“Quem está inserido em uma realidade de extrema exclusão, tem maior chance de usar a droga como válvula de escape dessa realidade”, adverte Marcelo Ribeiro, 53, médico psiquiatra que foi diretor do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas por 10 anos. O doutor explica que do ponto de vista neurobiológico, qualquer privação ou exclusão aumenta o risco de um indivíduo consumir drogas.
O estresse é um grande fator de risco para a introdução do vício. “Se pensarmos em alguém que nasceu em um ambiente de exclusão social, sem apoio nenhum do estado, com uma estrutura familiar desestabilizada, essa pessoa está altamente exposta ao risco de utilizar substâncias, principalmente se tiver contato com o narcotráfico", explica Ribeiro.
O consumo de drogas pode ser atrelado a múltiplos fatores tornando essencial uma meticulosa compreensão de cada caso. Seu uso, com frequência, está ligado à desigualdade social. Entretanto, o consumo de entorpecentes é visto de forma moralista e individualista culpabilizando o usuário. “O que seria um consumo problemático ou não problemático na vida de quem não tem nada, de quem passa fome, frio e dorme no chão?”, questiona Marcelo.
Antes de procurar o crack, a pessoa marginalizada recorre a produtos baratos e de fácil acessibilidade, como o álcool, solventes, cola de sapateiro, thinner e acetona.
“O álcool, por ser muito barato, viabiliza o acesso de pessoas que têm poucas condições econômicas. A substância possui efeito psicoativo muito intenso e pode provocar dependência severa, até pior que a do crack, do ponto de vista fisiológico”. A cola de sapateiro sofreu algumas regulamentações o que diminuiu a circulação do produto e paralelamente, fez com que o crack tivesse uma penetração muito grande.
O crack é a droga mais consumida pela população extremamente vulnerável, mas ele não surge assim, visto que é um derivado da cocaína. Porém, quando a droga é produzida em grande quantidade, por ser uma substância muito danosa e de absorção muito rápida, se popularizou.
Outro fator que aumenta a popularidade do entorpecente é o preço. "Pessoas absolutamente excluídas vão precisar de drogas que possuem opções de varejo melhores, o crack pode ser comprado de diversas formas, uma pedra de 5 gramas, lascas do químico ou uma fumada por um real, é uma substância que possui apresentações economicamente mais possíveis”, aponta Marcelo.
Ribeiro realizou um estudo que explica: “Uma pessoa no topo de uma estruturação social tem menos de 10% de chance de desenvolver dependência por uma substância, já quem está no pólo inferior, em situação de insegurança alimentar e habitacional, tem pelo menos 33,3% de chance de vir a desenvolver dependência por uma substância”
Em entrevista, Maurício Fiore, mestre em Antropologia Social pela USP, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), esclareceu que, se sabe que os padrões do uso de drogas, não está relacionado diretamente a contextos de fome especificamente. “Para ter uma relação científica, é necessário dizer que todas as pessoas que passam fome vão consumir algum tipo de droga, o que não é verdade”, explica o pesquisador.
O que acontece é que no Brasil, a fome tem associação especialmente com pessoas em situação de vulnerabilidade e de rua, que podem encontrar no uso de drogas uma forma de aliviar todos seus sofrimentos, incluindo a fome. Fiore explica: “A fome por si só é um problema que se juntada ao uso de drogas, pode formar um problema ainda maior”.
A situação de miséria no Brasil é histórica e estrutural, por conta disso, a população em situação de rua muitas vezes é taxada como consumidores problemáticos de drogas, mas na verdade existe um acúmulo de problemas. “Quando analisamos esses indivíduos, é possível ver uma trajetória marcada por rompimentos, dificuldade de relação com o mercado de trabalho, com a polícia, com a justiça criminal, uma somatória de fatores”, completa Maurício.
Em uma ação do grupo Ondas de Amor, sediado na Lapa, bairro da zona oeste de São Paulo, que promove, quinzenalmente, café da manhã e kit de higiene básico para pessoas carentes. Davanei, 32, morador em situação de rua que participava da ação, contou que é usuário de entorpecentes desde os 13 anos de idade. “Faz 19 anos que sou usuário, comecei cheirando cola e agora tô no crack”, diz.
O crack afeta a química do cérebro do usuário, causando euforia, alegria, suprema confiança, perda de apetite, insônia, aumento da energia, desejo por mais crack, e paranóia potencial (que termina após o uso). Devanei conta que ao usar a substância não sente fome, sono nem sede, apenas vontade de fumar de novo, “com o crack você não é dono nem da sua própria vida”.
