A fome infantil atinge quase 6 milhões de crianças no país, 22% das famílias são chefiadas por mulheres negras e 8% por homens brancos, os dados são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, escancarando a desigualdade social e racial no país. Os dados têm assustado especialistas, que apontam a subnutrição infantil como um risco para o desenvolvimento cerebral dos pequenos, criando carências nutricionais devido à mudança no metabolismo e o tamanho dos órgãos, o que afetará sua qualidade de vida quando se tornarem adultos, comprometendo todo o futuro de milhares de trabalhadores do Brasil.
A Sociedade Brasileira de Pediatria, detalha que a alimentação balanceada de uma criança precisa ser rica em vitaminas e nutrientes como ferro,cálcio,vitamina A,D,B12 e zinco, principalmente durante os primeiros dois anos de vida, fase determinante para o desenvolvimento cognitivo e corporal.
A pediatra, Izilda das Eiras Tâmega, professora do departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina de Sorocaba e especialista em Neonatologia e Nutrologia, explica que a desnutrição infantil afeta duas principais áreas na vida de uma criança, seu crescimento e desenvolvimento. O crescimento diz respeito ao peso e estatura das crianças, enquanto o desenvolvimento está relacionado ao amadurecimento cognitivo.
“Os primeiros dois anos de vida são fundamentais, é durante esse período que temos o crescimento cerebral, que não é um crescimento só do tamanho do cérebro mas também da qualidade funcional dele. Durante esse tempo pode haver danos irreversíveis na vida dessas crianças quando elas se tornarem adultas”, afirma a pediatra.
Após os dois anos de vida, os impactos estão mais relacionados ao crescimento corporal dessas crianças, que podem crescer menos do que o ideal para a sua idade .
Tâmega explica também que os efeitos na vida adulta de uma criança desnutrida variam justamente em relação à idade em que elas passaram pela privação de alimentos e ao tipo de investimento feito posteriormente para reverter o quadro desnutrição.
“Você não pode chegar para uma criança e falar ‘ Essa foi desnutrida, grave, não tem que investir porque não tem mais o que fazer’ Tem, tem sim. Você tem que investir o máximo pela recuperação dela”, reitera a pediatra
Algumas crianças podem inclusive ficar sem nenhuma sequela de crescimento ou desenvolvimento, mesmo tendo passado por um grave quadro de insegurança alimentar, mas isso não é possível prever ou mapear, sendo somente constatado ao longo da vida.
O professor de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Wolney Lisboa Conde, explica que além do impacto físico como atraso no crescimento, a desnutrição também ocasiona fraqueza muscular e baixa imunidade. O nutricionista esclarece quais são os efeitos mais comuns da fome no cérebro infantil.
“O cérebro é vulnerável à fome. Quando uma criança não recebe calorias suficientes, o corpo começa a consumir suas reservas de gordura e calorias armazenadas, deixando o órgão com uma quantidade insuficiente de energia para que ele funcione de maneira adequada”, esclarece o especialista.
Questões comportamentais como irritabilidade, agitação e dificuldade na concentração, o que é extremamente prejudicial para o desempenho escolar dessas crianças, também são alguns dos impactos causados pela subnutrição.
“O mau funcionamento do cérebro pode ocasionar atrasos na fala e na aprendizagem desses jovens. Além disso, na idade adulta, essa baixa qualidade da saúde infantil está associada a risco elevado de obesidade, dislipidemias, hipertensão e outras e doenças crônicas não transmissíveis além, evidentemente, da menor qualidade de vida adulta”, expõe Lisboa
O prejuízo da atividade escolar desses jovens, impactam diretamente sua vida adulta. A má formação acadêmica gera oportunidades profissionais limitadas, o que predestina esses futuros adultos a trabalharem em subempregos e em condições degradantes, aprofundando ainda mais a desigualdade social.
Segundo um levantamento feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) entre 2020 e 2021, o número de crianças e adolescentes com privação no acesso à alimentação teve um crescimento de 9,6%. Diante deste cenário, entidades do terceiro setor contribuem, mesmo que de forma pontual, para a garantia de refeições a estes jovens e suas famílias.
A Pastoral da Criança, organização vinculada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) atua em prol de comunidades carentes,auxiliando famílias e crianças. A Coordenadora da Pastoral da Criança da Zona Norte, Nanci Maria da Silva de Oliveira, explica que doações de cestas básicas, checagem da carteira de vacinação dos pequenos, acompanhamento de gestantes e o acompanhamento de altura e peso de crianças entre 0 e 6 anos são feitos são feitos por voluntários da pastoral.
