“Quando a pandemia veio e fiquei sem trabalhar, entrei em desespero. Não tinha quem me ajudasse, não tinha para onde correr. Era usar o dinheiro do auxílio para não deixar meus filhos passarem fome,” declara Fabiana Santos, mulher preta e mãe solo de dois filhos. Mulheres em maternidade solitária são mais vulneráveis e têm maiores chances de experimentarem dificuldades financeiras, desemprego ou subemprego, insegurança alimentar e nutricional, falta de moradia ou habitação inadequada, riscos para a saúde e violência.
Os dados gerais levantados na última pesquisa do IBGE, mostram que dentro dos casos severos de fome no Brasil, a IAN (Insegurança Alimentar e Nutricional) grave, atinge 51,9% das famílias chefiadas por mulheres. A problemática se agrava ainda mais quando se analisa o recorte de mães solo pretas: elas são as mais afetadas pela insegurança alimentar. Segundo dados levantados pelo Datafolha, a cada cinco lares comandados por esse grupo, um acaba passando por subnutrição.
Luiza Pires, diretora do Centro de Pesquisas em Macroeconomia das Desigualdades (MADE) da FEA-USP, explica que as mulheres, historicamente, foram responsabilizadas com a tarefa de cuidado do lar, "isso acaba sendo uma responsabilidade financeira também, é ela quem vai se preocupar em colocar comida na mesa para os filhos."
Analisando os dados fornecidos pelo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar nos anos de 2021 e 2022, conduzidos pela Rede PENSSAN, o país atingiu o número de 33 milhões de brasileiros passando fome. Esse número reflete a desigualdade tanto regional, - concentrada principalmente entre o Norte e Nordeste - quanto a social. Fica claro, portanto, que a fome tem agravante racial no país, já que, pela pesquisa, 65% dos lares comandados por pessoas pretas ou pardas acabam sofrendo com algum tipo de insegurança alimentar.
O desamparo e medo da maternidade solo no Brasil:
Luciana de Carvalho é mãe solo de uma menina de 8 anos. Ela alega que não conta com nenhuma ajuda do Estado e nem sabe se tem acesso a algum projeto. Carvalho cuida da filha completamente sozinha desde que a mãe faleceu em 2020. Sua ajuda mais próxima está na irmã, que mora a uma hora de distância.
A falta de uma rede de apoio é o caso da maioria das mães solos do país. Luciana é apenas um dos casos de mulheres que têm que dar conta da dupla jornada. Para ela, conciliar a maternidade com trabalho é o maior desafio: “Depois de ter filho e não ter com quem dividir, tive que me adaptar e fazer trabalho só home office. Salário muito menor e outra função.”
Pires comenta sobre o conceito chamado “Pobreza de Tempo”, que de acordo com dados levantados por pesquisas da ONU, as mulheres são as mais afetadas pelo problema. Com o excesso de atividades como trabalho, cuidados domésticos e dos filhos ocorre a negligência com os próprios cuidados, sejam físicos e mentais, levando ao adoecimento e desequilíbrio na rotina familiar.
Para as mulheres negras, o agravante da situação está no racismo estrutural. A taxa de desemprego desse grupo é muito maior que a taxa de desemprego geral, que estava em 9% e para as mulheres negras era de 14%. Elas recebem menos que o salário médio dos homens e mulheres brancos. Ainda, "as mulheres negras estão em empregos com salários menores, e são responsabilizadas igualmente pelo cuidado", afirma Pires.
Outro ponto que a especialista explica é a diferença da rede de apoio entre as mulheres brancas e negras: "a mulher branca sai para trabalhar e deixa os filhos com outra pessoa cuidando, as mulheres negras, na maioria das vezes, não têm essa opção e geralmente depende de um familiar que possa lhe ajudar."
Fabiana Santos, trabalha como auxiliar de limpeza e é moradora da periferia da Vila Maria - Zona Norte de São Paulo, lida com a maternidade solo de seus dois filhos. O mais novo é um bebê de 10 meses. Santos diz que tinha dificuldade até na amamentação pois não tinha como se alimentar direito e faltavam nutrientes para a produção do leite: “minha anemia na época era grave. Não conseguia me alimentar, muito menos amamentar meu filho.” Ela teve que complementar a alimentação do bebê e ao comprar fraldas, via quase todo o auxílio do governo indo embora.
“Eu como mulher e mãe solo sinto na pele todo dia o que é o abandono. Tudo que consegui foi trabalhando muito e sozinha. Hoje com meu emprego consigo pagar minhas contas e garantir que meus filhos estejam seguros, essa sempre foi minha maior preocupação” descreve a auxiliar de limpeza. Para Santos, os planos de auxílio do governo não foram suficientes para garantir sua estabilidade: “eles me ajudaram, claro. Mas falta muito para que um dia eu me sinta segura em qualquer situação de crise.”
