Olhares podem determinar o que a avenida mais movimentada de São Paulo é...
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Vitor Bonets
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12/06/2025

Por Vitor Bonets


Ande. Passeie. Pedale. Dirija. Trabalhe. Viaje. Venda. Compre. Veja, faça ou seja arte. Seja paulista ou turista, a Avenida é a mesma, mas cada olhar determina o que ela é de fato. Ao andar pela famosa “Paulista” é possível ver de tudo, desde o homem que se equilibra em pernas de pau na frente do farol até a mulher que equilibra os produtos em cima da cabeça. O empresário engravatado que carrega a vida dentro de uma pasta embaixo do braço até o morador de rua que carrega seu mundo de papelão na palma das mãos. Nenhum deles debaixo do mesmo teto, a não ser que estejam por algum motivo abaixo do MASP. Porém, todos em cima da mesma calçada. Para alguns, um solo sagrado. Para outros, um solo sangrento. E para todos, a mesma Avenida. 

Cerca de 1,5 milhão de pessoas passam pela Paulista todos os dias. 63% estão na avenida a trabalho. 14% escolhem a região para atividades de lazer. Seis em cada dez frequentadores são mulheres. 60% são da classe emergente. 73% dos adultos que transitam pela avenida - sete em cada dez - têm até 35 anos. Apenas 1% dos visitantes tem acima de 56 anos. Sabe o que esses números significam? Nada. 

A não ser que sejam acompanhados de uma história. Números são só números. Histórias são mais que histórias. Assim como a de Gerson, que conta a sua e canta a de outros cantores. O homem, de 36 anos, faz o papel de quem dá luz à Avenida mais iluminada de toda a cidade de São Paulo. Com apenas um cavaco e um banquinho, vestido com sandálias da humildade e travestido de Zeca Pagodinho, Gerson canta como se fosse estrela, em uma noite estrelada na capital, a música “Naquela Mesa”, de Nelson Gonçalves.  Ele cantava a história, que hoje na memória todos que estavam ao redor quase sabiam de cor. Ao invés da mesa, ele juntava gente na frente do banco, seja no que ele estava sentado ou no Santander que figurava atrás de seus ombros, para ouvir em alto e bom som a música. E nos seus olhos era tanto brilho, que nem os postes da Avenida entendiam de onde vinha tanta luz. Gerson e seu chapéu para as moedas estão no mesmo ponto desde 2022. Uma hora na cabeça, outra no chão, o amuleto que carrega os trocados está sempre presente. O cantor usa o acessório que ganhou do pai para recolher o dinheiro de quem passa e tem os ouvidos agraciados com as canções. Graça mesmo sente o artista, que abre um belo sorriso quando o faz-me-rir é depositado no protetor de sonhos. 

Nascido em 1979, 20 anos após o ídolo Jessé Gomes da Silva Filho, Gerson teve tempo suficiente para aprender o que Zeca tinha para ensinar. Deixou a vida lhe levar, até que ela a levou de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, até o ponto principal da Metrópole. A Avenida Paulista. Ali, ele encontrou tudo aquilo que ainda não tinha visto. E já que o camarão que dorme a onda leva, ele decidiu ficar sempre de olhos abertos no meio desse mar de gente. Mar esse que parece não dar trégua para ninguém que se atreva a pegar uma onda. Mas Gerson subiu na prancha e dominou a praia paulista cheia de prédios comerciais altos e com banhistas que te olham de cima a baixo se você estiver com “roupas inadequadas”. E como todo bom artista, o cantor não está nem aí para as vestes e faz questão de ser olhado. Porém, ainda sente que só te olham, mas não o veem. Aliás, se sente surpreso quando alguém pergunta seu nome e quase que em tom de esperança entoa que se chama “Gerson da Paulista”. 

Se a Bahia é de todos os santos, se todos os Zecas têm um quê de Rio de Janeiro, a Paulista tem algo para chamar de seu também. Ou melhor, a Avenida tem o seu artista e vice-versa, assim como versa Gerson. 

Foi na Paulista que Gerson se viu como parte do todo. Com tantas pessoas que passavam em sua frente desde o primeiro dia em que lançou os dedos sob o cavaco, ficou fácil para o músico escolher onde queria ficar. Ele faz da calçada seu “palco a céu aberto” e dá um show para quem quiser parar e ouvir o que o cantor tem a cantar. Sem ingresso para entrar e sem área vip para assistir, são todos um só conectados apenas pela voz de quem “dá uma palinha”. 

E não são poucos que param para apreciar sua arte. Principalmente nas noites em que a cidade não dorme, forma-se um público ao redor do banquinho do cantor. E que sorte de quem acompanha o espetáculo. Pedro é um deles. Impressionantemente, o jovem de apenas 19 anos, sabia todas as músicas que Gerson puxava. Desde o samba do mais velho até o pagode do mais novo. Só não colocou a ginga para jogo, porque não nasceu com o samba no pé, mas pelo menos estava com o ritmo na palma da mão. 

Pedro, após mais uma grande apresentação foi agradecer pelo show proporcionado. E como forma de retribuição, estendeu a mão ao artista, colocou uma onça-pintada no chapéu do artista e fez um pedido especial. Agora, não era para que outra música fosse tocada, mas sim para que ele pudesse dar um abraço em Gerson. O jovem arrancou um sorriso do cantor que nenhuma nota, seja qual fosse o valor, poderia arrancar. O abraço foi dado, o público em volta aplaudiu e talvez o artista tenha ganho um dos seus maiores cachês de todas as noites de apresentação na Paulista. Gerson fez um amigo com uma onça e não um amigo da onça como muitos que existem por aí. 

Após o show, as estrelas se recolhem no céu e na calçada. As únicas luzes que continuam a iluminar a Avenida são as dos edifícios e é difícil não reparar em como elas não se apagam. A paulista sempre tão movimentada, de madrugada deixa só que alguns “gatos pingados” andem por ela. E se há gato, há rato. Alguns, de cinza, sempre estão pelo local, já que para eles os Gerson’s que estão pelas ruas são criminosos. E para eles, infelizmente, não é por roubarem a atenção dos que passam pelo local com a família. 

A Paulista que nunca dorme, virou mais uma noite. Ao raiar do sol, já se viu lotada novamente. Cheia, quase entupida de tanta gente, trouxe a velha máxima de que mesmo que esteja apertada, sempre cabe mais um.  Seja a passeio ou a trabalho, a calçada é a mesma. Seja como caminho para o trabalho ou casa, a calçada é a mesma. Seja como vitrine ou palco, a calçada ainda é a mesma. A Avenida Paulista é para todos, por bem ou por mal. Sagrada ou sangrenta. Tudo depende dos olhos de quem olha, dos pés de quem anda, dos ouvidos de escuta ou da voz de quem canta. 
 

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Tido como foragido por um erro na Justiça, Victor Lopes Centeno viveu um pesadelo por quase 7 anos
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Julia Quartim Barbosa
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12/06/2025

Por Julia Quartim Barbosa

 

Em agosto de 2018, Victor conversava com amigos em uma rua perto de casa quando a polícia apareceu. Entre as agressões e o algemamento, os policiais perguntavam onde estavam as chaves, que mais tarde Victor descobriria serem de um veículo roubado a 2 quilômetros dali, encontrado na mesma rua. Uma amiga da família viu a situação e correu para chamar Ivanilda, a mãe de Victor, que agora era tido como assaltante.

 Victor foi apontado pelas vítimas como o responsável pelo roubo e reconhecido por uma foto, porém, voltaram atrás. Um vídeo de câmera de segurança ajudou a comprovar sua inocência, no entanto, a imagem, que mostrava o carro roubado passando pela rua enquanto ele caminhava ao lado de um colega, não foi suficiente, e as evidências de sua inocência não impediram que o rapaz ficasse mais de três meses preso.