"O crime em São Paulo acabou virando modelo de negócio, a partir de um momento ele passa a comprar posto, adega, ônibus e vários outros negócios. De repente o traficante não é mais o traficante e sim o empresário, que dá dinheiro para a igreja e é evangélico, então você acaba perdendo o rastro desse dinheiro sujo".
A análise é do jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e vencedor do prêmio Jabuti, Bruno Paes Manso. O autor de "República das Milícias: dos Esquadrões da Morte à Era Bolsonaro" e "A Guerra: A ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil" voltou ao seu lugar de formação para participar de uma entrevista coletiva ao Contraponto Digital da PUC-SP.
O jornalista respondeu perguntas variadas desde como foi o processo de escrever o livro: métodos jornalísticos que usou, quais estratégias de checagem de fatos e até mesmo decidir o que entraria ou não nas 304 páginas. Ele contou sobre a forma como "República das Milícias" se tornou um sucesso que até virou podcast e sobre suas experiências enquanto produzia a obra.
As páginas do livro narram a história do nascimento das milícias no Brasil desde o começo: dos esquadrões da morte formados nos anos 1960; da ditadura militar; do domínio do tráfico nas décadas de 1980 e 1990; das máfias de caça-níquel e da ascensão de milicianos e seus negócios.
Surgida numa pequena comunidade rural na Zona Oeste do Rio, as milícias foram ganhando poder político e econômico a partir dos anos 1990, auge da violência e do poder do tráfico, em conflito com a polícia e entre diferentes facções. Bruno responde uma dúvida silenciada por anos pela polícia: viver sob o tráfico ou a milícia?
Passando por um dos mais emblemáticos crimes da história brasileira, o assassinato da vereadora Marielle Franco, e revelando relações com o poder, principalmente com a família do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que se tornou personagem do livro “A república das milícias”.
Para apurar uma história tão delicada, Bruno entrevista milicianos e ex-milicianos. Ele descreveu no livro, uma entrevista com o personagem chamado de Pescador, em que a entrevista aconteceu em um local cheio de aves para evitar gravações. Ele explicou que para conseguir as respostas que deseja, se coloca no lugar do entrevistado e não se permite julgar a vivência de cada um.
O autor não deixou de fora da coletiva novas informações sobre seu novo livro. "Fé e fuzil" será lançado no segundo semestre deste ano, e vai tratar das Igrejas evangélicas e dos crimes que justificados pela fé.
Confira os destaques da entrevista:
Contraponto Digital: A milícia brasileira é uma das mais organizadas do mundo, como o colonialismo influenciou na expansão e instalação desses grupos?
Bruno: Todas as questões que eu escrevo, se for parar para pensar na violência, estão muito ligadas ao processo de urbanização do Brasil, uma história que a gente está escrevendo até hoje. Estamos falando de um país onde 70% era rural e a maioria das pessoas morava no campo, historias de escravidão, letifundios, coroneis e ao mesmo tempo trabalhando na terra e a sua relação com a igreja, principalmente o catolicismo. Essa cultura de alguma forma funcionava, apesar de ser um país violento essa ordem acabou sendo estabelecida.
Em 1950, os veículos de comunicação em massa criam nas pessoas uma ideia de que aquele mundo estagnado, hierárquico e sem possibilidades na verdade não era real e que essa possibilidade existia sim. A Partir disso uma nova realidade surgiu e as pessoas passaram a migrar para a cidades e o Brasil passa a ser majoritariamente urbano e esses dois mundos passam a coexistir, com muito estranhamento e preconceitos.
As milícias são o auge do bolsonarismo, houve alguma mudança no modus operandi das organizações com o início do governo Lula?
No caso da vitória do Lula, em primeiro lugar eu acho que nós corríamos um certo risco no segundo mandato do Bolsonaro de todos os avanços no sentido de um governo autoritário e esse conflito e convicção que eles estão em defesa do bem. A gente está passando por uma transição muito grande no mundo em que vivemos.
O Lula surge como uma possibilidade de voltar a discutir de uma forma mais racional e menos apaixonada de acabar com a guerra, de propor uma pacificação. Só que é muito difícil você propor racionalidade em um mundo que está pegando fogo, então apesar de ele representar isso, ele encontra dificuldade em fazer acordos com os representantes dessas organizações.