Ele conta que começou a usar drogas porque foi expulso de casa aos 12 anos, o que fez com que ele vivesse inúmeras situações de insalubridade. A falta de alimento pode levar a uma alimentação inadequada e à escassez de nutrientes necessários para o corpo, o que pode ter consequências negativas para a saúde mental e física. Isso pode aumentar a vulnerabilidade de uma pessoa ao uso de drogas, especialmente se ela estiver enfrentando outros fatores de risco, como estresse, ansiedade, depressão ou traumas.
A dependência química afeta a capacidade das pessoas de conseguir empregos e manter sua subsistência. Sem um emprego formal, sem o auxílio de familiares e do poder público, os dependentes químicos se vêem na responsabilidade de usarem o pouco que ganham na rua para saciar seu vício. A falta de uma alimentação, a vida instável da rua e o uso constante de drogas por essa camada da sociedade, os levam a um ciclo vicioso.
“Meu filho chegou a se alimentar de papel higiênico e de creme dental para matar a fome, enquanto estava preso”, conta Miriam Nunes, uma das fundadoras da Associação de Familiares e Amigos de Presos (Amparar). Com voz trêmula e olhos marejados, ela explica que a comida não é servida na quantidade e qualidade para que uma pessoa se mantenha saudável.
Dentre as 96 penitenciárias de São Paulo, a fome é uma reclamação dos detentos na maioria delas. Segundo o ex-conselheiro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Ribamar Araújo, “se naturalizou que, mesmo estando sob custódia do Estado, essas pessoas passam fome.”
“A questão da comida no sistema prisional é: a comida é pouca. Se chega um café da manhã, um almoço, eles comem em horários desregulados. Muitas vezes, passam mais de 24 horas sem se alimentar”, aponta Miriam.
Ela fundou a Amparar ao notar as condições de seu filho, na época em que foi preso na antiga Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (FEBEM). No mesmo período, recebeu diversas denúncias de que os adolescentes apreendidos estavam em condições deploráveis e insalubres.
“Nós ficamos muito preocupadas, porque eles estão num ‘cemitério de mortos-vivos’. Na Amparar, acreditamos que isso seja uma jogada para eles não conseguirem pensar, para eles não terem energia de pensar. A fome é uma forma de ter controle desses corpos”, afirma.
Ela contou ainda que o trabalho da Associação começou através do fortalecimento entre familiares que não se sentiam amparados por nenhum órgão público. As voluntárias visitam Centros de Detenção Provisória (CDP) e oferecem atendimento individual de apoio às famílias.
A população carcerária em São Paulo chegou a 209 mil pessoas no ano de 2022, de acordo com informações da Defensoria Pública. Ribamar, ex-conselheiro do Consea, já visitou penitenciárias em todas as 27 unidades da federação para estudar o tema que aponta ser problema em praticamente todo o território nacional.
“Por uma questão de economia de combustível, em alguns casos, o transporte responsável pela comida dos detentos já leva café, almoço e janta. Então, o almoço é servido frio e, a janta, azeda”, conta.
Segundo ele, frequentemente as refeições são atrasadas por questões pessoais dos funcionários. Quando um deles está de mau humor, por exemplo, a entrega da alimentação é oferecida ainda mais tarde do que o previsto.
Ribamar aponta que comportamentos assim fazem os detentos passarem longas horas sem comer, os colocando em uma situação de insegurança ainda mais delicada. Ainda assim, o ex-conselheiro do Consea explica que o Estado tem consciência sobre o problema da fome nos presídios, e a usa como uma ferramenta de punição.
Para ele, a negação do Direito Humano à Alimentação Adequada, converte-se em vetor de tratamento cruel, desumano e degradante. “A fome é uma ferramenta de tortura, e a pena de fome condena as pessoas à pena de morte”, afirma.
Vale lembrar que a Constituição Federal de 1988, através da Lei de Execução Penal, garante o direito à alimentação adequada para a população privada de liberdade. Como garantido no Artigo 12, “a assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas”. Já no Artigo 40, impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios; E por fim, o Artigo 41, que constituem os direitos do preso: alimentação suficiente e vestuário”.
Para Luciana Zaffalon, diretora-executiva do JUSTA (ONG responsável por facilitar o entendimento e a visualização pela melhora da segurança pública e da justiça criminal), o descaso com a dignidade dos detentos ocorre também por uma questão orçamentária das políticas de segurança e prisional.
“A perspectiva de prender cada vez mais pessoas, sem respeito aos direitos básicos que lhes deveriam ser garantidos, como se fosse um caminho possível para efetivar a segurança pública, se mostra irracional também em sua dimensão orçamentária”, afirma Luciana.
Assim como Ribamar, ela destaca a Lei de Execução Penal, e aponta: “Observamos nas políticas prisionais um grande paradoxo: as pessoas são presas pelo Estado por violarem a legislação e, quando estão nessa condição (de encarcerados), passam a viver uma rotina de violações por parte do Estado, que descumpre sem qualquer pudor a legislação que deveria aplicar”.