Em novembro do mesmo ano, o caso foi a julgamento e ele foi absolvido por falta de provas, porém, esse não era o fim da história de Victor com o erro da justiça. Mesmo depois do alvará de soltura, Victor ainda foi detido injustamente outras 10 vezes. Isso porque, até maio de 2025, quase 7 anos depois, o mandado de prisão ainda seguia ativo.

Detido em casa, no trabalho e até mesmo diante de seu filho, na época, Victor perdeu seus dois empregos e juntou dinheiro para comprar uma moto, que até hoje utiliza para trabalhar como motoboy. O problema, é que os radares inteligentes dispostos pela cidade acionavam a polícia assim que o rapaz, tido como foragido, passava por um deles. 

Depois da sétima prisão, a advogada de Victor entrou com um pedido para que determinassem a baixa definitiva do mandado de prisão e a comunicação urgente a todos os órgãos públicos competentes para eliminação de qualquer registro de procurado junto com uma atualização cadastral. A solicitação seguiu sem resolução até o dia 13 de maio deste ano, dois dias depois da exibição do caso no domingo à noite, em um programa da TV aberta, quando ele recebeu a notícia de que, finalmente, poderia viver tranquilo.

O sistema judiciário brasileiro, em sua complexidade e morosidade, é palco de diversas injustiças que afetam diretamente a vida dos cidadãos. Na edição de 2024 do “Rule of Law Index”, publicado pela World Justice Project, o Brasil ocupava a 80º posição no ranking global de Estado de Direito entre 142 países. Entre as categorias analisadas pelo índice, o Brasil teve seu pior desempenho no campo da justiça criminal, disputando o primeiro lugar de judiciário mais parcial do mundo com a Venezuela.

Um levantamento realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo em fevereiro de 2024 com informações da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário, mantida pelo Conselho Nacional de Justiça, revelou que 40 milhões de processos no país contêm algum tipo de erro, evidenciando falhas que vão desde a coleta de informações até a análise de provas. Esses erros, por sua vez, contribuem para condenações equivocadas, prisões indevidas e a perpetuação de ineficiências que minam a confiança da população no sistema. 

Um dos aspectos alarmantes se manifesta nos problemas relacionados aos mandados de prisão. De acordo com uma pesquisa da Innocence Project Brasil, mandados com erro e falhas no reconhecimento já levaram quase 2 mil inocentes ao cárcere.

Devido a falhas na base de dados ou falta de atualizações no sistema, mandados já cumpridos, revogados ou com informações errôneas permanecem ativos. A gravidade é tamanha que advogados chegam a recomendar que seus clientes, mesmo sem pendências, portem um habeas corpus no bolso para evitar prisões injustas. Essa foi a realidade de Victor Lopes Centeno, de 25 anos, por quase sete anos. O caso de Victor é um entre os 40 milhões de processos com algum tipo de erro e se junta às quase 2 mil prisões de inocentes já identificadas no Brasil por falhas em mandados ou processos de reconhecimento. Para além de uma falha burocrática, a advogada do rapaz entende a situação como uma grave violação da dignidade da pessoa humana, e uma violação à honra e à imagem.

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Condição ginecológica é uma das principais causas da infertilidade feminina, mas não significa que seja impossível engravidar
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Philipe Mor
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12/06/2025

Por Philipe Mor

 

A voz amarrada e os desvios de olhares já apontavam o que estava por vir. São sete da manhã e Madureira se espreguiça. No quarto abafado, Luana desperta com o corpo inquieto e a mente nublada. Pela janela, o dia se anuncia com um céu claro, mas seus pensamentos seguem pesados, como um típico domingo chuvoso fora de estação. O café preto esfria devagar na caneca, enquanto ela tenta engolir a ansiedade com os goles mornos e calmos da bebida. A cada colher de açúcar, a esperança se mistura à inquietação. É início de semana, e ela parte, como quem precisa encontrar respostas.

Uma hora depois, veste-se com cuidado e sai. Por volta das oito, sobe no ônibus que cruza a cidade. Fone nos ouvidos, os sambas-enredo tentam acalmar o redemoinho de dúvidas que se faz dentro dela. A consulta era para ser apenas mais uma visita de rotina, mas a dor antiga. Aquela que já morava no seu corpo desde o início da adolescência. Dizia que havia algo a mais. No consultório silencioso, a médica examina, questiona, anota. Pede novos exames. Os simples já não bastam para traduzir o que o corpo gritava.

Então vem a espera. Uma espera que pesa e cria fragmentos de incerteza. A ginecologista promete agilidade nos resultados, mas Luana já sabe: o “logo” da medicina raramente respeita o tempo da aflição. Chega o dia. Outra manhã de céu bonito do lado de fora e tempestade do lado de dentro. Ela acorda cedo, se apronta sem dizer palavras e pega o mesmo “busão” de sempre. A cidade se move ao redor, indiferente. Mas dentro dela, tudo treme. O caminho até a clínica é o mesmo, mas o destino agora carrega peso. Ao sentar-se diante da médica, a palavra que muda tudo é dita com a mesma delicadeza de um tiro: endometriose.

Era a semana do seu aniversário de 15 anos, ou seja, junho, de novo. E se, para outras meninas, a data marca vestidos rodados e valsas com o pai, para Luana marcou um silêncio novo. Uma dor que não vinha só do corpo, mas do futuro. Seu mundo desabou. Desde pequena escutava, nos centros espíritas, que sua vida seria de caminhos abertos, que ela não pararia em lugar nenhum. Que construir uma família talvez não fosse parte do seu destino. Ainda assim, ouvir da médica que as chances de gerar uma vida eram nulas trouxe uma sensação estranha. Como se lhe negassem algo que ela mesma ainda nem havia pedido.

Voltou da consulta só. Ninguém a acompanhava. Coincidentemente, o mesmo ônibus, a mesma janela. Mas agora, tudo pesava diferente. Em casa, contou para a mãe. Com a voz embargada e o peito apertado. Ao pai, não disse. Não por medo ou por falta de confiança. Mas porque sempre foi assim: Luana guarda o que dói dentro, como quem precisa proteger o mundo de si mesma.

Luana e sobrinho Foto: Arquivo Pessoal/Luana
Luana e sobrinho Foto: Arquivo Pessoal/Luana

O domingo chegou, e com ele, o ritual da feijoada. A cerveja gelada na mesa, os sambas na vitrola e as piadas de futebol enchem a sala. Mas, naquele dia, a casa não estava cheia de risos como de costume. A voz de Luana saiu amarrada, os olhos desviavam. Assim como no momento deste relato. E, no meio da refeição, a notícia se espalhou: endometriose. A mesa, antes recheada de afeto barulhento, foi silenciada por uma palavra só.

Desde então, Luana aprendeu a dançar com as ausências. Aprendeu que há dores que não cessam, só se acomodam. O afeto que nutre pelo sobrinho, por vezes, acalma o eco de um sentimento materno que ela ainda não conhece, mas que pulsa em algum lugar. A vida, para ela, se tornou exercício de improviso, como quem desfila na avenida sem saber a próxima coreografia. Aliás, carrega o samba e o improviso desde a barriga da mãe.

