Dois grupos de WhatsApp criados por fãs da tenista brasileira Beatriz Haddad Maia mostram o porque de pessoas com vivências muito diferentes se juntam em torno de um assunto de interesse comum.

por
Rodrigo Vaz Guimarães Mendonça
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11/06/2024

Por Rodrigo Vaz

Beatriz Haddad Maia é uma tenista paulistana com mais de 14 anos de carreira profissional e que passa quase todos os 365 dias do ano viajando o mundo. Enquanto isso, diversos fãs seus do Brasil se reúnem no aplicativo de mensagens WhatsApp para acompanhar sua carreira e discutir sobre seus jogos, tendo ocasionais encontros presenciais quando Bia vem disputar algum torneio no Brasil, o que já tem muitos anos que  é um acontecimento raro, ou eventualmente em um ou outro jogo dela fora do Brasil. O “Beatriz Haddad Maia Fans 2.0” e o “BIA HADDAD BR” são dois desses grupos, mas o que explica que pessoas de origens e realidades tão diferentes se unam por conta de uma pessoa especifica?
  

A mineira Lorena Lehmann de 27 anos é engenheira civil e integra um desses grupos. Diz que ela se identifica muito com os valores que a Bia transmite e que busca sempre ser consciente com o que acontece no mundo, aproveitando a simplicidade por ter essa identificação com a tenista. Para Lorena, o tênis a ajudou a superar um momento ruim de sua vida e que entrar em grupo dedicado à uma atleta que ela admira  e ao esporte que a ajudou no seu pior momento.  Foi como respirar ar puro depois de passar muito tempo embaixo d’água. Das inúmeras coisas que ela admira na Bia ela diz que é a resiliência. Praticante amadora de tênis, Lorena conseguiu seguir firme mesmo após as derrotas, lesões e tudo que já enfrentou. Acha  incrível poder ver todas as barreiras que a Bia já quebrou pelo esporte e tudo que já conquistou, sempre com muito amor, foco, luta, garra e resiliência.

A belo-horizontina e servidora Pública estadual Isabela Aguiar de 37 anos também integra esses grupos. Isabela diz que quando começou a acompanhar a Bia jogando sentia uma emoção difícil de descrever no começo. Ela não sabia se era a garra ou o "tudo" que ela tinha deixado em quadra. Isabela conta que isso chamou muito sua atenção  porque essas características são as que ela gostava das tenistas que acompanhava desde pequena, mas nunca uma brasileira, pois as brasileiras raramente apareciam na televisão. Foi conhecendo a Beatriz Haddad em pessoa que a admiradora virou fã. Para Isabela, os valores que ela carrega são os mesmos que compartilha como a proximidade com a família, o carinho pelos avós, o cuidado, o respeito e a responsabilidade que tem diante do posto de "referência no esporte" que ela conquistou. Isabela acredita que estar em um grupo como esses a possibilita conversar e conectar com pessoas com um assunto em comum, ao mesmo tempo com pessoas de diferentes contextos e vivências, Isabela acredita que isso traz novos olhares sobre esse assunto. Ainda que os jogadores, o jogo, os campeonatos sejam os mesmos, sempre existe algo novo e camadas diferentes a serem descobertas. E também novas conexões reais. Isabela considera que Isso é legal, especialmente nesse ano e no ano passado, quando pode conhecer as pessoas do grupo ao vivo em Brasília e em Madrid, durante os jogos da Bia. 

Bia Haddad tirando fotos e dando autógrafos para alguns fãs no Ginásio do Ibirapuera em São Paulo
                              Bia Haddad tirando fotos e dando autógrafos para fãs no Ginásio do Ibirapuera em São Paulo

A curitibana Patrícia Zeni, jornalista que também integra esses grupos, segue a carreira da Bia por acreditar que ela representa as mulheres brasileiras em um esporte individual difícil, que é o tênis. Bia conseguiu estar entre as melhores do mundo, e superou várias dificuldades para chegar onde está hoje. Patricia conta que entrou nesses grupos por curiosidade e pela vontade de saber mais sobre as outras pessoas que também acompanham a Bia e acredita que estar nesses grupos é uma experiência boa, mesmo quando não participa ativamente e que gosta de ler o que os outros estão comentando e saber a opinião de cada um.

Outra fã, a fotógrafa Rebecca Martins de Campina Grande na Paraíba que também faz parte desses grupos diz gostar muito de comentar durante os jogos da Bia e que por não ter amigos próximos que acompanhem esporte, os grupos a proporcionam isso. Para Rebecca, estar em grupos proporciona fazer muitas amizades e também ter informações de forma prática e fácil sobre a Bia. É também o caso de Polyana, advogada recifense de 34 anos, outra integrante desses grupos que acompanha a Bia porque considera que ela é uma mulher que, além de ser uma atleta excepcional, ainda usa sua voz para assuntos importantes para as mulheres sul-americanas. Polyana entrou no grupo pois não conhecia pessoas que discutiam sobre a Bia ou o tênis e acredita que grupos como esses ajudam a ficar mais próxima dos assuntos que ela mais gosta. Da mesma cidade de Polyana, Gilka Dueire, é outra integrante desses grupos. Estudante de Engenharia Ambiental, Gilka diz que acompanha a Bia por conta de seu carisma e resiliência e também por ser brasileira, canhota, humilde e com bastante potencial. Ela conta que entrou nos grupos para entender mais as perspectivas dos jogos da Bia, como o rendimento e acompanhar o calendário dos seus jogos. Para ela o grupo não só a fez gostar mais de Bia, como também conhecer pessoas que compartilhando do mesmo sentimento. É um grupo com bastante troca.

A psicóloga Flavia Mendonça acredita que existam dois pontos, o da a identificação com o ídolo e do desejo do pertencimento, para ela quando alguém segue seu ídolo, se sinta próximo, identificado, quase como se pudesse ser, em parte, ele. Ela também afirma que o ídolo  pode refletir nossos primeiros modelos, nossos pais, como se pudéssemos manter a imagem ideal que um dia tivemos deles e que a realidade ou s maturidade vai desconstruindo, o ídolo se manteria neste lugar idealizado. Mendonça também acredita que a simples sensação de identificação ao ter um mesmo objeto de “desejo” pode dar a sensação  de pertencimento. Para ela, pode haver também uma sensação de proximidade ou familiaridade com o ídolo como se todos fizessem parte de um mesmo sistema (feito uma grande família). O advento da Internet tornou mais frequente o surgimentos desses grupos de fãs, pois segundo diz  há maior facilidade para montar grupos e encontrar as pessoas que tem a mesma afinidade por conta  da chance de comunicação mais fácil e oculta. Entretanto ressalta que também existe um lado não muito positivo: a  adoração de um ídolo muitas vezes gera a tendência a olhar somente para a positividade daquela pessoa e isso é irreal e insustentável como um todo, explicando que quanto maior a adoração, maior a frustração quando se deparar com a humanidade do ídolo e as sombras dele, e que, sobre os grupos, o ponto negativo é da possibilidade das pessoas projetarem no ídolo uma vida ideal, que deve ser perseguida. Ela acredita que o excesso da idolatria pode gerar um distanciamento da realidade e que o excesso de energia empregada nestes grupos também pode gerar uma limitação de temas e um empobrecimento na comunicação e socialização do indivíduo.

 

 

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Um pouco da vida dos pilotos de arrancada e suas histórias sobre como chegaram nas pistas
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Rodrigo Silva Marques
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14/06/2024

 Por Rodrigo Silva      

A origem das corridas de arrancada remonta o pós Segunda Guerra, quando jovens americanos apaixonados por velocidade, mas sem muito dinheiro, passaram a construir e customizar seus carros a partir de sucatas de roadsters (veículos conversíveis de dois lugares) encontrados em ferros-velhos, transformando-os em supermáquinas equipadas com motores V8 de grande cilindrada. Os duelos para saber que era os mais rápido aconteciam no leito seco do Lago Muroc, no deserto do Mojave, na Califórnia.