Ela afirma ainda que há farta literatura que trata do surgimento de organizações como o PCC atrelando esse fenômeno à ausência do Estado. Com isso, ele, ao naturalizar omissões e violações, ao invés de exercer o papel que lhe é determinado por lei, cria ambiente fértil para que novos arranjos sejam forjados.
Luciana aponta que a solução é simples e clara: o Estado deve seguir a legislação vigente. Para ela, o problema da fome nos presídios só poderia ser plenamente sanado através do cumprimento das leis, principalmente a de Execução Penal.
Em resposta aos questionamentos feitos pela reportagem, as unidades prisionais pertencentes à Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo informaram que são oferecidas quatro refeições diárias. Elas são compreendidas por café da manhã, almoço, jantar e ceia noturna aos presos.
Para Daniel Balaban, Diretor do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP) da ONU no Brasil, “Fome se caracteriza pela carência alimentar por períodos longos, causando sensação de desconforto e dor”.
Ao pensar nas estratégias de combate à fome nas prisões, Daniel reforça o pensamento de Luciana de que “é necessário o cumprimento das políticas públicas que permitam o acesso a uma alimentação digna, e que sejam eficazes em casos de pessoas que dependem de outras para se alimentar, como é o caso do sistema prisional”.
Uma mãe no presídio
A fome que impacta o mundo tem sido protagonista na tortura do sistema prisional. A reportagem conversou com a mãe de um detento, que preferiu não se identificar. Em respeito à sua privacidade, terá seu nome substituído por Maria. “Tem momentos que eu não quero nem comer, porque eu não sei se o meu filho comeu”, conta ela com os olhos marejados.
Maria contou que, apesar da Administração Penitenciária informar que é servida uma refeição balanceada, quando a marmita chega, são dois dedos de comida e as carnes são transparentes.
Ela explica também que, na prisão, existe o jumbo, que é uma lista padronizada de itens que as visitas podem levar. Porém, não têm condições financeiras de mandar um jumbo toda semana e, por isso, leva “o básico” mensalmente.
“Não consigo ir sempre fazer uma visita, mas quando eu consigo, eu vou. Só entra uma sacola, o que limita muito. A sacola não é tão grande, então você leva o que dá”, aponta. Maria ainda completou dizendo ser impressionante o quanto os detentos conseguem fazer a comida render entre si.
Ela acredita que servir para os presos uma quantidade de comida que só seria suficiente para crianças de cinco anos é uma forma de tortura modernizada para controlar quem está dentro dos presídios.
“Eles podem ficar horas e horas sem comer nada. Como alguém pode sair saudável desse lugar? Como um ser humano sobrevive?”, questiona.
Tanto Maria quanto Nunes apontaram que o corpo dos detentos sofre diversas mudanças por conta da situação. Após um período na cadeia, quando saem, há um longo processo de adaptação. Enquanto isso, quando se alimentam em condições ideais, passam mal.
“Está tão penetrado neles, que acham que comer uma boa quantidade de comida vai fazer com que eles passem mal. Até voltar a comer bem, leva bastante tempo”, afirma Nunes
Durante a pandemia
Um estudo realizado pela Amparar e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), concluiu que 34% da população carcerária estava com dificuldades de se alimentar. Maria afirma que seu filho foi preso bem no auge da pandemia, ou seja, em outubro de 2020. Ela conta que, neste período, sofreu muitas dificuldades.
“Tivemos denúncias de que a comida fica perto de lixo, exposta. Falam que a escravidão acabou, mas a gente pode ver isso na relação dentro do sistema prisional, através da comida.” aponta Maria.
Outro fator que se agravou durante a pandemia foi o recebimento do jumbo por parte dos presos. Muitas vezes, as famílias tiram o que têm de casa para levar para seus filhos na prisão.
“O jumbo é uma despesa. Às vezes você pode gastar 400 reais num jumbo, minimamente. É mandar o jumbo 1 vez por mês, se satisfazer com aquilo.” lamenta Maria.
No final da entrevista, Maria lamentou ainda a dificuldade de promover mudanças no sistema carcerário: “As coisas não mudam, aumentam a quantidade de presos e a comida só diminui. A pessoa está privada de liberdade, não deveria estar privada de comer.”
São Paulo lidera o ranking brasileiro da fome, com cerca de 7 milhões de pessoas famintas. O governo do Estado afirma ter uma série de ações que visam ao combate à fome, no entanto, 14,7% da população paulista sofre com a falta de alimento.
Segundo o 2º Inquérito Nacional da Insegurança Alimentar, da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), divulgado no ano passado, cerca 125,2 milhões de brasileiros sofrem com algum grau de insegurança alimentar, representando um aumento de 7,2% se comparado aos dados de 2020.
