte, com poucas folhas, galhos retorcidos, espinhos, raízes profundas e caules grossos. E no lugar da paisagem natural, agora estava a estrutura alta e metálica do Parque Eólico Lagoa dos Ventos.

A estrutura do parque contrasta com as características típicas das plantas adaptadas à seca. Entre essas espécies estão: aroeiras, umbuzeiros, mandacarus, paus d'arco, umburanas, marmeleiros, entre outras que se fazem fundamentais para a vida e a dinâmica locais e que são parte das construções das moradias. Compõem o cenário natural também as plantações (de milho, feijão, abóbora, algodão, mandioca, melancia, capim etc.) e as criações (de suínos, bovinos, aves e caprinos) nas quais os pequenos trabalhadores do quilombo trabalham e tiram seu sustento, agora rodeado por grandes torres de energia eólica.

De acordo com a tradição oral transmitida pelos mais velhos da comunidade, a origem do Quilombo Sumidouro remonta a 1861, quando uma família de pessoas escravizadas fugiu das “terras dos brancos” e se refugiou “nas pedras com água”. A partir de então, começaram a viver ali, e, aos poucos, acolheram outras famílias que se uniram a eles. Hoje vivem lá 23 famílias, que somam 115 pessoas.

Foto quilombo sumidouro
Foto: Reprodução

Há pouco mais de uma década a paisagem descrita vem sofrendo profundas alterações, desde as primeiras visitas das empresas. Com o avanço dos estudos, foi feita a instalação de algumas torres de mediação. Até que em 2017, a comunidade local se deparou com um empreendimento que passava a dois quilômetros do território. Não era ainda o gerador, mas uma linha de transmissão que ia da Bahia à Queimada Nova. Logo, uma linha virou duas, que viraram três, que viraram quatro. Os empreendimentos foram acontecendo de forma contínua, entre 2018 e 2021. No começo não se tinha dimensão dos impactos pela primeira linha gerada, mas, com os conhecimentos adquiridos com as construções, foram feitos estudos dos impactos. Então, foi utilizado esse conhecimento para realizar o estudo da segunda linha. Os estudos eram sempre baseados nos impactos gerados pela linha anterior. As linhas não são passageiras, e, sim, uma instalação, fazendo, agora, parte da vida dos quilombolas, que vão conviver com elas até o fim de suas vidas.

A instalação das linhas prejudicou significativamente o ecossistema, afetando tanto a fauna quanto a flora. A construção das torres requer a abertura de clareiras para a instalação dos equipamentos, o que implica a retirada de vegetação nativa e a degradação do solo. Com a fragmentação dos habitats, animais são forçados a migrar para áreas mais distantes. A relação da comunidade com a natureza faz parte da cultura e da sobrevivência local. O equilíbrio com o meio ambiente é fundamental para sua agricultura de subsistência e para a manutenção de suas práticas culturais.

Parque Eólico em queimada nova
Parque Eólico em Queimada Nova - Foto: Reprodução

A chegada dos empreendimentos marcou também o início da pressão fundiária. As terras do Sumidouro, como  boa parte das terras do estado do Piauí, são devolutas do Estado, ou seja, terras sem títulos e sem escritura. Com a chegada das eólicas, o Estado passou a dar títulos individuais às pessoas como meio de regularizar as terras, facilitando o processo de grilagem. Com isso, os proprietários dos títulos individuais arrendaram a área à empresa de implantação de torres. Hoje há uma concentração dessas terras onde antes existiam terras de uso coletivo, não apenas do Quilombo do Sumidouro, mas de famílias da agricultura familiar, como Nilson explicou.

O Quilombo Sumidouro foi certificado pela Fundação Palmares em 2003; em 2004, começou o processo de regularização fundiária e o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) foi publicado em 2022. Antes disso, porém, já com o RTID pronto, mas não publicado, áreas de dentro do território quilombola foram delimitadas e concedidasa indivíduos. O Incra acionou o Instituto de Terras do Piauí (Interpi), que suspendeu a emissão desses títulos. Esse episódio marcou uma disputa mais acirrada, que espalhou o medo pelo quilombo. Em 28 de novembro de 2023, a comunidade foi titulada pelo Interpi, mas isso não foi o suficiente para resolver o conflito em torno da terra. Apenas em maio de 2023, o Incra reconheceu e declarou como terra da Comunidade Remanescente de Quilombo Sumidouro uma área de 932 mil hectares, por posse por herança.

Nilson contou, também, que para a comunidade, principalmente para as pessoas de mais idade, a terra é sagrada. Há mistérios e histórias resguardadas pelos morros e serras que compõe o território. Hoje, a poluição visual corrói a paisagem, que se torna artificial, e a comunidade convive com a poluição sonora. Seus impactos fogem da lógica estatal de negociação por direitos à terra e os danos ultrapassam as questões materiais. Parte desses impactos são imateriais e incompensáveis, não podendo ser incluídos nas negociações por compensação.

O caso do Quilombo do Sumidouro não é isolado. Nos últimos anos, cresceu no Brasil a instalação de empreendimentos de energias ditas “limpas”, motivada pela transição energética que faz parte da estratégia do governo brasileiro diante do cenário de mudanças climáticas. Com um protagonismo alcançado a nível mundial, o Brasil constantemente bate recordes no quesito energia renovável. De acordo com um estudo da Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), apenas no ano de 2023, 93,1% da eletricidade total brasileira é derivada de fontes renováveis, passando desde a energia hidrelétrica, até a eólica, solar e usinas a biomassa.

Esses dados refletem uma visão midiática que reforçam um orgulho nacional, uma vez que o Brasil é o segundo país do mundo na liderança de fontes renováveis, atrás apenas da Noruega, de acordo com dados da Enerdata.

A busca por fontes de energia com menor impacto ambiental é fundamental no debate sobre o meio ambiente, mas carrega desafios e contradições que precisam ser abordados.O discurso da transição energética como a solução para os problemas energéticos e para as mudanças climáticas esconde os impactos sociais e ambientais dos grandes empreendimentos, como mostra a pesquisa “Vozes Silenciadas Energias Renováveis: a cobertura da mídia sobre a transição energética no Brasil, lançada pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, durante o G-20 Social, evento voltado para a sociedade civil em paralelo ao G-20 e que aconteceu de 14 a 16 de novembro, no Rio de Janeiro.

