Gleice e Bruna, mãe e filha, formaram laços de sangue ao viverem a experiência do cárcere
por
Vitor Bonets
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24/10/2025

Por Vitor Bonets

 

É tarde de sábado, mais um dia de visita. 20 minutos. É tudo que elas têm. Passado e presente, frente a frente, em uma mesa apertada para duas. Sacolas nas mãos, filas lotadas, muitas mulheres e poucos homens. Primas, irmãs e cunhadas ansiosas. Sem contar as "mainhas", que se precisar dormem em frente a Penitenciária Feminina de Sant'ana. Do lado de fora, um sol pra cada uma. Do lado de dentro, apenas a ânsia de ver o sol nascer redondo novamente. Desde o dia 12 de dezembro de 2020, Bruna não sabe o que é a liberdade. Ela é uma daquelas que, se pudesse, escreveria nas paredes da cela a quantidade de dias que faltam para voltar a ser livre. Por falta de espaço e ferramenta, não faz. Mas na cabeça, guarda a data da prisão e o dia em que sairá. Aliás, ao falar da possível saída, ela esboça um sorriso, frente a um olhar que já não parece ser tão doce quanto o das fotos antigas. Bruna foi vítima do amor cego. Seu crime, como brincam os mais jovens, talvez tenha sido amar demais.

Aos 16 anos, quando era apenas uma garota, ela conheceu Kaynan. O jovem, com 19, já era conhecido por todo o bairro do Livieiro, na zona Sul de São Paulo. Jogava bola como poucos, tinha nos pés uma leveza difícil de se encontrar nos campos e nas quadras. Mas leves mesmo eram suas mãos. Bobeou na frente do "muleke" era gol. Ou melhor, era bolso, onde ele guardava com maestria os pertences das vítimas que fazia pelas redondezas. 

Não demorou muito para enxergarem o talento de Kaynan no bairro. E não, não era o talento nas quadras. Porém, "os meninos do ramo" não gostaram muito quando viram que o jovem atuava próximo às áreas deles. Então, certo dia, Kaynan foi chamado para uma conversa e tomou o famoso "salve". Sem violência, a princípio, mas ouviu palavras que certamente não foram de consolo. Entre toda a mensagem passada, uma coisa fez com que o jovem mudasse. Ele ouviu que se fosse para tirar de alguém, teria que ser dos que tem, dos endinheirados, e não de trabalhadores da comunidade. E então, não precisou de muito tempo para as mãos leves de Kaynan sentiram o peso de pegar em uma arma, essa até dada pelos meninos. E já que a peça já estava em mãos, e a cena já tinha sido roubada, o jovem se tornava protagonista da história. Porém, havia uma coadjuvante que ainda entraria em ação. 

Ela era Bruna, que sabia do que Kaynan fazia nos últimos tempos. De mero furtador para assaltante número um do bairro. Não só sabia, como aproveitava de alguns privilégios que havia tido por ser a "namoradinha da vez" do jovem. Ninguém mexia com Bruna, muito menos ousava desrespeitá-la. Ela passava e as outras garotas abaixavam a cabeça. Era a "princesa da quebrada", intocável, cheia de si, na flor da idade e com um certo "poder" que cada vez mais subia para a mente. Mas em casa, o tratamento era diferente. Sua mãe, Dona Cleide, fazia de tudo para que Bruna não seguisse seus passos. Com toda experiência de quem já viveu as ruas, ela sabia que o caminho que a filha tomava só tinha um final. O dela mesma, como foi há 32 anos. Cleide não admitia o relacionamento da filha com Kaynan, não queria que ela se envolvesse com os meninos, mas já não era mais capaz de frear a garota. Talvez por não ficar tanto em casa devido ao trabalho de diarista, a mulher que tentava mostrar para filha um futuro melhor, não conseguiu a tirar das mãos do crime. Ela dizia à filha que depois que entra, não tem mais volta. Dizia que Kaynan, quando a casa caísse, não iria segurar nem a própria bronca, imagine a de Bruna. A menina decidiu não escutar a mãe e preferiu ficar com o jovem, que cada vez mais ganhava destaque pelas ruas. E no final, quem é peixe pequeno no meio do grande mar do crime vira isca de peixe grande. 

Era dia 10 de dezembro. Kaynan recebeu uma missão. Coisa rápida e fácil, como a vida errada que levava. Ele só precisava pegar uma encomenda com os meninos e deixar em uma "casa bomba", local usado para o armazenamento de drogas vindas do crime. Porém, a única coisa que explodiu foi a liberdade de Kaynan. Ao virar na Rua João Semeraro, a polícia já o esperava no endereço. A fuga nem foi cogitada, pois já não havia mais para onde correr. Kaynan foi pego no flagra e desde esse dia a vida de Bruna virou de cabeça pra baixo. Ao ser preso, o jovem disse que Bruna o ajudava nos delitos. Era ela quem armazenava drogas e os objetos frutos de roubo em casa. Era ela quem entrava em contato com os mandantes do crime. Era ela quem decidia as missões que valiam a pena ou não para Kaynan. E foi ela o primeiro alvo da polícia após a prisão do namorado. A polícia localizou Bruna em casa e, de fato, encontrou drogas e produtos roubados. Porém, ela não sabia que Kaynan guardava os flagrantes em casa e, então, já era muito tarde para se explicar. Foi levada para o 3º DP (Sacomã) e prestou depoimento. 

Dois dias depois, estava decretada sua prisão. Foi cúmplice e culpada por um amor que o levou para cadeia. E só pensava que era melhor ter escutado a própria mãe. Gleice avisou, pois sabia como tudo acontecia. Três décadas atrás, havia sido presa também com envolvimento em um amor criminoso. Ela também levou a culpa por crimes cometidos pelo namorado. Era jovem e também se vislumbrou com as regalias da vida bandida. Mas após passar quatro anos na cadeia entendeu o que tentou explicar para filha. Não vale a pena, mesmo que a pena seja pouca. 

Hoje, mãe e filha se encontram. Uma na frente e outra atrás das grades. A vida separada pelas barras de ferro. Passado e presente. Só restam 20 minutos nos dias de visita e o gosto da liberdade e da falta dela. Os homens não estão mais presentes. As abandonaram, assim como a fila de espera para entrada na Penitenciária Feminina de Sant'Ana identifica um padrão. São mulheres do lado de fora que cuidam de mulheres do lado de dentro. Passados os 20 minutos, só as resta voltar para suas famílias. As de cela e as de ceia. Dividem e vestem laços de sangue, juntas e misturadas. Após pouco tempo de voo livre, uma das borboletas em formação volta para o casulo. A outra, em liberdade plena, pode voltar para casa sem medo de se tornar lagarta novamente.

Cleide e Bruna, dois lados da mesma moeda, duas faces de uma mulher leal. Duas encarceradas. Liberdade e cárcere. Memórias da prisão. De qualquer forma, passado e presente. Mas acima de tudo, juntas. Uma família, que ao lado de irmãs, primas e cunhadas, ganha outros familiares no convívio. Ainda sim, nada é como ver o sol nascer redondo, deitar na própria cama, comer uma boa comida e degustar do sabor de estar livre. Para Gleice, o crime não compensou. E para Bruna, os ensinamentos da mãe ainda ecoam nos ouvidos e pelas paredes da cela.

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A crença da autonomia financeira e a liberdade de horários esconde a precarização do trabalho.
por
Rafael Rizzo
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23/09/2025

Por Rafael Rizzo

 

A luz dourada e cansada do final de tarde de uma terça-feira paulistana invadia o carro pelas frestas dos arranha-céus, pintando listras fugazes no painel e no rosto de José. Aceitei a corrida na Avenida Paulista, e o cheiro que me recebeu não era de um carro de aplicativo qualquer. Era um odor de vida vivida ali dentro; um misto do aromatizante de baunilha pendurado no retrovisor, do café que ele devia ter tomado horas antes e de algo mais profundo, o cheiro de um espaço que é, ao mesmo tempo, ferramenta de trabalho, refeitório e, por vezes, confessionário.

José me cumprimentou com um "boa tarde" que carregava o peso do dia inteiro. Seus olhos, vistos pelo retrovisor, eram fundos, cercados por uma teia fina de rugas que a tela do celular parecia ter gravado ali. As mãos, calejadas e grossas, seguravam o volante com uma firmeza que contrastava com a vulnerabilidade em sua voz quando disse ter começado como motorista de Uber há seis anos.