Somente no Estado de São Paulo, 55,9% da população sofre com algum grau insegurança, sendo mais frequente em domicílios com renda mensal de até meio salário-mínimo (83,8% de insegurança alimentar), trabalhadores informais/desempregados (43,9%) e pessoas sem escolaridade (66,5%).
O agravamento da fome tem forte relação com a pandemia de Covid-19. Isso porque, a partir de dados do no inquérito, no Brasil, a fome saltou de 19,1 milhões de pessoas famintas em 2020 (antes da pandemia), para 33,1 milhões em 2022.
Para Rubens Nunes, economista, professor da Universidade de São Paulo e especialista sobre a fome, “a pandemia fez a insegurança alimentar dar um salto descontínuo, numa tendência de agravamento”. Porém, para o especialista, além da pandemia, há fatores de longo prazo, entre eles o baixo crescimento da economia e a crise fiscal do estado que limitam a execução das políticas públicas de combate à fome.
Na visão de Rubens, São Paulo tem muitas pessoas em situação de insegurança alimentar porque é populoso e que, pela densidade econômica, atrai migrantes em busca de oportunidades que estão se tornando escassas.
Levando em conta que o índice de desemprego na região saltou de 7,7% (2022) para 8,8% (2023), segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “A desigualdade explica a insegurança alimentar em um estado relativamente rico”, afirma o economista.
Além disso, para o professor, a piora da fome tem relação com o foco principal do governo, já que os mais necessitados não têm direito a alguns auxílios. “As políticas de transferência de renda são bastante efetivas no combate à fome. O problema aqui é o foco: não conceder benefícios para quem não se enquadra e dar para quem, de fato, está em situação vulnerável”.
Isso ocorre, pois boa parte das pessoas elegíveis para programas de transferência de renda são “invisíveis” para o Estado. Já que em sua maioria são pessoas sem documentos, que tem dificuldade para se relacionar de modo formal com as agências públicas, e que não estão amparadas pela previdência social.
Outro fator importante que impacta e dificulta as políticas públicas, reside no fato de que há causas estruturais que, se combatidas, só serão superadas no longo prazo, ao passo que as demandas por alimento são urgentes. Por conta disso, muitas vezes são “escanteadas” pelo governo.
Para Raquel Nunes Silva, doutoranda em Saúde Global e Sustentabilidade (USP), Mestra em Agroecologia (UFV) e professora universitária de nutrição, acredita que, embora São Paulo tenha um imenso potencial agrícola, a distribuição de terras e a concentração da produção em grandes propriedades dificultam o acesso de agricultores familiares aos recursos necessários para uma produção sustentável e diversificada.
“A falta de infraestrutura adequada, como estradas e armazenamento de alimentos, prejudica a comercialização e a distribuição dos produtos, impactando negativamente o abastecimento alimentar”, afirma a professora.
Além disso, segundo a especialista, durante a pandemia a implementação do Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) enfrentou limitações significativas. “A paralisação do Consea/SP e a falta de discussões sobre segurança alimentar e nutricional prejudicaram o andamento das políticas públicas. A participação social e o envolvimento de diversos setores são cruciais para ampliar o alcance das ações e promover a inclusão de atores relevantes nessa área”, complementa.
Na opinião de Raquel, no âmbito das políticas públicas, os principais desafios enfrentados são a fragilidade do Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) no Estado, além de ações desarticuladas e com pouca densidade nas medidas estruturantes. “A falta de uma estrutura sólida no SISAN compromete a efetividade das políticas de combate à fome”.
Ações governamentais contra a fome
Em busca de amenizar o problema, o governo do Estado possui diversas ações e iniciativas, como o “Bom prato”, “Vacina Contra a Fome”, “Vale Gás” (aproximadamente 100 mil famílias) e “Viva Leite” (aproximadamente 300 mil pessoas entre crianças e idosos). Para Rubens, as ações do governo estadual devem reforçar as políticas federais e municipais. “O conjunto das políticas do estado de São Paulo tem um impacto importante, ainda que cada uma tenha um escopo relativamente limitado”.
Marília Touças, presidente do UMA (Instituto Um Momento de Amor), ONG que atende famílias e pessoas socialmente vulneráveis ou em situação de rua, acredita que tais ações governamentais são fundamentais no combate à insegurança alimentar. “Eu fui uma criança pobre e o Viva Leite era fundamental na minha casa. Hoje, acompanho a comunidade que apadrinhamos com cestas básicas e sei da importância dos programas. Para a população em situação de rua”.
Além disso, existe o Consea/SP (Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável), que tem como função, assessorar o governo na construção de políticas públicas, referentes a Segurança Alimentar. Fazendo um elo com a sociedade civil, já que 66,6% de seus membros são civis. O conselho é “a porta de entrada” para as demandas da população.