Segundo Soraya Tupinambá, pesquisadora do Instituto Terramar, em fala durante o lançamento da pesquisa, o vocabulário utilizado na transição energética é uma estratégia de “greening”. Ela afirma que a comunicação esconde os reais impactos e interesses dessa indústria transnacional, que não tem preocupação com o planeta. Soraya explica ainda que o Brasil aumentou a emissão de CO2 ao mesmo tempo que aumenta a produção de energia renovável considerando que o governo brasileiro promove a energia renovável ao mesmo tempo que promove a expansão de fósseis por todo o país como na foz do Amazonas, ou seja, é uma expansão da produção de energia e não a substituição de uma por outra. E faz isso usando um glossário verde, como ‘parques eólicos’, parque no seu imaginário é algo muito bacana, algo leve, bacana, gostoso, energia limpa. E complementa dizendo que toda a cadeia é ocultada por esses nomes.

Apesar dos diversos impactos sociais e ambientais que as comunidades tradicionais enfrentam com a instalação dos grandes empreendimentos em seus territórios, suas opiniões são pouco ouvidas: seja na ausência de consultas prévias e informadas às comunidades, que seriam obrigatórias de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), seja na apresentação de seus pontos de vista na mídia. Nataly Queiroz, uma das coordenadoras da pesquisa “Vozes Silenciadas Energias Renováveis” acha que mídia repercute a voz das empresas do capitalismo global, que lucram com os mega empreendimentos das energias renováveis, pois de todas as fontes citadas nas matérias analisadas na pesquisa, 28% vêm do poder Executivo e 27% de empresas do setor energético, enquanto apenas 1,4% das fontes são das comunidades tradicionais impactadas.

Carla Maria, representante do Movimento dos Atingidos pelas Renováveis (MAR), da Articulação dos Povos de Lutas do Ceará e a Rede Nacional de Mulheres Atingidas por Megaprojetos, defende que a transição energética seja diferente do modelo dos megaempreendimentos e favoreça os territórios onde são instalados. Para ela, o modelo de desenvolvimento defendido pelas empresas e pelo governo é predatório. Diz que todos que fazem parte das comunidades tradicionais estão sofrendo a parte negativa da transição energética, já que eles chegam nos territórios com promessas de desenvolvimento, e quando os moradores das comunidades se posicionam dizendo que não querem, porque conhecem os outros territórios que já foram impactados, são ameaçados de morte.

Os casos acima, principalmente o do Quilombo Sumidouro, exemplifica os impactos invisibilizados da expansão das energias renováveis, revelando como as comunidades tradicionais, como os quilombolas, enfrentam a perda de territórios, desequilíbrios ambientais e danos culturais irreparáveis. Apesar do reconhecimento recente de suas terras, os desafios persistem, evidenciando a necessidade de um modelo de transição energética que respeite os direitos dessas comunidades e incorpore suas vozes nas decisões, garantindo um desenvolvimento verdadeiramente sustentável e inclusivo.

 

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Meio Ambiente

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Três histórias que mostram a luta de quem vive para cuidar do seu bichinho de estimação.
por
Cristian Buono
|
04/11/2024

Por Cristian Buono

 

Em um mundo onde a correria do cotidiano muitas vezes ofusca a vida daqueles que compartilham nosso planeta, um movimento silencioso, mas crescente, de compaixão e resiliência vem ganhando força. São as histórias de animais resgatados, cuidados, curados e amados por pessoas que se dedicam, muitas vezes, sem recursos e com pouca visibilidade, a salvar vidas indefesas. São essas histórias que inspiram, emocionam e nos lembram da importância de olhar para o outro, principalmente para os mais vulneráveis. 

As iniciativas de resgate animal se tornam pequenos faróis de esperança em um mundo muitas vezes impessoal e desumano. É a partir desse espírito de luta que surgem as narrativas de seres vivos, que, cada um à sua maneira, passaram por desafios extremos e encontraram em sua recuperação uma segunda chance, não só para eles, mas também para aqueles que se dedicaram a salvar suas vidas.

A primeira história, do Thales, começa de maneira triste e dolorosa, como tantas outras que acontecem nas ruas das grandes cidades. Em novembro de 2012, um funcionário de um hotel localizado na Alameda Santos, em São Paulo, encontrou um pequeno gato atropelado, abandonado na sarjeta. O animal, que parecia não ter esperança de sobrevivência, foi imediatamente levado à procura de ajuda. No entanto, os obstáculos começaram a surgir logo de cara. As organizações não governamentais (ONGs) que o funcionário procurou estavam todas com as vagas ocupadas, sem condições de resgatar mais animais naquele momento.

Foi quando a Dra. Claudia Tomasetto, proprietária de uma clínica e pet shop na Vila Mariana, tomou conhecimento da situação. Ela, que já lidava com casos de resgates e cuidados veterinários, não hesitou em ajudar. Thales, como o gatinho foi batizado, foi recebido em seu pet shop, mas a situação não era simples. Claudia afirma que foi o caso mais complexo que já atendeu, pois o animal havia sofrido múltiplas fraturas pelo corpo, além de escoriações e lesões graves. O diagnóstico inicial era ruim, mas, com o apoio da Dra. Claudia e de uma equipe médica dedicada, o gatinho passou por duas cirurgias complexas, nas quais pinos e placas de titânio foram colocados para estabilizar seus ossos fraturados.

O processo de recuperação foi longo e difícil. Cada passo dado por Thales era uma vitória, uma superação das adversidades que pareciam insuperáveis. Com o tempo, o gato foi se tornando mais forte, mais ágil e, o mais importante, mais feliz. Sua história de recuperação emocionou todos os envolvidos no resgate e, eventualmente, Thales encontrou seu lar definitivo com Adriana, ex-funcionária do pet shop Patotinhas. Ela não resistiu ao charme do pequeno guerreiro e o adotou. Hoje, Thales é um gato saudável e espertíssimo, embora ainda carregue consigo a lembrança do sofrimento que viveu. Ele é a alegria da casa de Adriana, e sua história é um símbolo de que, mesmo nos momentos mais sombrios, é possível encontrar luz e renovação.

Thales
Reprodução: Foto tirada pelo tutor

Se a história de Thales é marcada pela superação de um animal, a trajetória de Cecília Beatriz Migueis é um exemplo de dedicação e transformação humana. Aos 45 anos, Cecília, uma psicóloga de carreira sólida, sentiu a necessidade de fazer mais pelos animais. Ela já realizava resgates, castrações e feiras de adoção há mais de 20 anos, mas sentia que sua contribuição poderia ir além. Foi então que, com uma coragem admirável, ela decidiu retomar seus estudos e prestar vestibular para Medicina Veterinária, um desafio considerável para alguém que não entrava em uma sala de aula desde a juventude.