Por aqui no Brasil, as arrancadas chegaram em São Paulo e Curitiba, começando a tomar força no fim dos anos 80, quando as provas eram oficializadas e realizadas na reta principal do Autódromo de Interlagos. Na época, era uma solução para acabar ou pelo menos diminuir a quantidade de rachas que aconteciam em diversos pontos das capitais paulista e paranaense, como a Marginal Pinheiros e a Avenida Iguaçu. 

Atualmente, as corridas são administradas pelos próprios pilotos juntos com os organizadores de eventos. Os denominados mais rápidos que cada região do país se enfrentam numa final conhecida como Armageddon, que será realizada esse ano em São Paulo, justamente em Interlagos. 

Para entender um pouco mais sobre esse universo, é preciso conhecer um pouco da história dos responsáveis por isto, os pilotos. Entrando em contato com dois deles, pode-se se ter uma noção  melhor desse mundo. 

O primeiro contato foi com Ricardo Galli, conhecido como o Rei. Membro da equipe de preparação Peninha Street, venceu sua sétima coroa no início de Maio. Ao falar um pouco de sua história, contou que como vários outros garotos dos anos 80 que gostavam de carros, cresceu admirando os grandes nomes do automobilismo brasileiro da época como Nelson Piquet e Ayrton Senna. Natural de Osasco, Galli também explicou como foi difícil viver na cidade devido aos altos indíces de criminalidade da região.

Esses eram basicamente seus dias, ia para escola e ficava desenhando carrinhos de corrida na mesa até a professora chamar atenção, voltava lendo uma revista Quatro Rodas e depois ficava ajudando o avô com seu carro.

Com isso, aprendeu ainda jovem a mexer em motores, inicialmente por razões mecânicas e depois para extrair potência. Quando ele tinha uns 17 anos por aí, ia junto com um amigo seu até a Hildebrando de Lima, ele tinha um Golzinho quadrado endriabrado. E às vezes deixava ele dirigir aquele treco. Foi basicamente sua primeira experiência dirigindo um veículo, foi aí também que começou seu gosto pelo popular carro da Volkswagen. 

Quando conseguiu financiar seu primeiro carro, a primeira coisa a fazer foi justamente ver até quanto ele chegaria com ele. depois começou Mexer nos componentes para ficar mais potente. Nessa época começou a participar de rachas, que se tornaram "um vício" na sua vida por bastante tempo. Começou como um escape, mas a sensação de adrenalina e perigo total era como uma droga, tipo heroína e crack, ele corria toda noite depois da faculdade, era uma parte de eu financiar meus estudos com o dinheiro das vitórias, o resto ia pro carro. 

 A rotina deu a Ricardo uma certa reputação, chegando ao ponto de desafios valendo altas apostas de dinheiro, mas também alguns problemas com a polícia. Nessa época conheceu os mecânicos da Peninha Street, que somente atuavam como oficina de preparação. A junção do útil com o agradável. 

Através da Peninha, que se tornou sua equipe, foi apresentado as arrancadas profissionais e viu uma oportunidade de sentir adrenalina de correr sem tantos riscos, até porque descobriu que sua esposa estava grávida de seu primeiro filho. Nessa situação, acabou se vendo obrigado a largar e se "desintoxicar do vício dos rachas para ter uma família.

Mas se tornar "profissional em acelerar" e vencer se tornou rentável. Aos poucos, foi escalando na lista dos mais velozes de São Paulo, o que resultou na participação de eventos de mais prestígio como o Race Valley Outlaws e o Armageddon (maior evento de arrancada do país). Inclusive afirmou estar ansioso para sua partipação esse ano. Nos outros anos, a equipe não conseguia ir longe, mas agora estão confiantes de que podem chegar na final e vencer".

Arrancada 1
      O gol 4x4 de Ricardo

O outro contato foi João Couto, o "Joãozinho". Diferente de Ricardo, ele é um novato em arrancadas, começou a correr ano passado, e ainda busca se classificar na Lista de Curitiba. O ranking de classificação, chamado de Shark Tank, consiste num grupo de quatro estreantes que competem com os pilotos que ocupam ranking da Lista e duelam no estilo mata-mata. Os vencedores que derrotarem os pilotos que estiverem na Lista, terão seus nomes preenchidos automaticamente as posições da lista correspondente. 

Couto começou seu contato com carros através do kart, onde competiu por anos em divisões amadoras e juvenis. Mas depois de uma ida aos Estados Unidos, tudo mudou. Seus pais o levaram a uma arrancada oficial da NHRA (associação norte-americana de arrancada) e se encantou instantaneamente com o que viu. Rapidamente trocou a precisão das curvas pela agilidade das retas longas.

Começou junto com o Tio, que é mecânico, a aprender sobre motores, mas como era novo ainda não podia dirigir, apenas dar umas aceleradas. Com isso. uma situação engraçada aconteceu, durante um teste que fazia com um uno no dinamômetro, o tio deu permissão pra ele acelerar o carro, e na busca para ver qual era a potência final dele, o motor estourou. Seu tio tinha acabado de colocar pistões novinhos e eles foram pro espaço basicamente, ele queria matá-lo ao mesmo tempo que não parava de rir. 

Depois de se tornar maior de idade, começou a treinar no autódromo de Curitiba aos fins de semana, aos poucos foi ficando cada vez melhor. O seu ponto fraco era a largada, derrapava um pouco e perdia tempo, era difícil manter o carro em linha reta depois do tranco do motor. Depois de pegar mais prática, rapidamente começou participar de eventos locais. A primeira corrida foi na pista de Cascavel. Ganhou a primeiro corrida como profissional. De lá pra cá foi só subindo.

Arrancada 2
O chevy opala de João antes das modificações

No início do ano, se tornou piloto da equipe de Helder Gandolfo, um dos maiores nomes de arrancadas no Paraná, mirando uma boa participação no Armageddon desse ano. Como é um dos mais novos, acredita que tem muito ainda a evoluir ficar ainda melhor e quem sabe um dia participar de um evento da NHRA.

As  arrancadas tem ganhado cada vez mais popularidade e prestígio no Brasil, e ouvir um pouco da história dos pilotos que participam delas, mostra um pouco de seus mundos. São pessoas que vivem um pico de adrenalina durante 402 metros (cerca de um quarto de milha) em menos de 10 segundos. 

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Em mais de 70 anos, a discussão sobre segurança na PUC-SP nunca saiu da pauta dos alunos.
por
Rodrigo Vaz Guimarães Mendonça
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21/05/2024

Por Rodrigo Vaz

 

As conversas e o barulho de passos são o cenário sonoro presente nos entornos das entradas a saídas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Pelo menos em boa parte dos doze meses do ano esses vêm sendo os sons nos últimos mais de 70 anos. A diferença é que o tema sobre a segurança nunca perdeu espaço entre a comunidade acadêmica e atualmente está cada vez mais presente.
 

A universidade é conhecida no cenário brasileiro por ser uma instituição aberta e de livre circulação, ou seja, não existe e nunca existiu alguma barreira física em quaisquer das portas da universidade que pudesse selecionar quem teria permissão para acessar o campus. Entretanto, acontecimentos recentes como o ocorrido em  março deste ano, quando seis computadores foram furtados das instalações da  empresa júnior de consultoria ligada a Faculdade de Economia e Administração- FEA, reacenderam o debate sobre a segurança interna e externa, inclusive com a mantenedora da universidade sugerindo a instalação de catracas. No entanto, posições como essa não são aceitas pela comunidade acadêmica de forma unânime.