O presidente do Consea/SP, João Dornellas, afirma: “Nós atuamos principalmente na divulgação e na propagação de informações e de conhecimentos na área da Segurança Alimentar e Nutricional”. O órgão faz as divulgações por meio de palestras e encontros que apresentam as ações do Governo do Estado de São Paulo.
“Também auxiliamos os municípios paulistas na elaboração da Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, com reuniões de capacitação para os gestores municipais”, complementa João.
Na visão de Raquel Nunes, embora o governo tenha implementado programas importantes nos últimos anos, ainda existem lacunas a serem preenchidas e a necessidade de fortalecer essas iniciativas, além de desenvolver estratégias mais abrangentes.
Prova disso, é o não cumprimento do Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, por parte dos órgãos públicos. Tal documento, elaborado com base em ampla discussão e participação da sociedade civil, contém diretrizes e metas importantes para a promoção da segurança alimentar e nutricional em São Paulo. No entanto, a falta de comprometimento com a implementação efetiva do plano prejudica os avanços necessários no combate à fome.
Importância das ONGs no combate à fome
Durante a pandemia, à medida que o coronavírus se propagava, algumas iniciativas do governo paralisaram suas atividades. Para Vanuzia Teixeira, coordenadora do Consea/SP, o agravamento da fome teve grande relação com a paralização do conselho em 2020. “Justamente neste momento bem delicado, o conselho foi obrigado a paralisar suas atividades”, afirma a coordenadora. A retomada aconteceu apenas em julho de 2021, enfrentando o pós-Covid.
Por conta da interrupção do conselho, o combate à fome em São Paulo teve um grande aliado: as ONGs. Marília Touças, afirmou que com o avançar do isolamento, se deparou com muitas pessoas em situação de rua. “Todos os dias encontrávamos famílias inteiras, com malas e alguns pertences, recém-chegadas à rua. Sem trabalho, sem dinheiro, sem moradia e passando fome”.
Para Rubens, as ONGs foram ágeis e efetivas no combate à insegurança alimentar durante a pandemia. Essas organizações têm capilaridade no tecido urbano e conhecimento das comunidades locais. Dessa forma, o Estado pode firmar convênios com as organizações formais. “O Estado é razoavelmente eficiente para coletar alimentos, enquanto as ONGs são eficientes para distribuir a comida”, afirma o especialista.
João Dornellas, presidente do Consea/SP, reitera sobre a importância do auxílio das organizações não governamentais no combate à fome, “A atuação das ONGs e da iniciativa privada tem grande relevância para o enfrentamento da insegurança alimentar e para o combate ao desperdício de alimentos, e há diversas parcerias em todo o estado”.
Novas promessas do governo de São Paulo
Com o intuito de reduzir os índices da fome e insegurança alimentar no Estado paulista, a Coordenadoria de Segurança Alimentar, vinculada à Subsecretaria de Abastecimento e Segurança Alimentar, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA), criaram em 2023, um diagnóstico sobre segurança alimentar no estado.
A primeira etapa tem o objetivo de identificar os desafios enfrentados pelos municípios para a implementação da política de segurança alimentar, assim como o de levantar as demandas. Trata-se de um levantamento, que vai trazer as ações de segurança alimentar desenvolvidas nos municípios. Segundo Dornellas, “Os dados coletados serão essenciais para o avanço de projetos que possam colaborar com a implementação da política de segurança alimentar”.
Além do mais, para o presidente do Consea/SP, “Os conselhos municipais de segurança alimentar devem ser formados, pois são importantes portas de entrada para a população mais vulnerável. Esses conselhos poderão identificar as prioridades e quais públicos serão atendidos nos territórios”.
João garante que a aliança entre o conselho, os municípios e as ONGs irão facilitar a reduzir a fome da população. “Para além da parceria entre o governo do estado e os municípios, a atuação das organizações não-governamentais e da iniciativa privada será sempre relevante para o enfrentamento da insegurança alimentar e do desperdício de alimentos”.
Além disso, segundo o Relatório do Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (2019-2023), existem propostas que vão além da distribuição de alimentos. O documento destaca a importância de promover ações voltadas para a garantia do direito humano à alimentação adequada.
Entre as principais propostas estão: fortalecimento da agricultura familiar; estímulo à produção e consumo de alimentos agroecológicos; capacitação e educação alimentar e nutricional; incentivo à criação de mercados locais; articulação e integração das políticas públicas. É importante destacar que essas propostas vão além do combate imediato à fome, visando à construção de um sistema alimentar mais justo, sustentável e equitativo.
À bordo de uma van branca, um homem e uma mulher cruzam a entrada da favela Souza Ramos, na Vila Mariana, bairro de São Paulo. Depois de descarregarem os caixotes de feira lotados com abacates, limões e abobrinhas, Cícero e Celina estendem uma bandeira vermelha. Eles são os militantes do MST responsáveis pela distribuição de cestas de alimentos na região.