Diferente de Luana, a voz de Raquel expressava alívio e esperança. Eram três da manhã e o silêncio de sua casa foi cortado por um som inesperado: sua bolsa rompeu. Grávida de oito meses, ela mal teve tempo de processar o susto. O bebê entrou em sofrimento, e o hospital virou destino urgente. A cesariana foi feita às pressas, e dali nasceu Maria. Pequena, mas forte, como se soubesse que, antes mesmo de chegar ao mundo, já havia vencido uma guerra. A história desse nascimento, no entanto, começa muito antes. Raquel tinha 27 anos quando sentiu, pela primeira vez, que queria ser mãe. Não esposa, não dona de casa. Mãe. Tinha um amor de dez anos, firme e tranquilo. Cada um na sua casa, no seu tempo. Mas o desejo dela era outro: gestar. Gerar uma vida. Vieram as tentativas, uma a uma. E o tempo, que no início parecia cúmplice, começou a pesar. Um ano se foi sem nenhum sinal. A esperança, antes tão serena, começou a se inquietar. Procurou ajuda médica. O diagnóstico foi direto, frio, quase cruel: endometriose no ovário direito. Um ovário três vezes maior que o útero. Um “não” dito em linguagem de exames e laudos.

Vieram outros médicos. O segundo, o terceiro, o sexto. Todos repetiam o mesmo coro desafinado: “você não vai conseguir engravidar”. Raquel chorava, sofria, pensava em desistir. Mas algo dentro dela ainda acreditava. Foi esse fio de fé que a levou até um especialista em endometriose. Ele não lhe prometeu milagre, mas também não lhe negou esperança. Disse que sim, havia chances. Com tratamento, com paciência, com tempo. Naquela tarde, depois da consulta, Raquel voltou para casa como quem volta de um templo. Agradeceu, como fazia todos os dias, à sua santa de devoção: Nossa Senhora. Mulher de fé, fez uma promessa. Se fosse menina, o nome seria Maria. Uma homenagem à mãe de todas as mães. E assim foi.

Dois anos depois, outra gravidez. Outra chama acesa. Mais uma promessa de futuro. Mas, com apenas oito semanas, a perda. Uma dor silenciosa, que ela carrega sem alarde, mas nunca esquece. Aprendeu que a maternidade, às vezes, não é apenas o que se tem nos braços — é também o que se guarda no peito. Hoje, Raquel vive entre milagres e memórias. É mãe de uma menina que desafia estatísticas e filha de uma promessa feita com fé.

Raquel e sua filha Maria Fernanda Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal Raquel
Raquel e sua filha Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal Raquel

 

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57% da população brasileira não se prepara para a aposentadoria, mas o sistema previdenciário segue sendo maior de todos os programas sociais no País.
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Ana Julia Bertolaccini
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12/06/2025

Por Ana Julia Bertolaccini

 

A igreja é um dos lugares em que "seu Pedro" ocupa parte de seu tempo. Por 26 anos, ele foi voluntário na instituição católica São Judas Tadeu, em Mairinque. Apesar disso, essa é mais uma das tarefas que foram deixadas para trás. Tudo que é fixo e com horário marcado não se encaixa mais no seu dia a dia. Aos seus olhos, o descanso pleno e o entendimento do tempo como um benefício pessoal não deve envolver grandes contribuições às associações e sindicatos. Uma grande parte de sua vida já foi dedicada à sociedade através de seu trabalho. Hoje, o tempo é dele e de mais de ninguém. Entre uma viagem e outra, tradições religiosas, aniversários, encontros em família e convites de amigos são bem recebidos por ele, que não é fã de ficar dentro de casa.

No município de Mairinque, interior de São Paulo, seu Pedro toca uma vida sem saudades do trabalho para o qual contribuiu por 30 anos no setor de tratamento de água da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA).  Desapegado do passado, ele ocupa a maior parte de seu tempo viajando de carro, com o propósito visitar a família, encontrar conhecidos e conhecer lugares novos, sem esquentar muito a cabeça com data e horário. Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Santa Maria, Aparecida e Mato Grosso são alguns dos destinos de suas viagens, que embora possam ser compartilhadas com a namorada do lado, nem sempre possuem o requisito de uma companhia, a não ser a própria. 

Seu Pedro foi casado por 55 anos. A esposa faleceu há 3 e assim como todas as fases de sua vida, esta é mais uma que ficou na lembrança e que mudou sua maneira de pensar o presente e o futuro. Sua namorada, Emília Firmino, também foi casada por 18 anos. Sem filhos e também aposentada, ela divide os mesmos propósitos e objetivos de vida, ambos bem longe da racionalidade econômica da hiperprodutividade, mas nunca inativos. Com medo de avião e não muito fã de passeios de ônibus, o carro é o seu maior companheiro. Em casa, ele é responsável pela própria comida e por todas as tarefas domésticas, já que agora mora sozinho, algo que não fazia parte de sua rotina quando trabalhava fora. 

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Seu Pedro em uma festa de aniversário 

 

1º de setembro de 1994 foi quando seu Pedro obteve sua aposentadoria especial, recebendo a primeira parcela do salário no mês seguinte. Suficiente para o lazer e para a sobrevivência, o dinheiro que ele recebe permite com que o descanso da aposentadoria seja legítimo, o que não ocorre para todos. No Brasil, 70% dos pagamentos feitos pelo INSS são de até um salário-mínimo. Pensando no atual salário da empresa para a qual contribuiu por 30 anos, Seu Pedro afirma com convicção que não trabalharia mais lá, se estivesse em sua vida ativa. A baixa remuneração é vista como exploração por ele, que hoje vive com um benefício de cerca de 6 mil reais mensais e não consegue imaginar a possibilidade de uma vida digna com 1.518 reais. 

Ao contrário da tranquilidade e da aceitação plenaoo de seu Pedro acerca dessa nova etapa da vida, Nilton Santos de Souza ainda acorda às 3h30min achando que tem que levantar para trabalhar, mesmo depois de 4 anos de aposentado. Apesar do alívio imediato que sentiu ao saber que não precisaria mais correr o risco de viajar de moto de madrugada ou de ter que trabalhar 12 horas por dia, Nilton passou muitos dias sentindo culpa simplesmente por sentar-se no sofá e assistir a um filme. Somada a essa sensação de estar fazendo algo de errado em um momento de descanso e lazer após 38 anos dedicados à uma mesma empresa, ele teve vontade de voltar a trabalhar, chegando até a receber uma proposta da antigo local de trabalho para que voltasse à ativa. Três meses foi o período necessário para que Nilton entendesse que o valor que receberia e o risco que voltaria a correr todos os dias ao viajar de uma cidade para a outra não era uma melhor opção do que aceitar e remanejar o tempo disponível da aposentadoria. 

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Nilton Santos de Souza antes de ir para a musculação 

Nascido e crescido em Ribeira do Pombal, município do Estado da Bahia, Nilton mudou-se para o interior de São Paulo aos 18 anos, em busca de melhores condições de vida. A partir daí, “Baiano” como é chamado pelos amigos e conhecidos aqui da Região Sudeste, conseguiu o cargo de ‘“encarregado de extrusora” numa empresa de tecelagem. Apesar de ter um horário fixo de 8 horas por dia, ique é o limite permitido pela legislação trabalhista, as horas extras chegavam a somar 4 horas a mais que o expediente definitivo, que por 28 anos se iniciava às 10 horas da noite e se encerrava às 5 horas da manhã. Fins de semana e feriados eram quase nulos e os dias de folga inexistiam por longos períodos. Nilton chegou a ficar 4 anos sem folgar um dia sequer. 

A tranquilidade de saber que não seria chamado a qualquer momento do dia para atender à uma demanda da firma só foi possível depois que ele se aposentou. Torcedor apaixonado pelo Flamengo, os únicos compromissos com data e hora marcada de Nilton hoje são os jogos do time do coração e as consultas marcadas pelos médicos que cuidam da sua saúde. Outras tarefas diárias que incluem levar e buscar a sogra no supermercado, lavar o carro, ir à musculação, correr aos domingos e ir à missa, se encaixam na rotina de acordo com sua disposição e com os horários disponíveis de sua esposa, que o acompanha nas atividades físicas e em outras ocupações sempre que possível. O tempo livre agora é entendido por ele como um intervalo de horas em que não há obrigações a serem cumpridas. Tomar uma cerveja, ouvir música, assistir a um filme e acompanhar partidas de  futebol pela televisão  são a maneira como ele decide usufruir  desses momentos. 