Aos 45 anos, Cecília se inscreveu no vestibular e, para sua alegria e surpresa, foi aprovada na Universidade de São Paulo (USP). Com muita determinação, ela se dedicou aos estudos e concluiu o curso com êxito, realizando o sonho de sua vida. Hoje, ela atende em uma clínica no bairro do Ipiranga, mas afirma que não vai abandonar sua verdadeira paixão: o resgate e a adoção de animais. Cecília continua organizando mutirões de castrações gratuitas e feiras de adoção a cada 15 dias, fazendo a diferença na vida de centenas de animais que, sem sua ajuda, poderiam estar perdendo a chance de um futuro melhor. Sua história é um exemplo claro de que nunca é tarde para mudar, para aprender e, principalmente, para fazer a diferença na vida dos outros.

Em abril de 2023, a cidade de Santos foi palco de mais uma história de resgate que comoveu o Brasil inteiro. Eliseu, um gato encontrado no telhado de uma casa no bairro Areia Branca, estava em estado crítico: desnutrido, desidratado e com uma infecção generalizada. Sua condição era tão grave que ele mal conseguia se mover. Ele foi imediatamente resgatado pela ONG Viva Bicho, que, ao ver a gravidade do quadro, internou o gato para um tratamento intensivo.

O tratamento de Eliseu não foi fácil. Ele estava tão debilitado que precisou de uma transfusão de sangue, que provocou duas paradas cardíacas. A equipe da ONG, no entanto, não desistiu e lutou incansavelmente pela vida do felino. Eliseu foi colocado em um tratamento com oxigênio e tapete térmico para melhorar sua circulação e temperatura corporal, e os primeiros sinais de melhora começaram a aparecer. Após 15 dias de intensivo, ele engordou 600 gramas e começou a desenvolver musculatura nas patas. Sua recuperação, no entanto, não foi linear. Houve momentos de instabilidade, em que parecia que o progresso havia desaparecido, mas a ONG e a comunidade não desistiram.

O que aconteceu a seguir foi um milagre. As redes sociais se encheram de mensagens de apoio e carinho para Eliseu, com pessoas doando energia positiva para o animal. A hashtag #EliseuVive ganhou força, e logo a história do gato se espalhou pelo Brasil. O apoio da comunidade foi fundamental para sua recuperação, e, poucos dias depois, Eliseu começou a mostrar sinais de que estava pronto para enfrentar a vida. Ele deixou o hospital, começou a andar e a brincar novamente. Sua história inspirou tantas pessoas que, após a recuperação completa, a ONG decidiu não colocá-lo para adoção. Eliseu se tornou o símbolo de esperança da ONG Viva Bicho e, em um gesto de homenagem ao animal que inspirou tantas vidas, a instituição mudou seu nome para *Instituto Eliseu*.

Eliseu
Reprodução: ONG Viva Bichos

Hoje, Eliseu é um gato saudável e feliz, vivendo na sede da ONG, que dobrou de tamanho e passou a atender gratuitamente animais de tutores de baixa renda. A história de Eliseu não só salvou uma vida, mas também gerou uma onda de solidariedade que aumentou as doações e o número de associados à causa. Eliseu, com sua história de superação, tornou-se um farol de luz para aqueles que enfrentam desafios pessoais, sendo uma verdadeira inspiração para aqueles que, como ele, estão lutando pela vida.

Essas histórias de resgates e superações não são apenas sobre animais. Elas são também sobre pessoas. São histórias de coragem, dedicação e solidariedade. São relatos que nos mostram como, com amor e determinação, é possível transformar dor em esperança, sofrimento em alegria, e solidão em companheirismo.

O trabalho de resgate animal no Brasil, embora admirável, não é fácil. Ele enfrenta obstáculos financeiros, falta de apoio institucional e, muitas vezes, o desinteresse da sociedade. No entanto, essas histórias provam que, quando as pessoas se unem por uma causa maior, milagres acontecem. Thales, Cecília e Eliseu são apenas três exemplos do poder do resgate animal, mas existem milhares de outros por trás das cortinas dessa luta silenciosa.

O que essas histórias também ensinam é que cada vida tem um valor imenso, e que a solidariedade e o amor podem transformar qualquer realidade, por mais difícil que ela seja. Seja através de um ato simples de resgatar um animal na rua, ou da dedicação incansável de pessoas como Cecília, que mudam a sua vida para salvar a vida de muitos outros resgatando animais que precisam de acolhimento.

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Cenário eleitoral brasileiro é marcado por embates violentos entre polos e expõe democracia ao perigo extremista
por
Pedro Alcântara, Rafaela Freitas, Yerko Bazan
|
08/12/2022

Discursos extremistas por motivação política têm sido cada vez mais parte do dia a dia do brasileiro, mesmo fora do período eleitoral. Segundo Monitoramento da Violência Política do do jornal O Estado de São Paulo, até julho deste ano, o Brasil já havia contabilizado 26 assassinatos de políticos, maior número registrado desde a redemocratização. As vítimas englobam lideranças e integrantes do polo adversário. 

A polarização, isto é, quando dois ou mais lados opostos se dividem em grupos com ideias contrárias ou conflitantes, não é novidade, muito menos no âmbito político. Nos últimos anos, entretanto, os embates se intensificaram e duas frentes opostas surgiram com mais força desde o período eleitoral de 2018. Composta por turbulências acerca das opiniões políticas e pessoais do candidato Jair Bolsonaro (na época, PSL), a primeira eleição depois da explosão da operação Lava-Jato gerou movimentação entre os simpatizantes da nova extrema direita e aqueles que enxergavam perigo no discurso do candidato.

Homem de máscara e camisa cinza de costas, em meio à uma manifestação, segurando uma bandeira do brasil ensanguentada
Foto de Maria Fernanda Pissioli | Unsplash

Para Victor Marques Varollo, Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas, o termo “polarização” não vem sendo bem aplicado nas últimas análises políticas. 

“Na eleição de 2022 tivemos um lado defendendo o rompimento institucional e o outro, fazendo uma frente ampla pela democracia. O erro em utilizar o termo é que se pode pressupor que temos uma ‘extrema-direita’ e uma ‘extrema-esquerda’, em polos distintos. Isso não acontece”, afirma, sobre a comparação, em sua opinião, equivocada entre os lados. “Na eleição tivemos um lado defendendo o rompimento institucional e o outro fazendo uma frente ampla pela democracia”.