Alunos na porta da PUC-SP na rua Ministro Godói durante o turno da noite
                                   Alunos na porta da PUC-SP na rua Ministro Godói durante o turno da noite

Melissa Joanini que é  atual presidente do Centro Acadêmico Benevides Paixão, ligado aos estudantes do curso de jornalismo da PUC-SP,  acredita que ações como essa tomada pela FUNDASP, a mantenedora da PUC, não respeitam a história da universidade e seriam uma postura autoritária e antidemocrática sobretudo pelo fato de que vários acontecimentos que ocorreram ao longo dos anos na PUC se devem justamente por ser uma universidade aberta. Melissa enfatiza que pode não aparentar, mas a medida da instalação das catracas faz total diferença já que a PUC é palco de grandes eventos que ainda acontecem e acrescenta que uma ação como a proposta tiraria o caráter da PUC como uma universidade comunitária.

O movimento estudantil da PUC participa ativamente da discussão desse assunto, Joanini ressalta a criação de uma enquete para entender a posição dos alunos sobre o tema e, no caso das catracas, saber quais eram os argumentos de estudantes contrários e a favor. Ela também destaca que já foram realizadas assembleias para discussão sobre essa questão e que tiveram grande adesão dos alunos, além das conversas que ela mantém com funcionário e professores da universidade.

Outras propostas alternativas surgem no cenário, como o aumento da vigilância por meio da instalação de câmeras de segurança em pontos estratégicos e a contratação de mais funcionários de segurança. Joanini também menciona a possibilidade de implementar um serviço de transporte para os alunos até as estações de metrô mais próximas, visando aumentar a segurança no deslocamento dos estudantes, como faculdades como por exemplo a ESPM já faz. Ela ressalta ainda que o Benê realizou uma festa nas dependências da universidade para mostrar a importância que o local tem de ser um espaço de livre circulação e que caso fosse diferente, um evento como esse jamais seria possível.

Esse debate vai além da questão puramente técnica de segurança. Ele toca em temas sensíveis como desigualdade social e a relação da PUC-SP com o bairro de Perdizes. Muitos acreditam que a instalação de catracas não resolverá o cerne do problema, pois a segurança é uma questão multifacetada que envolve não apenas barreiras físicas, mas também políticas sociais mais amplas. Joanini diz que  deseja que o próximo reitor mantenha a característica da PUC de ser uma universidade aberta para a comunidade e mais do que mantê-la assim, que se busque alternativas para mantermos a diversidade de alunos como os pertencentes das comunidades LGBTQIA+,  de alunos pretos, pardos, indígenas, e os oriundos de escolas públicas..

O tema da segurança também é presente no debate dos candidatos a reitoria da universidade 

Vidal Serrano Nunes Jr., professor e ex-aluno da PUC, que atualmente dirige a Faculdade de Direito da universidade acredita que a discussão sobre segurança no campus precisa de uma abordagem mais sensível e bem orientada. Ele propõe um diálogo amplo com a comunidade universitária na busca por soluções que vão além da simples instalação de catracas. Segundo ele, faltou sensibilidade da Reitoria atual sobre esse assunto. Também sustenta que a Reitoria deveria abrir um plano com especialistas e discutir com a comunidade e, segundo ele, quem garantiria a segurança no campus seriam pessoas com formação em artes marciais, sendo duas em cada entrada da universidade. Ele acredita que é necessário  contratar profissionais para a segurança interna e externa da universidade e ressalta que o problema de segurança pública aumentou nos últimos anos e considera incorreto não colocar só catraca e talvez nem mesmo uma  catraca. Para ele, é preciso fazer uma avaliação maior para criar um mecanismo de segurança e sugere, assim como o movimento estudantil da PUC, que no turno da noite exista um ônibus que leve os alunos no metrô até a universidade.

Márcio Alves da Fonseca, ex-aluno e professor da PUC, ex-diretor da FAFICLA (Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP) e atual pró-reitor de Pós Graduação da universidade, também é candidato ao cargo de reitor. Ele acredita que a proposta de implantação de catracas na PUC-SP deve ser discutida com maior profundidade por parte da comunidade acadêmica e  destaca a complexidade da questão da segurança na universidade e em seu entorno, ressaltando a importância de medidas preventivas que vão desde melhorias na iluminação até a capacitação de agentes de segurança, enfatizando que a segurança deve ser garantida através de uma abordagem holística e multifacetada, que vá além da simples instalação de barreiras físicas. Para ele, seria necessário realizar um mapeamento das principais atividades da universidade que preveem a participação de público externo, em quais momentos, em quais espaços da universidade se prevê a entrada desse público. Uma circulação de seguranças externamente à universidade, seguranças móveis circundando a universidade, sobretudo em horários de saídas de turnos, como o turno noturno, a criação de canais de comunicação eficazes como linhas diretas de segurança e aplicativos móveis. Também defende não existe até o momento uma comprovação de que com medidas como a instalação das catracas o problema estaria resolvido. Fonseca pensa que as soluções também não são únicas e simples. 

Em meio a essas discussões fica evidente que a comunidade acadêmica da PUC/SP está engajada em encontrar soluções eficazes para garantir a segurança de todos os membros da universidade, preservando ao mesmo tempo os valores de liberdade e inclusão que sempre caracterizaram a instituição e por essa discussão ter se  tornado pauta de discussão nas eleições da reitoria universidade, isso só fica mais destacado.


 

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Ele carrega o lema “meu corpo, minhas regras” e tem ajudado mulheres a aceitarem suas belezas.
por
Amanda Furniel
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18/06/2024

Por Amanda Furniel

 

"Body Positive" é o termo que dá nome a um movimento social criado com a intenção de incentivar a aceitação e a celebração de corpos que não se encaixam nos padrões de beleza impostos para a sociedade. Surgindo por volta de 1967, por iniciativa das ativistas Connie Sobczak e Elizabeth Scott, o movimento, também conhecido por Corpo Livre, ganha força por conta da indignação de quem não se encaixa nesses padrões e não se ocupando nenhum lugar na sociedade. Um modelo inalcançável ditado pela mídia e imposto pela sociedade vem sendo responsável por danos na autoestima e saúde mental de milhares de pessoas, em especial das mulheres. Esse padrão que prega uma “perfeição” estética é reproduzido sem a menor prudência; para onde se olha há uma modelo com a barriga chapada, uma cantora na capa de uma revista contando seus “segredos” para evitar a celulite, a protagonista de um filme magra com seios empinados e bunda firme… imagens e mais imagens nos lembrando o quão distante estamos de alcançar tal beleza, mas que devemos continuar perseguindo-os, custe o que custar!  

E em números. a indústria da beleza lucra com as inseguranças geradas pela propagação do corpo ideal e beleza genuína. Procedimentos estéticos, dietas malucas, cirurgias, medicamentos, tudo isso são promessas inalcançáveis. A pressão de se encaixar dentro da minúscula “caixa da beleza” desencadeia sentimentos como insuficiência, baixa estima, despertencimento, prostração; as pessoas seguem tentando ser como a foto cheia de photoshop que circula no Instagram. É um meio capitalista que vende um corpo irreal como essencial, e lucra com isso.  E isso inclui os benefícios da ciência médica.

Atualmente, o que está em alta é o remédio Ozempic, um medicamento originalmente indicado para o tratamento do diabetes tipo 2 e que se tornou alvo da busca por um emagrecimento rápido e fácil. Apesar de sua eficácia comprovada no controle da glicemia, seu uso para fins estéticos não é autorizado pela Anvisa e apresenta riscos à saúde. Especialistas alertam para os perigos do uso indiscriminado do Ozempic, que pode causar efeitos colaterais graves como náuseas, vômitos, diarreia, desidratação e até mesmo pancreatite. Além disso, ainda não há estudos conclusivos sobre os efeitos a longo prazo do medicamento para a perda de peso. Mas vale até mesmo as palavras de Amanda Lovelace, autora do livro "Faça a sua coroa de gelo brilhar", quando afirma que a ideia é que seja um padrão inatingível, pois isso garante que a única opção é continuar investindo tempo, dinheiro e energia.