Nos anos finais de sua vida ativa do trabalho, Nilton sentia um cansaço físico e mental acumulativo e não via a hora de parar. Mesmo assim, quando finalmente obteve o direito da aposentadoria, ele demorou muito tempo para entender que já contribuiu com aquilo que podia e mais do que deveria para a sociedade. A remuneração das horas extras era mais uma das justificativas para aguentar uma carga horária excessiva em turnos durante a madrugada. O cansaço que ele sentia diariamente era, de certa forma, tratado como algo normal. Hoje, com exercícios diários e uma rotina tranquila, Nilton não se sente cansado. Parte desse cansaço crônico era proveniente do estresse e das demandas infinitas que à ele eram atribuídas. Seu sono é de melhor qualidade, sua disposição durante o dia aumentou e o motivo maior para que Nilton sorria todos os dias é a sua saúde. Junto a todas as coisas que ele não podia fazer por conta das limitações do trabalho, surge também a sensação de liberdade.

Acordar e decidir o que quiser fazer. Tomar uma cerveja, ouvir música, ir à missa ou ir à academia. Não há nada que o impeça de fazer qualquer uma dessas atividades. Nada é mais uma obrigação. A não ser, é claro, os jogos do Flamengo. Estes passam na frente de toda e qualquer ação. Nilton é feliz hoje e aceita sua condição de aposentado. Ainda sim, existem alguns efeitos psicológicos que demonstram uma certa contradição em suas falas. Discursando sobre uma perspectiva de futuro da nova geração e da necessidade da aposentadoria, Nilton diz acreditar profundamente que toda e qualquer pessoa precisa ter esse benefício concedido ao final de sua vida ativa. No entanto, não é difícil perceber que o sentimento de culpa pela inatividade ainda existe, mesmo que inconscientemente, em seu interior. Ele acredita que as pessoas em vida ativa devem trabalhar o máximo que puderem para evitar transtornos psicológicos, os quais já, em algum momento, devem ter dado sinais no início de sua jornada como um homem aposentado. 

Durante sua vida ainda na ativa, Nilton sofreu dois acidentes de moto na estrada. Essa é uma das principais razões pelas quais ele preferiu não voltar a trabalhar. O medo e as condições financeiras, pesadas em uma balança, o impediram de ceder à lógica produtivista que busca fundamentar a nossa existência no trabalho. Musculação, religião, lazer e viagem nunca seriam suas prioridades se voltar a trabalhar não significasse correr risco de vida na pista. Ao menos a vida ainda vale mais que o trabalho. Assim, torna-se preferível reestabelecer os limites do orçamento de uma aposentadoria vivida com um salário no limite do necessário. 
 

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Aos 63 anos, Dona Elza mantém viva a tradição da família
por
Giulia Fontes Dadamo
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29/05/2025

Por Giulia Fontes

 

São 5 da manhã e a cozinha de dona Elza já está aquecida. O cheirinho doce de bolo assando se mistura com o café que, em cada gole, traz a promessa do dia seguinte. Em cima da mesa, uma receita que tem o gosto da infância, da avó, da mãe - aquela receita que ela sabe de cor, mas que seu ritual de cozinha não permite que ela a deixe de lado. Como alguém para quem o mundo corporativo jamais foi uma escolha, não por falta de caminhos, mas porque deixar morrer a tradição de sua família seria como renunciar ao próprio nome. Não foi uma escolha impulsiva, nem uma busca por uma renda extra. Para dona Elza, a confeitaria tornou-se a única forma de sustento. O prazer de cozinhar era só a base do que a movia, mas o peso de um legado familiar de afeto, de lembranças que se carregam de geração em geração é algo muito maior, como a lida com o milho.

A história do bolo de fubá começou com a avó, no fogão à lenha de Lupionópolis, no Paraná, um município de menos de 5 mil habitantes. Ela, menina, ajudava a mãe a preparar os pães e bolos que alimentavam a casa e os vizinhos. Desde então, a receita passou de mãos, mas o sabor sempre foi o mesmo que marcou a infância de Elza. Hoje, já adulta, transformou aquele aprendizado em um negócio. No começo, ela vendia apenas para vizinhos, mas com o tempo, a pequena loja foi crescendo. Não uma grande loja, mas um espaço simples, um lugar que nunca chama muita atenção, mas que sempre tem fila na porta. O bolo de fubá, com a goiabada que derrete por dentro, se tornou o grande atrativo. Cada fatia, uma mistura de lembrança e afeto. A loja de Elza não é apenas um ponto de venda. Ela é uma ponte entre o presente e o passado, entre a tradição e a sobrevivência.

Embora seu trabalho seja essencial para o sustento de sua família, a vida de quem depende da confeitaria para viver não é fácil. Dona Elza acorda antes do sol nascer, começa a mistura dos ingredientes, ajeita as formas e faz o forno funcionar, tudo para garantir que o bolo esteja pronto para o começo do dia. A clientela é fiel, mas o custo do trabalho não vem só na medida dos ingredientes. O preço do aluguel, os gastos com fornecedores e a constante preocupação de manter a qualidade, sem perder a identidade que construiu ao longo dos anos, são desafios que ninguém vê.

Segundo dados do IBGE, seis em cada dez profissionais autônomos estão na informalidade. No setor da confeitaria, esse número representa cerca de 46% do mercado, segundo o estudo conduzido pela Zupgo em parceria com a Associação Brasileira de Comércio de Artigos para Festas. Dona Elza faz parte dessa porcentagem — trabalha sem garantias, sem férias, sem direito a descanso. Mas ela segue, com o mesmo zelo de sempre, preparando o bolo com a mesma receita da avó, um elo que nunca quebra, por mais difíceis que sejam os dias. Mas ela segue, com o mesmo zelo de sempre, preparando o bolo com a mesma receita da avó, um elo que nunca quebra, por mais difíceis que sejam os dias.

Na pandemia, quando o mundo parou e a cidade silenciou, dona Elza não teve esse luxo. Fechou a loja, mas não a cozinha. Continuou assando bolos e entregando de porta em porta, com a ajuda de um sobrinho de bicicleta. Os dias pareciam mais longos, e o medo, seja de pegar o vírus, de não vender, ou de faltar leite e fubá, virou ingrediente invisível em cada receita. A farinha subiu, a goiabada sumiu das prateleiras e tudo parecia acabado. Mas o forno não apagou. No improviso das entregas com máscara de pano e potinhos reciclados, ela manteve a tradição funcionando como uma resistência silenciosa, dessas que só se percebe quando tudo ameaça ruir.

E embora o bolo de fubá com goiabada tenha virado símbolo da pequena loja, outros doces também fazem parte desse acervo afetivo: o pão de mel com cobertura de chocolate meio amargo, feito em datas especiais; os biscoitinhos de polvilho, que ela aprendeu com uma vizinha mineira; e o doce de abóbora com coco, enrolado em papel celofane colorido, que só aparece na época de festa junina. Cada receita tem uma história, uma origem que atravessa quintais, comadres e panelas antigas. Dona Elza diz que quando cozinha, ouve vozes da avó dizendo para não abrir o forno antes da hora, da mãe lembrando de peneirar duas vezes o fubá, do pai pedindo o canto do tabuleiro, onde o bolo fica mais crocante.

Foi com esses doces que ela criou os filhos. E é com eles que agora sustenta os netos. A memória do que se come também constrói a memória de quem se é. Quando uma cliente pede o “bolo do costume”, não está pedindo só um sabor, está pedindo a continuidade de um tempo que parece cada vez mais distante. Um tempo em que as receitas passaram de boca em boca, em que o corpo sabia o ponto certo da massa sem precisar de cronômetro. Dona Elza, com sua touca branca e avental florido, é mais do que uma doceira. É guardiã de um saber que mistura sobrevivência, afeto e resistência. E talvez, nesse país onde tudo que é simples vira luxo, o verdadeiro privilégio seja ainda poder sentir o cheiro do bolo antes do café esfriar.