Você pode comentar mais sobre essa conexão de masculinidade x violência e comparar com outros livros que já escreveu? Por exemplo, o livro sobre o PCC.
Você tem essa ideia que faz parte da produção do estado moderno, onde esse estado se forma a partir do momento em que ele consegue exercer o monopólio legítimo da força. Isso significa que só o estado pode usar da violência quando as pessoas desrespeitam a lei. Essa ideia de você ver a violência como uma forma pedagógica faz parte da produção da civilização.
Ao passar do tempo passa a ser discutido que o poder quando ele precisa usar a violência é porque ele deixa de ter o poder. Se você precisa usar disso o tempo todo para que os outros obedeçam e essa é uma das questões da violência brasileira é que não existe um pacto coletivo sobre esses termos. Existe uma mega injustiça e desigualdade, você não é capaz de produzir esse tipo de liderança e obediência, você usa a violência porque o poder é frágil.
O bolsonarismo chegou em São Paulo na figura de Tarcísio de Freitas, novo governador do estado. Você acha que o PCC corre o risco de perder o monopólio do crime para as milícias com a chegada dele? Uma vez que o Governador Tarcísio elogiou muito o modelo de segurança do Rio de Janeiro.
A questão com São Paulo, ele foi tomado pelo PCC, é que o estado foi tomado de uma outra forma, existe um outro tipo de gestão, um outro tipo de negócio. O crime em São Paulo acabou virando modelo de negócio, a partir de um momento ele passa a comprar posto, adega, ônibus e vários outros negócios. De repente o traficante não é mais o traficante e sim o empresário, que dá dinheiro para a igreja e é evangélico, então você acaba perdendo o rastro desse dinheiro sujo.
Você cria uma nova forma de marra, o traficante passa a fazer parte de ONGS e negócios internacionais formando uma nova cena empresarial, ao estado hoje só cabe permitir que esses estados continuem acontecendo. O PCC virou esse grande governo desse mundo, o modelo de milícia do Rio de Janeiro é outro.
A mídia, sobretudo os programas policiais, como Brasil Urgente e Cidade Alerta, ajudaram a consolidar o discurso das milícias dentro da sociedade, especialmente nas comunidades? Já que esses programas exaltam a força policial em detrimento de alguém que cometeu um crime?
Eu acho que sim, esses programas acabam acirrando essa ideia de guerra ao crime mas tem uma camada de diferença nas redes sociais, porque apesar dos programas falarem isso o diálogo não deixava de acontecer. O problema nas redes é que elas passam a isolar esses mundos, se transformando em uma grande guerra de ideais. Nos programas as pessoas que dão as caras ao vivo, podem ser responsabilizadas aqui fora. Com o tempo eu acabei me tornado menos crítico sobre isso.
Qual foi o raciocínio feito na realização do livro? Primeiro vieram os dados, pesquisa histórica e entrevistas, ou tudo se misturou? Você pensou em desistir de escrever o livro em algum momento quando a apuração estava difícil?
A estrutura do livro é algo que eu tenho repetido nos três livros, é algo que acabou virando um modelo meu, eu parto da notícia quente, então a partir desse fato quente, procuro explicar como isso aconteceu, eu volto na história. Meu interesse vem dos discursos e das ideias que passam a se espalhar pelos outros. A construção geralmente inicia com a descrição desse fato quente e em algum momento do livro eu volto para construir o arco narrativo para os leitores.
Toda investigação começa por perguntas que você faz e o que você busca, a investigação começa por perguntas que talvez depois você perceba que as pessoas também não tem resposta. Eu tive muita sorte escrevendo A república das milícias, deu tudo muito certo em encontrar os personagens. Assim que eu entrevistei o Lobo, já sabia que ia ser o personagem que iria abrir o livro e eu faria a ligação ao Bolsonaro, sem precisar forçar a barra para falar sobre.
Como traçar o limite entre a curiosidade e o necessário para conduzir a entrevista, para conseguir as informações que precisa?
Eu vejo o jornalismo como terapia, deixo meus entrevistados falarem o que sentirem a vontade e só falo com eles se for apresentado por alguém que eles confiem. O importante é eles sentirem que podem falar comigo, muitas vezes eles querem ter suas histórias contadas.
É fundamental ter suas perguntas muito claras, saber qual seu produto final e o que você precisa. O que vale são as histórias que o entrevistado vai te contar, o que ele se sentir confortável para compartilhar com você.