Para a atriz, dubladora e modelo Dani Mota, a maior importância do movimento está na visibilidade que ele dá para as pessoas fora do padrão. O Body Positive criou um espaço para que essas pessoas possam falar e serem ouvidas, levantando causas que antes eram esquecidas. Uma delas é a questão da representatividade gorda; a mídia reforça um padrão quando as princesas que assistimos quando criança são sempre as mais belas e mais magras e o mocinho sempre escolhe a menina magra enquanto a amiga gorda serve para alívio cômico. Ela diz que nunca vai interpretar uma princesa, mas, no máximo, uma vilã. Diz ter feito um teste para o musical Grease para uma personagem comilona, mais gordinha e não ganhou o papel que ficou para uma atriz magra, mas tiveram que colocar enchimento na roupa dela. Até hoje se pergunta se não pode ter uma atriz gorda para interpretar o papel.  

desenho de mulheres juntas

O movimento Corpo Livre é um constante lembrete de que nenhum corpo é igual ao outro e que todos os corpos são dignos de amor e respeito. A jornalista e ativista Izabel Gimenez afirma que é possível um outro caminho, que é possível gostar de si mesma. O movimento se transformou num lugar de esperança de que é possível ser você mesma ainda que num mundo digital.

Na era dos influencers e instagramers, a hashtag “corpo livre'' já possui milhares de seguidores e diversos influenciadores usam seus perfis para espalhar amor-próprio e popularizar o movimento. Cada vez mais corpos reais estão aparecendo nas redes e mostrando como a beleza é diversa e plural, a criação de conteúdo voltado para valorização desses corpos está influenciando mais e mais mulheres a se amarem e se aceitarem como são. É o caso da influenciadora, modelo e atriz, Júlia Antunes, que conta estar sendo ela mesma e ajudando as pessoas a enxergarem quem elas são de verdade, que não precisam se comparar com outras para verem belezas nelas mesmas. Mas nem tudo são flores.

Mas o movimento não está livre de críticas. Muitas pessoas argumentam que o movimento pode promover a obesidade e desconsiderar os riscos à saúde associados ao excesso de peso. Também, há o questionamento se a mensagem de auto-aceitação incondicional do Body Positive pode ser prejudicial para pessoas com transtornos alimentares, que já lutam com a imagem corporal.  É importante lembrar que o movimento não defende um estilo de vida não saudável, mas sim a aceitação da diversidade corporal e a promoção de hábitos saudáveis de maneira individualizada. O Corpo Livre tem ajudado milhares de mulheres, de pessoas, a se amarem e se aceitarem como são. Em uma sociedade que lucra com suas dúvidas e inseguranças sobre si mesma, esse movimento é uma das maiores rebeliões.  

Se amar é um ato de protesto. E a cada dia que passa mais pessoas se dão conta da grandiosidade que são, mais mulheres se olham no espelho e sorriem para a visão da beleza real que elas exalam. Porque se amar também é feminismo, Body Positive também é reivindicar contra a pressão que é posta sobre a sociedade.

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"Mesmo um pistoleiro deve ajudar quem ama, a glória não vale mais que a honra"
por
Felipe Bragagnolo Barbosa
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10/05/2024

Por Felipe Bragagnolo Barbosa

 

Ele está lá sempre, todos o conhecem, mas ninguém sabe quem ele é. Seu estilo é único. Conhecido como: “Cowboy de Barueri” ou também como “Golden Boy”.  Mas a questão é: Quem é ele? O Cowboy de Barueri é um homem que aparenta ter entre 30 a 40 anos de idade, sua roupa é de um pistoleiro do velho oeste do final do século XIX, porém toda dourada, e leva em seu bolso uma pistola de cola. Ele é visto por toda Barueri, mas ele fez sua fama nas madrugadas, especificamente em um posto em Alphaville, próximo de um cassino escondido. Ele aparece na loja de conveniência, às vezes bebendo cerveja ou um destilado, às vezes ele vai para comer e faz questão de puxar assunto, parecendo sempre ser gentil.

De onde ele é? Ele respondeu que é da Zona Leste de São Paulo, mas que fazem anos que passa por Barueri. Sobre seu nome, ele não quis responder dizendo de forma poética que era mais um Severino nesse mundo, se referindo a obra “A vida e as mortes de Severino”.  Durante a conversa não era constante,  de momentos calmos e tranquilos que partiam rapidamente para tensão e cautela quando se afastou sem se despedir e seguiu seu rumo, saiu do posto e se foi. 

Os funcionários deste posto relataram que o Cowboy está por lá quase toda madrugada, e relataram de uma possível amizade com um ator de TV conhecido e que já conversaram diversas vezes.  Ele já teve redes sociais que não eram gerenciadas por ele aparentemente. Todos seus vídeos e fotos eram registrados por outras pessoas e, em um deles diz ser dono de metade das empresas do mundo, e que anda sem rumo pois "a vida é muito além de gerenciar seus lucros". Ninguém acredita nas palavras do personagem e o tratam como louco. Outros o consideram até mesmo como um sábio. Um homem que estava no posto contou que já recebeu vários conselhos dele, e que o considera um artista.

Depois de um longo tempo afastado para ficar com sua família ele voltou a frequentar as ruas da região argumentando que um pistoleiro do oeste deve ajudar seus amados em situações difíceis. Para ele a glória não vale mais do que a honra arremata afirmando ser justo e honrado mesmo sendo um pistoleiro. E conta como certo dia, em um de seus duelos, havia desafiado um homem para que em uma parte escondida da região, à meia-noite, foi mais rápido no gatilho e teria acertado seu desafeto na barriga saindo vitorioso do embate.

Entretanto, clientes e funcionários que estavam na loja de conveniência do posto declararam que a estória era tudo, menos verdade. Eles contaram que o Cowboy usa diversas estórias diferentes para quem conversa com ele, E que costuma viver em um estado de ilusão sobre a vida. Tem seus princípios baseados numa ideia de mundo e dele mesma que não são reais.

Gabriel tem 19 anos e se formou no ensino médio no Mackenzie de Alphaville e era testemunha da visita semanal do Cowboy. Conta que o pistoleiro era uma lenda viva para os alunos, pois ficava esperando, estático, por muito tempo pela saída das aulas e mesmo assim não falava com os alunos. Foi visto uma vez indo atrás de uma professora tentando conversar com ela, que repondia educadamente enquanto apertava o passo para driblar a aproximação dele.

O cowboy se mostra feliz com a vida que leva, fugindo da realidade constantemente, fugindo do padrão imposto pela sociedade de como viver, seja um artista ou um aventureiro, ou até mesmo a mistura dos dois, ele se mantém único e vai ser lembrado por muito tempo na região como o último pistoleiro do Oeste.
  
 

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As várias formas da distribuição de alimentos para pessoas em situação de rua
por
Rodrigo Silva Marques
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03/05/2024

Por Rodrigo Silva Marques

 

Viver em cidades grandes sempre tem pontos positivos e negativos. Lugares onde o tudo e o nada se encontram. Miséria e riqueza. E uma das que melhor representa isso é São Paulo (capital). Uma metrópole que ao mesmo tempo em que se vê aqueles que moram em casas ou apartamentos de luxo e desfilam com carros caríssimos, têm pessoas marginalizadas pela sociedade que sequer tem condições de ter um abrigo. Mas nos últimos anos, a situação está ficando cada vez mais alarmante.

Não é de agora que se constata um aumento crescente no número de pessoas em situação de rua na capital de São Paulo. Entre dezembro de 2012 e dezembro de 2023, o número de pessoas que vivem nas ruas da capital aumentou quase 17 vezes, passando de 3.842 para 64.818. Um dos principais motivos por ter alavancado tanto esse número foi a pandemia do COVID-19 (no período entre 2020 e 2022). Média de idade dessa população varia entre os 40 e 60 anos.

Para tentar dar suporte a esta classe extremamente vulnerável de pessoas, existem diversos tipos de programas de ajuda. E uma das formas para garantir ajuda é através da distribuição de alimentos, não só pelo governo, mas por iniciativas de ONGs, igrejas, escolas e até de pequenas instituições ou empresas. Muitas instituições estão suprindo boa parte das brechas assistenciais deixadas pelo poder público.