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A cobertura sensacionalista por parte do jornalismo pode interferir nas decisões jurídicas do país.
por
Luísa Eller
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25/08/2020

A mídia, frequentemente, joga holofotes nos casos criminais de grande comoção. Isso resulta em uma cobertura jornalística profunda e exagerada, o que gera uma exposição enorme em torno de todos os personagens envolvidos e afetados pelo crime cometido. Desde os culpados até as vitimas são afetados pela exposição midiática. Os efeitos que isso causa são sentidos em diversos âmbitos e a mídia tem a capacidade de moldar as consequências desses atos, desde a sentença até mesmo a ressocialização dos réus.

Sociedade do espetáculo 

Constantemente, as tragédias criminais são transformadas em espetáculo midiático. A sociedade consome, com frequência, a exposição que a mídia faz em torno de crimes de repercussão nacional. No livro, a sociedade da exposição, de Guy Debord, o autor explica que a sociedade vive em um constante especulo e torna a vida um filme. O mesmo acontece quando alguns casos criminais são vendidos pela mídia como entretenimento. A mídia é considerada um quarto poder, segundo autor Auriney Uchôa de Brito: “A ideia de mídia como o "quarto poder" surgiu na Inglaterra no início do século XX, quando, na sede no parlamento inglês, criou-se uma galeria para receber os repórteres que acompanhariam as decisões dos representantes dos três poderes da época, o poder temporal, o poder espiritual e o poder dos comuns.”. Portanto, desde sua formação a mídia vem trazendo impactos muito fortes na sociedade, em geral. Além de servir como um poder paralelo à justiça, interferindo nos âmbitos, políticos, sociais e econômicos de uma nação também.

Além disso, podemos perceber que o ser humano tem o hábito de querer ver coisas chocantes. Por isso, os crimes mais brutais são os que mais dão audiência nos jornais. As pessoas tendem a querer ver e se chocar com os acontecimentos, por mais sangrentos que seja. A fascinação pelos fatos sangrentos, violentos, ante os quais sempre está unida uma justiça implacável, toma parte dessa literatura que [...] igual a seus consumidores, tende a valorizar os efeitos exagerados, a exacerbação sentimental e lacrimal em torno dos acontecimentos violentos. (BARATA, 2003 apud LEITE, 2017, p.3). O jornalismo, então, se apoia nesse desejo da sociedade para divulgar as narrativas, porém de forma sensacionalista, para alcançar mais visibilidade e envolvimento do público. Budó afirma também que Ele [o sensacionalismo] permite que se mantenha um elevado índice de interesse popular (o que é conveniente para o veículo, na época de competição por leitores e de maximalização publicitária), refletindo, na divulgação de crimes e grandes passionalismos, uma realidade violenta muito próxima de imprecisos sentimentos do leitor; oferece-lhe, em lugar da consciência, uma representação de consciência (...). Quanto aos problemas, eles se esvaziam no sentimentalismo ou se disfarçam na manipulação da simplificação e do inimigo único. (LAGE, 1979 apud BUDÓ, 2013, p. 251).

Mas esse sensacionalismo envolvido nas coberturas jornalistas tem suas consequências. A principal delas é o furor popular que elas causam, fazendo com as pessoas desejem justiça. A linguagem sensacionalista, caracterizada com ausência de qualquer moderação, busca chocar o público, causar impacto, exigindo seu envolvimento emocional. Quando a população se rebela contra algo ou alguém, essa indignação se estende ao júri popular e até mesmo aos juízes. Se comparamos as sentenças de casos, podemos perceber a interferência que a mídia causa nas decisões judicias. 

Comparando casos

Foto mostra o rosto de Suzane Von Richthofen
O rosto da menina foi exposto em todos os jornais na época. (Foto: AP Photo/Flavio Grieger-Folha Imagem)

 

Por exemplo, analisando dois casos parecidos, o de Suzane Von Richthofen e Amarildo Martins Borges. No primeiro, a criminosa planejou e cometeu o homicídio de seus pais, juntamente com o namorado e o cunhado. Amarildo foi acusado e condenado por executar seu pai, com um tiro a queima roupa. Suzane foi condenada por dois crimes de homicídio e pelo crime de fraude processual, recebendo uma pena de 39 anos de reclusão e seis meses de detenção. Além disso, ela teve prisão preventiva decretada. Já no segundo caso, Amarildo foi condenado a seis anos de reclusão, podendo recorre em liberdade. Mesmo com crimes parecidos entre si, as sentenças foram extremamente desiguais. A maior diferença entre os dois, foi a superexposição que o caso Richthofen sofreu por parte da mídia. Suzane teve seu rosto, sua história e vida expostos em todos os noticiários, de forma sensacionalista, visando chocar a população. Já Amarildo sequer teve uma foto sua divulgada, o caso não passou em nenhum canal de televisão. Essa discrepância foi a principal causa da diferença entre as penas recebida por cada um. E esse padrão se repete constantemente no sistema judiciário brasileiro.

Entretanto, as consequências não ficam apenas na maneira como a sentença e o julgamento são conduzidos. Após uma superexposição midiática e a transformação da tragédia real em espetáculo, os acusados ficam impedidos de ter uma ressocialização. Com os rostos conhecidos no país todo, é impossível que réus em casos dessa magnitude possam voltar a conviver ou ter uma vida normal em sociedade. O que contraria o sistema penitenciário brasileiro, que visa a ressocialização dos condenados. Como não existe pena perpetua ou de morte no Brasil, as pessoas devem ter o direito a voltar a conviver em sociedade, após cumprirem sua pena. Mas a mídia tem o poder de permitir ou não que os condenados tenham direito à ressocialização. Aqueles que tiveram suas vidas expostas não terão esse direito. Já em casos que não se tornam espetáculos midiáticos, os réus podem ter a seus direitos de cidadão respeitados. Ou seja, a mídia dosa as penas em alguns casos.

Esse reflexo também é sentido pela família, tanto dos réus, quanto das vitimas, que veem os casos expostos em rede nacional. O sensacionalismo midiático não tem moderação e expõe a vida pessoal de todos envolvidos em uma tragédia. Sem pensar nas consequências que isso pode trazer, inclusive, para vitimas inocentes envolvidas nos casos.

Portanto, fica claro a influencia que a mídia exerce no sistema penal brasileiro. Mas, por mais que a população exija condenação dos culpados e tenha direito a revolta, a Justiça deve ter autonomia e competência para julgar sem a interferência midiática. A cobertura jornalística não deveria influenciar nas decisões judiciais ou como nos direitos civis do cidadão. Além de precisar ter a sensibilidade e senso para tratar de assuntos trágicos. 

Crimes cometidos por homens X mulheres

Um estudo sobre homicídios feito pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e publicado em 2014 aponta que 95% dos assassinos no mundo são homens. Com 5% dos crimes de homicídio na conta, as mulheres que cometem esse crime, entretanto, sofrem com uma maior degradação de sua imagem por parte da mídia. Principalmente por conta das exposições sensacionalistas que a cobertura jornalística faz de casos comoventes ou chocantes. A mídia, frequentemente, é apontada por especialistas como o quarto poder em uma sociedade. O que faz sentido, se entendermos a magnitude e efeitos que a exposição midiática causa na vida das pessoas. O impacto é enorme tanto por quem assiste e, principalmente, por quem está sendo exposto. 