Apesar de muitos estudiosos não acreditarem na ideia de contrários nas últimas duas eleições brasileiras, a polarização é evidente – ainda que, muitas vezes, o termo seja mal aplicado, como comenta Varollo. O período foi marcado por violências e expôs uma outra face da divergência política, chamada de “ultrapolarização”

Eleições ultrapolarizadas

Marcada por turbulências, uso da força e até conflitos externos, o excesso da polarização (ou sua ultralização), compromete as bases da democracia e torna-se uma imposição de  ideais. Afinal, sociedades ultrapolarizadas que discordam entre si tendem a usar a violência no lugar do debate.

É o que diz Victor Mendes, mestrando em relações internacionais pela USP e pesquisador na área de instituições internacionais e governança global. “A polarização deixa de ser saudável quando ultrapassa o debate político saudável e passa a se sustentar à base de ameaças, informações falsas e violência.”

Para Vera Lucia Michalany, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), a polarização em si já engloba sentimentos como ódio, medo, ressentimento, vingança e desqualificação do outro, e deixa de ser saudável quando interesses políticos interferem na vida pessoal – corroborando para conflitos familiares, por exemplo. 

Segundo Michalany, as manifestações de 2013 e 2014 também foram agentes importantes no fortalecimento da extrema direita, também visto como protagonista de atos antidemocráticos após o resultado das eleições de 2022: “as eleições de 2018 e 2022 reproduzem as ações e as disputas presentes no seio da sociedade.”

Alguns dos últimos casos que ilustram este fenômeno podem ser exemplificados pela violência armada que teve palco em um bar no interior do Ceará, na cidade de Cascavel, quando um indivíduo perguntou quem era eleitor de determinado candidato, para então, desferir tiros e matar aquele que ele considerava como “oponente”. Ou mesmo com o assassinato do tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) Marcelo Aloizio de Arruda em sua própria festa de aniversário, e uma briga com motivação política em bar de Santa Catarina, Dona Emma, no Alto Vale do Itajaí, onde um dos envolvidos não resistiu após ser esfaqueado. 

Nasce, então, a linha tênue que separa a polarização saudável (polos direita e esquerda, por exemplo) e a ultrapolarização (as ‘extremidades’). Michalany, em sua avaliação, diz não encontrar diferença entre ambos, pois os extremos também fazem parte do conceito originário de polarização. 

Onde está o perigo?

Além de se mostrar uma ameaça física aos envolvidos diretos, períodos políticos ultrapolarizados são marcados por notícias falsas, ameaças e abandono de consciência política e social, comuns de ganhar cunho criminoso, segundo Josue de Oliveira Rios, doutor em direito pela PUC-SP.  “Quando isso [a polarização] se junta com a desinformação e a invenção de mentiras, impossibilita a população de elaborar uma consciência política e refinamento de informação. Fica apenas um clima de que guerra é guerra.” explica. 

Esse aspecto foi visto no último período eleitoral, marcado pelo assédio no ambiente corporativo e até na boca das urnas, como exposto na reportagem feita pelo “Profissão Repórter”, da TV Globo, que foi ao ar no dia 1 de novembro e flagrou uma convocação dos beneficiados pelo Auxílio Brasil e ouviu moradores sobre suposto assédio eleitoral no local; ou como também abordagens menos discretas, como no caso em que uma empresária de Santa Catarina teve de assinar um Termo de Reajuste de Conduta (TAC) e se retratar em vídeo após pedir que clientes “não contratem nordestinos” que votem em determinado candidato.

“Isso tem a ver com o ‘vale tudo’, o clima de guerra. Se eu tenho poder, eu vou usar todos os caminhos para vencer. Esse nível de embate só é visto em eleições ultrapolarizadas, onde tem essa ideia de que não basta vencer, é preciso impor novos valores, uma nova verdade.” explica Rios, sobre a ausência de um cenário civilizatório.

Além dos conflitos internos, Mendes também pontua as consequências da radicalização política no cenário externo, bem como a relação do Brasil com outros países. “Por questões de diplomacia, os países evitaram realizar comentários incisivos sobre os assuntos domésticos no Brasil, que deixou a sua posição de protagonista global, especialmente entre países em desenvolvimento.” explica.

Para ele, a polarização em si serviu apenas para gerar apreensão sobre os resultados da eleição, além de olhares atentos sobre a sustentabilidade da democracia brasileira. “Um exemplo disso foi a aprovação, nos Estados Unidos, de uma recomendação do Senado para que Washington rompesse as relações com o Brasil em caso de golpe. Para a comunidade internacional já não é mais tempo de se permitir incursões que vão contra os valores democráticos.”

Imagem de capa: Marília Castelli | Unsplash

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Após desastre eleitoral e conflitos internos, a sigla estuda como se recuperar para chegar com relevância nas próximas eleições
por
João Kerr, Pedro Duarte e Pedro Kono
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05/12/2022

Em sintonia com o que aconteceu no congresso, em que elegeu apenas 3
deputados federais, o Partido Novo teve o número de deputados estaduais em São
Paulo reduzido. Se em 2018 a sigla ocupava 4 cadeiras na Alesp, agora vai possuir
apenas uma - a de Leo Siqueira.

Nas eleições de 2022 como um todo, o Novo amargou resultados ruins. A queda na
Câmara dos Deputados fez com que o partido não atingisse a cláusula de barreira,
que coloca como meta um número mínimo de votos e deputados eleitos para dar
acesso ao fundo eleitoral e à propaganda eleitoral.

Além disso, Felipe D'Ávila, candidato à presidência, teve apenas 0,47% dos votos
válidos. O resultado é pior do que em 2018, quando João Amoêdo, o então
candidato do Novo e um de seus fundadores, atingiu a porcentagem de 2,5%.

No caso específico de São Paulo, a queda na Alesp vem logo após uma crise que
ocorreu no partido durante as eleições para prefeito na capital. Na ocasião, o
postulante ao cargo Filipe Sabará teve sua candidatura suspensa pela própria sigla
após serem apontadas uma série de inconsistências em seu currículo. Porém, antes
disso, Sabará já havia entrado em conflito com Amoêdo e outras lideranças do
partido por fazer defesas ao presidente Jair Bolsonaro.

Outro episódio que mostra a discórdia instaurada dentro do partido é a briga entre
duas vereadoras do Novo dentro da Câmara Municipal de São Paulo. Um vídeo
mostra Cris Monteiro (Novo) e Janaína Lima (Novo) se desentendendo atrás da
Mesa Diretora da Casa.

O conflito foi provocado por uma questão de tempo do microfone durante a votação
da Reforma da Previdência e resultou em diversas agressões físicas de uma contra
a outra. Após o ocorrido, ambas foram suspensas pelo partido.