“Quando a pandemia veio e fiquei sem trabalhar, entrei em desespero. Não tinha quem me ajudasse, não tinha para onde correr. Era usar o dinheiro do auxílio para não deixar meus filhos passarem fome,” declara Fabiana Santos, mulher preta e mãe solo de dois filhos. Mulheres em maternidade solitária são mais vulneráveis e têm maiores chances de experimentarem dificuldades financeiras, desemprego ou subemprego, insegurança alimentar e nutricional, falta de moradia ou habitação inadequada, riscos para a saúde e violência.
Os dados gerais levantados na última pesquisa do IBGE, mostram que dentro dos casos severos de fome no Brasil, a IAN (Insegurança Alimentar e Nutricional) grave, atinge 51,9% das famílias chefiadas por mulheres. A problemática se agrava ainda mais quando se analisa o recorte de mães solo pretas: elas são as mais afetadas pela insegurança alimentar. Segundo dados levantados pelo Datafolha, a cada cinco lares comandados por esse grupo, um acaba passando por subnutrição.
Luiza Pires, diretora do Centro de Pesquisas em Macroeconomia das Desigualdades (MADE) da FEA-USP, explica que as mulheres, historicamente, foram responsabilizadas com a tarefa de cuidado do lar, "isso acaba sendo uma responsabilidade financeira também, é ela quem vai se preocupar em colocar comida na mesa para os filhos."
Analisando os dados fornecidos pelo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar nos anos de 2021 e 2022, conduzidos pela Rede PENSSAN, o país atingiu o número de 33 milhões de brasileiros passando fome. Esse número reflete a desigualdade tanto regional, - concentrada principalmente entre o Norte e Nordeste - quanto a social. Fica claro, portanto, que a fome tem agravante racial no país, já que, pela pesquisa, 65% dos lares comandados por pessoas pretas ou pardas acabam sofrendo com algum tipo de insegurança alimentar.
O desamparo e medo da maternidade solo no Brasil:
Luciana de Carvalho é mãe solo de uma menina de 8 anos. Ela alega que não conta com nenhuma ajuda do Estado e nem sabe se tem acesso a algum projeto. Carvalho cuida da filha completamente sozinha desde que a mãe faleceu em 2020. Sua ajuda mais próxima está na irmã, que mora a uma hora de distância.
A falta de uma rede de apoio é o caso da maioria das mães solos do país. Luciana é apenas um dos casos de mulheres que têm que dar conta da dupla jornada. Para ela, conciliar a maternidade com trabalho é o maior desafio: “Depois de ter filho e não ter com quem dividir, tive que me adaptar e fazer trabalho só home office. Salário muito menor e outra função.”
Pires comenta sobre o conceito chamado “Pobreza de Tempo”, que de acordo com dados levantados por pesquisas da ONU, as mulheres são as mais afetadas pelo problema. Com o excesso de atividades como trabalho, cuidados domésticos e dos filhos ocorre a negligência com os próprios cuidados, sejam físicos e mentais, levando ao adoecimento e desequilíbrio na rotina familiar.
Para as mulheres negras, o agravante da situação está no racismo estrutural. A taxa de desemprego desse grupo é muito maior que a taxa de desemprego geral, que estava em 9% e para as mulheres negras era de 14%. Elas recebem menos que o salário médio dos homens e mulheres brancos. Ainda, "as mulheres negras estão em empregos com salários menores, e são responsabilizadas igualmente pelo cuidado", afirma Pires.
Outro ponto que a especialista explica é a diferença da rede de apoio entre as mulheres brancas e negras: "a mulher branca sai para trabalhar e deixa os filhos com outra pessoa cuidando, as mulheres negras, na maioria das vezes, não têm essa opção e geralmente depende de um familiar que possa lhe ajudar."
Fabiana Santos, trabalha como auxiliar de limpeza e é moradora da periferia da Vila Maria - Zona Norte de São Paulo, lida com a maternidade solo de seus dois filhos. O mais novo é um bebê de 10 meses. Santos diz que tinha dificuldade até na amamentação pois não tinha como se alimentar direito e faltavam nutrientes para a produção do leite: “minha anemia na época era grave. Não conseguia me alimentar, muito menos amamentar meu filho.” Ela teve que complementar a alimentação do bebê e ao comprar fraldas, via quase todo o auxílio do governo indo embora.
“Eu como mulher e mãe solo sinto na pele todo dia o que é o abandono. Tudo que consegui foi trabalhando muito e sozinha. Hoje com meu emprego consigo pagar minhas contas e garantir que meus filhos estejam seguros, essa sempre foi minha maior preocupação” descreve a auxiliar de limpeza. Para Santos, os planos de auxílio do governo não foram suficientes para garantir sua estabilidade: “eles me ajudaram, claro. Mas falta muito para que um dia eu me sinta segura em qualquer situação de crise.”