- "A gente ouve aquela conversa, né? 'Seja seu próprio chefe', 'faça seu próprio horário'. Parece um sonho." Ao dizer "sonho", ele soltou uma risada curta, um som seco, sem alegria, que morreu rapidamente no ar abafado do carro. Seus dedos tamborilaram no volante.

- "A maior mentira que já me contaram."

A primeira emoção que transpareceu em José foi o desengano. Não era raiva, não era tristeza ainda. Era o cansaço de um homem que perseguiu uma miragem e encontrou um deserto. Ele gesticulou com a mão direita, tirando-a do volante para desenhar um círculo no ar. Disse que era uma liberdade falsa e que era livre para escolher a hora que começa a se acorrentar. Conta que inicia o aplicativo às seis da manhã se quiser ter a chance de pagar as contas no fim do mês. Só desliga depois das sete, oito da noite. Isso num dia bom. Doze horas.

Ele disse o número como se fosse uma sentença.

- "Doze horas é o mínimo. É o chão. Mas nesse chão, você não constrói nada. Você só sobrevive."

Enquanto falava, o trânsito forçou a parar. José não olhou para os outros carros. Seu olhar se perdeu em algum ponto da rua, talvez vendo não os pedestres apressados, mas os boletos que o esperavam em casa. Havia uma quietude em seu corpo que era assustadora; a imobilidade de quem se sente encurralado.

- "E o corpo cobra", ele continuou. A voz agora um tom mais baixo, mais íntimo. Ele ajeitou as costas no banco, um movimento que era claramente para aliviar uma dor crônica na coluna, nos joelhos... Ficar sentado aqui o dia todo nos destrói aos poucos. Comemos mal, comemos rápido. Um salgado aqui, um lanche ali. Sua saúde vira um luxo que você não pode pagar, porque parar para se cuidar é deixar de ganhar o dinheiro do aluguel.

Foi quando ele falou sobre o risco que suas mãos, antes repousadas, voltaram a se agitar. Ele não gesticulava de forma ampla, mas seus dedos se fechavam e abriam sobre o volante, como se testassem a própria força. Ele tem o medo. Todo dia. Não sabe quem vai entrar no seu carro. Já entrou em cada lugar... Cada beco escuro, cada rua sem saída. Uma vez, de madrugada, entraram três rapazes. Ficaram o caminho todo em silêncio. Um deles só o olhava pelo retrovisor, conta.

Nesse momento, o tom de José ficou denso, pesado. A luz do dia já se despedia, e as luzes de neon dos prédios começavam a piscar, lançando sombras dançantes dentro do carro. O rosto dele ficou parcialmente na penumbra. Só pensava nos seus filhos. A cabeça só repetia o nome deles, um por um. Graças a Deus, não era nada. Eles desceram, pagaram e foram embora. Mas o gelo na espinha... esse ficou com ele por dias. A menção aos filhos mudou completamente a atmosfera. A dureza em sua voz se desfez, dando lugar a uma ternura que era quase palpável. São cinco, ele disse, e pela primeira vez, um sorriso genuíno, ainda que breve, tocou seus lábios. A mais velha tem catorze, o mais novo tem três. Ele pegou o celular por um instante no semáforo, a tela de bloqueio iluminando uma foto de um grupo de crianças sorridentes e um pouco bagunçadas. O olhar dele para a tela era o de um devoto.

- "É por eles. Tudo. Cada quilômetro rodado, cada 'bom dia' forçado, cada engarrafamento... é pensando no prato de comida deles, no material da escola, no remédio quando ficam doentes. A emoção embargou sua fala por um segundo. Ele pigarreou, virando o rosto para a janela como se quisesse esconder uma lágrima que teimava em se formar. A mão esquerda, que antes se fechava em tensão, agora repousava suavemente sobre a marcha, um gesto de cansaço e resignação. "Mas tem dia...", ele fez uma longa pausa, e o silêncio foi preenchido apenas pelo zumbido do ar-condicionado. Tem dia que a vontade é de desistir. De verdade. De parar o carro no acostamento, desligar esse aplicativo e nunca mais ligar. Se sente um rato de laboratório numa roda gigante. Corre, corre, corre e não sai do lugar. O dinheiro que entra mal cobre a gasolina, a manutenção do carro, o seguro... o que sobra é tão pouco pelo tanto que a gente se doa, confessa.

Seu suspiro foi profundo, um som que parecia vir do fundo da alma, carregando o peso de anos de exaustão. José é só um número para eles, para o aplicativo. Se quebrar o carro, em um minuto eles bloqueiam e ativam outro José qualquer. Não tem direito, não tem segurança, não tem amparo. É seu próprio patrão na hora de arcar com todos os custos e todos os riscos, mas é um empregado sem direitos na hora de receber. Chegando ao fim do trajeto, que no mapa parecia curto, a voz de José já não tinha o desengano do início, nem a tensão do medo, nem a ternura da família. O que restava era um esgotamento puro e simples. A energia de suas palavras havia se esvaído, deixando apenas a casca de um homem que se preparava para a próxima corrida, a próxima batalha.

 

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Comerciante histórico do Centro de SP resiste à onda de gentrificação que transforma bairros tradicionais em polos de luxo.
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Carolina Rouchou
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16/09/2025

Por Carolina Rouchou

 

O ar dentro da cafeteria pesava, um caldo espesso de gordura fria de rosca, o dulçor enjoativo de calda de glucose e o amargo persistente do café requentado que impregnava as paredes, as cortinas, as roupas, a própria pele. Era um cheiro que se tornara parte dele, uma segunda camada que carregava para casa todas as noites e que retornava todas as manhãs. O mármore do balcão guarda a memória de milhares de cotovelos, a superfície lisa e gelada sob a pele áspera da mão do homem que a limpa, um ritual de meio século que começava sempre antes do amanhecer, quando a cidade ainda respirava o hálito úmido e frio da noite. Seus dedos, calejados e marcados por pequenas queimaduras antigas, percorriam cada centímetro da pedra polida com um movimento estudado, removendo os últimos vestígios do dia anterior.

Um ventilador de teto quebrado há tempos acumulava poeira em suas pás. As grades enferrujadas testemunhavam a umidade de cinquenta verões paulistanos. Lá fora, o asfalto já começava a derreter em ondas visíveis, exalando um ar de borracha e concreto que entrava pela porta entreaberta, um antagonista ao cheiro familiar de dentro.

Era um calor que grudava na nuca, uma segunda pele salgada de suor que escorria em filetes lentos pelas costas, marcando a camisa com mapas de umidade. Seus pés doíam, uma dor surda e enraizada que subia pelas canelas, testemunha silenciosa de décadas na mesma posição, sobre o mesmo piso de ladrilhos que outrora brilhavam com o vai-e-vem de centenas de sapatos, e que agora apresentavam lascas e falhas, pequenas crateras de um mundo em desgaste constante.

Toninho observava, através do vidro embaçado e sujo onde se acumulava uma película fina de poluição urbana, o novo fluxo que fluía na calçada. Não era mais a maré humana familiar, aquela massa diversa e barulhenta que cheirava a trabalho, a cigarro barato, a perfume forte de madame e a suor honesto de quem dependia do ônibus lotado. Esse novo fluxo era mais lento, mais silencioso, e exalava um perfume estranho, doce e amadeirado, que vinha da nova loja do outro lado da rua, onde uma xícara de café custava o que ele cobrava por cem. Eles passavam com seus copos de líquido verde e opaco, vestindo roupas de tecidos leves e neutros que não pareciam soar, seus olhos fixos nas telas brilhantes que carregavam nas mãos, alheios ao mundo que os cercava, consumindo o espaço como consumiam a imagem no aparelho. Seus passos eram diferentes, não o arrastar cansado dos que carregavam fardos invisíveis, mas um andar despreocupado, quase flutuante, de quem sabia que um conforto artificial o aguardava a poucos metros de distância.

Antes, o centro da cidade era um corpo quente, pulsante, um organismo complexo onde o suor do office-boy que corria com envelopes se misturava com o cheiro de alfazema da senhora que comprava fios para tricô, onde o pão com mortadela era devorado com a mesma urgência que o pastel de vento mole. A cafeteria era um órgão vital naquele corpo, um ponto de encontro onde o dinheiro era pouco, mas a conversa era farta. O balcão era quente ao toque, aquecido pelos corpos aglomerados, e o ar tremulava com as vozes, com as risadas, com os protestos. O som das colheres batendo nas xícaras formava uma percussão constante, acompanhando o burburinho das conversas que iam desde os preços da feira até as notícias do jornal da tarde. O chão, à hora do almoço, ficava pegajoso de restos de café e migalhas, e o ar ficava tão denso com fumaça de cigarro e vapor de comida que se podia quase mastigá-lo. Agora, o centro estava a ser transformado noutra coisa, um corpo com ar-condicionado, onde o silêncio era uma mercadoria cara e o toque casual, um incômodo. O frio do ar-condicionado das novas lojas invadia a rua em rajadas fugazes quando as portas de vidro automáticas se abriam, um sopro de gelo artificial que cortava o calor real como uma faca, um contraste tão violento que fazia a pele arrepiar.