A 3 mil quilômetros dali, um caminhão de lixo para numa rua de Fortaleza, capital do Ceará. Enquanto os garis recolhem os dejetos dos moradores, a caçamba do caminhão fica aberta por poucos minutos - o suficiente para que dezenas de famílias possam revirar os sacos de lixo enquanto buscam restos de alimentos.
O caso aconteceu em 2021 e ganhou notoriedade por causa de um vídeo que circulou na internet. As famílias receberam cestas básicas de movimentos sociais do estado, como o Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD), o Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB), e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) cearense.
Especialistas afirmam que a participação do poder público é essencial em ações que visam combater a fome. Mas, enquanto o novo governo faz tímidos esforços na retomada de iniciativas de reforma agrária, o MST acredita que pode alimentar os brasileiros com a produção de orgânicos e se mantém engajado em gestos solidários.
O movimento do Ceará segue acompanhando as famílias que reviraram o caminhão de lixo no vídeo viral. Com aulas de formação política e disponibilização de médicos para as comunidades carentes, a ideia é ir além da entrega de comida - que segue sendo o foco nas comunidades pobres, mais afetadas pela fome. “Algumas pessoas pedem até água para beber”, afirma Gene Santos, diretor nacional do movimento.
Divulgado em 2022, o 2° Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil apontou que 33 milhões de pessoas passavam fome no país. Mais da metade da população do país, 125,2 milhões de pessoas (58,7%), vivem com algum grau de insegurança alimentar.
Doutor em geografia humana pela USP, Carlos Alberto Feliciano estuda o MST há 30 anos. Ele diz que o grupo potencializou práticas humanitárias durante esse período para lidar com a falta de políticas públicas. A organização dos movimentos sociais ajuda a eliminar a necessidade do intermédio de um atravessador, responsável pelo transporte de produtos do campo para a cidade, barateando o preço dos alimentos.
A produção tem alguns possíveis destinos. Os orgânicos são vendidos em feiras e no site do grupo, e as doações, organizadas por grupos de consumo compostos por militantes do movimento, são feitas a comunidades com altas taxas de desnutrição. Durante a pandemia da Covid-19, o MST afirma ter distribuído mais de 8 mil toneladas de alimentos, 2,5 milhões de marmitas e 10 mil cestas básicas de orgânicos em todo o Brasil.
As cestas tem uma grande variedade de produtos. Raul Miranda, dirigente do setor de produção de alimentos do MST na Grande São Paulo, afirma que os alimentos são doados tendo como foco a real nutrição das pessoas atendidas. "Não é apenas encher a barriga, mas comer com qualidade", diz.
Apesar dos quase três anos de esforço, a maioria dos moradores não sabe da origem dos alimentos oferecidos. “O pessoal pergunta quando vem a saladinha, mas não sabe de onde vem. Para eles, o que importa é a comida que está chegando”, afirma Celina - responsável pela distribuição das cestas na Vila Mariana.
Carlos Feliciano acredita que isso não incomoda o MST, que produz muito e utiliza as doações para informar os que as recebem. A estratégia do grupo é desconstruir a marginalização e o preconceito contra os movimentos sociais do campo.
Para Marco Mitidiero, doutor em geografia humana pela USP e pesquisador especialista em território e conflitos agrários, a questão da fome brasileira vai bem além da redistribuição de terras e da produção de orgânicos. “A fome existe porque o povo não tem dinheiro para comprar comida; é um momento de crise mundial, de desemprego. A pessoa que não tem trabalho, não tem como comer. E o valor dos alimentos é um agravante”, afirma.
Os altos preços são um dos motivos de reclamação dos moradores da favela Souza Ramos. Laurenilda, que vive na comunidade há quase quatro décadas, diz que a situação piorou nos últimos anos - e que os produtos orgânicos do MST são bem-vindos justamente por isso. “As cestas nos ajudam muito. Quando a gente recebe as verduras, consegue economizar no mercado - e as coisas estão caras demais”, conta.
A principal bandeira dos sem-terra é a da luta contra a concentração fundiária - eles acreditam que uma reforma agrária tem potencial de se transformar numa política de soberania alimentar. Marco Mitidiero concorda: "A reforma agrária produz comida, e se tem mais gente produzindo comida, não falta na mesa do brasileiro", diz o professor.
De acordo com dados do mais recente Censo Agropecuário do IBGE (2017), pequenos produtores têm menos área para produzir, mas o foco da lavoura é em produtos consumidos pelos brasileiros, como frutas e hortaliças. Enquanto o agronegócio, dono de grandes quantidades de terra, planta algodão, soja e cana-de-açúcar, visando exportação.