Sobre sua rede de apoio Fabiana compartilha que quem vigia seus filhos enquanto trabalha é sua irmã, e relata a importância dessa rede para mães solo. “Ela é minha única ajuda. Quando arranjei meu trabalho pedi a ela que tomasse conta dos meus filhos. Sem ela a situação seria muito difícil.”
A tentativa de melhora dentro da perspectiva brasileira:
Thais Cassapian, organizadora do Coletivo de Apoio à Maternidade Solo, aponta que: "as mulheres negras crescem num contexto social com muito menos acesso à educação e à saúde, e o impacto desse racismo estrutural é amplificado e sentido nesse círculo social.” Para ela, as mães solos e mulheres negras devem ser priorizadas e que a discussão passa pela questão da igualdade. "A pessoa que tem menos, precisa receber mais (auxílio). Ela precisa ser garantida de todos os direitos básicos que foram negligenciados por tanto tempo."
O Coletivo surgiu no primeiro mês da pandemia. Thais começou ajudando duas mulheres em situação de necessidade e foi crescendo gradativamente, sempre colaborando com alimentação dessas famílias chefiadas por mães solo. Hoje, são 210 mulheres sendo ajudadas e 70 colaboradoras no projeto. Para elas, o diferencial é levar até a porta de cada mulher que precisa de ajuda um kit de alimentos. "O coletivo se propõe a ser um apoio efetivo na vida dessas mulheres."
A cesta básica tem pelo menos 16 itens e são variados. Frutas e verduras frescas, ovos, biscoitos. Além disso, também há o kit higiene, que cobre de fraldas à absorventes, roupas e até fórmulas para os bebês que precisam de suplementos além do leite materno.
O Coletivo de Apoio à Maternidade Solo também é uma forma de amenizar a insegurança alimentar nas famílias chefiadas por mães solos. Em sua devida proporção, atua em três frentes, sempre priorizando as mulheres. Além dos kits que são entregues nas portas, o projeto promove rodas de conversa presenciais para dar espaço para essas mães compartilharem suas experiências e ter um momento para elas. E, iniciado recentemente, o projeto de cursos profissionalizantes que tem a duração de um trimestre.
Ainda, é necessário um acompanhamento social diferenciado para essas mulheres que vivenciam a maternidade solitária na condição de pobreza através de programas e ações que promovam o cuidado especial desse grupo. A organizadora do coletivo afirma que "são necessárias políticas públicas direcionadas a esse grupo e principalmente, que atuem no recorte racial."
No viés das políticas públicas, retomado neste primeiro trimestre, o Bolsa Família tem o valor mínimo de R$600 e valor extra para famílias com gestantes, crianças e adolescentes. Esse é o início do plano do presidente Lula para reverter a situação atual da fome no Brasil.
O governo anterior deixou para as políticas de combate à fome um legado que inclui desorganização e desarticulação dos programas, poucos servidores e orçamento baixo no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023.
Uma parte da estratégia nova também deve ser a divulgação para tornar essas políticas públicas de fácil acesso. Às vezes, a população nem sabe se pode receber alguma ajuda.
Em fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reativou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que reúne sociedades civis na discussão do tema. O órgão, criado em 1993 e foi desativado em 2019 por Bolsonaro, acompanha diretamente a Presidência da República em políticas públicas de combate à fome. Também reajustou em 39% os repasses feitos a estados e municípios para o Programa de Alimentação Escolar (PNAE), que garante a compra de merenda escolar e ficou 5 anos sem correção com defasagem de 35% no período. Dessa forma, a medida deve beneficiar 40 milhões de estudantes de escolas públicas. Em março, Lula relançou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em seu primeiro governo no âmbito do Fome Zero.
A especialista Pires expõe a importância de trazer dados sobre essa desigualdade à público “somos responsáveis por visibilizar a questão e apontar políticas públicas que visam reduzir o problema.” Trazendo dados para o Congresso e criando identidade para reformar o sistema, Luiza acredita que mudanças podem ser consideradas.
As imagens de desnutrição das crianças Yanomami chocaram o mundo no início do ano são consequências de uma demora no tratamento da desnutrição severa, que se tornou algo crônico. Especialistas explicam que o uso de alimentos naturais, a prática de atividades físicas e a atuação emergencial do governo com a retomada do atendimento primário no território, são essenciais para a reversão do quadro.