A ideia da natureza feminina

Foto mostra meninas brincando de boneca
Foto: Thinkstock

Os crimes cometidos pelas mulheres já causam impacto, pois o crime é visto como um ambiente masculino. Como o corpo feminino é entendido como frágil e dócil na sociedade, atos bárbaros só poderiam ser cometidos por seres humanos do sexo masculino. Então, quando a mulher é criminosa especula-se que ela tenha desvios de conduta e seja um individuo que deva ser linchado da sociedade. O mesmo não acontece com os homens, que são os maiores autores de crimes no mundo. Desde que as penitenciárias femininas começaram a ser criadas, existe-se a ideia de que as mulheres criminosas são seres piores do que os homens, devendo ter algum problema. A saúde mental da mulher estava relacionada à sua natureza, em especial, a sexual, enquanto a do homem, aos seus atributos sociais de trabalhador e provedor (ENGEL, 1997). As teorias médicas predominantes afirmavam que a fisiologia sexual feminina era inerentemente problemática, facilmente propensa a patologias e capaz de provocar desvios de comportamento (Rohden 2001). Lombroso alegava que “a mulher seria duas vezes mais fraca que o homem e, por tanto, pelo menos duas vezes menos criminosa”. E continua: “a inferioridade delinquencial da mulher também decorria de certa falta de habilidade e de inaptidão”.

 Uma das explicações, avança, é da área da psicossociologia e prende-se com o facto de Segundo a investigadora Raquel Matos "as mulheres serem mais conformadas com as normas: comportam-se mais de acordo com as regras, ponderam mais", o que está relacionado "com a forma como são educadas".  Comenta em entrevista ao jornal português Diário de Notícias. Isto faz que não seja esperado que cometam crimes, sobretudo os mais violentos. "Estranha-se menos ser um homem a cometer um crime. Este é um fenómeno mais raro. Neste último caso mediático, se fosse um homem a matar a mãe, provavelmente não se faria esta reportagem", diz a investigadora.

Mas a especialista em psicologia forense, Adriana Eiko explica que “as vivências e as identificações do que diz respeito à gênero papéis sociais formas de manifestar certo formas de manifestação desejo afetivo-sexual tudo isso são também construções e depende da forma como esse sujeito está inserido no contexto em que ele vive né dizendo tudo isso porque primeiro a gente tem que pensar constituição de gênero sempre nessa forma relacional e também de uma construção histórica e social”.  Por isso, a ideia de papeis são definidos por questões sociais.

Portanto, os problemas que as mulheres criminosas apresentam estariam, frequentemente, relacionados à sua vida sexual. Alguns autores acreditam que a mulher tem sua imagem mais degradada do que os homens, pois cometer um crime significaria uma traição do feminino, cuja "natureza" deve estar estreitamente ligada à domesticidade e maternidade. Já o homem, seria violento por natureza, não sendo um desvio natural das coisas que um ser masculino cometesse um ato ilícito. Como a mídia procura discursos sensacionalistas para criar envolvimento do público, quando os crimes brutais são cometidos ou planejado por mulheres, a cobertura se intensifica. Pois na cabeça das pessoas um corpo feminino do mundo do crime é ainda mais chocante. Contudo, a maneira com que as mulheres são expostas e retratadas, mesmo que em uma cobertura midiática sensacionalista, ainda é diferente dos homens. 

Por isso, as mulheres criminosas são vistas frequentemente como deploráveis, péssimas mães e esposas, mesmo se essas características nada tiverem a ver com seus crimes.  Isso é uma ideia que surge na sociedade médica e se torna um senso comum. Mas a mídia tem um forte papel de corroborar com essas ideias, até os dias atuais.

Mídia corrobora para o problema

Segundo Budó (2006, p. 8): “[...] mais do que divulgar acontecimentos, o jornalismo possui um papel de definir quais são os fatos que repercutirão na mídia, e quais não serão conhecidos. Além desse quadro de abordagem da realidade, ainda o jornalista define qual o ângulo será privilegiado na notícia, mesmo que isto ocorra inconscientemente. Quando se trata de notícias sobre crimes, o senso comum jornalístico é preponderante ao definir a forma de abordagem do fato.”. A mídia, muitas vezes descrita como quarto poder, tem a capacidade de corroborar ou não a manutenção de estereótipos. Quando falamos de mulheres criminosas, dificilmente a mídia não contribui para a exploração de suas imagens. Segundo os autores Bird e Dardene, as notícias são como mitos. Pois não apresentam os fatos da maneira real em que eles aconteceram, mas segundo seus significados. Ou seja, o jornalismo cria espetáculos em torno de histórias reais, contribuindo para o que Guy Debord chama de Sociedade do Espetáculo. Na qual os seres humanos estão frequentemente buscando fazer de tudo um show.

A autora Jewkes identificou oito formas narrativas padrão (standard narratives) das quais o jornalismo lança mão ao falar de mulheres criminosas: 1) sexualidade e desvio sexual (sexuality and sexual deviance); 2) atração física (physical attractiveness); 3) condição matrimonial, como más esposas (bad wives); 4) maternidade, como más mães (bad mothers); 5) monstros mitológicos (mythical monsters); 6) “vacas loucas” (mad cows); 7) manipuladoras do mal (evil manipulators); e 8) não agentes (non-agents). Nos jornais brasileiros é possível identificar a maioria desses exemplos quando as reportagens tratam sobre mulheres criminosas.

Exemplo famoso na mídia? 

Os maiores exemplos no Brasil são de casos que causaram alvoroço na mídia. Por exemplo, no caso de Elize Matsunaga, que matou e esquartejou seu marido, Marcos, a mídia jogou um foco sobre seu passado. As matérias não se limitaram a cobrir o caso, mas encheram o leitor ou telespectador de informações irrelevantes sobre as características físicas da mulher e sobre seu passado. Como se isso fosse de interesse público. Várias reportagens frisaram o fato de sua filha estar dormindo enquanto ela matou o marido – o que reforça a ideia de a condenada ser uma péssima mãe. Mas o mesmo não é visto com homens que matam suas companheiras, inclusive as mães de filhos também.

“O romance de um rico executivo que se casa com uma bela garota de programa começa como uma história de cinema e termina em tragédia.” diz trecho da reportagem na revista Veja. “As fotos bem produzidas da mulher loira, de traços delicados, corpo sinuoso e codinome Kelly chamaram a atenção do jovem executivo de ascendência japonesa.” Trecho de outra reportagem da revista Veja. Esses trechos apontam seu passado e ainda exploram as características físicas da mulher, o que não interessa para a cobertura do caso. Além disso, a matéria aborda de forma sexualizada seus aspectos físicos. Uma coluna na Folha de S.Paulo fez um alerta aos homens sobre o perigo de se casar com uma garota de programa. No texto, intitulado de "Uma Linda Mulher", que faz alusão ao filme de Julia Roberts e Richard Gere, o autor fala sobre como é preciso que os homens tomem cuidado com as mulheres que escolhem. O que ofende uma classe e diversas mulheres, fazendo com que as pessoas acreditem que Elise cometeu um crime apenas por já ter sido garota de programa. Além do mais, na maioria dos casos, as maiores vítimas de violência doméstica são as mulheres e não os homens. 

Foto mostra capa da revista Veja
Capa da revista Veja sexualiza a imagem de Elize
coluna da folha de sp
Coluna publicada na Folha de S.Paulo alertando os homens dos perigos de se envolver com uma garota de programa.
print de site
Site do antigo trabalho de Elize, divulgado nas mídias (Foto: Reprodução)

 

Suzane Von Richthofen

Outro exemplo que podemos retratar é o caso de Suzane. Quando a jovem foi acusada e, posteriormente, condenada pela morte dos pais, a mídia fez do caso um espetáculo com a menina no centro. Contudo, novamente, a cobertura jornalística não focou no acontecido, em si, mas na figura de Suzane. Por ser uma menina rica e padrão, o caso chocou o país, como uma estudante que tem tudo poderia cometer tal atrocidade? Além disso, as características físicas da menina eram levadas em consideração nas matérias produzidas. Fotos de Suzane de biquíni foram divulgadas, além dos comentários sobre seu corpo, antes e depois da cadeia. 