Sobre sua rede de apoio Fabiana compartilha que quem vigia seus filhos enquanto trabalha é sua irmã, e relata a importância dessa rede para mães solo. “Ela é minha única ajuda. Quando arranjei meu trabalho pedi a ela que tomasse conta dos meus filhos. Sem ela a situação seria muito difícil.”
A tentativa de melhora dentro da perspectiva brasileira:
Thais Cassapian, organizadora do Coletivo de Apoio à Maternidade Solo, aponta que: "as mulheres negras crescem num contexto social com muito menos acesso à educação e à saúde, e o impacto desse racismo estrutural é amplificado e sentido nesse círculo social.” Para ela, as mães solos e mulheres negras devem ser priorizadas e que a discussão passa pela questão da igualdade. "A pessoa que tem menos, precisa receber mais (auxílio). Ela precisa ser garantida de todos os direitos básicos que foram negligenciados por tanto tempo."
O Coletivo surgiu no primeiro mês da pandemia. Thais começou ajudando duas mulheres em situação de necessidade e foi crescendo gradativamente, sempre colaborando com alimentação dessas famílias chefiadas por mães solo. Hoje, são 210 mulheres sendo ajudadas e 70 colaboradoras no projeto. Para elas, o diferencial é levar até a porta de cada mulher que precisa de ajuda um kit de alimentos. "O coletivo se propõe a ser um apoio efetivo na vida dessas mulheres."
A cesta básica tem pelo menos 16 itens e são variados. Frutas e verduras frescas, ovos, biscoitos. Além disso, também há o kit higiene, que cobre de fraldas à absorventes, roupas e até fórmulas para os bebês que precisam de suplementos além do leite materno.
O Coletivo de Apoio à Maternidade Solo também é uma forma de amenizar a insegurança alimentar nas famílias chefiadas por mães solos. Em sua devida proporção, atua em três frentes, sempre priorizando as mulheres. Além dos kits que são entregues nas portas, o projeto promove rodas de conversa presenciais para dar espaço para essas mães compartilharem suas experiências e ter um momento para elas. E, iniciado recentemente, o projeto de cursos profissionalizantes que tem a duração de um trimestre.
Ainda, é necessário um acompanhamento social diferenciado para essas mulheres que vivenciam a maternidade solitária na condição de pobreza através de programas e ações que promovam o cuidado especial desse grupo. A organizadora do coletivo afirma que "são necessárias políticas públicas direcionadas a esse grupo e principalmente, que atuem no recorte racial."
No viés das políticas públicas, retomado neste primeiro trimestre, o Bolsa Família tem o valor mínimo de R$600 e valor extra para famílias com gestantes, crianças e adolescentes. Esse é o início do plano do presidente Lula para reverter a situação atual da fome no Brasil.
O governo anterior deixou para as políticas de combate à fome um legado que inclui desorganização e desarticulação dos programas, poucos servidores e orçamento baixo no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023.
Uma parte da estratégia nova também deve ser a divulgação para tornar essas políticas públicas de fácil acesso. Às vezes, a população nem sabe se pode receber alguma ajuda.
Em fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reativou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que reúne sociedades civis na discussão do tema. O órgão, criado em 1993 e foi desativado em 2019 por Bolsonaro, acompanha diretamente a Presidência da República em políticas públicas de combate à fome. Também reajustou em 39% os repasses feitos a estados e municípios para o Programa de Alimentação Escolar (PNAE), que garante a compra de merenda escolar e ficou 5 anos sem correção com defasagem de 35% no período. Dessa forma, a medida deve beneficiar 40 milhões de estudantes de escolas públicas. Em março, Lula relançou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em seu primeiro governo no âmbito do Fome Zero.
A especialista Pires expõe a importância de trazer dados sobre essa desigualdade à público “somos responsáveis por visibilizar a questão e apontar políticas públicas que visam reduzir o problema.” Trazendo dados para o Congresso e criando identidade para reformar o sistema, Luiza acredita que mudanças podem ser consideradas.
As imagens de desnutrição das crianças Yanomami chocaram o mundo no início do ano são consequências de uma demora no tratamento da desnutrição severa, que se tornou algo crônico. Especialistas explicam que o uso de alimentos naturais, a prática de atividades físicas e a atuação emergencial do governo com a retomada do atendimento primário no território, são essenciais para a reversão do quadro.