“É uma situação muito alarmante e muito preocupante e tudo isso que vocês estão vendo nas redes sociais é uma irresponsabilidade do governo brasileiro de proteger o meu povo Yanomami, aqui no estado de Roraima” conta o líder da comunidade, Dario Yanomami.
De acordo com o Departamento de Atenção Primária à Saúde do Indígena, em 2015, entre 3516 crianças que estavam sob os cuidados do departamento, 1059 estavam com peso baixo e 666 com peso muito baixo para a idade, isso representa 49% das crianças. Em 2021, a situação se agravou, tendo 56,5% das crianças com algum déficit de peso. Segundo dados obtidos pela agência Samaúma, 570 crianças de até cinco anos morreram de doenças evitáveis na TY, entre 2019 e 2022, um aumento de 29% em relação a 2015-2018.
A desnutrição grave não é só a perda de peso acentuada, mas também representa a falta de vitaminas e nutrientes importantes, que dependendo da carência de cada organismo, pode causar problemas de pele, de visão e até neurológicos.
Para reverter esse quadro, é necessário uma série de ações complexas e bem planejadas. "O primeiro passo é oferecer o que está faltando, a suplementação de comida e tratamento adequado para cada quadro” explica a nutricionista e voluntária nas Terras Yanomami, Gabriela Mendes. Assim a pessoa é tirada do risco iminente de morte. O tratamento depende de uma rotina intensa de acompanhamento por monitores de saúde e nutrição.
A atividade física é igualmente importante no controle do tratamento da desnutrição, pois o objetivo da recuperação nutricional não é só ganho de peso e de tecido gorduroso, mas também de massa muscular.
Os alimentos originários da Terra Yanomami, como banana e açaí, podem ajudar nesse processo, ao contrário das opções ultra processadas que vemos nos mercados. “No início foram identificadas falhas neste sentido, pois o tipo de alimentos que estava chegando não respondia aos hábitos alimentares das comunidades e também não atendia às necessidades de recuperação rápida da saúde das pessoas mais atingidas”, conta Luís Ventura, secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Após o envio de muitos alertas por organizações indígenas e seus aliados, houve um esforço para a adequação dessas medidas. Por isso Ventura reforça que a atuação do governo deve ser construída em diálogo com as organizações indígenas e com as entidades que têm conhecimento do terreno.
“Somos cidadãos brasileiros, somos povo originário, somos povo Yanomami. Então isso é uma responsabilidade do Estado. Como qualquer povo brasileiro, o Estado tem que cuidar do povo indígena” diz Dario.
Com o decorrer do tempo, o corpo passa por transformações muitas vezes irreversíveis. Quando uma pessoa passa muito tempo com uma dieta carente de alimentos e nutrientes, o corpo e seu metabolismo passam por mudanças. Ele passa a ser mais devagar, e produz menos enzimas digestivas. “Há redução da área absortiva, e as células passam a não estarem preparadas para metabolizar uma quantidade elevada de energia”, explica Mendes.
As medidas emergenciais necessárias para atuar com pessoas em risco de morte são fundamentais. “O atendimento dentro do território indígena sempre foi precarizado pelos anos de abandono da política de saúde, isso exigiu que muitas pessoas fossem removidas para a cidade para serem ali atendidas”, comenta o secretário.
Quando ficam doentes, os Yanomami são encaminhados para as instalações da Casa de Saúde Indígena (CASAI). Quando o caso é grave, eles são resgatados e levados para o atendimento de helicóptero até o hospital de campanha da força aérea montado na capital de Roraima, Boa Vista ou unidades de saúde do estado. Com a quantidade gritante de casos que precisam dessa atenção redobrada, essas instalações tiveram pouco tempo para atender uma população muito além da sua capacidade.
Para que a recuperação dessa comunidade tenha sucesso é necessário que alguns fatores andem juntos, como o atendimento emergencial, para a recuperação da saúde básica das pessoas e o fortalecimento do atendimento à saúde nas comunidades, para manter o progresso já feito. Também é necessária a recuperação das pistas de pouso, para o abastecimento das estruturas de atendimento básico. Por fim, “o fortalecimento do Distrito de Saúde Indígena Yanomami (DSEI-Y), que é quem deverá ficar em território depois da fase emergencial e, evidentemente, a retirada dos fatores de risco, que estão vinculados à desintrusão do garimpo", explica Luís Ventura.