José Roberto da Silva, apicultor, crê que a distribuição de terras e produção nos assentamentos aumenta as oportunidades e valoriza o produtor. “O MST resgatou a nossa dignidade”, afirma José, que produz mel há mais de 30 anos num território ocupado pelo movimento.
A reforma agrária reivindicada pelo grupo, porém, vai além da distribuição de terras. Este é, na verdade, apenas o primeiro passo. Produtora de alimentos orgânicos em Sergipe, Ângela Maria, conta que o MST ofereceu treinamento e auxílio na manutenção da lavoura, sua fonte de alimento e de renda.
Márcia Motta, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autora de 5 livros sobre conflitos pela terra no Brasil, acredita que o modelo de produção adotado pelos sem-terra é interessante, mas não consegue ter impacto real no combate à fome sem o apoio do Estado. “Ações como as do MST precisam ser abraçadas pelo Estado para criar mecanismos que não permitam alguém nascer e morrer sem um pedaço de chão”, diz.
O grande agronegócio foi um dos maiores beneficiados do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), criado em 2003, foi extinto em 2019. Os principais órgãos de reforma agrária foram sucateados e colocados sob responsabilidade do Ministério da Agricultura, comandados pelos ex-deputados ruralistas Tereza Cristina e Marcos Montes.
Superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em SP, Sabrina Diniz afirma que o órgão, como parte do Governo Federal, vê o MST e outros movimentos de luta pela terra como aliados, principalmente nas ações de ocupação de territórios improdutivos. "Nenhuma política de Estado é feita por boa vontade, mas sim por pressão social", explica.
A recriação do MDA sinaliza a intenção do governo Lula de retomar políticas que visam a criação de novos assentamentos, ações abandonadas durante o mandato de Bolsonaro - responsável pelo menor número de famílias assentadas nos últimos trinta anos. O futuro próximo, porém, não é animador. O Incra afirma que o orçamento de 2023, aprovado no ano passado, não prevê verba para a compra de novos terrenos para reforma agrária.
Os poucos avanços reais conquistados no primeiro semestre na luta pela reforma agrária dão munição ao MST, que já tece críticas ao atual governo e promete aumentar a pressão. Diretor nacional do grupo, João Pedro Stedile afirmou, em entrevista concedida à Folha de S.Paulo, que a gestão de Lula está agindo muito lentamente na adoção de políticas de combate à fome; além disso, Stedile prometeu que o movimento pode convocar “marchas e grandes acampamentos” para solicitar reforma agrária.
Após pressão da oposição, uma CPI para investigar o MST foi instalada no Congresso. Os responsáveis pelo projeto alegam que o objetivo é averiguar o aumento das invasões de terras e “descobrir seus financiadores”. Será a quinta vez que o MST se tornará alvo de uma CPI. O movimento afirma que usará a comissão para “revelar à sociedade suas estratégias ao ocupar uma terra que não cumpre sua função social”.
Grupos políticos ligados à extrema direita têm rejeitado a existência da fome no Brasil, alegando que o problema já está erradicado. Pesquisadores alertam para a gravidade da situação apontando para interesses políticos e econômicos por trás disso.
A disseminação de teorias conspiratórias nas redes sociais vem potencializando e trazendo visibilidade a essas mentiras, alimentando discursos de extremistas e dificultando a luta contra a fome no país.
Em grupos de extrema direita no Telegram, usuários dizem que a fome no país é “uma falácia da esquerda”. Um usuário descreve a fome no país como “um projeto de uma esquerda internacional.
Confrontados com evidências da existência da fome no país, a atitude de usuários desses grupos é de desdém. “O gás aumentou? A fome voltou no nordeste? Faz o L.” dispara um usuário.
Nesses grupos, a existência da fome é justificada por “pessoas preguiçosas” que não querem trabalhar e desejam “ganhar tudo de mão beijada pelo Estado”.
Contradizendo essas declarações, dados coletados pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) demonstram que entre 2020 e 2022, a quantidade de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave passou de 19 milhões para 33,1 milhões, reinserindo o país para no mapa da fome da Organização das Nações Unidas.
Ao decorrer dos quatro anos do governo Bolsonaro, ocorreram diversas vezes posturas com viés de negação e minimização da fome.
Em agosto de 2019, Bolsonaro declarou em um de seus cafés da manhã com jornalistas que “é mentira essa história que o Brasil passa fome”.
O ex-presidente também disse em agosto de 2021 em uma de suas transmissões ao vivo nas redes sociais que “não existe mais desnutrição no Brasil” e que “não se vê mais gente magra como antigamente”.
Paulo Guedes, ex-ministro da economia, durante um evento da Fenabreve (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) no dia 21 de setembro de 2022, novamente afirmou que “33 milhões de pessoas passando fome é mentira”.