“É uma situação muito alarmante e muito preocupante e tudo isso que vocês estão vendo nas redes sociais é uma irresponsabilidade do governo brasileiro de proteger o meu povo Yanomami, aqui no estado de Roraima” conta o líder da comunidade, Dario Yanomami.
De acordo com o Departamento de Atenção Primária à Saúde do Indígena, em 2015, entre 3516 crianças que estavam sob os cuidados do departamento, 1059 estavam com peso baixo e 666 com peso muito baixo para a idade, isso representa 49% das crianças. Em 2021, a situação se agravou, tendo 56,5% das crianças com algum déficit de peso. Segundo dados obtidos pela agência Samaúma, 570 crianças de até cinco anos morreram de doenças evitáveis na TY, entre 2019 e 2022, um aumento de 29% em relação a 2015-2018.
A desnutrição grave não é só a perda de peso acentuada, mas também representa a falta de vitaminas e nutrientes importantes, que dependendo da carência de cada organismo, pode causar problemas de pele, de visão e até neurológicos.
Para reverter esse quadro, é necessário uma série de ações complexas e bem planejadas. "O primeiro passo é oferecer o que está faltando, a suplementação de comida e tratamento adequado para cada quadro” explica a nutricionista e voluntária nas Terras Yanomami, Gabriela Mendes. Assim a pessoa é tirada do risco iminente de morte. O tratamento depende de uma rotina intensa de acompanhamento por monitores de saúde e nutrição.
A atividade física é igualmente importante no controle do tratamento da desnutrição, pois o objetivo da recuperação nutricional não é só ganho de peso e de tecido gorduroso, mas também de massa muscular.
Os alimentos originários da Terra Yanomami, como banana e açaí, podem ajudar nesse processo, ao contrário das opções ultra processadas que vemos nos mercados. “No início foram identificadas falhas neste sentido, pois o tipo de alimentos que estava chegando não respondia aos hábitos alimentares das comunidades e também não atendia às necessidades de recuperação rápida da saúde das pessoas mais atingidas”, conta Luís Ventura, secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

— Foto: Ministério da Saúde
Após o envio de muitos alertas por organizações indígenas e seus aliados, houve um esforço para a adequação dessas medidas. Por isso Ventura reforça que a atuação do governo deve ser construída em diálogo com as organizações indígenas e com as entidades que têm conhecimento do terreno.
“Somos cidadãos brasileiros, somos povo originário, somos povo Yanomami. Então isso é uma responsabilidade do Estado. Como qualquer povo brasileiro, o Estado tem que cuidar do povo indígena” diz Dario.
Com o decorrer do tempo, o corpo passa por transformações muitas vezes irreversíveis. Quando uma pessoa passa muito tempo com uma dieta carente de alimentos e nutrientes, o corpo e seu metabolismo passam por mudanças. Ele passa a ser mais devagar, e produz menos enzimas digestivas. “Há redução da área absortiva, e as células passam a não estarem preparadas para metabolizar uma quantidade elevada de energia”, explica Mendes.
As medidas emergenciais necessárias para atuar com pessoas em risco de morte são fundamentais. “O atendimento dentro do território indígena sempre foi precarizado pelos anos de abandono da política de saúde, isso exigiu que muitas pessoas fossem removidas para a cidade para serem ali atendidas”, comenta o secretário.
Quando ficam doentes, os Yanomami são encaminhados para as instalações da Casa de Saúde Indígena (CASAI). Quando o caso é grave, eles são resgatados e levados para o atendimento de helicóptero até o hospital de campanha da força aérea montado na capital de Roraima, Boa Vista ou unidades de saúde do estado. Com a quantidade gritante de casos que precisam dessa atenção redobrada, essas instalações tiveram pouco tempo para atender uma população muito além da sua capacidade.
Para que a recuperação dessa comunidade tenha sucesso é necessário que alguns fatores andem juntos, como o atendimento emergencial, para a recuperação da saúde básica das pessoas e o fortalecimento do atendimento à saúde nas comunidades, para manter o progresso já feito. Também é necessária a recuperação das pistas de pouso, para o abastecimento das estruturas de atendimento básico. Por fim, “o fortalecimento do Distrito de Saúde Indígena Yanomami (DSEI-Y), que é quem deverá ficar em território depois da fase emergencial e, evidentemente, a retirada dos fatores de risco, que estão vinculados à desintrusão do garimpo", explica Luís Ventura.
Conciliar a atuação emergencial com a retomada do atendimento primário e com medidas culturalmente adequadas ao povo Yanomami, depende principalmente da retirada do garimpo na região. Só com um território livre do garimpo, as condições para que as comunidades tenham acesso de novo às fontes tradicionais de alimento poderão ser recuperadas.