Uma delas atua no bairro da Mooca. É a "Voluntários no Bem". Ela realiza distribuição de alimentos e seu Tônio é quem explica a importância da atividade da instituição. "Pode ser idiota o que vou dizer, mas ainda é muito lindo e ajuda muito de nós que estamos nessa situação muito ruim. Eu estou nesta m**** já faz alguns anos. É como um presente de Deus ter essas pessoas aqui", considera.

Seu Tônio, 57 anos, é um ex-viciado em crack, e diz que foi despejado do lugar onde morava por falta de dinheiro, pois usava tudo para comprar a droga. Quando o expulsaram de casa, não tinha o que comer, pensava muitas vezes que morreria de fome, o crack o tirava isso. Afirma ter ficado dias sem comer por causa disso. No início, não sentia, mas depois do efeito da droga acabar, a fome voltava com força. Para ele muitos usuários acabam morrendo por desnutrição devido a sensação prazerosa que causa uma inibição das suas necessidades básicas, como comer e dormir. 

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Seu Tônio (ao centro) ao lado de outros moradores de rua com suas marmitas

Outro caso peculiar aconteceu junto com os voluntários da Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto no Tatuapé. Diferente da Mooca, o Tatuapé não tem tantos focos de moradores de rua, devido a presença de polícia em pontos de concentração, como praças, portas de igreja, terrenos em construção, ponto de ônibus etc. Por isso, a distribuição de alimentos foi em um espaço fechado na Santa Ifigênia, onde ocorreu a entrevista.  Tainá, chorando, disse que  nunca teve muitas coisas para comer e revirava sacos de lixos que ficavam perto de bares e padarias para achar qualquer coisa que servisse de alimento. Para ela receber alimentos é bem melhor do que comer do lixo. 

Vinda de uma família conturbada, Tainá fugiu de casa quando viu a mãe ser espancada brutalmente pelo namorado, e como não foi atrás dela na época, presumiu que ela tinha morrido. Até hoje não sabe se sua mãe está viva. O namorado sempre batia nela e ficava a ameaçando de bater e matar. Um demônio, disse. Mas as dificuldades de viver na rua logo vieram e teve que dormir em bancos em dia de frio. Afirma ter sido aliciada várias vezes por bêbados e mendigos que estavam "noiados". Ela afirma que muitos podem dizer que era melhor ela ter ficado em casa, mas preferiu comer lixo do que acabar morrendo.

No entanto, há pouco menos de um ano ela foi, em suas próprias palavras, “abençoada.  Ela conta que havia uma ONG, que não recorda o nome direito, que acolhia moradores de rua e levava para alojamentos para morar lá. Foi a primeira vez em 13 anos que tinha um teto e, emocionada, deu graças a Deus por ainda existirem pessoas que pensam nas outras com um pingo de bondade. No final de 2023, o governo de São Paulo. em conjunto com outros munícipes, órgãos e instituições governamentais e não governamentais iniciaram um processo de acolhimento para pessoas adultas, em situação de rua, a partir dos 18 anos, respeitando suas condições sociais e diferenças de origem, com o objetivo de acolher a pessoa em situação de rua, oferecendo proteção integral, escuta e condições para o fortalecimento de sua autonomia, contribuindo para o seu protagonismo e possível superação da situação de rua. 

A Pastoral do Colégio Espírito Santo realiza um trabalho de ajudar refugiados e imigrantes em situação de rua e desabrigados sem dinheiro. Como é o caso de Angel, venezuelano, que com a ajuda do professor Tino de Lucca na tradução, conta ter vindo para o Brasil com apenas uma coisa em mente: sobreviver, ou ao menos tentar. 

Ele conta que era uma luta para viver pois as coisas eram absurdamente caras. Ele tinha poucas coisas que podia comprar com os bolívares (nome da moeda na Venezuela) que tinha. Angel, que atualmente tem 22 anos, vivia a partir de salário mínimo (cerca de 130 bolívares (25 reais), um valor abruptamente esmagado por mais de 500% de inflação acumulada no país. Ele disse em poucas palavras, que fugiu do país, não podia viver daquele jeito mais. Era tudo ou nada.  Angel deixou o país no final de 2023, e chegou a São Paulo em fevereiro. Através da ajuda de algumas caravanas, e o que sobrou do seu dinheiro, com passagens de ônibus. Uma das poucas coisas que trouxe foi uma barraca para dormir, pois não iria ficar nos refúgios de imigrantes na Amazônia.

Chegando em na capital começou a tentar arrumar alguns trabalhos como Motoboy, o mesmo que exercia em seu país, mas usando uma bicicleta. Aos poucos, viu que as pessoas de São Paulo podem ser boas também. Quando começou a trabalhar como entregador algumas pessoas o ensinaram a andar de moto para ele fazer as entregas.

Imagem 3
Fotografia de Angel

Mas, por conta do baixo salário, ainda não conseguiu se ajeitar ainda. Praticamente ele dorme em sua barraca embaixo de viadutos ou ao lado de prédios. Conta que ainda não tem o suficiente para comprar muitos alimentos e obviamente passava fome às vezes, e que a Pastoral do Colégio ajuda refugiados e imigrantes. Foi a primeira vez em um que comeu arroz com feijão e carne "tão bem feitos".  

Esses foram apenas três relatos de algumas pessoas em situação de rua na cidade São Paulo, independente do motivo, a condição e o estado da pessoa, ainda continuam altamente vulneráveis. Mesmo que as ajudas humanitárias e os  pequenos gestos de oferecer algo que está sobrando em casa sejam importantes, o pontos de vista dessas pessoas também é importante para entender suas opiniões e perspectivas ao que tem sido feito para ajudá-las, sobretudo para terem acesso a alimentos.

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As diferentes faces e histórias que moldam esta nova onda migratória para o país 
por
Francisco Barreto Dalla Vecchia
|
21/11/2023

Por Francisco Barreto Dalla Vecchia

 

Diariamente milhares de pessoas passam pelo aeroporto de Guarulhos vendo-o apenas como um lugar de trânsito. O terminal 2 é ocupado principalmente por companhias nacionais como a Latam e a Gol, os viajantes chegam, fazem o check-in, despacham as malas e caminham rumo ao embarque. Este processo ocorre no térreo do pavilhão, entretanto o terminal 2 possui uma área menos visitada, que é seu mezanino.

Neste segundo andar se localiza alguns restaurantes e cafés menos movimentados, além do posto médico do aeroporto. Ali existe também o posto Avançado de Atendimento Humanizado ao migrante e em frente a ele se encontra uma área de espera, repleta de bancos, um típico espaço encontrado em qualquer aeroporto.

Desde que o Talibã tomou o poder no Afeganistão na segunda metade de 2021, dezenas de famílias afegãs refugiadas já fizeram desta sala uma casa improvisada. Idosos, jovens, homens solteiros e famílias completas dividem a mesma sala de espera. O português aqui não é a língua principal, mas sim o Pashtun. A sala de espera em frente ao posto avançado de atendimento ao migrante era o que mais chamava a atenção: aquele saguão repleto de malas e barracas de acampamento, mas se assemelhava a um camping do que a um aeroporto. 

Refugiados Afegãos acampados em frente ao  posto Avançado de Atendimento Humanizado ao migrante
Refugiados Afegãos acampados em frente ao  posto Avançado de Atendimento Humanizado ao migrante. Fonte: Estadão

Aqueles rostos transmitiam a mais completa incerteza, pareciam se sentir alienígenas, que abruptamente estavam obrigadas a abandonar tudo o que conheciam para enfrentarem um futuro desconhecido em um país completamente exótico. 

O aeroporto de Guarulhos é a principal rota de entrada dos afegãos que buscam refúgio no Brasil. Desde setembro de 2021, quando a ascensão do Talibã ao poder tinha completado um mês, o governo brasileiro passou a conceder vistos humanitários para refugiados afegãos. Quando o documento é emitido, o beneficiado tem até 180 dias para ingressar no Brasil. 