Em março de 2021, Guedes também chegou a declarar em uma reunião com ministros que a fome no Brasil era “conversa fiada” e que “que não se vê gente, mesmo que pobre, com aparência de subalimentado”.
Deputado federal por São Paulo, Eduardo Bolsonaro afirmou em uma entrevista que “não existe fome no Brasil porque falta gente pra morrer”.
Também deputada federal, Carla Zambeli afirmou em entrevista em maio de 2021 que a fome era uma narrativa inventada pela esquerda.
Um ano antes, Olavo de Carvalho, mentor político da extrema direita, publicou em suas redes sociais que a fome era uma propaganda da esquerda para angariar votos e “manter as pessoas na dependência do Estado”.
O governo de Bolsonaro e seus aliados não se limitou apenas em declarações que rejeitavam a existência da fome, mas também praticou medidas de sucateamento das políticas que buscavam combatê-la.
Logo ao assumir a presidência do país, em janeiro de 2019, o governo Bolsonaro extinguiu o Consea, sendo reativado em março de 2023 durante o governo Lula.
O ex-presidente também foi responsável por cortes de orçamento relacionados a áreas como agricultura familiar e distribuição de alimentos.
Essas políticas utilizadas pelo governo Bolsonaro, entretanto, possuem suas origens em práticas com antecedentes históricos, datadas diretamente do período da ditadura militar.
Negação da fome na ditadura militar
Durante o final da década de 1970 e começo dos anos 80, o sertão nordestino passou por sua pior seca de todo o século XX. No auge da crise, 10 milhões de nordestinos já haviam sido impactados pelos efeitos da seca.
Entretanto, o regime ditatorial proibia que a imprensa divulgasse quaisquer matérias que expusessem os efeitos da fome no país, até mesmo proibindo que a palavra fosse utilizada nas redações.
Essas políticas de negação da fome, tanto na ditadura militar, quanto no governo Bolsonaro, buscam passar uma aparência de estabilidade econômica no país, rotulando quem passa fome de “preguiçoso” ou “incapaz”.
Eduardo Silva, professor de sociologia formado pela Unicamp, defende que os movimentos de invisibilização da existência da fome no país, estão relacionados a projetos que têm o objetivo de desacreditar demais questões além da fome. “A negação da fome é acima de tudo uma negação dos direitos humanos” afirma Silva.
De acordo com a pesquisadora do IBGE Thaís Oliveira, a negação da fome chancela um modelo político, econômico e ideológico. “Assumir sua existência é assumir que algo neste modelo precisa ser revisto”, isso, de acordo com ela, mexe com toda a dinâmica que é confortável para diversos núcleos de poder.
A respeito dos interesses políticos e econômicos, Thaís afirmou que negar a fome e torná-la seu cargo chefe é “historicamente usado como capital político” (um ponto sensível, considerando que o Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo). A pesquisadora aponta para o quase absurdo que é pensar que um país produtor de alimentos tão relevante no cenário mundial, tenha mais de 33 milhões de pessoas com insegurança alimentar, de moderada a grave.
Olhando para a imagem do país internacionalmente, isso pode significar menos contratos e negócios com importantes parceiros econômicos para o país e seus empresários.
A divulgação dessas ideias, entretanto, por meio da internet e redes sociais, consegue atingir cada vez mais pessoas, usando o ambiente online como uma ferramenta de divulgação de massa dessas políticas.
Buscando explicar o motivo da internet ser um ambiente tão fértil para a disseminação de mentiras e teorias da conspiração, Silvio Mieli, professor na Pontifícia Universidade Católica, cita o livro Terra Arrasada de Jonathan Crary. “As redes sociais possuem uma resistência profunda a responsabilidades comunitárias” disserta Mieli.
Ainda segundo Mieli, o individualismo fomentado pelas redes sociais permite que cada um crie e divulgue as suas próprias verdades, abrindo margem para o surgimento de versões de “quinta categoria”.
A contenção da desinformação
A alternativa proposta por Silvio para a contenção da divulgação de projetos destrutivos na internet, passa por uma politização das redes, uma regulamentação que instaure freios e contramedidas para a expansão de discursos negacionistas.
Seguindo na mesma linha, Thaís argumenta que pela mídia informativa ser um espaço importante de poder, debate e mediações de conflito, é uma ferramenta valiosa para dar visibilidade àquilo que não agrada ver ou ouvir, mas é fundamental que a sociedade civil, governo e políticos saibam, para que sejam aplicadas corretamente políticas públicas voltadas para o tema. Até para que a própria sociedade civil pressione seus representantes a se organizar para solucionar o problema.
Para isso, a imprensa deve estar sempre atenta, corajosa e disposta, para trazer esse assunto para a pauta, independentemente de quem de qual grupo esteja ocupando os espaços de poder. Para tal, a imprensa deve ser livre, isenta e respeitada.