Ele lembrava das mesas de fórmica rachada, sempre ocupadas e manchadas de café serviam como um testemunho de incontáveis histórias sussurradas sobre dívidas, amores e empregos perdidos. Lembrava do toque áspero do açúcar de papelinho, do cheiro de leite fervendo às pressas, do vapor quente da máquina de espresso antiga que queimava as pontas dos dedos dos seus funcionários, marcas de um ofício vivo.

Cada manhã começava com o ranger metálico das portas de aço enroláveis sendo levantadas, um som que ecoava na rua ainda silenciosa, anunciando o início de mais um dia. O primeiro cheiro a tomar o ar era o do café fresco moído na hora, um aroma terroso e vigoroso que dominava todos os outros por alguns minutos preciosos. Depois vinham os cheiros dos pães sendo aquecidos, da manteiga derretendo nas chapa, dos ovos sendo fritos na gordura. Tudo isso estava a ser apagado, lixado, substituído por superfícies lisas e frias, por madeiras de demolição que fingiam uma história que não era delas, por luzes indiretas que não deixavam sombra para a poeira se esconder. O som do centro mudara; o burburinho vital dera lugar ao zumbido baixo de conversas contidas e ao ruído de fundo de playlists cuidadosamente curadas que vazavam pelas portas das novas lojas.

Mudanças de cenário

 

Os preços subiam como a temperatura num dia de verão paulistano, ultrapassando os quarenta graus na sombra, um calor que fazia o metal da porta queimar ao toque e que obrigava a deixar a entrada entreaberta, por mais que isso permitisse a entrada da poeira fina que cobria tudo com um manto cinzento em questão de horas. O imposto, um fantasma que antes assombrava de longe, agora batia à porta com uma fome nova, um apetite que só aumentava à medida que o endereço ganhava valor nos cadastros da prefeitura, valor esse que ele nunca veria, mas que seria cobrado em notas cada vez mais altas. As contas de luz, outrora previsíveis, agora chegavam com valores que parecia piada de mau gosto, um custo proibitivo para manter os freezers ligados e as luzes acesas. Os antigos vizinhos, as lojas de ferragens, as barbearias, as casas de fio, foram fechando, um a um, substituídos por estúdios de ioga e hamburguerias artesanais onde o pão era preto e o queijo, derretido sobre a carne, custava mais que um prato feito completo. A cada porta que se fechava para sempre, um pedaço da história do lugar morria, e o silêncio que ficava era mais pesado, mais opressivo.

Ele se via ali, uma ilha de fórmica e gordura num mar de concreto polido e plantas ornamentais. Sua cafeteria era a última contra-utilidade, um obstáculo orgânico no caminho da pasteurização total daquela quadra. Os novos moradores dos apartamentos reformados, aquelas caixas de vidro que refletiam o sol cego da tarde, olhavam para a sua vitrine com um misto de curiosidade e desdém. Entravam às vezes, para experimentar o "autêntico", compravam um café e saíam rapidamente, sem sentar, sem tocar nas mesas, sem se contaminar com aquele ar parado que cheirava a um passado que eles pagavam caro para observar de longe. Seus dedos limpos batiam levemente no balcão manchado, e ele via o discreto enrugar do nariz quando o cheiro de óleo requentado os atingia. Eram como visitantes de um museu, observando uma relíquia de um tempo que não entendiam, protegidos pela barreira invisível do seu próprio mundo higienizado.

O pó de café queimado no fundo da chaleira era a mesma textura de sempre, áspera e escura sob a unha. Era o único cheiro que não mudara, a única certeza térmica da água a ferver. Tudo à sua volta se transformara num cenário, e ele, o dono da cafeteria, era agora um figurante, um artefato pitoresco na paisagem gentrificada. O centro já não era um lugar de encontros, mas um produto. E ele, com suas mãos calejadas e seu balcão gasto, era a última ruga num rosto que estava a ser esticado e alisado para agradar a um novo olhar, um olhar que comprava o espaço, mas não sabia habitá-lo.

O ventilador quebrado pendurado no teto era o seu coração ali, silencioso, coberto de pó, testemunha de um calor que já não era mais bem-vindo. As tardes eram as piores. O sol incidia violentamente sobre a fachada, transformando o interior numa estufa, apesar da ventoinha pequena e barulhenta que ele mantinha atrás do balcão e que só movia o ar quente de um lado para o outro. O suor escorria por suas têmporas, e ele usava um pano áspero e já úmido para enxugar o rosto, vezes sem conta. Era nesses momentos que as memórias mais fortes vinham. Lembrava do barulho ensurdecedor dos bondes que passavam lá fora, do apito do afiador de facas, do grito do vendedor de amendoim. Lembrava dos clientes fixos, aqueles que vinham todos os dias à mesma hora, ocupavam o mesmo lugar, pediam a mesma coisa. O homem do jornal, que lia as notícias em voz alta para quem quisesse ouvir. A costureira, que trazia sempre um trabalho para fazer enquanto tomava seu café com leite. O estudante universitário, de ideais fervorosos e livros espalhados pela mesa. Eles não existiam mais. Tinham sido substituídos por uma rotatividade silenciosa e anônima.

A noite chegava, e com ela uma luz diferente banhava a rua. As antigas lâmpadas que davam um tom alaranjado e quente à calçada, foram substituídas por LEDs brancos e frios que iluminavam tudo com uma claridade crua e sem sombras, como um interrogatório. As sombras, outrora cheias de vida e mistério, foram banidas. A própria escuridão se tornara uma mercadoria rara, um luxo que só existia nos cantos mais esquecidos, onde a iluminação pública ainda não fora modernizada. Ele fechava a porta com a mesma chave pesada de sempre, sentindo o peso do cansaço nos ossos, um cansaço que ia além do físico, era um esgotamento da alma. O caminho para casa era agora uma viagem por um território estranho. Onde antes havia bares com mesas na calçada e conversas altas, agora havia esplanadas silenciosas com velas e menus em inglês. O cheiro de comida de boteco, fritura e cerveja derramada, dera lugar ao aroma de cozinha de fusão e cocktails caros. Ele caminhava rápido, seus sapatos gastos ecoando no calçada nova e lisa, um som solitário na noite que já não lhe pertencia. Sua casa, um pequeno apartamento num prédio antigo que milagrosamente ainda resistia, era o último reduto onde o tempo parecia ter parado. Lá, o cheiro era de mofo e de comida caseira, a iluminação era amarela e fraca, e o silêncio era quebrado apenas pelos ruídos familiares dos vizinhos antigos. Era o único lugar onde ainda podia respirar fundo sem sentir o perfume artificial da nova cidade.

O verão avançava, trazendo consigo chuvas torrenciais que alagavam as ruas e revelavam a fragilidade da nova beleza. A água suja subia pelas calçadas, carregando consigo o lixo e a sujeira, invadindo as lojas reluzentes e deixando um rastro de lama e destruição. Enquanto os novos estabelecimentos fechavam em pânico, protegendo seus pisos de madeira clara e seus móveis de design, a cafeteria permanecia aberta. O velho dono estava acostumado. Sabia que a água baixaria, e ele sabia como limpar o chão depois. A resistência era a sua única linguagem. Uma tarde, após uma dessas chuvas, o ar estava estranhamente fresco. Uma brisa rara varria a cidade, limpando temporariamente a fuligem do ar. Ele estava lá, como sempre, quando a porta se abriu e entrou um casal jovem. Não eram como os outros. Vestiam-se bem, mas sem a frieza dos outros. Olharam em volta com curiosidade genuína, não com desdém. Sentaram-se a uma mesa, ignorando a ligeira camada de gordura na superfície. Pediram dois cafés. E, então, ficaram em silêncio, não mergulhados nos seus celulares, mas olhando em volta, absorvendo a atmosfera. O homem notou as mãos do dono, a forma como ele manuseava os equipamentos com uma familiaridade que era quase uma dança. Notou o vapor subindo do líquido, o som da colher batendo na porcelana rachada. E, pela primeira vez em muito tempo, o dono da cafeteria sentiu que estava sendo visto, não observado. Eram apenas dois clientes, um momento breve, mas naquele instante, naquele sopro de ar fresco após a tempestade, pareceu-lhe que talvez nem tudo estivesse perdido. Que talvez, por baixo do verniz novo, o coração velho da cidade ainda pudesse, de vez em quando, dar uma única, fraca, batida.