Neste local conheci um jovem de dezessete anos, um dos poucos refugiados que dominava a língua inglesa. Ainda receoso com as perseguições enfrentadas no Afeganistão e no Irã, ele preferiu se manter no anonimato, mas concedeu uma entrevista para o Contraponto, confira:

 

 

Nem todo afegão é refugiado

 

Os quase quarenta anos de conflitos ininterruptos que recaíram sobre o Afeganistão e o obscurantismo imposto pelo Talibã não foram suficientes para sufocar as mentes pensantes deste povo. Sayed Abdul Basir Samimi é um desses, durante anos pesquisou e deu aulas sobre arquitetura e urbanismo para seus alunos em sua terra natal. Sayed não é um refugiado, mas sim um professor universitário convidado e aceitou conversar com o Contraponto:

Há quanto tempo mora no Brasil? 

Moro no Brasil há quatro anos, desde 2019. Antes estava morando no Japão, onde fiz doutorado e antes de morar lá fiz mestrado na Itália. Me graduei no Afeganistão e morei lá até 2011. No ano de 2018 eu vim para o Brasil como professor visitante com uma bolsa do CAC (Coordenadoria de Admissões, Concursos Públicos e Contratação Temporária). Quando o período da minha bolsa estava chegando ao fim, o Talibã tomou o poder, logo eu não poderia mais voltar para lá, então decidi ficar aqui e esperar outra oportunidade de bolsa. Eu consegui achar um edital para pesquisador visitante e apliquei com ajuda do professor Artur Simões Rozestraten, que dá aulas de arquitetura e urbanismo na Universidade de São Paulo (USP). Ele me ajudou muito me oferecendo essa oportunidade e por conta disto hoje estou morando aqui.


O que você já sabia ou pensava sobre o Brasil antes de vir morar aqui? 


Eu não tinha muita ideia do que era o Brasil antes de morar aqui. Um amigo iraniano que encontrei no Japão estava lecionando no Brasil como professor convidado e me disse que o país era um lugar tranquilo onde as pessoas eram acolhedoras. Como eu já era professor e estava fazendo pós-graduação, me candidatei para um programa de internacionalização que estava aberto na universidade, quando eles me escolheram eu fiquei muito feliz porque desde a primeira etapa vi que eles (brasileiros) não tinham nenhuma discriminação, eles apenas olhavam para meu histórico acadêmico. 

Eu sempre falo para meus amigos que aqui é um paraíso. Digo isso não por conta da infraestrutura, mas sim pelo povo brasileiro. Além disso, a mídia, o jornalismo, as pessoas e as universidades estão alinhadas e focadas em combater a descriminação. Talvez você não perceba, mas isso causa um grande impacto. Os protestos e o debate público acerca dos direitos LGBTQIA+, do movimento negro, do movimento feminista, etc. acabam afetando todas as minorias, inclusive nós (afegãos). O que está sendo debatido é o combate a todas as formas de discriminação. Eu acho que este trabalho que a mídia vem fazendo é muito importante, porque ele muda o comportamento do povo. É importante que um país trabalhe para isso, muitas outras nações simplesmente não se importam.

Como foi o processo de aprender a falar o português?

Continuo aprendendo, a língua portuguesa é difícil, principalmente para os afegãos que não sabem falar inglês. Nestes casos a única solução é entrar em contato com as instituições de apoio aos refugiados e procurar conseguir o contato de cursos de português. Em alguns casos esses cursos oferecem uma ou duas horas de aula gratuita por semana. 

Para mim o português é uma língua fácil de entender, razoavelmente difícil de falar e muito difícil de escrever. Isso ocorre porque a estrutura linguística do português é completamente diferente do persa e das outras línguas do Afeganistão. Entretanto, é fácil de se fazer amigos aqui, os brasileiros estão dispostos a conversar conosco e isso ajuda muito no processo de aprendizagem de um novo idioma.

Você teve algum choque cultural no Brasil?

Eu sempre estive viajando e me mudando de países, então eu não tive um choque cultural muito forte. Penso que para mim o maior choque cultural foi a desigualdade social, aqui existem pessoas muito ricas e muitas muito pobres. Entretanto, é curioso notar que estes grupos vivem de forma tranquila e pacífica, dentro do possível.

Como foi a burocracia para entrar no Brasil?

A burocracia é o principal desafio entre os estrangeiros que buscam morar no Brasil. Para ser professor visitante não tive tantos problemas: mandei todos os documentos, tudo deu certo e eu fui aceito. O problema de verdade foi a revalidação do diploma de graduação: o reconhecimento do doutorado foi mais tranquilo e mais rápido; mas para a graduação eles exigiram muitos documentos. A revalidação é realmente demorada, ela demorou quase quatro anos. Eu tinha todos os meus documentos já revisados pela faculdade, eu já tinha feito todas as avaliações necessárias. Eu estou há um ano tentando lecionar na CREA-RS (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Rio Grande do Sul). Estou esperando há um ano e meio para receber a autorização da CREA para trabalhar na minha área. Eu tenho mestrado, doutorado e pós-doutorado e, além disso, já estou trabalhando como professor visitante./p>

Você já sofreu xenofobia no Brasil? Ou algum preconceito por ser muçulmano? 

Não, eu nunca sofri descriminação no Brasil. Algumas pessoas brincam comigo porque pensam que o Bin Laden era afegão, mas fora essas pequenas brincadeiras nada. Por isso o Brasil é um paraíso. Acredito que aqui existe menos xenofobia porque pautas minoritárias sempre estão presentes no debate público. Além disso, o país foi formado por ondas migratórias, como os japoneses que imigraram para o Brasil no começo do século XX, os africanos, os portugueses e muitos outros. A maioria das famílias brasileiras possuem algum antepassado estrangeiro.

No futuro, pode haver uma comunidade afegã unida em São Paulo ou no Brasil? Semelhante às comunidades expressivas asiáticas no bairro da Liberdade, ou italianas no Brás?

Se os afegãos conseguirem se concentrar em algum local específico, seria algo muito positivo. Eles poderiam se ajudar entre si, conseguiriam se desenvolver mais rapidamente e isso também ajudaria eles a entenderem a cultura brasileira mais facilmente. O problema é que isso não irá acontecer, pelo menos por enquanto. Porque não existe um fluxo de refugiados tão grandes para o Brasil, a maioria dos refugiados que passam por aqui buscam refúgio nos Estados Unidos ou em outros países. As pessoas que conseguiram ficar por aqui acabam sendo espalhadas entre as cidades, algumas ficam em São Paulo, outras vão para Salvador ou Belo Horizonte, etc. As migrações do passado contaram com um número maior de imigrantes, o que favoreceu a criação de comunidades mais expressivas que consequentemente culminaram na formação de bairros italianos, japoneses, etc.

Em que cidade você vivia no Afeganistão? E qual era o seu trabalho no Afeganistão? 

Localização da cidade de Herat
Localização da cidade de Herat, Fonte: google maps


 

Eu cresci em Herat, a terceira cidade mais populosa do Afeganistão. Por ser localizada próxima da fronteira iraniana, o idioma majoritariamente falado é o persa. Eu fui professor na faculdade de engenharia da universidade da cidade de onde morava.

Qual é seu grupo étnico?

Eu sou de um grupo étnico minoritário bem comum no Afeganistão chamado Sayed, assim como o meu nome. Essa etnia possui origem árabe, sua linhagem é traçada até o Profeta Muhammad por meio de sua filha Fátima e seu marido Ali. Todos os grupos étnicos do Afeganistão já se misturaram com os Sayed em algum momento da história, existem tadjiques-sayeds, hazares-sayeds etc.