O líder Yanomami conta que as comunidades que estão na fronteira Brasil-Venezuela, têm assistência. São 37 polos base mas, pelo menos 8 foram fechados por ameaças de garimpeiros ilegais. “Faltam profissionais para cuidar da nossa segurança, da segurança das nossas famílias e das nossas crianças”.
O garimpo ilegal e a contaminação por mercúrio

Os Yanomami têm vasto conhecimento sobre as suas terras e historicamente sobrevivem da coleta, além de pesca e caça. Mesmo assim, sua sobrevivência vem sendo ameaçada pela contaminação das águas e do solo pelo garimpo ilegal, prática que é uma das maiores causas da desnutrição severa que atinge esse povo indígena.
Em 2021, a destruição causada pelo garimpo no Território Indigena Yanomami (TIY) cresceu em 46%. Dados do Instituto Nacional de Investigação Espacial (INPE) indicam que a desflorestação nas terras indígenas Yanomami aumentou 516% entre os anos de 2019 e 2020 em comparação aos anos anteriores (2017 e 2018). Nos últimos dois anos, foram desmatados 39,1 quilómetros quadrados, o equivalente a 3,9 mil campos de futebol. No período anterior, a desflorestação foi de 6,34 quilômetros quadrados.

– imagem: acervo do Instituto Socioambiental/ ISA
As mortes dos indígenas nesse caso, ocorrem direta ou indiretamente por causa do garimpo ilegal. Durante o governo Bolsonaro, haviam pelo menos 98 pontos ativos de garimpagem ilegal de ouro ativos no interior na TIY, segundo a Rede Amazônica de Informação Socioambiental (RAISG). Sua intensidade e escala cresceram de maneira exponencial nos últimos cinco anos.
Dos 37 polos-base do Distrito Sanitário existentes, pelo menos 18 possuem registro de algum desmatamento relacionado ao garimpo. Assim, o número de comunidades afetadas diretamente seria 273, abrangendo mais de 16.000 pessoas, ou 56% da população da TIY.
As populações residentes próximas às áreas de garimpo apresentam a maior ingestão de mercúrio. A contaminação dos rios e solo pela lama tóxica de mercúrio fazem com que os alimentos estejam contaminados. Isso impossibilita o consumo e resulta na desnutrição, uma vez que o peixe é a principal fonte de proteína das populações indígenas.
Dario conta que a região do Xitei é a mais afetada pelo garimpo ilegal. “Eles ficam muito perto das aldeias. Eles estão destruindo os rios aonde as crianças bebem água. Está totalmente poluído, com mercúrio e cheio de malária. As crianças ficam desnutridas por conta das doenças.”

– imagem: acervo do Instituto Socioambiental/ ISA
No dia 20 de janeiro, o governo federal decretou estado de emergência de saúde pública, para conseguir viabilizar a assistência necessária. Dez dias depois, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assinou um decreto para dar poder às Forças Armadas e aos ministérios da Defesa, Saúde, do Desenvolvimento Social, da Família e dos Povos Indígenas para barrar a atuação de garimpeiros ilegais nas terras indígenas. Os casos de desnutrição foram expostos pelo próprio presidente em visita ao Estado, no dia 21 de janeiro.
Essas medidas vêm com o intuito de melhorar a condição dos Yanomami. Mas, como eles sofrem com os mesmos problemas desde os anos 50, é muito difícil voltar à vida que tinham antes.
A antropóloga Joana Bonfim explica que o primeiro ponto para o controle do garimpo ilegal na TIY, seria o desenvolvimento e a retomada de uma estratégia de Proteção Territorial consistente. Além de uma reiteração do papel real da Fundação do Índio (FUNAI) para garantir o direito geral dos Yanomami. “Para além de um alinhamento estatal, é necessária uma mudança do modo de agir do sistema como um todo, em especial sua relação com a Terra”, completa.
Existem grandes diferenças sobre o modo como o último governo atuou em comparação ao atual, sob a lente socioambiental. O Ministério do Meio Ambiente, que antes era vinculado ao Ministério da Agricultura, agora tem a sua própria gestão. Além da criação de um novo ministério dedicado aos povos originários. “Juntamente a essas mudanças, o atual governo deve fiscalizar ativamente pontos ativos de garimpagem na TIY e auxiliar na proteção desse território, que é um direito constitucional”, afirma Joana. O Estado brasileiro é responsável pela prevenção e repressão das atividades mineiras ilegais e da utilização do mercúrio em terras indígenas, a fim de proteger o ambiente, as populações indígenas e o próprio ouro.