O pó de café queimado no fundo da chaleira era a mesma textura de sempre, áspera e escura sob a unha. Era o único cheiro que não mudara, a única certeza térmica da água a ferver. Tudo à sua volta se transformara num cenário, e ele, o dono da cafeteria, era agora um figurante, um artefato pitoresco na paisagem gentrificada. O centro já não era um lugar de encontros, mas um produto. E ele, com suas mãos calejadas e seu balcão gasto, era a pièce de résistance. O ventilador quebrado pendurado no teto era o seu coração ali, silencioso, coberto de pó, testemunha de um calor que já não era mais bem-vindo.

Certa manhã, ele encontrou um papel debaixo da porta. Era um envelope fino e elegante, com o logotipo de uma imobiliária que ele não reconhecia. A carta, redigida em um português impecável e frio, expressava um "interesse genuíno" no seu "quiosque comercial de carácter tradicional" e oferecia uma proposta numérica que, outrora, lhe pareceria uma fantasia. O valor era astronômico, obsceno. Ele leu e releu o papel, seus dedos manchados de café deixando uma marca suave no papel brilhante. Aquelas cifras representavam uma vida de descanso, uma fuga daquela luta diária. Mas também representavam o apagamento final. A aceitação seria a última assinatura no atestado de óbito daquele pedaço de cidade que ele conhecera. Dobrou o papel com cuidado e guardou-o numa gaveta cheia de talões e recibos, debaixo do balcão. Não era uma recusa consciente, era um adiamento. Um adiar do inevitável. Nos dias que se seguiram, a presença dos corretores de imóveis na rua tornou-se mais óbvia. Eles usavam ternos leves e sapatos caros, e falavam em voz alta sobre metros quadrados, potencial e valorização. Apontavam para os prédios, mediam as fachadas com olhos clínicos, calculavam. Eles não olhavam para as pessoas, olhavam para os espaços vazios que as pessoas ocupavam provisoriamente. Eram os arquitetos do novo mundo, desenhando uma cidade sobre a cidade, sem precisar de lápis ou papel, apenas comprovantes de transações bancárias.

O dia terminava como começara, com o gesto lento de limpar o balcão. O pano, agora úmido e sujo, percorria a superfície lisa, removendo os últimos vestígios do dia. Lá fora, a cidade nova brilhava, iluminada por luzes LED, enquanto na vitrine da cafeteria, a lâmpada incandescente tremulava, fraca e amarela, uma estrela prestes a apagar-se num céu que já não reconhecia as suas constelações. Ele apagou a luz e ficou na penumbra, olhando para a rua através do vidro. Um último grupo de jovens passou rindo, o som das suas risadas ecoando no silêncio da noite. Eles não olharam para dentro. A cafeteria já era parte da paisagem noturna, invisível como um móvel antigo numa casa nova. Ele trancou a porta, sentindo o peso da fechadura pesada girar com um clique familiar. O som ecoou na calçada vazia, um ponto final minúsculo num texto que ninguém mais lia. O cheiro do café velho impregnou-lhe os dedos uma última vez, um fantasma de um mundo que teimava em não morrer completamente, enquanto ele se perdia nas sombras do seu centro, que já não era seu.

 

 

 

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O corpo da feminino se reinventa como profissão, mercadoria e alternativa de trabalho.
por
Mohara Ogando Cherubin
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23/09/2025

Por Mohara Cherubin

 

Atualmente, os dias começam com a checagem de mensagens e propostas no perfil de conteúdo adulto, antes mesmo do café da manhã de Maria. A academia, os compromissos e o almoço ocupam as primeiras horas do dia, mas é no retorno para casa que o trabalho realmente começa. As tardes e noites são dedicadas a gravar vídeos, responder clientes e editar conteúdos. A rotina, que pode facilmente ultrapassar 12 horas de dedicação, exige organização e disponibilidade. Embora muitos ainda julgam a atividade como algo distante de um “trabalho de verdade”, ela descreve longas jornadas de produção, chamadas de vídeo e edição, realizadas sem apoio externo.

Demissão, dívidas e a responsabilidade de ajudar nas contas de casa foram os fatores que a levaram descobrir, por meio de uma amiga, a criação de conteúdo adulto como uma forma de garantir sua sobrevivência financeira. Provida apenas de um celular e da necessidade de pagar suas despesas, ela decidiu abrir um perfil em uma plataforma e, no primeiro dia, já conseguiu lucrar 300 reais em poucas horas. O resultado imediato a convenceu de que, apesar das dúvidas e inseguranças, havia ali um meio de se sustentar. A partir daquele momento, a rotina de trabalho passaria a girar em torno de gravações, interações com clientes e a construção de uma nova fonte de renda.

O início, contudo, não foi marcado apenas por ganhos. Como era anônima e não tinha seguidores, demorou para alcançar estabilidade financeira na plataforma. Nos primeiros meses, precisou pedir dinheiro emprestado e lidar com a desconfiança da família, que até hoje não sabe exatamente de onde vem sua renda. Para ela, lidar com o estigma social que associa a profissão à piedade é um dos maiores desafios, quando, em sua visão, foi uma escolha consciente diante das circunstâncias que enfrentava.

Apesar de ainda não saber se seguirá no mercado por muitos anos, garante que, por agora, não pensa em parar. Reconhece que sua relação com os clientes é de dependência, mas não admite ser “tirada” dessa vida, como já lhe foi oferecido por um dos consumidores mais recorrentes. Solteira, ela prefere manter o controle sobre suas decisões, sem dever nada a ninguém. Entre o cansaço das longas jornadas, as incertezas sobre o futuro e a satisfação de ver o dinheiro cair na conta, segue encarando um dia de cada vez, certa de que, se for preciso mudar de caminho, encontrará uma forma de se reinventar, como sempre fez.

De acordo com Maria Cláudia Neves, psicanalista especialista em adolescentes, embora o discurso do empoderamento seja colocado como um instrumento de defesa e apareça com frequência nesse contexto, a Psicanálise observa que a sensação de controle dessas mulheres é temporária. No início, a mulher acredita decidir o que mostrar e como se expor, porém à medida em que o sustento dela só é possível com o pagamento de seus assinantes, ela se vê dependente do desejo do cliente. Toda aquela liberdade sentida no começo passa a se tornar vulnerabilidade, uma vez que os conteúdos passam a responder às exigências externas, caso contrário o cliente deixará de pagar e procurará um perfil que atenda às suas vontades. 

Do outro lado da tela, o consumidor busca satisfação em uma fantasia que nunca se completa. Para a psicanalista, trata-se de uma busca por pulsão de vida, por um corpo idealizado que nunca é suficiente. É por essa razão que tantos indivíduos desenvolvem vícios em pornografia. De acordo com dados do PornHub, site canadense de compartilhamento de vídeos pornográficos, o Brasil está entre os dez países que mais consomem pornografia, com 39% de usuárias mulheres e 61% de usuários homens. Os conteúdos são esporádicos e a satisfação é sempre passageira, levando ao consumo repetitivo. Assim como a criadora de conteúdo se torna refém da manutenção de sua imagem e dos gastos associados a ela, o cliente também se torna refém de seu próprio desejo.
 

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Forçada a se casar com o primo ainda na adolescência, Val deixou o interior de Minas para reconstruir a própria vida em São Paulo.
por
Nicolly Novo Golz
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30/05/2025

Por Nicolly Golz

 

Valdete, ou simplesmente Val, nasceu entre plantações de milho e cheiro de terra molhada, na pequena São João do Pacuí, no norte de Minas Gerais. Em um lugar onde o tempo parecia andar mais devagar, o destino das meninas era quase sempre o mesmo: casar cedo, ter filhos e servir à lavoura. A tradição era regida tanto pelos costumes familiares quanto pela força da religião, Val e sua família são da Congregação Cristã no Brasil, onde o silêncio das mulheres é um mandamento e o casamento é, mais que um compromisso, uma sentença perpétua.

Val era a filha do meio de cinco irmãos. Seus pais, primos entre si, se casaram aos 13 anos e iniciaram uma vida pautada pela roça e pela rigidez religiosa. Naquela casa de chão batido e paredes frágeis, estudar não era prioridade. Mas Val tinha outros planos, com a ajuda de um padrinho persistente, convenceu os pais a deixá-la ir para a escola. Caminhava mais de 10 quilômetros para pegar o ônibus, e só faltava quando o pai a obrigava a trocar os cadernos pela enxada. Mesmo assim, estudou e se tornou a única alfabetizada de sua família. Porque entendia que a educação era sua única chance de escapar.