Os Sayed são chamados de filhos de Muhammad ou ancestrais de Muhammad e são a única etnia miscigenada entre todas as etnias presentes no país, são uma espécie de ponto de conexão entre os povos. Historicamente essa etnia serviu como mediadora que resolvia disputas entre as etnias. Além disso, não possuímos uma língua exclusiva, costumam falar o idioma predominante da região onde moramos. Eu penso que se um dia os problemas do Afeganistão forem resolvidos, serão por mãos Sayedes, já que seus membros estão presentes em todas as tribos.

Como você vê os estereótipos associados aos afegãos?

Eu acho que o que dizem é baseado em uma parte de verdade (risos). O Afeganistão é um país que nos últimos quarenta anos sempre esteve em guerras, por conta disso o que as pessoas costumam a saber sobre o Afeganistão sempre tende a ser relacionado com a guerra. Acho que associar o Afeganistão com conflitos não é um estereótipo, mas sim uma meia-verdade. A maioria dos brasileiros sabe das guerras e entendem o sofrimento que meu povo passou, por isso penso que o povo daqui é acolhedor. Na verdade, acho que não existe um estereótipo de afegão no Brasil, porque realmente sofremos com as guerras e o país conta realmente com grupos extremistas e fundamentalistas, o que posso fazer no final das contas? É tudo verdade. Quando os afegãos começaram a chegar no Brasil, as pessoas perceberam que eles não eram extremistas e também se compadecem de toda a dor que os refugiados passaram. Não é o meu caso, pois não sou refugiado, mas é isso que eu percebo.

Do que você mais sente falta do Afeganistão?

Agora eu já virei brasileiro (risos), durante os dois primeiros anos senti um pouco de falta da comida afegã, dos meus amigos e de alguns lugares. Mas a grande questão é que desde que o Talibã tomou o poder tudo foi destruído. Não tenho mais familiares nem amigos lá. Todos os meus familiares vieram para o Brasil em 2021, no total foram vinte e um familiares e todos estão em Porto Alegre. Minha família foi uma das primeiras que conseguiram pegar o visto humanitário. Antes do Talibã subir ao poder, eu comecei a mandar e-mails para a embaixada brasileira do Paquistão e do Irã. Eu pensei “a situação está ruim, os Talibãs irão tomar o poder, tenho que tirar minha família”

Na primeira vez eles não responderam, mas depois entrei em contato com o Itamaraty. Por minha cidade ser central, ela ficou segura por mais tempo, mas o Talibã acabou conquistando toda a zona rural nos entornos da cidade de Herat. Foi nesse momento que percebi que eles iriam alcançar seus objetivos. Foi aí que o Itamaraty respondeu meu e-mail, primeiramente me dizendo que eu estava exagerando (risos) e que o Talibã jamais tomaria o poder, mas posteriormente acabaram decidindo me ajudar. Eu fiquei muito grato! 

Minha família tinha cinco membros: três deles eu consegui tirar o visto de estudantes e os outros 2 com visto de união familiar, o visto humanitário ainda não estava sendo emitido naquele momento. Nessa época um funcionário da embaixada brasileira em Teerã (capital do Irã) me ajudou muito com a papelada e com a documentação, e logo depois que consegui os nossos vistos o Talibã tomou o poder (risos de alívio). Depois disso, os catorze outros membros da família também conseguiram vir para o Brasil com vistos humanitários.

Quando a estabilidade voltar, você pensa em retornar para a sua terra? 

Depende da situação, depende de onde serei mais efetivo. Como morei em diferentes países, acabei tendo minha visão de mundo alterada. não sinto atualmente que meu local de origem é minha casa, qualquer lugar pode ser minha casa. Quero estar em qualquer lugar do mundo onde eu tenha impacto, do que adianta estar em um lugar onde você não é útil?  Não sou apegado ao meu local de origem. Me considero um cidadão do mundo.

Os primeiros dois anos são muito difíceis para todo mundo, não é fácil deixar tudo para trás. Mas quando se começa a construir conexões e criar redes de apoio, você começa a criar um novo lar. O país de origem de uma pessoa costuma ser seu capital cultural porque ele traz segurança e conforto para as pessoas. Esse capital cultural é formado por amigos e familiares. É ele que faz você se sentir apoiado, é como ser membro de uma tribo (risos). Quando você consegue desenvolver isso você consegue se sentir em casa.  Acho que os humanos são como formigas que precisam estar em grupo. Por isso acho que seria bom se os afegãos conseguissem se estabelecer em um bairro específico, pois isso traria um sentimento de pertencimento a uma “tribo”.

 

 

 

Combatentes do Talibã, fonte: BBC
Combatentes do Talibã, fonte: BBC

 

 

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Política Internacional

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Todos queríamos o poder de congelar o tempo
por
Michelle Batista Gonçalves
|
26/09/2023

13 de setembro de 2023. 29 dias que completei 21 anos. 2 anos que "seu magrão" não compartilha mais sua vida conosco. A data — dia 13 de setembro — fica bem vívida porque foi consideravelmente perto do meu aniversário, uma data que você sempre fez questão de lembrar. Não só de lembrar, mas também de celebrar. Uma data a qual eu mesma já não comemoro há bastante tempo. Mas que você não se permitia esquecer. Lembro que um dos meus primeiros e melhores celulares (para a época, claro) foi um presente seu de aniversário. Que você me avisou num post na minha linha do tempo do Facebook achando que era uma mensagem privada. Post esse que acabou entrando no meu vídeo de retrospectiva do ano, feito de maneira automática pela própria rede social e que eu guardo com muito carinho até hoje. 

 

Ainda é difícil assimilar que o senhor não está mais aqui. Sua presença tinha muita força. Eu sabia que tinha chegado em minha casa só pelo jeito que fechava o portão, por exemplo. De uma maneira ou de outra, o senhor sempre esteve por perto. No jeito que era apaixonado por música e viciava a mim e meus irmãos em cantores como Ritchie, Fagner, Raça Negra e Raul Seixas (este último originou o nome de seu próprio filho, até). Seu violão, aliás, continua aqui em casa. Não me atrevo a tentar tocá-lo, mas lembro que me ensinou uma ou duas notas certa vez. Lembro da maneira que tocava nos bares e animava a todos. Às vezes eu esqueço, é só como se eu não tivesse mais ido te visitar ou vice-versa. E consigo sorrir e imaginar que você tá por aí fazendo algum corre, porque você nunca conseguiu ficar muito tempo parado e estava sempre trabalhando com alguma coisa. 

 

Tento lembrar de qual foi nossa última vez juntos, mas nada me vem à mente. Só consigo lembrar de momentos longínquos, como se meu cérebro tentasse se proteger ao chegar perto demais da fração de tempo em que recebi a notícia da sua partida. Um membro perdido. Te sinto como se ainda estivesse aqui. O formigamento que os soldados dizem sentir após terem alguma parte do corpo amputada, como se ela ainda estivesse ali. Sua ausência pesa quase como uma presença. O não te ter como "ter" um vazio carregável, do qual não consigo me livrar. A angústia dos mistérios que cercam sua morte. A certeza de que só posso te visitar num cemitério. A revolta de sempre querer adiar setembro. 

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Grupos de extrema direita encontraram o revisionismo histórico como uma importante ferramenta para sua expansão ideológica, buscando se infiltrar nos ambientes escolares.
por
Gabriel Lourenço e Lucca Fresqui
|
26/07/2023

Com o crescimento recente da extrema direita no país, além de confrontos no campo político, a disputa no campo ideológico se agravou. Nesse cenário de intensa polarização, pautas revisionistas ganharam força

Com isso, observamos uma tendência preocupante de reexaminar eventos históricos cruciais, sob uma lente de relativização e negação. Essa abordagem visa diminuir ou até mesmo apagar a gravidade e as consequências desses acontecimentos. 

Leonardo Nascimento, professor de História e pesquisador da Universidade Federal da Bahia, conta que, se por um lado a universidade sofreu ataques durante os quatro anos de governo Jair Bolsonaro, por outro adotou comportamentos para se blindar de ameaças.

Em sua avaliação, o ambiente democrático e crítico das universidades passou a ser corrompido uma vez vozes dissidentes eram vistas com um olhar de desconfiança. Por vezes até mesmo encaradas como bolsonaristas.