“Isso é uma crise sanitária desumana, é um resultado dos invasores na terra indígena Yanomami”, ressalta o líder indígena.
A força-tarefa que atua nas Terras Yanomami indica que, desde o início da operação iniciada pelo atual presidente no dia 20 de janeiro, foram destruídos 272 acampamentos de garimpeiros ilegais na região. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, também foram apreendidos e inutilizados equipamentos como máquinas para extração de minérios, motosserra, mercúrio, modens de internet via satélite, celulares, uma tonelada de alimentos, armas e munições.
Recentemente, o espaço aéreo na Terra Yanomami foi fechado na tentativa de frear a ação desses garimpeiros, mas isso não é suficiente para acabar com esse problema que vem se postergando há décadas e nunca foi resolvido. "Ao médio e longo prazo precisamos de políticas públicas que foquem na autossuficiência desses povos, para que eles possam suprir suas necessidades de forma que não se crie dependência com não-indígenas", diz Mendes.
A fim de melhorar as condições de vida dos indígenas Yanomami, o Governo Lula deve fiscalizar pontos ativos de garimpo na TIY e auxiliar na proteção desse território, que é um direito constitucional. “Ainda não sabemos qual serão as maiores dificuldades do povo Yanomami ao longo prazo já que garimpo deixa sequelas de destruição ambiental e de contaminação de solos e de fontes de água que vão requerer um tempo para serem recuperadas”, finaliza Ventura.
“O garimpo ilegal destrói e mata o ser humano, mata a natureza, mata os rios e mata as crianças”, Dario faz questão de realçar.
Uma pesquisa publicada na revista científica JAMA pediatrics revela que jovens LGBTQIAP+ tem uma chance 50% maior de desenvolver quadros depressivos em relação aos que são heterossexuais e cisgênero, situação preocupante, ainda mais em um país como o Brasil, que pouco faz pela saúde mental destas pessoas.
O estado de São Paulo conta com os CAPS (Centro de Assistência Psicossocial), com os Centros de acolhida (voltados para a população de rua) e os CCAs (Centro para Crianças e Adolescentes), entretanto, desde a posse como governador do PSDBista João Dória, estes meios de tratamento foram sucateados. A diretora de comunicação do projeto Canto Baobá e pós-graduanda em Sexo, Gênero e Direitos Humanos, Juliana Ribeiro, fala da situação destes aparatos: “Tem muita gente boa dentro desses mecanismos públicos, que estão articulando junto com o Canto e com outras esferas públicas, e conseguindo ali levar o seu trabalho, não da melhor forma possível, não da forma com que gostariam de levar, mas que estão conseguindo se mobilizar.”
O Canto Baobá, é um projeto criado pelos psicólogos Ana Albuquerque e Douglas Felix, que busca atender pessoas em situação de vulnerabilidade social e levar para além da sala de consultas o combate ao racismo, à LGBTQIAP+fobia e a todos os tipos de violência. Hoje conta com 38 psicólogos, que atendem cerca de 850 pessoas. Entretanto, o projeto não consegue atender todos os seus pacientes de forma gratuita ou com pagamento de valor simbólico.
Para Juliana, é fundamental que existam projetos como o Baobá, mas também é necessária uma abertura daqueles que não fazem parte das populações oprimidas: “Muitas pessoas não conseguem ver o racismo acontecendo no dia a dia, porque provavelmente são pessoas brancas, né? E que, realmente não são impactadas com as violências, são, inclusive, as que continuam mantendo essas violências no poder.”
Segundo um relatório do Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), o Brasil é há 13 anos o país que mais mata pessoas transgênero no mundo, somente em 2022, foram 131 homicídios notificados, número que se encontra defasado, já que dos 26 estados da federação, 11 não tem dados sobre LGBTQIAP+fobia. Segundo Ribeiro, este cenário nunca vai mudar sem que falemos desses assuntos: “A gente tem que falar, a gente precisa falar, ninguém aqui vai ficar quieto, não dá mais. Não é porque não é você que passa, você que sente, você que sabe, mas a partir do momento que você entra aqui, você vai ouvir e talvez isso seja incômodo, por quê finalmente, você está começando a olhar para essas questões.”

As ações solidárias destinadas à região de São Sebastião, desapareceram junto com a chuva que devastou o litoral norte de São Paulo há três meses e deixou 1.090 pessoas desalojadas, 1.126 desabrigadas e 65 mortas.