Camila Rocha, autora do livro ‘‘Menos Marx Mais Mises: o liberalismo e a nova
direita no Brasil’’, explica o motivo de tantos desentendimentos internos dentro do
Novo: ‘‘Nunca existiu um consenso em relação a outras pautas para além da defesa
de um livre mercado radical. Eles não tinham um programa amplo o suficiente para
abarcar outras questões que não sejam a defesa de um liberalismo puro e simples’’.

Para Henrique Costa, mestre em Ciência Política e doutorando em Ciências Sociais
na Unicamp, o derretimento do Novo se deve a alguns pilares. Em primeiro lugar,
Costa afirma que as pautas liberais foram capturadas pelo bolsonarismo, que por
essência, é hegemonista, e que permite que o eleitor se alie apenas a ele de forma
submissa.

Além disso, o analista acredita que uma formação histórica do eleitorado brasileiro
pode contribuir para que o partido com cunho liberal e anti-populista não tenha
deslanchado. Para ele, a política brasileira carrega um histórico de um Estado muito
presente, tanto no sentido de políticas públicas, quanto no sentido de um
autoritarismo.

‘‘Em um certo sentido, o Novo seria um PSDB mais radical. O Novo tentou substituir
o PSDB no sentido de ser um partido de quadros, preocupado com o
desenvolvimento do país e que adota o neoliberalismo como forma de resolução
dos conflitos sociais, mas de uma forma muito mais aberta’’, explica Rocha.

Apesar do quadro geral negativo, o Novo foi capaz de reeleger um governador no
segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais. A pergunta que fica para o
partido agora é porque o sucesso de Romeu Zema não trouxe melhores resultados
para a sigla.

Para Costa, algumas das explicações passam pelo fato que o perfil do governador
foge do que é comumente visto dentro do partido: ‘‘Ele não parece um empresário

da Faria Lima, ele tem um carisma, uma maneira de se expressar que fala muito ao
interior de Minas’’.

A última grande polêmica envolvendo o partido foi a desfiliação de João Amoêdo
após o fundador declarar o voto em Lula no segundo turno das eleições. Grande
parte de seus aliados demonstrou descontentamento com a situação.
.
Maurício Rappa, candidato do Novo para o cargo de deputado federal de São Paulo,
nos deu sua opinião sobre o tema da rejeição ao Lula e ao PT. “Votar no Lula é o
maior retrocesso que poderíamos ter. Por mais que o Amoedo tenha declarado
apoio a ele, precisamos basear nossas ideias nos principais líderes ativos do
partido, como o Zema, por exemplo”. Rappa admite que os valores de Bolsonaro
não são os ideais e que estão longe do que o Novo deseja para o país, mas que a
volta de Lula ao poder não é algo cogitável.

Com isso, a força do partido no cenário nacional vai diminuindo, fazendo com que
muitos se questionem qual será o futuro da sigla. O próprio Romeu Zema já falou
em uma possível fusão com outro partido.

Em entrevista ao Uol, Eduardo Ribeiro, presidente do partido, afirma que o Novo já
foi até procurado por outros partidos para uma fusão, mas no momento isso não
está sendo cogitado pelos líderes da sigla. Ribeiro afirma, no entanto, que estuda
formar um bloco com outros partidos para reforçar a atuação parlamentar.

O presidente considera fundamental a criação de novos diretórios em todo país,
para conseguir lançar o maior número possível de candidatos nas eleições
municipais de 2024. Assim, o partido poderia chegar com força nas eleições de
2026 para presidência.

Caso essa “reviravolta” não ocorra, o Novo corre o risco de perder Zema para uma
sigla mais forte, buscando maiores chances de se tornar presidente. Por enquanto,
ele ainda afirma que se sente confortável no partido e que não tem planos de
mudar.

Para o futuro, Camila Rocha acredita que a tendência da sigla é se fundir com
outros partidos menores por conta da cláusula de barreira, o que pode diminuir
ainda mais a projeção do Novo.

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Mesmo sendo o Estado com maior número de candidaturas, São Paulo não elegeu nenhum desses candidatos
por
Daniel Dias e Rafael Monteiro
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05/12/2022
Mara Gabrilli
Mara Gabrilli (Geraldo Magela/Agência Senado)

As eleições deste ano no Estado de São Paulo apresentaram o maior número de candidatos com deficiência no Brasil - 11 candidaturas. Entretanto, nenhum deles foi eleito para Câmara dos Deputados ou Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). A deputada eleita Andrea Werner (PSB) é a única política em São Paulo com pautas voltadas a esse público.

No Brasil foram 448 pessoas disputando cargos, entretanto, em números gerais isso representa somente 1,6% das 28.790 candidaturas do país inteiro. A principal candidatura ficou por conta de Mara Gabrilli (PSDB), candidata à Vice-Presidência de Simone Tebet (MDB).

Participação política das pessoas com deficiências

Os partidos com candidatos que possuem algum tipo de deficiência foram:  PSB com duas candidaturas a deputadas estaduais (Luciana Trindade e Talita Cadeirante); PSOL com uma candidata a deputada federal, Tetê, e um coletivo formado por 9 pessoas (“Coletivo de PCD do PSOL”, com 7 pessoas com deficiência); REDE Sustentabilidade com uma candidatura a deputado estadual (Tuca Munhoz); e o PT com uma candidatura a deputada estadual (Vanessa Cornélio).

Mesmo com um considerável número de políticas que visam à inclusão, não existe uma representação desse público no Legislativo e no Judiciário, com apenas 0,5% de parlamentares que possuem algum tipo de deficiência. Um dos problemas apresentados está no cumprimento das leis já existentes, como a Lei das Cotas e a Lei da Inclusão. 

Na opinião de Jeniffer Farias, mestre em Psicologia e Desenvolvimento de Políticas Públicas e uma das ex-candidatas da Bancada do PSOL, não adianta criar leis visando atender a população com deficiência de forma geral, deve-se olhar cada caso e região com olhares diferentes

“Uma das principais questões às quais estávamos atrelados era a fiscalização. Queríamos fortalecer os conselhos municipais, porque cada região funciona de uma forma.  Algumas coisas funcionam bem em uma região, mas em outras não”, afirma Jeniffer Farias, mestre em Psicologia e Desenvolvimento de Políticas Públicas e uma das ex-candidatas da Bancada do PSOL. 

A busca pela transversalidade era outro ponto que a bancada buscava abordar. Farias explica que a opressão é ainda maior para aqueles que se encontram em mais de um grupo considerado minoria como negros, LGBTs e indígenas.