Para ele, a tentativa de silenciar vozes dissidentes e de construir uma homogeneidade de opiniões no ambiente acadêmico teve como impacto a perda da crítica e da inovação no ensino.

Já Marcelo Reis, professor de História em uma escola de ensino médio na capital paulista, reclama de projetos educacionais, como o “Escola sem Partido”, que buscam implementar uma cartilha conservadora na escola. “Eles [revisionistas] falam tanto de doutrinação, entretanto, na verdade eles querem que a escola seja um meio de dispersão de pautas conservadoras”.

Reis também acredita que discursos revisionistas passaram a ser mais presentes nos últimos anos em suas salas de aula. “Criou-se uma relação de conflito entre professor e aluno. A figura do professor foi desacreditada”, diz.
Existe também medo do “comunismo” e de uma esquerda que seria a grande detentora de toda a mídia e todo o sistema educacional – visões irreais, mas que são tidas como fatos por alguns. 
 
Guilherme Assis, de 22 anos, fez parte de movimentos bolsonaristas no passado e diz que esses grupos tinham como prática uma conduta agressiva em sala de aula. Conta que esses comportamentos eram motivo de admiração nas redes bolsonaristas. “Mandavam vídeos de dentro da sala de aula para mostrar para os outros”, explica Assis.

Essa postura de negação da história e de “desafio ao sistema” é extremamente valorizada entre apoiadores desses movimentos, segundo Guilherme.

Reis afirma que esses casos estão fortemente ligados ao fenômeno da extrema direita. “A retórica é a mesma do Bolsonaro, é parte de um projeto de criar uma juventude bolsonarista” Na sua avaliação, descreditar o ambiente acadêmico permite criar suas próprias verdades.

Leonardo Nascimento diz que a ideia de traçar o ambiente da escola como um ambiente a ser combatido estava fortemente presente nas políticas do ex-presidente. Aponta para sua candidatura em 2018, onde uma de suas principais pautas era de “desesquerdizar” o ambiente escolar, incorporando no bolsonarismo movimentos pré-existentes como o “Escola sem Partido”.

Essas pautas se mantiveram em voga durante os quatro anos do seu mandato. “Vamos acabar com a doutrinação no Brasil”, declarou Bolsonaro em sua cerimônia de posse em 1º de janeiro de 2019.

O ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, deu declarações atacando a “doutrinação marxista” nas escolas. Em uma reunião no Conselho Nacional da Educação, em abril de 2019, disse: "Não vamos permitir que nossas crianças e jovens sejam doutrinados ideologicamente por uma minoria que detém o poder".

Segundo Marcelo Reis, essas políticas têm uma forte ligação com a mentalidade violenta da extrema direita. “O bolsonarismo coloca com um alvo em qualquer discurso que se oponha a ele. Fazem com que sejam inimigos a serem eliminados”, opina. “Faz parte da ideia de criar um clima bélico contra a imprensa, professores e quaisquer outros considerados inimigos”, continua.

Questionado sobre os desafios gerados pelo revisionismo no sistema educacional, o professor de Comunicação da PUC-SP, José Salvador Faro afirma que isso "força os professores a se manterem sempre antenados e atualizados".

Mas ele aponta que esse desafio tem pontos positivos, uma vez que, mesmo trazendo consigo uma carga de desinformação e fraude, novas descobertas e perspectivas podem surgir ao se revisitar a História.

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A fome ou uma dieta pobre em nutrientes e minerais traz prejuízos incalculáveis às crianças,
dificultando a concentração e o foco
por
Guilherme Lima Alavase
|
24/07/2023

“O desemprego, o trabalho precário e mal remunerado, a má distribuição de
renda, são os principais causadores da fome e da desnutrição no Brasil.” Essa
é avaliação de Nanci Maria da Silva de Oliveira, uma das coordenadoras da
Pastoral da Criança em São Paulo.

Uma de suas funções é acompanhar e orientar as gestantes e crianças de zero
a 6 anos em relação à alimentação saudável e barata, ensinando as mães para
o aproveitamento completo dos alimentos, utilizando as folhas, cascas,
sementes e tudo o que for possível ser consumido.  

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil voltou ao
mapa da fome, ou seja, a estar em situação de insegurança alimentar, quando
as famílias vulneráveis economicamente, ao acordar, não sabem se terão
algum alimento para comer no decorrer do dia.

De acordo, com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma
situação é crônica “quando os moradores passaram por privação severa no
consumo de alimentos”. Com a insuficiência de comida, o indivíduo não tem
energia suficiente para manter o seu organismo funcionando adequadamente
para desempenhar as suas atividades cotidianas. 

A coordenadora da Pastoral da Criança diz que desperdiçamos muitos
alimentos e que o principal programa de seu grupo é ensinar as famílias, que
frequentam as atividades da pastoral, a fazer as suas compras no final da feira,
a chamada “xepa”, pois os preços estão mais baixos. Mas também pechinchar
pelos produtos que estão sobrando na banca do feirante, pedir a doação das

folhagens e legumes que ele pretende descartar. Com os alimentos em mãos,
ensinam a higienizá-los e armazená-los adequadamente.

Por fim, preparam pratos, muitas vezes desconhecidos pelos participantes.

Segundo o IBGE, cerca de 30% dos alimentos comercializados no Brasil são
descartados em alguma parte do processo. Isso equivale a jogar 46 milhões de
toneladas de comida no lixo todos os anos. 

O desperdício acontece em todas as fases da produção e comercialização dos
produtos. As perdas começam no transporte, sem o cuidado necessário,
passam pelo ponto de venda, onde os produtos “machucados” ou com
pequenos defeitos são descartados, pois não há interesse comercial neles.

Por fim, o consumidor final joga fora uma parte dos itens adquiridos, pois
compra em excesso, descuida com a conservação ou descarta frutos, legumes
e verduras que não estão bonitos e viçosos. Boa parte do desperdício de
alimentos é proveniente do dia a dia das famílias. 

A professora Irene Neves, também colaboradora da Arquidiocese de São
Paulo, afirmou que a fome ou uma dieta pobre em nutrientes e minerais
essenciais ao crescimento e desenvolvimento traz prejuízos incalculáveis às

crianças, dificultando a concentração e o foco - habilidades essenciais no
processo de aprendizagem.

Segundo ela, não se consegue aprender quando o corpo não tem os nutrientes
necessários.  Tais impactos no desenvolvimento físico, emocional e cognitivo
certamente irão prejudicar a qualidade de vida na fase adulta, pois o jovem terá
baixa escolaridade associado à dificuldade de aprendizagem, frustrando sua
inserção no mercado de trabalho.
Irene também ressaltou que a fome na primeira infância pode levar à morte,
pois a criança desnutrida apresenta o sistema imunológico vulnerável, sendo
menos resistentes às doenças comuns da infância.  
 
A coordenadora da Pastoral da Criança, Nanci enfatizou que a fome e as
restrições a uma alimentação saudável desaparecem com uma renda bem
distribuída, pois, segundo ela, a questão não é de escassez de alimentos no
país e sim do convívio com a desigualdade social.

Uns desperdiçam comprando e consumindo em excesso, outros ficam na fila
do osso para conseguir resto de carne para fazer uma sopa. Como exemplo,
basta observar a grave crise de desnutrição e fome dos índios Yanomami. Eles
não estão morrendo de fome por falta de alimentos no Brasil e sim porque o
governo anterior não garantiu que a comida chegasse às aldeias.

O Brasil saiu do mapa da fome nos primeiros anos do século 21, porém, as
políticas públicas de combate à fome e a pobreza adotadas na época foram
gradativamente desmobilizadas. As reformas trabalhistas não trouxeram os
empregos prometidos, pior, abriram a possibilidade de ampliação sem
precedentes do trabalho precário, sem garantias sociais e com baixos salários
empobrecendo ainda mais a população já vulnerável.

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