Conciliar a atuação emergencial com a retomada do atendimento primário e com medidas culturalmente adequadas ao povo Yanomami, depende principalmente da retirada do garimpo na região. Só com um território livre do garimpo, as condições para que as comunidades tenham acesso de novo às fontes tradicionais de alimento poderão ser recuperadas.
O líder Yanomami conta que as comunidades que estão na fronteira Brasil-Venezuela, têm assistência. São 37 polos base mas, pelo menos 8 foram fechados por ameaças de garimpeiros ilegais. “Faltam profissionais para cuidar da nossa segurança, da segurança das nossas famílias e das nossas crianças”.
O garimpo ilegal e a contaminação por mercúrio
Os Yanomami têm vasto conhecimento sobre as suas terras e historicamente sobrevivem da coleta, além de pesca e caça. Mesmo assim, sua sobrevivência vem sendo ameaçada pela contaminação das águas e do solo pelo garimpo ilegal, prática que é uma das maiores causas da desnutrição severa que atinge esse povo indígena.
Em 2021, a destruição causada pelo garimpo no Território Indigena Yanomami (TIY) cresceu em 46%. Dados do Instituto Nacional de Investigação Espacial (INPE) indicam que a desflorestação nas terras indígenas Yanomami aumentou 516% entre os anos de 2019 e 2020 em comparação aos anos anteriores (2017 e 2018). Nos últimos dois anos, foram desmatados 39,1 quilómetros quadrados, o equivalente a 3,9 mil campos de futebol. No período anterior, a desflorestação foi de 6,34 quilômetros quadrados.
As mortes dos indígenas nesse caso, ocorrem direta ou indiretamente por causa do garimpo ilegal. Durante o governo Bolsonaro, haviam pelo menos 98 pontos ativos de garimpagem ilegal de ouro ativos no interior na TIY, segundo a Rede Amazônica de Informação Socioambiental (RAISG). Sua intensidade e escala cresceram de maneira exponencial nos últimos cinco anos.
Dos 37 polos-base do Distrito Sanitário existentes, pelo menos 18 possuem registro de algum desmatamento relacionado ao garimpo. Assim, o número de comunidades afetadas diretamente seria 273, abrangendo mais de 16.000 pessoas, ou 56% da população da TIY.
As populações residentes próximas às áreas de garimpo apresentam a maior ingestão de mercúrio. A contaminação dos rios e solo pela lama tóxica de mercúrio fazem com que os alimentos estejam contaminados. Isso impossibilita o consumo e resulta na desnutrição, uma vez que o peixe é a principal fonte de proteína das populações indígenas.
Dario conta que a região do Xitei é a mais afetada pelo garimpo ilegal. “Eles ficam muito perto das aldeias. Eles estão destruindo os rios aonde as crianças bebem água. Está totalmente poluído, com mercúrio e cheio de malária. As crianças ficam desnutridas por conta das doenças.”
No dia 20 de janeiro, o governo federal decretou estado de emergência de saúde pública, para conseguir viabilizar a assistência necessária. Dez dias depois, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assinou um decreto para dar poder às Forças Armadas e aos ministérios da Defesa, Saúde, do Desenvolvimento Social, da Família e dos Povos Indígenas para barrar a atuação de garimpeiros ilegais nas terras indígenas. Os casos de desnutrição foram expostos pelo próprio presidente em visita ao Estado, no dia 21 de janeiro.
Essas medidas vêm com o intuito de melhorar a condição dos Yanomami. Mas, como eles sofrem com os mesmos problemas desde os anos 50, é muito difícil voltar à vida que tinham antes.
A antropóloga Joana Bonfim explica que o primeiro ponto para o controle do garimpo ilegal na TIY, seria o desenvolvimento e a retomada de uma estratégia de Proteção Territorial consistente. Além de uma reiteração do papel real da Fundação do Índio (FUNAI) para garantir o direito geral dos Yanomami. “Para além de um alinhamento estatal, é necessária uma mudança do modo de agir do sistema como um todo, em especial sua relação com a Terra”, completa.
Existem grandes diferenças sobre o modo como o último governo atuou em comparação ao atual, sob a lente socioambiental. O Ministério do Meio Ambiente, que antes era vinculado ao Ministério da Agricultura, agora tem a sua própria gestão. Além da criação de um novo ministério dedicado aos povos originários. “Juntamente a essas mudanças, o atual governo deve fiscalizar ativamente pontos ativos de garimpagem na TIY e auxiliar na proteção desse território, que é um direito constitucional”, afirma Joana. O Estado brasileiro é responsável pela prevenção e repressão das atividades mineiras ilegais e da utilização do mercúrio em terras indígenas, a fim de proteger o ambiente, as populações indígenas e o próprio ouro.