A Diretora do Fundo Social de São Sebastião, Rita Elizabeth informou que 13.500 toneladas de doações foram feitas à cidade depois das chuvas no final de semana do Carnaval. Empresas, como as Casas Bahia e a Sabesp, e órgãos governamentais, como a Receita Federal, doaram juntas mais de 90 toneladas de produtos. Uma empresa de refrigerante em conjunto com a ONG Geração Falcão destinou cerca de R$100 mil para auxiliar as vítimas.
Porém, semanas depois do ocorrido, o Fundo Social da cidade, já estava com o estoque de doações praticamente zerado, como conta a diretora. Moradores que foram atingidos pela tragédia, e ONGs que levantaram arrecadações também sentiram a redução.
Organizações que se voluntariaram e levaram doações para os atingidos pelas chuvas no litoral conseguiram coletar altos números de donativos. Como a Feito Formiguinhas e a Formiguinha em Ação que juntas levaram mais de 14 toneladas de produtos, entre elas cestas básicas, produtos de limpeza, de higiene pessoal, água e ração.
Segundo Elis Pedroso, representante da ONG Feito Formiguinhas, as doações no começo foram enormes, mas, com o passar do tempo, a quantidade de produtos doados sofreu uma redução:"Todas as vezes que existe alguma coisa de comoção de massa, há uma entrada maior de doações. O complexo é que dura muito pouco, porque passou a mídia [noticiando a tragédia], é como se nada tivesse acontecido. Em 15 dias já não se tinha mais tantas doações.”
Sensação também presente para a organização Formiguinhas em Ação. Alex Cahli, porta-voz do local, conta: “Nos momentos iniciais de uma tragédia, como a que ocorreu no meio de fevereiro, os números de doações são altos, mas em seguida com a “volta da rotina”, há uma queda”.
A antropóloga explica que o momento inicial da catástrofe é marcado pela comoção das pessoas de fora do contexto. O sentimento de sensibilidade com a situação emergencial faz com que os não envolvidos sintam que precisam agir diante do cenário de destruição e perda e com isso, entram as doações: “É importante lembrar que essa onda de doações é uma onda inicial e a comoção não chega a mobilizar as pessoas para agirem em relação às questões mais estruturais da catástrofe.”
O impacto de agir no início é causado muito por aquilo que está imediatamente acessível aos nossos sentidos e essas pessoas distantes da tragédia, recebem essa informação de forma sensacionalista e se inflamam e acreditam que as doações serão o suficiente. O que traz depois da contribuição um "alívio de consciência" e permite que essas pessoas possam voltar a viver suas vidas normalmente.
A identificação com aqueles que sofreram com os 682 mm de água, foi o que levou Márcia Mota a ajudar: “Tenho uma casa na cidade há mais ou menos vinte anos e conheço bem a região desde o final da década de 70. Frequento lá há muitos anos, antes de ter a estrada, inclusive antes das ocupações, em áreas de risco”.
A moradora não estava em sua residência em Juquehy quando tudo ocorreu, mas assim que soube que a casa tinha condições de receber pessoas liberou o local para quem precisava. Marcia, ainda, conta do cenário que encontrou quando chegou no litoral norte: "Lembro que a cena era de guerra. Eram carros do exército, móveis na rua, muita lama, nem parecia que era o mesmo lugar”.
Já a estudante, Letícia Cali, viajou para o sertão de Camburi, São Sebastião, para aproveitar o feriado e vivenciou a tragédia. A jovem e mais quatro amigas acabaram ficando presas na cidade. Cali conta, ainda, que vivenciou o aumento nos preços dos produtos, principalmente em supermercados, mas nada que chegasse a ser valores absurdos, como da água que teve repercussões nos noticiários.
A estudante também presenciou a "normalidade" que algumas pessoas levaram a situação: "Na praia da baleia, onde estive hospedada, logo na segunda-feira, após as fortes chuvas, vi diversas pessoas passeando na orla da praia como se nada tivesse acontecido."
O psicólogo social Pedro Luz, explica quanto essa apatia de uma parte pequena da população, se faz presente nesses momentos de tragédia: "Isso diz respeito, a alguns valores que a nossa sociedade cultua, como os valores da competitividade, da meritocracia e de uma individualidade.” Ele ainda ressalta que isso é causado muito por conta da visão do mundo de consumo.
Escolas e outras estruturas, como restaurantes, serviram, no momento pós tragédia, como locais de abrigos para os atingidos pela chuva, de preparo de comidas e de pontos de coleta de doações. Como o caso da Escola Municipal Branca de Neve, que antes servia para a formação de crianças entre 3 a 5 anos, virou abrigo para oitenta famílias que perderam tudo e tiveram suas casas interditadas.