A capa da revista Época também foi sensacionalista, com a manchete "Matou os pais e depois foi pro motel", apontando uma perversidade e desvio sexual da acusada. 

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Foto de Suzane apenas de biquíni divulgada nas mídias
capa da revista Época
Capa da revista Época

Outra polêmica que a mídia criou foi em torno do relacionamento de Suzane com outra mulher dentro da prisão. A então namorada da jovem era ex de Elize Matsunaga, por isso, as matérias noticiaram como uma coluna de fofoca. Um exemplo foi a capa da revista Meia Hora, que além de machista pode ser considerada homofóbica, por usar termos pejorativos. 

capa da revista meia hora
Capa da revista Meia Hora (Foto: Reprodução)

Por isso, com base nas teorias de criminalistas e analisando as reportagens sobre mulheres criminosas, é possível perceber a lógica patriarcal em torno do sistema criminal. Um problema que atinge o Brasil, mas também o resto mundo. O ambiente do crime ainda é ligado ao masculino e as mulheres que entram neste meio são também vitimas de um machismo, por parte do sistema criminal e, principalmente, por parte da mídia, que as expõe de maneira irrelevante para a cobertura jornalística.

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O relógio se torna nosso maior inimigo quando não podemos usufruir do tempo como e com quem queremos
por
Adriane Garotti
|
01/06/2020

A vida em casa entre as paredes, portas e janelas parecia ser o que a gente sempre quis. A queixa da falta de tempo no dia a dia,  que não permitia usufruir do lar, agora não faz mais sentido. Dizem que a vitamina D é essencial nesse momento de isolamento, por isso vou até minha janela da sala toda manhã, entre o intervalo de uma aula e outra. É engraçado a intensidade que sinto o sol tocando minha pele agora. Antes eu andava na rua apenas focando nos milhares de pontinhos da minha agenda que eu precisava cumprir, mas agora alguma coisa parece diferente. O sol está mais quente ou sou eu que estou mais fria precisando dele?

Minha quarentena estava indo bem, na medida do possível. Vivendo dos meus privilégios entre as diversas paredes brancas da minha casa. Dormindo, acordando e fazendo alguns exercícios físicos que nem na vida comum eu faria. Os números na televisão só crescendo, a necessidade de humanizar a principal prova de que nossa vida é finita, a morte.

Foram 86 anos vivendo nesse planeta. Meu avô não foi mais um número da Covid-19, mas foi mais uma pessoa que nos deixou provando que a vida acaba para todo mundo. Foi a partir desse momento que o significado de vida e morte se ressignificou pra mim, então o aperto no peito passou a fazer parte da minha rotina da quarentena.

E tinha que ser agora vovô? Eu fico me perguntando isso repetidamente e a resposta é sempre a mesma, em qualquer momento que fosse seria uma perda imensurável. A pandemia limitou nossos encontros e nisso se foram quase dois meses sem se ver, agora nunca mais. Os últimos encontros e conversas foram por vídeo. Se adaptar a esse novo mundo tecnológico para conseguir demonstrar o afeto que tanto faz falta nesses tempos de distanciamento social.

(Imagem: Adriane Garotti)
Imagem: Adriane Garotti

Confesso que quando comecei a escrever esse texto eu não fazia nem ideia do que estava por vir nessa quarentena, parecia que tudo já estava ruim demais para piorar. E como tudo nessa vida consegue nos surpreender, dessa vez foi o coração do meu avô que não aguentou. Agora eu fico aqui escrevendo e errando o tempo verbal das palavras, é difícil colocar no passado aquilo que ele costumava fazer todo dia. O estranho é que agora a dor que está no meu coração também é tão forte que, parece que nunca mais vou conseguir ficar feliz novamente. 

Desde o início do isolamento social meus dias já estavam devagar, mas agora está quase impossível ficar olhando pro relógio. Aqueles ponteiros estão girando de maneira tão lenta, parece que meu sofrimento se prolonga a cada minuto que passa. Que injusto é esse tempo, por que não passou mais devagar enquanto meu avô ainda estava aqui com a gente? Que injusto é esse tempo. 

Dentro da minha própria casa estou me sentindo numa montanha-russa. É aquele sentimento de frio na barriga quando está subindo e perda de todo controle emocional quando está descendo. Meus dias agora são assim, algo tão inexplicável que ninguém deveria nunca precisar entender, e muito menos sentir. Cabe a eu mesma dar quantas voltas forem necessárias nessa montanha-russa para tentar não me sentir mais tão insegura em um mundo sem meu avô. 

Não é pouco, são 21 anos sendo a neta mais velha. Aquela que foi a primeira em tudo. Na mesma intensidade que eu ia aprendendo o significado da palavra vovô, ele também ia aprendendo o significado da palavra neta. Um aprendendo e errando com o outro, assim se constrói aquilo que chamamos de amor. A cada pão de queijo que ele ia buscar na padaria quando eu pedia, em cada massagem que ele fazia nas minhas costas e falava que tinha dó de parar, porque eu gostava muito. Tudo isso se resume em amor, e são essas lembranças que quero comigo para sempre.

Engraçado que lembrar desses momentos também é muito dolorido. Quanto mais memórias chegam, mais as lágrimas descem. Eu já nem sei mais quando estou chorando ou sorrindo, já nem sinto mais meu olho embaçado. O único sinal que tenho é quando meus olhos começam arder, como se quisessem dizer “hei, chorar não vai mudar nada”. 

Essa minha realidade de quarentena é parecida com a de muitas pessoas que estão perdendo familiares nessa pandemia. Mesmo que meu avô tenha sido morte natural, o sentimento de nunca mais poder ver alguém é horrível demais para ser vivido. Esse aperto no peito parece que vai sufocar, ainda mais estando entre as paredes de casa, sem poder ir lá fora se distrair. Essa prisão da quarentena estava mais fácil quando eu tinha que lidar só com ela, mas quando a dor chegou para acompanhar, ficou quase impossível.

Ver minha família sofrendo me quebra em pedacinhos que vão demorar algum tempo para se refazerem. O medo de esquecer os mínimos detalhes vividos com ele me atormenta. A impotência de não poder lutar contra a ordem natural da biologia humana me enraivece. E assim vou seguindo cada dia que resta desse isolamento social, que agora me afeta em outra dimensão, me priva de abraços atenciosos que valeriam muito nesse momento de vulnerabilidade. 

Não saber o que esperar me deixa ansiosa. Será que vai demorar muito para eu receber um abraço de um amigo? E até quando vou ficar com esse sentimento estranho dentro de mim? Um texto com tantas perguntas que ninguém pode me responder, somente vou saber enquanto viver. Minha avó me disse para parar de chorar porque “é tipo passarinho quando molha a asa, ele não consegue voar em paz”, então decidi seguir o conselho dela e deixar meu avô voar em paz. Com a gente fica só a saudade, essa só vai aumentar. 

 

Imagem da capa: Adriane Garotti

 

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comportamento
Aquilo que noticiamos também nos afeta.
por
Beatriz Leite
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01/06/2020

estamos cansados

Gostaria de vir aqui e escrever que durante esta pandemia tenho visto ônibus desocupados, ruas vazias e supermercados onde as pessoas mantém a maior distância possível. Gostaria de contar que estão todos muito engajados a fazer o necessário para evitar contato social e desacelerar a contaminação. Gostaria de poder falar que temos um presidente consciente da situação, que não está poupando esforços  para proteger a população. 