Jacqueline Bezerra

Jacqueline Bezerra, psicóloga e escritora, conta que mesmo com as diversas leis que já possuímos em nosso país, dentre elas a Lei de Cotas e a Lei de Inclusão, existe um problema invisível para grande parte da população.

“Até que ponto os cargos disponibilizados para pessoas com deficiências têm perspectiva de crescimento? Muitas vezes a pessoa acaba recrutando por conta de uma lei, não para realmente incluir. Não existe uma confiança na capacidade daquele indivíduo”

A psicóloga lembra que segundo o IBGE, 24% da população brasileira possui algum tipo de deficiência, portanto, ao contrário do que muitos pensam, a necessidade de melhorias em questões estruturais não deveria ser um privilégio.

Bezerra finaliza explicando que ter alguém em cargos políticos, revistas, mídias digitais, televisão e ver como essas pessoas estão sendo aceitas na nossa atual sociedade é algo de extrema importância, pois ela se torna alguém para se admirar e inspirar.

“É um auxílio para combater esse capacitismo internalizado, que é quando a própria pessoa com deficiência possui um preconceito consigo mesmo. Eu finalizo com uma frase internacional, que acho muito importante: ‘Nada sobre nós, sem nós’.”

Luciana Trindade
Luciana Inclusão (Reprodução/PSB)

Luciana Trindade, coordenadora do PSB Inclusão e que também lançou candidatura na última eleição, explica que o partido passou por uma reestruturação visando à presença de pessoas com deficiência em todos os capítulos e leis. 

“Incentivamos a nossa militância a participar dos conselhos e organizações que atuam com diversas pautas que não só a para a pessoa com deficiência. Um exemplo são os conselhos de saúde, conselho da mulher, Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), etc”, afirma.

Uma das possíveis soluções para a falta de representação no Legislativo, na opinião da coordenadora, é a criação de uma cota para as cadeiras nos níveis municipal, estadual e federal. O PSB tem como meta apresentar um projeto de lei para a Câmara dos Deputados em 2023, com o objetivo de que no próximo pleito de 2024 uma possível lei já esteja publicada e em prática.

“Enquanto ainda formos vistos como incapacitados não nos será dada a oportunidade de protagonizar e fazer a transformação social necessária. A ausência de pessoas com deficiência em espaços de poder implica na falta de informação e logo a de produção de políticas públicas”, diz Luciana.

Andréa Werner
Andréa Werner (Reprodução/PSB)

No entanto, não são só os políticos com deficiências que possuem propostas que visam abordar essas questões. A deputada estadual eleita Andrea Werner (PSB), Thífany Félix (REDE) e outras duas pessoas do Coletivo de PCD do PSOL foram candidatas que buscaram defender o tema.

“Uma das propostas que eu pretendo levar para a Assembleia Legislativa, tem em vista o apoio a políticas de inclusão de pessoas com deficiência, não apenas em âmbito estadual, mas no municipal também” diz Andréa Werner, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa - rede de apoio para mães e famílias com deficiência - e mãe atípica, mães de crianças com algum tipo de deficiência, de Theo, um menino com espectro autista.

Werner tem como prioridade a criação de um programa de renda mínima para mães e cuidadoras de pessoas com deficiência. A decisão de abordar esse tema em sua campanha veio do seu dia a dia e com o contato com outras mães, que igual ela, têm filhos com algum tipo de deficiência.

“Não é apenas uma questão de ‘dar voz’, mas sim, de levar essa voz a sério, para se ter a informação e a consciência de como abordar essas pautas” complementa a deputada.

Sobre o assunto, Jacqueline Bezerra explica que não é somente a vida da criança que é alterada por conta da deficiência apresentada, muitos pais acabam sendo excluídos do mercado de trabalho, além de desenvolverem a Síndrome do Cuidador, quando por conta dos impactos emocionais, sociais e físicos causados por um nível de cuidados, a pessoa se sente sobrecarregada

Dificuldades invisíveis

As leis voltadas para pessoas com deficiência já vêm sendo criadas desde 1989, quando o então presidente José Sarney criou a Lei 7.853 que passou a obrigação de defender os direitos das pessoas com deficiência para o Ministério Público.

 A “Lei de Cotas” de 1991, que visa a inclusão no mercado de trabalho, e a “Lei Brasileira de Inclusão” de 2015, que traz um conjunto de direitos, são alguns desses exemplos. O grande problema está na falta de fiscalização por parte do Estado no cumprimento delas.

“Com a tentativa de diminuição do Estado, existe uma redução de funcionários que seriam necessários para fiscalização da execução dessa legislação, e não apenas da destinada às pessoas com deficiência, mas de forma geral”, explica Luciana.

Uma das principais dificuldades que a pessoa com deficiência enfrenta é a falta de informações que outras pessoas têm em relação a ela. Muitos continuam as vendo como “coitadinhos” ou até mesmo um super-herói, não conseguindo enxergar além da deficiência. 

“É uma coisa que incomoda demais, porque é mais ou menos assim: ‘Sabe o PCD da área X ou PCD da área Y?’. Não é o João, o Pedro, a Maria, o Paulo ou o profissional em si, sempre a pessoa é atrelada à deficiência. Na sala de aula, por exemplo, o professor fala que tem 20 alunos e 3 inclusões”, afirma Marinalva Cruz, graduada em diretora de Relações Governamentais e Empregabilidade da ONG Turma do Jiló - organização da sociedade civil que busca desenvolver em escolas e empresas projetos que capacitem todos a desenvolverem planos para cada pessoa, possuindo uma deficiência ou não.

Marinalva Cruz
Marinalva Cruz (Reprodução)

A questão da acessibilidade, não só a de estrutura física, mas também de formas de comunicação e meios tecnológicos que possibilitam uma igualdade dentro da sociedade, é outro ponto de dificuldade enfrentado, “sem acessibilidade nunca haverá uma inclusão verdadeira de todas as pessoas com deficiência”, completa Marinalva.

Por muitas vezes existe um preconceito onde acham que essas pessoas apenas têm interesse em pautas onde o tema principal é a deficiência, sendo que também buscam falar sobre economia, política, engenharia e outros temas.

“Falta um olhar transversal, mesmo que em um primeiro momento não pareça ser uma pauta relacionada a pessoas com deficiência, é preciso entender que existem pessoas transexuais, LGBTs, pessoas pretas, pardas com deficiência. É só mais uma característica entre outras”, conclui a diretora.