Mesmo após quase três meses da tragédia, a vida na região ainda não se ajustou. Algumas pessoas voltaram para suas casas, mesmo com o local classificado como área de risco pela Defesa Civil, pois ainda não tem para onde ir. Os olhos, dos que estão distantes de São Sebastião, deixaram de estar voltados para a região e a crença nas ações solidárias sofreram drásticas reduções.
O psicólogo faz um alerta sobre esse aspecto do ser humano que precisa ser trabalhado: "Quando cessam as informações e há a diminuição do afeto e da empatia provocados, as pessoas dão continuidade a sua vida. Porque é difícil ter a concepção que o sofrimento do outro é prolongado e que a ação solidária precisa ser contínua, já que a tragédia e seus efeitos vão ser posteriores ao dia, semana ou mês em que ocorreu”.
No último domingo (14/05) comemorou-se o Dia das Mães por todo Brasil. A data foi oficializada no dia 5 de maio de 1932 quando o presidente Getúlio Vargas emitiu o Decreto nº 21.366. A partir de então, anualmente, o segundo domingo de maio foi dedicado ao amor materno. Apesar do dia celebrar todas as mães brasileiras, elas nunca deixaram de ser assassinadas, independentemente da existência desse dia.
De acordo com dados do Monitor da Violência e do Núcleo de Estudos da Violência da USP, em 2022, o Brasil registrou 1.410 casos de feminicídio. Em média, uma mulher é assassinada a cada 6 horas no País por ser mulher. Com diversas possibilidades de configuração, o crime continua a acontecer majoritariamente no lugar em que a vítima deveria se sentir segura, em sua própria casa. O quadro piora a partir do momento em que se enxerga a subnotificação no país, à medida que muitas mulheres são vítimas de feminicídio, mas os casos não chegam a ser denunciados.
Em entrevista, a delegada Dannyella Gomes Pinheiro, da 3ª Delegacia de Defesa da Mulher em São Paulo, explicou a configuração do crime e o papel das delegacias especializadas: “Feminicídio é uma qualificadora do crime de homicídio, é o homicídio praticado em razão do gênero feminino. A Delegacia de Defesa da Mulher cuida de questões relacionadas a violência doméstica, crimes sexuais e crimes relacionados a crianças e adolescentes também, como maus-tratos e crimes sexuais. Normalmente e infelizmente, a maior probabilidade de uma mulher ser vítima de homicídio no Brasil, estatisticamente falando, é dentro de casa”.
Ainda que os números sejam alarmantes e cada vez mais as mulheres dentro de casa como os membros familiares estejam denunciando e buscando por medidas protetivas, infelizmente, nem todas as mulheres conseguem se manifestar nas delegacias antes de serem mortas dado o contexto em que se insere. “São inúmeros os casos que levam uma mulher a não fazer uma denúncia e não registrar a ocorrência. Temos dependência emocional, dependência financeira, constrangimento, vergonha, culpabilização e julgamento social”, expõe Dannyella Pinheiro.
- Novas figuras maternas e inéditas configurações de feminicídio
Dada a luta pela vida ao longo de anos, as minorias da sociedade brasileira gradativamente estão conseguindo conquistar seus direitos, dentre eles, o das pessoas LGBTQIA + se tornarem mães ou pais. Essa transformação contribuiu para que a maternidade ganhasse outros indivíduos como mulheres LBT, lésbicas, bissexuais e transsexuais. Ao se tornarem mães, elas enfrentaram o julgamento e a discriminação constante da sociedade, o que acentuou a discriminação contra as mulheres, por serem mulheres, pela sexualidade e pelos seus respectivos formatos de família.
A vítima passa por discriminações sobrepostas, por vezes, ocasionando no assassinato do indivíduo motivado pela misoginia e a LGBTQIA+ fobia. “Isso é o que a gente chama de interseccionalidade. A pessoa ela não é só uma coisa, a pessoa pode ser mulher, ela pode ser uma mulher lésbica, pode ser uma mulher lésbica, periférica, pode ser uma mulher negra, pode ser uma mulher trans”, relata Amanda Souto, advogada e vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero do Conselho Federal da OAB. A partir do momento em que se adiciona marcadoras, também se adicionam possibilidades de discriminações e opressões diferentes.
De acordo com informações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre a vulnerabilidade da população LGBT a atos de violência sexual ou familiar, foi constatado que em todo o continente americano, as mulheres LBT correm o risco particular de violência devido à misoginia e à desigualdade de gênero na sociedade.
Por outro lado, entre janeiro de 2013 e 31 de março de 2014, a Comissão monitorou a violência contra as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersex (LGBTI) na América. No Registro de Violência contaram no total 594 assassinatos de pessoas da comunidade, ou percebidas assim, e 176 vítimas de ataques graves, embora não letais. Desse total, 55 foram contra mulheres lésbicas, ou percebidas como tais.