Mas escapar não seria tão simples. Aos 17 anos, Val foi forçada a se casar com um primo, como tantos antes dela. A justificativa era religiosa, cultural e inevitável. Com ele, teve dois filhos: Miriam e Lucas. E foi por eles que, anos depois, encontrou forças para dar o passo que mudaria sua história. Ela já tinha aceitado o próprio destino, acreditava ser mais uma mulher marcada pela invisibilidade, pelo silêncio, pela submissão. Mas quando viu seus filhos crescendo, percebeu que ainda havia tempo para mudar o curso deles, e talvez o seu também. Pegou o pouco que tinha e partiu para São Paulo.

Chegou à capital com uma mala pequena e um coração em pedaços. Dormiu no chão de casas emprestadas, dividiu espaços com desconhecidos e trabalhou no que apareceu: faxineira, cozinheira, babá, cuidadora de idosos. Com fé em Deus e força nos braços, reconstruiu sua rotina sem nunca deixar que o cansaço a definisse. Em uma de suas primeiras faxinas em São Paulo foi chamada para limpar uma mansão em um bairro nobre da zona sul. Ao entrar, seus olhos se perderam entre os detalhes: a piscina de azulejos claros, o chão de mármore, uma geladeira maior que o quarto onde dormia. Ali, pela primeira vez, viu um vaso sanitário aquecido e uma máquina de lavar louça. E também ali, pela primeira vez, entendeu que a desigualdade não era apenas econômica era estrutural, cotidiana e cruel.

Val teve que levar Miriam para o trabalho um dia, por não ter com quem deixá-la. Enquanto limpava o chão da sala, ouviu risadas vindas do quarto das crianças. Miriam brincava com a filha da patroa. Minutos depois, a patroa a chamou em voz baixa, com um sorriso gelado. Pediu que, por favor, não levasse mais a filha. E, dias depois, mandou Val embora. Disse que "não estava dando certo". Val entendeu o recado. Não era só o olhar torto. Era o prato separado, o copo de plástico, os talheres guardados em um armário diferente. Era a desconfiança velada, o “você pode esperar na área de serviço”, o “não precisa entrar”, e entender que sua presença era tolerada. E mesmo assim, ela permaneceu. Por necessidade, por orgulho, por amor aos filhos. Miriam e Lucas cresceram vendo a mãe sair antes do sol nascer e voltar exausta, mas ainda sorrindo, ainda tentando. Val se recusava a ser reduzida ao estigma de “mais uma empregada”. Por isso, foi atrás de cursos. Queria se profissionalizar, entender técnicas, estudar padrões de organização. Descobriu que era apaixonada por isso, por transformar o caos em ordem, o excesso em funcionalidade. Já fez mais de dez cursos, pagou cada um com suor e fé. E não para de estudar.

Seu trabalho hoje é em Mogi das Cruzes, onde conquistou uma clientela fiel como personal organizer. Uma antiga patroa, sensibilizada pela sua dedicação, pagou a última mensalidade do curso e a indicou para outras mulheres. A agenda de Val cresceu e com ela, a sua autoestima. Mas nem tudo está resolvido.

O marido, com quem foi obrigada a se casar, vive encostado. Não trabalha, não ajuda, não participa. Val sustenta a casa sozinha e ainda não conseguiu se divorciar. A religião que sempre lhe deu força, hoje também é sua prisão. A Congregação Cristã não aceita o divórcio. Dentro dela, mulheres como Val devem suportar caladas. Val, no entanto, vive uma batalha íntima, silenciosa, mas diária. Ela sabe que precisa se libertar desse casamento. E está decidida a fazê-lo. A fé, para ela, não está na instituição, mas em Deus. Val não perde um culto. Vai de cabeça coberta, Bíblia na bolsa e joelhos prontos para dobrar. É nas orações que encontra fôlego. Conversa com Deus a todo momento no ônibus, na limpeza, ao organizar uma gaveta. Sente a presença de Deus em tudo. E é essa presença que a mantém firme, mesmo quando o mundo parece desabar.

Hoje, aos 43 anos, Val vive com os filhos em uma casa simples, mas só dela. Decidiu que não vai mais se curvar para sobreviver. Quer viver com dignidade, com escolha, com liberdade. Ainda enfrenta preconceito, ainda batalha por respeito, mas não aceita mais ser silenciada. Val não é exceção. É o retrato de milhares de mulheres negras, pobres, invisibilizadas. Mas o que ela construiu com fé, estudo e força ninguém tira. Sua história é sobre coragem não a coragem de quem vence tudo, mas a de quem continua mesmo quando tudo conspira contra, Val sempre sendo simplesmente Val. 

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Com 46 candidaturas, São Paulo tem o maior número de coletivos entre os estados
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Carlos Englert e Rafael Felix
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01/10/2022

São Paulo conta com 46 candidaturas coletivas registradas, das quais 33 são para deputado estadual, 12 para deputado federal e uma para senador nas eleições deste ano. Esses movimentos estão filiados a partidos de esquerda e centro-esquerda. Partidos como o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e o PT (Partido dos Trabalhadores), contam com um pouco mais de 40% das candidaturas coletivas registradas.

O número de candidaturas coletivas quintuplicou em comparação com as eleições de 2018, em São Paulo. Na última corrida eleitoral, 18 mandados coletivos concorreram a cargos no Legislativo, enquanto neste ano o número chegou a mais de 40 candidaturas. Esta modalidade se popularizou por possibilitar ao candidato um meio mais competitivo para disputar as eleições. 

Os coletivos, que surgiram como uma alternativa aos cargos individuais, visam à descentralização do poder e o aumento da representatividade e participação popular. São formados por pessoas com um propósito político comum, que se organizam e escolhem um membro para representá-las no congresso. Desta forma, além do titular do mandato, os demais integrantes também participam das tomadas de decisão.

Dentre as principais causas desses movimentos estão: a luta pelo direito igualitário das mulheres, a luta antirracista, a luta pró-LGBTQIA+ e a luta pela educação de qualidade.

Uma dessas candidaturas é a do movimento Povo da Cultura, que concorre pela primeira vez a um cargo na ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) pelo PSOL. O movimento, formado por representantes de diversos movimentos culturais de São Paulo, atua pela valorização da cultura enquanto principal foco de enfrentamento aos diversos preconceitos da sociedade, como o fascismo e o racismo.

Para Bruna Reis, co-deputada do Povo da Cultura, a ideia de um mandato coletivo é de permitir um espaço aberto à participação popular constante, seja por meio da chapa, do coletivo, ou até mesmo dos conselhos estaduais e regionais: “É essencial um Mandato Coletivo da Cultura que institua mecanismos de participação, acolhendo diversos lugares de fala, contextos territoriais e somando vivências e experiências de diferentes atores, para que os processos se construam de forma plural”

A doutora em direito político Roberta Gresta, vê o modelo atual positivamente: “O modelo atual de ‘candidatura coletiva’ têm permitido que pautas transversais aos partidos políticos aflorem no debate eleitoral e se fortaleçam, o que é benéfico à diversidade e, portanto, à democracia” 

“Temos visto experiências ricas em que os chamados 'co-candidatos' ganham visibilidade durante a campanha, integram posteriormente o gabinete da pessoa eleita. Isso aumenta a identificação social do mandato e pode servir como celeiro de lideranças e de futuras candidaturas”, exemplifica a doutora.

Entretanto, Acacio Miranda da Silva Filho, especialista em direito constitucional, questiona o modelo destas candidaturas: “Os mandatos coletivos têm mostrado pouca efetividade no cumprimento de um dos seus propósitos, que é a descentralização de poder, uma vez que, na maioria dos casos, o titular do cargo exerce hierarquia sobre os demais ‘co-titulares’, o que faz com que, na prática, estes sejam assessores iguais aos demais”

Apesar de terem ganhado força, ainda não foram regulamentados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ano passado, o TSE autorizou o uso do nome do movimento ao lado do “titular”, pois mesmo que a proposta seja de uma candidatura coletiva, o mandato ainda é individual, de acordo com a lei eleitoral.

A não regulamentação dos coletivos, junto com a sua popularização é outro fator que pode gerar dúvida em relação à integridade e seriedade destes grupos. Para Acacio, a falta de regulamentação torna o mandato coletivo uma mera narrativa eleitoreira, sendo usado por alguns apenas para facilitar o êxito eleitoral.