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Salário baixo e falta de segurança são características das piores escolas de São Paulo
por
Leonardo Nunez e Renan Mello
|
05/12/2022

Gregory Mankiw, David Romer e David N. Weil, são economistas renomados que possuem respeito e altos reconhecimentos da área, eles mostram que os países com os maiores níveis de escolaridade são os que têm melhores condições de bem-estar e crescimento econômico.

Após vencer a eleição para governador no segundo turno, Tarcísio de Freitas do partido Republicanos, conhecerá o desafio de melhorar o ensino do estado para que esses avanços aconteçam.

Segundo o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), São Paulo ocupa o 6º lugar na classificação das escolas estaduais. Dentro das classificações de escolas, é possível notar que as instituições com uma classificação pior estão em lugares desfavorecidos e possuem uma clara falta de investimento em pontos importantes, como a infraestrutura.

Os números também mostram que os estudantes negros e de baixa renda não recebem o aprendizado adequado nas matérias de Matemática e Português. Seguindo a tabela do Ideb, os números que representam o aprendizado dos jovens negros nestas disciplinas e de baixa renda na matéria de humanas é de 31%, enquanto para a de exatas é de 4%. 

Enquanto os alunos de alta renda e brancos ficam com números acima dos jovens que não fazem parte da mesma classe social e racial, em português ficam entre 48% e 50%, enquanto na matéria de matemática ficam entre 11% e 13%.

Os números apresentam os problemas das escolas periféricas, que são praticamente esquecidas pelo estado e por seus governadores.

Professores querem ensino melhor

A escola Professora Zoraide de Campos Helu fica no bairro do Jardim Jaraguá, localizada em região periférica do estado de São Paulo. A instituição detém o título de pior escola no Enem de 2017 e continua sendo classificada como uma das piores do estado pelo Ideb. 

O professor *Leonel Gonçalves* leciona dentro da instituição e relata que a escola passa por problemas que a partir de suas análises, são erros de seus administradores que não acatam as soluções que são passadas pelos profissionais.

Ele disse que as deficiências partem desde a segurança do próprio professor, até a parte estrutural que não entrega um ambiente favorável para os alunos aprenderem, e nem suporte para as aulas.

Dentre os diversos relatos do educador estão: falta de apoio, estrutura ruim, falta de material de apoio, aprovação de alunos que não aprenderam nada.

Quando solicitada, a escola não respondeu.

Aversão da APEOESP a escolas cívico-militares

A APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), contou que o próximo governante deve ser alguém que entregue uma boa educação a todos "Educação Básica é essencial e deve ser pública, de qualidade e universal e deve ser administrada pelo governo, com competência",respondeu em entrevista por e-mail.

"Professoras e professores são imprescindíveis na tarefa de resgatar o Brasil e o estado de São Paulo de projetos nefastos, como a transformação de escolas regulares em escolas cívico-militares", pronunciou a APEOESP, demonstrando aversão às falas do candidato Tarcísio Freitas que esteve de acordo com o projeto de escola cívico-militar.

Escolas cívico-militares são um padrão diferente da escola militar, que é totalmente administrada pelo Exército. Esse novo projeto é composto por ex-militares ocupando cargos das áreas administrativas das escolas, por isso os professores se opõem a esse tipo de administração escolar.

O sindicato ainda levanta o fato de educação ser um direito de todos, e que os governantes trataram até aqui com descaso. A desvalorização dos professores também é levantada como uma pauta que necessita de atenção, por conta dos salários baixos e falta de segurança.

A necessidade dos alunos


Geovanna Camile Moretto é uma estudante da E.E. Professora Aracy Leme da Veiga Ravache localizada no Jardim Novo Carrão Zona Leste de São Paulo, uma das escolas que está na parte de baixo da tabela do Ideb, classificada entre as piores do Estado.

A representante do grêmio conta que um dos maiores problemas enfrentados em sua escola é a falta de material adequado em sala de aula. A aluna relata que a falta de professores também está no conjunto de barreiras dentro da sua realidade educacional. 

A estudante do ensino médio também bate no ponto da falta de uma boa infraestrutura e faz críticas contra a aprovação automática, em que os jovens passam sem aprender os conteúdos que fazem parte da grade de ensino.

A falta de material e a desvalorização dos professores foram dois destaques negativos citados pela estudante.

 

O que pode ser feito?

Rodrigo Ratier, professor de Jornalismo na USP (Universidade de São Paulo), possui Doutorado em Pedagogiapela faculdade que leciona. Já foi professor de ensino médio e foi um dos fundadores do Projeto Redigir, curso voluntário de redação e cidadania na ECA-USP.

Ratier evidencia que a proposta que seria mais completa era a do Fernando Haddad, uma vez que, poderia trazer maiores benefícios para o setor da educação. Rodrigo completa dizendo que para existir uma melhoria da educação é necessária uma ação com o olhar multifatorial: "O maior investimento deve ser na condição docente, ou seja, no que diz respeito, a salário, carreira, formação inicial e formação continuada". 

Entre as características das piores escolas de São Paulo, a evasão escolar por conta da necessidade de trabalhar, é uma realidade. A Plataforma Juventude, Educação e Trabalho apontou que no Brasil, 39,1% dos jovens entre 14 e 29 anos abandonam os estudos para trabalhar.

Segundo o Ideb, em São Paulo no ano de 2020, 16% dos alunos nascidos em 2003 e matriculados em escolas públicas, abandonaram os estudos, essa porcentagem representa 1520 estudantes, número agravado por conta da pandemia.

Ratier falou sobre o abandono como algo que deve ser tratado não apenas como um número a menos de alunos, mas comoum grande problema. Oferecer auxílios e programas que podem ajudar os alunos que precisam trabalhar é o ideal para que o número de abandono diminua.

Fernando Cássio especialista em políticas públicas de educação, traz a problemática da evasão escolar, e relembra o termo usado por Paulo Freire “a expulsão escolar”, o especialista usa o termo para apontar que o aluno que abandona a escola é desmotivado por ela. A falta de uma boa infraestrutura, falta de professores e aulas presenciais sendo substituídas por remotas, são grandes desmotivadores do ensino.

Cássio completa dizendo “é muito fácil para os governadores colocarem a culpa da evasão nos alunos, sendo que os mesmos desmotivam os jovens a estudarem”, sinalizando o fraco investimento nas escolas por parte dos administradores da educação. Investimentos como: Laboratórios, ambiente agradável, mobília escolar. Que estimulam os alunos a continuarem dando segmento na vida escolar, são pensamento utópicos que ficam longe da realidade.

*Indicação de nome fictício.