Ao passarem por situações discriminatórias ou agressões, as vítimas se sentem extremamente desconfortáveis em denunciar dada a ausência de políticas públicas que protejam essa população e as negligências presentes nos próprios órgãos de acolhimento. Atualmente, as Delegacias de Defesa da Mulher, ainda que muito tardiamente, trabalham para o atendimento dessas pessoas.
A incidência de casos é infelizmente maior em mulheres transsexuais e travestis. “A mulher que é trans, ela é mulher. Ela é atendida na Delegacia de Defesa da Mulher sem nenhum tipo de diferenciação. Eventualmente, a qualificadora pode ser acrescida por conta do preconceito. Ser mulher trans ou ser cisgênero não muda nada. As mulheres trans sofrem socialmente, já enfrentam um preconceito maior dentro da sociedade, mas perante a lei são tratadas de maneira idêntica”, expõe a delegada.
Nunca é cedo demais para denunciar. À medida que os relacionamentos, sejam eles amorosos ou sociais passam por ameaças ou agressões, sejam elas físicas ou verbais, uma denúncia salva vidas, famílias e histórias. “É muito importante ter esse sentimento de acolhimento da vítima para ela não se sentir julgada, carregar uma culpa, não se sentir constrangida, e ter coragem de relatar e registrar a ocorrência”, aconselha a delegada da 3ª Delegacia de Defesa da Mulher em São Paulo.
- Assassinatos: Feminicídios + LGBTQIA+fobia
Com base nos dados da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), cerca de 20 milhões de brasileiros e brasileiras (10% da população) se identificam como LGBTQIA +. Delas, 92,5% contaram sobre o aumento da violência contra sua comunidade. Os dados da violência foram obtidos a partir da pesquisa da organização de mídia Gênero e Número, em parceria com a Fundação Ford.
Ainda sobre a subnotificação, esse desafio impacta na vida de diversas minorias, e consequentemente, a obtenção de dados para análises que por fim resultam em medidas. Por hora, alguns estados como o Rio de Janeiro produzem relatórios sobre violência motivada por LGBTfobia, mas são exceções e eles não existem em nível federal. Portanto, a melhor alternativa passa a ser recorrer ao trabalho de organizações não-governamentais para obter dados sobre LGBTfobia no Brasil.
Em abril, o presidente Lula adotou novas medidas a fim de combater crimes contra as mulheres. Ele sancionou o funcionamento 24 horas das delegacias de mulher, uma proposta que foi aprovada em março deste ano que visa com que as mulheres sejam atendidas por mulheres, até mesmo onde não há delegacias específicas. Estes novos projetos trabalham pela segurança e vida das mulheres ao apresentar perspectivas futuras melhores que o cenário atual.
- Adoção por pessoas LGBTQIA+ e preconceito
As mães sempre passaram pelos desafios mais inacreditáveis para criar seus filhos, sejam eles biológicos ou adotivos. Com o desenvolvimento dos direitos humanos e a liberdade para serem quem são, cada vez mais os estereótipos sobre o que é ser mães são quebrados. Desde a década de 90 casais LGBTs começaram a adotar filhos, um comportamento que foi altamente criticado e continua a ser discriminado até o momento.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção individual de crianças e adolescentes por pessoa lésbica, gay, bissexual ou transgênero é possível no Brasil, levando em conta que a lei vigente não define quaisquer restrições quanto a orientação sexual ou a identidade de gênero do adotante. Por outro lado, desde uma votação em abril de 2010 na Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a adoção conjunta de crianças e adolescentes por casais do mesmo sexo no Brasil é legal.
Ainda que a lei possibilite a adoção e técnicas de reprodução assistidas para pessoas LGBT, em especial mulheres, a tentativa de construção de uma família por vezes é abalada pela discriminação, que em alguns casos compromete com a segurança dos membros chegando ao assassinato motivado pelo ódio. Novamente, as mulheres enfrentam problemas, ao crescerem no momento que exploram suas sexualidades, a sociedade não as apoia, como a partir do momento em que se tornam mães, elas assim como seus filhos e companheiras(os) passam a enfrentar a vulnerabilidade social por serem quem são. Novos formatos de ameaça surgem, assim como novas possibilidades de feminicídio interseccionados pela LGBTfobia.
“Não faz diferença. A violência doméstica não escolhe poder aquisitivo e socioeconomicamente. Ela existe em todas as esferas. Ela atinge todas as categorias de mulheres”, conclui a delegada Dannyella Gomes.