“Após a devida regulamentação, a sistemática será válida, especialmente com vistas a tornar mais plurais as discussões legislativas, além de possibilitar disputas eleitorais mais paritárias”, afirma Acacio.

Por outro lado, para Roberta, a regulamentação dos mandatos coletivos pode pôr em xeque uma regra basilar da democracia ao interferir no peso dos votos:Se grupos poderem concorrer com vários candidatos, isso multiplicará o peso de quem votou no grupo, já que em lugar de eleger um único candidato com um voto, o eleitor elegeria vários”

“O grupo também levaria vantagem sobre a candidatura uninominal se pudesse continuar concorrendo caso um de seus componentes fosse declarado inelegível”, explica a doutora. Por isso, Gresta vê o modelo atual de "candidatura coletiva” positivamente: “Acredito que o mais equilibrado é manter as regras como são hoje: candidaturas individuais, mas com ampla possibilidade de se identificarem com coletivos e movimentos políticos cujas pautas representam”

Para Cris Banhol, do mandato “Educação e Luta”, as possíveis divergências que poderiam ocorrer dentro do movimento não seriam a principal dificuldade: “Assim como nosso partido, o PSTU, nós nos organizamos a partir do centralismo democrático. Ou seja, temos a mais ampla democracia interna para apresentar posições, encaminhamentos e divergências”. Cris conclui dizendo que a falta de tempo e de recursos são problemáticas, mas que podem ser encaradas por meio da total dedicação e organização por parte de seus membros.

“As candidaturas coletivas têm como base principal a união de propósitos de pessoas que até pouco tempo não habitavam o universo político”, esclarece Acácio.

Para Aldenis Dias dos Santos, candidata às eleições federais deste ano pelo coletivo “Mulheres em Todas as Lutas”, e que vivencia a prática democrática do coletivo, a discussão é fundamental. “Os eventuais conflitos são aqueles próprios da luta coletiva. Vivemos em uma sociedade, que um dos tripés dela, uma sociedade pró-lucro, é o individualismo, é a competição. A experiência de mandato coletivo vem para quebrar isso, sendo a única forma de resolução o debate e a discussão"

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Em um período de dez anos, o número de candidaturas coletivas ao legislativo pulou de três, em 2012, para 213, em 2022, conforme indica o Observatório das Eleições 2022
por
Anna da Matta e Vanessa Orcioli
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01/10/2022

         Há 40 candidaturas coletivas no estado de São Paulo, sendo 27 candidaturas para Deputado Estadual, 12 candidaturas para Deputado Federal, e 1 candidatura para o Senado, de acordo com o levantamento realizado pelo veículo de comunicação JOTA. 

A primeira conquista de mandato coletivo na Câmara de São Paulo se estabeleceu com Silvia da Bancada Feminista e Elaine do Quilombo Periférico, ambas candidatas a vereadoras. Conforme o estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que analisou as candidaturas coletivas nas eleições no ano de 2020, 87,16% do total das candidaturas coletivas registradas foram de partidos de esquerda, 7,64% de direita e 5,20% de centro.   

A jornalista e candidata a codeputada estadual com a Bancada Feminista, Simone Nascimento, destaca a importância dos mandatos coletivos como caminho para o poder popular e chama a atenção para essas propostas. Ela diz ser necessário a construção de mandatos coletivos “para descentralizar o poder e o popularizar, onde de uma vez só, se elege cinco mulheres negras, pensando que na história da Alesp, por exemplo, só tiveram quatro mulheres negras eleitas, sendo, duas delas, em 2018”.

O modelo de coletivos no Brasil existe desde as eleições de 1994, segundo a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). Já as candidaturas eleitorais começaram a crescer em 2012, e hoje contam com 22 mandatos. 

“A gente só operacionalizou o modelo que já fazemos na luta do dia a dia, então, é mais uma ‘novidade’ para a política institucional do que para a gente, que sempre construímos as coisas coletivamente”, relata a covereadora do Coletivo Quilombo Periférico, Débora Dias.

Como funciona as candidaturas coletivas de acordo com a legislação

Embora o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permita a candidatura de coletivos, essas não estão previstas em lei. Para existir esse formato de candidatura é necessário que, uma pessoa dentro do coletivo seja definida e registrada oficialmente no tribunal, e esta quem será a candidata responsável pelo cargo, o que muitas vezes pode fazer com que pareça que o candidato oficial não siga os demais ativistas. 

No ano 2021, o TSE aprovou uma resolução a qual permitirá que, no ano de 2022, o nome do candidato apareça junto do nome do coletivo do qual ele pertence, porém, continua vedado o registro de nome de urna do grupo ou coletivo social, fazendo ainda com que a candidatura seja individual e condicionando o reconhecimento oficial ser de modo dificultoso.   

Para a cientista política e professora, Rosemary Segurado, a autorização para se colocar o nome do mandato na lista seria apenas um pequeno avanço já que, é só um CPF que se responsabiliza pelo cargo. 

Na visão de Segurado, a regulamentação dos mandatos pode ser melhorada. “Acredito que a aceitação dos mandatos possa crescer cada vez mais, mas a questão é que eles sofrem preconceitos devido às suas pautas tratarem de movimentos sociais e de ações culturais”, afirma a cientista. 

Ela destaca que “um dos princípios segundo a frente dos mandatos coletivos é o compartilhamento de poder que, embora seja exercido internamente, nas instâncias legislativas, essa filosofia não acontece devido à falta de regulamentação no Parlamento”.

De acordo com Agência Câmara de Notícias, tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição 379/17, da deputada Renata Abreu (Podemos-SP), que permite a existência de mandato coletivo para cargos do Legislativo (vereador, deputados estadual, distrital e federal e senador). A regulamentação do mandato – a ser compartilhado por mais de uma pessoa – será realizada por lei.

Crescimento nos últimos anos

Em um período de dez anos, o número de candidaturas coletivas ao legislativo pulou de três, em 2012, para 213 em 2022, conforme indica o Observatório das Eleições 2022. Neste ano, grande parte das candidaturas vem de partidos de centro-esquerda, com ênfase para o PSOL (33%) e o PT (16%), e apresentam mais mulheres e pessoas autodeclaradas pretas do que média nacional.

Apesar de ainda estar sem regulamentação, o número de candidaturas coletivas cresceu significativamente na eleição de 2022. Conforme mostra o levantamento do Poder360, realizado com base nos dados do TSE, foram identificadas 218 iniciativas que disputam uma vaga no Legislativo. No total, são 70 nomes para a Câmara dos Deputados, 136 para as Assembleias Legislativas e, pela 1ª vez, 4 para o Senado. 

Embora seja notório o crescimento de mandatos coletivos, ainda se vive em uma polarização política que acabou se intensificando nos últimos anos através do enfraquecimento de alguns partidos políticos. Para certos candidatos, a questão de mandatos coletivos vai contra os preceitos de candidaturas por não estarem dentro de acordos jurídicos e estruturados conforme a lei, o que pode prejudicar a escolha do eleitor. 

Rosemary Segurado analisa que, para muitos mandatos, esse formato é visto como oportunidade de aumento da presença no parlamento. Contudo, o que não se pode acontecer é, essas candidaturas funcionarem apenas como estratégias eleitorais. Na sua visão, isto seria um problema já que, a iniciativa de mandatos coletivos não se trata apenas de jogo eleitoral, mas sim uma ação política diferenciada de descentralização de poder político. E, caso essa iniciativa se esgote, despotencializa a própria ação política das candidaturas. 

Coletivo da Bancada Feminista conversando com eleitores em São Paulo, no ano de 2020. (Foto/Divulgação)
Coletivo da Bancada Feminista conversando com eleitores em São Paulo, no ano de 2020.
(Foto/Divulgação)

 

 

Cenário dos Mandatos Coletivos

O mandato coletivo da Bancada Feminista surgiu com necessidade de se ampliar a representatividade do parlamento e democratizar o acesso ao poder institucional. Para a candidata, Simone Nascimento, o que a motivou participar de um coletivo foi a necessidade de transformar suas indignações em luta coletiva. “Acreditar no poder popular é essencial, ou seja, as decisões nas mudanças, demandas e participações cabem ao povo, só que como o parlamento não permite isso a forma de existir um questionamento é fazendo uma ocupação coletiva”, afirma.

Nascimento enxerga que, uma das vantagens de um mandato coletivo é a possibilidade de poder estar em vários lugares ao mesmo tempo, acompanhar mais faltas, mais comissões e fazer um mandato mais representativo das lutas sociais, sendo capaz de ter uma divisão melhor e acabar por representar mais pautas ao mesmo tempo.