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De 24 mulheres eleitas nas eleições de 2022 para a Alesp, apenas cinco são mulheres negras
por
Ana Caroline Andrade e Gabriel Yudi Gati Isii
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05/12/2022

O número de mulheres pretas eleitas para a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) cresceu 25% na eleição deste ano. Em 2018, apenas quatro haviam sido eleitas. Em 2022, o total de mulheres que venceram chegou a cinco.

O percentual de negras na Alesp agora é de 5,32%. Em comparação ao que representam em relação ao total da população do Estado, contudo, a proporção é baixa. Em São Paulo, elas somam 12,5 milhões, ou 27,7% do total.

Dos 94 deputados estaduais eleitos em 2022, 24 são mulheres e apenas cinco são negras. Os números refletem a desigualdade que a sociedade enfrenta, e na política não é diferente.

De acordo com Joana Coutinho, especialista em movimentos sociais e doutora em ciência política pela PUC as mulheres formam a maioria da população brasileira, mas sua representação é sub-representada. Negra, a especialista não se diz representada no meio político.

A trajetória das mulheres negras na política brasileira se iniciou em 1933, quando apenas uma mulher preta votou: Almerinda Farias. Foi a primeira negra a votar e a ser candidata no Brasil.

A primeira mulher negra a ser eleita para um cargo político no Brasil foi Antonieta de Barros, Partido Liberal Catarinense (PLC), em 1934. Professora, ela foi eleita deputada estadual em Santa Catarina. Na foto abaixo, das 19 pessoas, ela aparece como a única mulher e negra no meio de 18 homens brancos.

(Foto: Divulgação / Acervo USP)

Theodosina Rosário Ribeiro (MDB), professora, advogada e diretora escolar, foi a primeira mulher negra eleita vereadora para a Câmara Municipal de São Paulo. Já Laélia Alcântara (PMDB) foi a primeira negra a ocupar uma cadeira de senadora da República no Congresso Nacional.

Benedita da Silva foi eleita a primeira vereadora do PT e a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro.

Das precursoras na política brasileira, como Theodosina Rosário Ribeiro, Laélia Alcântara e Benedita da Silva, até mulheres trans e negras, como Kátia Tapety (PSB), Érica Malunguinho (PSOL), Carolina Iara (PT), Erika Hilton (PSOL), houve muita luta em busca da igualdade social. Kátia foi a primeira trans a se eleger para um cargo político no Brasil, em 1992. Érica foi a primeira mulher transgênero da Alesp, em 2018. Carolina, da Bancada Feminista do PSOL, foi a primeira mulher trans intersexo eleita para a Alesp, em 2022. Erika foi a primeira mulher trans a ser eleita deputada federal, em 2022.

Elas são importantes para a geração que chega na política e vem aumentando na disputa por cargos eletivos. Para que a Paula Nunes (PSOL), mulher negra e representante da Bancada Feminista, conseguisse ser a terceira mais votada para a Alesp neste ano, com 259.771 votos, Almerinda e Antonieta construíram um caminho importante para a presença de mulheres negras no mundo político.

Quando analisamos as propostas previstas nos projetos de campanhas destas candidatas, notamos algumas pautas em comum, como: a luta antirracista, defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+, defesa da democracia e dos direitos humanos.

Além da busca pelo rompimento da barreira do preconceito e falta de acesso dessa classe na política brasileira, essas mulheres lutam pelas classes sociais minoritárias, quando o assunto é políticas públicas.

“Ainda estamos na luta, estamos em processo de maior representatividade. É inegável a desigualdade que permanece quando comparamos o número de mulheres negras eleitas”, declara Leci Brandão, deputada estadual pelo PCdoB.

Melina de Lima, porta-voz do projeto Lélia Gonzalez Vive - criado para manter e honrar a memória e luta da ativista, socióloga e política Lélia Gonzalez, alega a importância da presença no mundo político:

“Estar no Congresso é essencial para colocar luz sobre esse problema estrutural. Precisamos apontar e combater o racismo e o machismo na nossa sociedade que fazem com que continuemos com esses tristes índices”.

Uma luta além da política

Joana alega que emergir em um cenário predominantemente masculino e, por vezes, misógino, é romper com a cultura histórica da sub-representação enfrentada por mulheres negras no âmbito político. Os números apresentados mostram o quão preocupante é essa pequena representação, visto que a política brasileira ainda tem maior presença de pessoas brancas, sendo que 54% da população é negra, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A quantidade de mulheres negras que ocupam cargos públicos impacta diretamente na relevância da luta no âmbito político, explica Leci Brandão:

“Ser minoria em qualquer espaço significa ter mais dificuldade para aprovar suas ideias e propostas. Algumas vezes, interesses que são contrários ao povo falam mais alto e, como minoria, não temos força para impedir".

(Foto: Alesp / José Antônio Teixeira)

“A sub-representatividade impacta na questão da violência policial contra negros e pobres, em políticas de saúde que atenda a especificações de grupos étnicos como negros e indígenas, por exemplo. E na questão da educação”, declara Joana.[

Paula Nunes,da Bancada Feminista (PSOL), Ediane Maria (PSOL), Mônica Seixas, do Movimento Pretas (PSOL), e Thainara Faria (PT) não responderam até o dia da matéria.

A representatividade no Congresso

Além da luta contra o machismo, as mulheres negras enfrentam um racismo enraizado nas relações sociais. Visando mudar o atual cenário, a sociedade começa a se conscientizar dos problemas enfrentados por certas minorias.

“Até hoje as relações sociais são permeadas pelos reflexos do período escravocrata. Mulheres negras amargam a falta de oportunidades, a violência e racismo enquanto batalham diariamente para transformar suas histórias”, explica a porta-voz do instituto Lélia Gonzalez Vive.

Joana expõe a necessidade de se ter mulheres nas esferas de decisões, mas acima de tudo,  mulheres trabalhando em prol das classes menos favorecidas

Rachel Andrade, porta-voz da ONG #ElasNoPoder, que foca em viabilizar a entrada de mulheres na política, diz em entrevista ao Contraponto, que julga essencial a presença de negras no governo, para a busca de mais direitos e condições para mulheres pretas. Com isso, pede o ingresso de corpos para além dos brancos, cis e masculinos:

“Importa a presença de corpos cujas trajetórias carregam os atravessamentos da desigualdade social e que estimulam um olhar sensível ao combate a essa desigualdade”, diz.

Especialistas e outras ONGs, como a Think Olga, não responderam aos pedidos de entrevista até o momento da publicação da matéria.

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