Queria muito poder falar de tudo isso. Mas eu sou jornalista, não uma escritora de ficção. Por isso tenho que vir aqui contar que as ruas estão cheias e os ônibus estão lotados. Contar que ontem vi um grupo, sentado na frente do supermercado, em uma roda,  dividindo cerveja; sem máscaras, sem proteção, sem cuidado, sem responsabilidade social, sem nada. Tenho que contar que a cada absurdo que o presidente da república diz e faz me deixa estarrecida. Tenho que contar que a cada dia que vejo a atualização dos novos casos da doença, dos novos óbitos, eu choro. 


Ser jornalista em tempos de pandemia é continuar fazendo todos os esforços necessários para que a informação não deixe de circular, apesar de todos os pesares. Alguns dizem que só servimos para empilhar os corpos e colocá-los na frente das câmeras. Às vezes sim. Agora, infelizmente, é uma dessas vezes. Mas não é só mostrar por mostrar. É mostrar buscando que o mínimo de consciência brote na cabeça dos mais descrentes. Nós sabemos que pessoas morrem todos os dias. Mas não assim. E temos que mostrar para que isso fique claro. 


Jornalismo é um serviço essencial e informação correta e apurada é vital para ajudar no combate ao novo coronavírus. Para falar e provar por A+B como isso é sério e perigoso, como podemos nos cuidar, mostrar que essas mensagens que mandaram no WhatsApp sobre terem encontrado uma cura ou sobre caixões e hospitais vazios não são verdade. Esclarecer que mesmo alguém sendo presidente, esse alguém não é dono da verdade. Ninguém é. Nós também não somos. Mas nós temos números, imagens e especialistas ao nosso lado. E você que questiona, tem o que? Não tem provas, mas tem convicção? Talvez seja a hora de revê-la.


Parece que além disso tudo, esquecem que não somos só jornalistas, somos pessoas. Esquecem que não é confortável nos expormos e voltar para casa com medo de contaminar quem mora conosco. Nos tratam mal, nos hostilizam, nos agridem. Não fazem ideia de como é o mundo sem o nosso trabalho. E realmente espero que não precisem passar por isso para valorizá-lo.


Eu sei que a imprensa não é perfeita, os jornalistas não são perfeitos. Erramos muito e vamos continuar errando. Mas os verdadeiros profissionais lutam diariamente para um bom trabalho, com informações corretas. 


Mas penso também que talvez a culpa não seja só daqueles que nos maltratam. Talvez a culpa seja de não terem sido educados para compreender o jornalismo e saber consumi-lo. De não terem sido ensinados que imparcialidade não existe. E, o mais importante, que opinião e fato são coisas completamente diferentes. 


Quando chego em casa, tiro minha roupa ainda na porta, coloco-a num saco e ponho pra lavar. Junto com as roupas, me desnudo também da minha função. Não assisto jornal, evito as notícias. Tento usar esse espaço pra fingir que o mundo está normal. E, infelizmente, olhar pela janela faz parecer que está mesmo. Acho que se não houvesse uma medida estadual tornando o uso de máscaras obrigatório, ia parecer só mais um dia qualquer, com pessoas indo e vindo, pra lá e pra cá.


Pego o celular e faço uma chamada de vídeo com meus pais. “Você tá bem? Tá sentindo algo? Tem álcool em gel aí? Os ônibus estão muito cheios?”. Estão sempre preocupados. Acho que são esses momentos que eles torcem o nariz para a minha escolha profissional. Quando veem que não é aquele glamour que a bancada do jornal das 20h00 faz parecer que é. 


O Brasil é o 6º país mais perigoso para jornalistas, segundo a Unesco. E mesmo assim, eu não me arrependo, nem se quer por 1 segundo, da profissão que escolhi. 


No livro “Profissão Repórter: 10 anos”, a jornalista Gabriela Lian conta que o que a fez enfrentar a jornada que os fiéis percorrem no Círio de Nazaré, para mostrar de perto como era a experiência, foi a fé no jornalismo. É nisso que eu me agarro todos os dias: na fé de que o jornalismo pode mudar o mundo, as pessoas e ajudar a construir uma sociedade melhor. 
 

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Abluo antehabeo iaceo importunus in paulatim saluto.
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05/06/2019

Fere ludus obruo tamen vulputate. Adipiscing autem consequat genitus quadrum quibus tation uxor. Defui fere ibidem laoreet lenis suscipit. Lobortis natu populus premo quadrum quae typicus. Accumsan dolus iaceo metuo si turpis valde virtus. Dignissim iaceo turpis valde validus venio. Haero mauris nimis. Aptent brevitas dolor letalis quidne ratis ymo. Immitto importunus melior minim scisco sed similis. Adipiscing camur facilisi imputo neque tincidunt ulciscor valetudo. Eros euismod mauris paratus scisco tego. Consequat ex nutus plaga premo sudo valde.

Autem esse exputo gemino lobortis nimis nostrud odio pala tamen. Esca exerci feugiat gravis valde vulpes. Aliquam aptent ille melior quis sagaciter. Commodo ea praemitto quidne singularis vindico voco. Illum luptatum metuo. Acsi cui lobortis praemitto. Causa esse illum magna nimis proprius quae si ut venio. Adipiscing elit lenis metuo. Gravis haero iusto neo praemitto. Abico aptent importunus jus metuo pertineo quidem saluto si verto. Ille nunc pagus plaga probo validus vindico. Aptent lenis mos pertineo ullamcorper usitas ut verto wisi ymo. Abigo eros letalis. Eligo exerci immitto pertineo valetudo. Haero ludus modo. Caecus cogo commoveo enim obruo olim quae quidne usitas. Abdo conventio facilisis haero huic ille molior paulatim praemitto. Aliquip decet valde. Dolor esse gemino haero lucidus neque quadrum tamen usitas. Appellatio feugiat saepius voco. Commoveo decet interdico jugis luctus minim occuro paratus qui vul

putate. Bene gravis modo molior refero. Aliquam caecus causa persto vicis. Consectetuer enim eum genitus loquor pala proprius sudo suscipere vindico. Dolore erat facilisi gilvus ille luctus sit. Defui hos immitto lucidus mos neque scisco ut valetudo. Eum iusto saepius suscipere ullamcorper velit. Enim iustum letalis quidem sino. Abluo feugiat gemino hos jus oppeto os populus sino velit. Illum metuo praemitto sino vel vulpes. Haero inhibeo melior ratis vicis. Appellatio capto comis erat ideo melior premo refero vindico. Abluo nimis praesent probo proprius quadrum quibus

secundum. Brevitas eum feugiat iaceo jugis minim populus sit tamen. Ideo ludus pneum quibus similis sit turpis volutpat wisi zelus. Haero tum turpis. Causa proprius vel voco. Blandit huic pagus patria singularis. Ad immitto obruo refero saepius scisco tum. Aptent autem duis erat hendrerit ibidem in jugis neo nutus.

Aliquam autem dolor elit exputo hendrerit iustum pala plaga tincidunt. Aliquip commoveo utrum. At conventio damnum esse gravis mauris qui sit uxor vindico. Augue quadrum secundum si utinam. Eros euismod meus neque olim. Amet consequat duis eligo fere feugiat populus similis ymo. Acsi mauris minim. Capto

diam ea esse nimis nulla roto. Brevitas cui defui olim premo proprius scisco. Acsi causa esca ibidem os vel veniam. Loquor nibh tamen tum. Abico aliquam esca praemitto. Dignissim macto nisl quae ratis te. Et eu inhibeo os plaga turpis. Abbas acsi consectetuer esca gravis oppeto refero ullamcorper. Accumsan et singularis wisi. Acsi ad commoveo cui haero humo obruo olim roto. Comis huic luptatum mos valde. Feugiat populus quia venio. Adipiscing commodo feugiat loquor te vindico vulputate.

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