A candidata pelo Coletivo do Quilombo Periférico concorda e adiciona que, mandatos coletivos são sim legitimados e, atrás das urnas e de seus eleitores estão jovens revolucionários. “A ousadia da juventude é o que tem sido a força motriz para mim e para novas configurações políticas, enquanto jovem militante e covereadora”.  

Membro e um dos fundadores do MBL, Kim Kataguiri, protestando a favor do impeachment de Dilma, em março de 2016. (Reprodução/MBL)
Membro e um dos fundadores do MBL, Kim Kataguiri,      protestando a favor do impeachment de Dilma, em março de 2016.
(Reprodução/MBL)

 

Críticas contra os Mandatos Coletivos

O Movimento Brasil Livre (MBL) é crítico ao modelo de candidaturas coletivas. No ano de 2021, o vereador eleito, Rubinho Nunes, afirmou através de suas redes que derrubaria tais mandatos.

Amanda Vettorazzo, candidata a Deputada Estadual pelo partido União Brasil e coordenadora nacional do Movimento Brasil Livre, afirma ser contra a formação de candidaturas coletivas. “É uma aberração até jurídica, na minha visão isso é uma coisa que fere até o proposto, que é você ter um ou uma parlamentar, eleito por cadeira”, relata. 

Vettorazzo não acredita que uma candidatura coletiva possa ser uma forma renovadora de encarar a política institucional. “Querer uma política nova, positiva não tem relação em derrubar coisas que já existem, o que se deve fazer é eleger pessoas novas, pessoas comprometidas, pessoas capacitadas e a ideia de coletivos não têm a ver com isso, porque você não consegue cobrar esse parlamentar”, destaca a candidata.

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Candidatos famosos conquistam muitos votos e levam mais parlamentares para o Congresso
por
Beatriz Loss e Pedro Galavote
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01/10/2022

O que os humoristas Tiririca e Gustavo Mendes, o ator Mário Frias, o jogador de vôlei Maurício Souza, a mulher do ex-ministro da justiça Sérgio Moro, Rosângela Moro e o político Guilherme Boulos têm em comum? Estes são alguns dos exemplos de puxadores de votos das eleições deste ano.

Humoristas, atores, cantores, atletas ou até familiares de políticos viram candidatos. Eles são os candidatos a deputado federal ou estadual que conseguem muitos votos, aumentando o quociente eleitoral de seu partido e levando outros parlamentares para ocupar cadeiras no congresso também.

O eleitor brasileiro a cada quatro anos tem que se preocupar com muitas coisas: conhecer os candidatos, seus projetos, seu histórico na política etc. Muitas vezes, o que acaba sendo uma escapatória mais fácil, é votar em um candidato famoso.

 

Como são preenchidas as cadeiras no congresso

Para entendermos a importância dos puxadores de voto, primeiramente, é importante compreender como funciona a eleição de deputados no Brasil. Trata-se de um sistema de votação proporcional, ou seja, o candidato eleito não se elege apenas com seus votos. Os votos recebidos vão, na verdade, para o partido e é estabelecido um quociente eleitoral de forma proporcional ao número de eleitores de cada estado.

O cálculo funciona dessa maneira: se o candidato tiver, por exemplo, 1 milhão de votos no estado de São Paulo e 10 cadeiras para o Estado em Brasília, cada candidato precisa de 100 mil votos para ser eleito. Um exemplo mais concreto é o Tiririca, que há três mandatos vem elegendo mais dois ou três com a votação que ele consegue. Em seu terceiro mandato teve 445 mil votos do colégio eleitoral e levou consigo mais 3 candidatos de seu partido para a Câmara (400 ÷ 100 = 4), que no caso é o PL-SP.

“Alguns puxadores de votos conseguem votação suficiente para eleger dois, três, até cinco parlamentares. Um caso histórico é o do Enéas Carneiro, que em 1994, sozinho, elegeu ele e mais quatro deputados, um inclusive com menos de cem votos. Ele teve um milhão e meio de votos e isso no cálculo, deu mais 4 parlamentares com ele”, afirmou Marco Antônio Carvalho Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O problema de se colocar alguém com pouco entendimento e conhecimento do funcionamento do mundo político, é que eles acabam se tornando apenas figuras usadas pelos partidos para ter mais cadeiras ocupadas por suas legendas e seu viés político. O próprio Tiririca desde 2011 teve apenas 17 leis aprovadas e desde 2019, nenhuma foi sancionada - o que mostra a dificuldade de um candidato ‘totem’ se tornar uma figura presente na política.

“O que acontece é que muitos puxadores de votos acabam chegando no congresso sem ter a menor noção do que vai fazer, sendo graças a sua notoriedade, e não por sua distinção ou diferenças em termos de capacidade de fazer o trabalho legislativo”, observou Teixeira. “Digamos que [os puxadores de votos] tenham sido mais um agregador de cadeiras na bancada dos partidos. É raro a gente lembrar de um puxador de votos que assumiu protagonismo na política brasileira”, completou.

 

A problemática do sistema proporcional

No Brasil, o sistema de votação proporcional, este em que um candidato consegue levar outros para o Congresso, acontece apenas nas eleições para deputados e vereadores. Segundo João Feres Júnior, cientista político do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), este tipo de eleição acaba sendo mais confuso para os eleitores, e é pouco transparente, visto que, muitas vezes a população não entende ou nem sequer sabe a forma como funciona esse sistema.

“Estamos acostumados a  escolher uma pessoa, um nome para votarmos, mas esse tipo de escolha que deve ser feito para o Legislativo é pouco compreendido e faz com que pessoas ineficientes sejam eleitas e ainda levem mais parlamentares consigo”, acrescentou Feres.

As eleições para os demais cargos, como por exemplo, presidente e governador, que também serão votados nas eleições em outubro, são feitas pelo sistema de voto majoritário, ou seja, o candidato com 50% mais um é eleito, um esquema mais fácil para o entendimento dos eleitores.

Os especialistas, Teixeira e Feres, concordam que apesar de os puxadores de votos serem candidatos com alguma fama ou reconhecimento público por fatores ou feitos não políticos, é de se esperar que as eleições deste ano não sejam tão parecidas com as de 2018 nessa questão de eleger famosos. Naquele ano, com a Operação Lava Jato, muitas das pessoas que tinham ou têm cargos relacionados à justiça ganharam bastante credibilidade, além das diversas propagandas políticas trazendo ‘novas pessoas’ ou ‘formas de pensar’ para a política. Além disso, com o uso das redes sociais e algoritmos como estratégia de campanha política, os candidatos artistas e outros, acabaram por ganhar também notoriedade.

Hoje, em 2022, é possível observarmos através das redes sociais e das pesquisas eleitorais, que a população está em busca de candidatos mais ‘tradicionais’ e que tenham militância partidária histórica.

 

Os candidatos puxadores de votos

Para nós que estamos do lado de fora das campanhas eleitorais, apenas acompanhando pesquisas de intenção de voto e eventos mais pontuais dos candidatos, pode parecer óbvio que algum candidato seja eleito com facilidade e que leve consigo outros companheiros do partido.

Embora os puxadores de votos existam, às vezes, os candidatos com tal potencial podem não se enxergar nesse papel. Guilherme Boulos, candidato a deputado federal pelo PSOL, diz que sua campanha está muito dedicada para que ele seja eleito, mas como não é algo definido ainda, há muito trabalho pela frente agora nesta reta final.

“Nossa candidatura tem um bom recall por conta das eleições de 2018 e 2020, mas isso não significa que seremos puxadores de votos. Há quem acredite até que eu já esteja eleito, o que é um raciocínio equivocado”, afirmou Boulos. "Estamos trabalhando muito, indo às ruas e conversando com a população todos os dias, sempre com pé no chão e sem salto alto. Todo voto importa”, completou.

Não são só os candidatos da esquerda que preferem trabalhar com os pés no chão nesta campanha. O candidato a deputado federal pelo Republicanos, Celso Russomanno, também é muito conhecido por sua atuação na política e também pela sua luta em defesa do consumidor e tem um ponto de vista parecido.O parlamentar conseguiu mais de 500 mil votos nas eleições de 2018 e foi um dos puxadores de votos no estado de São Paulo.

Apesar do seu reconhecimento, a assessoria de Russomanno afirmou que a reta final da campanha eleitoral é muito importante, pois as eleições sempre são diferentes e que não pode cantar a vitória antes, mas que continua confiante em sua campanha e em seus eleitores. 