“Isso é uma crise sanitária desumana, é um resultado dos invasores na terra indígena Yanomami”, ressalta o líder indígena.
A força-tarefa que atua nas Terras Yanomami indica que, desde o início da operação iniciada pelo atual presidente no dia 20 de janeiro, foram destruídos 272 acampamentos de garimpeiros ilegais na região. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, também foram apreendidos e inutilizados equipamentos como máquinas para extração de minérios, motosserra, mercúrio, modens de internet via satélite, celulares, uma tonelada de alimentos, armas e munições.
Recentemente, o espaço aéreo na Terra Yanomami foi fechado na tentativa de frear a ação desses garimpeiros, mas isso não é suficiente para acabar com esse problema que vem se postergando há décadas e nunca foi resolvido. "Ao médio e longo prazo precisamos de políticas públicas que foquem na autossuficiência desses povos, para que eles possam suprir suas necessidades de forma que não se crie dependência com não-indígenas", diz Mendes.
A fim de melhorar as condições de vida dos indígenas Yanomami, o Governo Lula deve fiscalizar pontos ativos de garimpo na TIY e auxiliar na proteção desse território, que é um direito constitucional. “Ainda não sabemos qual serão as maiores dificuldades do povo Yanomami ao longo prazo já que garimpo deixa sequelas de destruição ambiental e de contaminação de solos e de fontes de água que vão requerer um tempo para serem recuperadas”, finaliza Ventura.
“O garimpo ilegal destrói e mata o ser humano, mata a natureza, mata os rios e mata as crianças”, Dario faz questão de realçar.
Uma pesquisa publicada na revista científica JAMA pediatrics revela que jovens LGBTQIAP+ tem uma chance 50% maior de desenvolver quadros depressivos em relação aos que são heterossexuais e cisgênero, situação preocupante, ainda mais em um país como o Brasil, que pouco faz pela saúde mental destas pessoas.
O estado de São Paulo conta com os CAPS (Centro de Assistência Psicossocial), com os Centros de acolhida (voltados para a população de rua) e os CCAs (Centro para Crianças e Adolescentes), entretanto, desde a posse como governador do PSDBista João Dória, estes meios de tratamento foram sucateados. A diretora de comunicação do projeto Canto Baobá e pós-graduanda em Sexo, Gênero e Direitos Humanos, Juliana Ribeiro, fala da situação destes aparatos: “Tem muita gente boa dentro desses mecanismos públicos, que estão articulando junto com o Canto e com outras esferas públicas, e conseguindo ali levar o seu trabalho, não da melhor forma possível, não da forma com que gostariam de levar, mas que estão conseguindo se mobilizar.”
O Canto Baobá, é um projeto criado pelos psicólogos Ana Albuquerque e Douglas Felix, que busca atender pessoas em situação de vulnerabilidade social e levar para além da sala de consultas o combate ao racismo, à LGBTQIAP+fobia e a todos os tipos de violência. Hoje conta com 38 psicólogos, que atendem cerca de 850 pessoas. Entretanto, o projeto não consegue atender todos os seus pacientes de forma gratuita ou com pagamento de valor simbólico.
Para Juliana, é fundamental que existam projetos como o Baobá, mas também é necessária uma abertura daqueles que não fazem parte das populações oprimidas: “Muitas pessoas não conseguem ver o racismo acontecendo no dia a dia, porque provavelmente são pessoas brancas, né? E que, realmente não são impactadas com as violências, são, inclusive, as que continuam mantendo essas violências no poder.”
Segundo um relatório do Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), o Brasil é há 13 anos o país que mais mata pessoas transgênero no mundo, somente em 2022, foram 131 homicídios notificados, número que se encontra defasado, já que dos 26 estados da federação, 11 não tem dados sobre LGBTQIAP+fobia. Segundo Ribeiro, este cenário nunca vai mudar sem que falemos desses assuntos: “A gente tem que falar, a gente precisa falar, ninguém aqui vai ficar quieto, não dá mais. Não é porque não é você que passa, você que sente, você que sabe, mas a partir do momento que você entra aqui, você vai ouvir e talvez isso seja incômodo, por quê finalmente, você está começando a olhar para essas questões.”