 

Créditos da foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

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Fernando Haddad (PT), Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia (PSDB) lidam com histórico de padrinhos políticos e nacionalização das eleições no maior colégio eleitoral do país
por
Julia Rugai e Malu Araújo
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01/10/2022

 

 

No maior colégio eleitoral do país, a disputa pelo Palácio dos Bandeirantes se assemelha, cada vez mais, à corrida pela cadeira presidencial.  Em meio à onda de incertezas dessas eleições, o Estado que ainda têm em sua memória mais recente a força do antipetismo, se esquiva do bolsonarismo presente e parece colocar o legado tucano do Estado de São Paulo em uma posição diferente dos pleitos anteriores. 

Segundo a última pesquisa Datafolha, publicada na quinta-feira (22/9), os três candidatos que se mantêm à frente na corrida mostraram oscilações. Os números mais recentes revelam que o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), atual líder nas pesquisas,  marcou 34% contra 36% do último levantamento, Tarcísio de Freitas (Republicanos) subiu de 22% para 23% e o atual governador Rodrigo Garcia (PSDB) manteve a intenção de 19%,  dentro da margem de erro de dois pontos percentuais para mais e para menos.  

 

Foto: Reprodução Instagram @fernandohaddadoficial


 

Reflexo nas campanhas

 

Por mais que tenha mantido uma certa estabilidade nas pesquisas anteriores, Haddad oscilou negativamente, dentro da margem de erro nos resultados mais recentes. Apesar do crescimento de seus adversários, a cúpula do petista enxerga o lado positivo da moeda. Em conversa com o ContraPonto Digital, Nunzio Briguglio, coordenador da campanha de Haddad, afirmou que as últimas oscilações nas pesquisas mostram um acomodamento natural. “Nem piso, muito menos teto, apenas o balanço da onda das pesquisas”.

 A campanha escolheu por não comentar o aumento percentual do adversário tucano que, em um eventual segundo turno contra o candidato petista, utilizaria o legado do partido no Estado para angariar votos.  

Haddad tem se apoiado na figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atual candidato ao Palácio do Planalto, desde o início de sua campanha. Movimento que o ajuda a agregar votos do lado mais progressista do estado, mas que também pode ser uma barreira para seu crescimento, principalmente nas cidades do interior que ainda se apoiam nos governos tucanos. 

Há mais de 27 anos governado pelo PSDB, o eleitorado de São Paulo começa a dar indícios de que procura conhecer o atual governador e candidato à reeleição Rodrigo Garcia. Ainda que o movimento seja tímido, agora, o candidato se encontra empatado tecnicamente com o candidato do Republicanos. 

Em nota, a assessoria da campanha diz que se apega nestes números, mas avalia se deslocar levemente do discurso anti polarização utilizado até o momento.  “O Rodrigo nunca foi candidato a cargos majoritários, então é natural que as pessoas queiram saber sua história e é isso que nós estamos fazendo agora na eleição. Mostrando quem é o Rodrigo e que é um projeto de continuidade daquilo que se fez desde 1994 quando Covas ganhou a eleição”, pontuou o presidente do PSDB em São Paulo, Fernando Alfredo. 

 

Foto: Reprodução Instagram @rodrigogarciaoficial

 

Diferente de seus adversários, Rodrigo Garcia recusa a ideia de ser “apadrinhado” por outra figura da política atual, “o meu padrinho é toda a minha história”, declara.  Seu movimento até este momento da corrida é o de se desvencilhar da imagem do ex-governador paulista João Doria, que deixou o cargo com uma rejeição de 36%. Ao que tudo indica, Garcia permanecerá neste caminho, evocando personagens mais antigos do partido como a família Covas.  

O candidato comenta seus mais de 20 anos de vida pública e diz que não está na corrida para defender presidente da República ou a esquerda que, como avalia, quer chegar ao poder. “Estou aqui para defender São Paulo, para defender aquilo que acredito”. 

   Em contrapartida a nacionalização que Haddad e Tarcísio tem projetado em suas campanhas, o candidato Rodrigo Garcia faz o movimento oposto, fugindo de qualquer vinculação ao seu “antipadrinho”, João Dória. “Se o Dória fosse candidato poderia ser pior para o Rodrigo, sem a figura do Doria ele não é cobrado”, explica Marco Antônio Teixeira, doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e docente de Ciência Política na FGV-SP.

   Ao mesmo tempo que Garcia não se apoia em ninguém, a união com a imagem desgastada de Dória, somado ao seu rol de desavenças políticas com o próprio PSDB “o enfraqueceria mais”, pontua Teixeira.

Já o ex-ministro de Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), continua próximo da figura do atual Presidente da República e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). A proximidade das duas campanhas havia sido questionada, no início da corrida eleitoral, por integrantes da cúpula do presidente diante da falta de posicionamento de Tarcísio em pautas da agenda bolsonarista. A estratégia, porém, era apaziguar o tom, afinal, o Estado de São Paulo demonstra a rejeição de 53% ao governo de Jair Bolsonaro. 

 

Foto: Reprodução Instagram @tarcisiogdf

 

Ainda assim, a campanha  avalia que, desde o início das pesquisas, o apoio do presidente não deixou de ser uma alavanca para o crescimento de Tarcísio. Em nota, a assessoria da campanha informou que enxerga a rejeição do mandatário como algo natural devido ao momento de crise que o país atravessa. “O que vemos é que o governo federal tem conquistas e entregas importantes e Tarcísio vem sendo porta-voz disso”, afirmam. De acordo com a campanha, a presença do Presidente da República na estratégia continuará.

A assessoria da campanha ainda comentou o empate técnico do atual governador Rodrigo Garcia em relação ao ex-ministro, nas pesquisas mais recentes do Datafolha. A campanha interpreta que a pesquisa confirma que Tarcísio segue na frente. “Apesar dos intensos ataques da campanha do Rodrigo Garcia, todas variações estão na margem de erro.” A campanha do candidato do Republicanos se agarra no que nomeia como “voto mais convicto”. 

 Mediante as estratégias políticas usadas nessas eleições, o uso das candidaturas paulistas como palanque eleitoral é um dos efeitos da via de mão dupla ocasionada pela nacionalização das campanhas. Segundo Teixeira, o impacto de Haddad e Tarcísio na campanha de Lula e Bolsonaro é justamente a força de palanques “competitivos” no estado de São Paulo, o que reflete e mensura a disputa nacional dessas eleições.

 

Conservadorismo e antipetismo

 

  Fato é que São Paulo possui um “cinturão do conservadorismo” em sua base eleitoral, demonstrando pontos de polarização ideológica marcados por uma  divisão muito forte entre capital, interior e litoral. Dentro do estado existe: “o eleitor de São Paulo sendo mais progressista, o eleitor do interior mais conservador e do litoral é uma mescla, dependendo da cidade é mais conservador, ou mais progressista”, frisa a cientista política da Universidade Federal de São Carlos, Maria do Socorro Braga.   Essa repartição não é rígida, porém ela possibilita que as candidaturas enxerguem com mais clareza as regiões com maior ou menor possibilidade de voto dentro do estado. 

  O cientista social  Marco Antônio destaca a “esperança” de Rodrigo Garcia no apoio que vem da “periferia para o centro”, ou seja, do “interior para a grande cidade”. Segundo o professor, o candidato está “confiando” na influência que os prefeitos locais possuem no eleitorado dessa região. Embora isso possa ocorrer,  "neste momento a gente não vê uma outra divisão no Estado de São Paulo que não esteja apontando para essa polarização”, conclui Teixeira. 

 

Cientista Social Marco Antônio Teixeira em entrevista com a repórter Malu Araújo- Foto: acervo pessoal. 

 

  Já a  cúpula do candidato petista, enxerga que o partido tem utilizado sua experiência e administrado as principais cidades do Estado, a fim de minimizar a força do antipetismo nas outras cidades. O coordenador da campanha de Fernando Haddad, Nunzio Briguglio, aponta que os eleitores parecem não se sentir representados pelo “oportunismo de outras candidaturas''. De acordo com ele, nunca uma campanha do PT encontrou tamanha receptividade no interior de São Paulo, embora a rejeição de 36% do candidato no Estado.  

 

Possíveis rumos

 

O reflexo dos presidenciáveis nas campanhas dos candidatos ao governo de São Paulo estará ligado diretamente a um olhar geral do que foi cada governo, destacam os cientistas. “Temas por exemplo: onde que o país estava melhor? Agora no governo Bolsonaro ou era no governo Lula? Onde de certa forma se desmatava mais? No governo Lula ou no governo Bolsonaro? Onde se buscava ter maior interação com o setor produtivo? No governo Lula ou no governo Bolsonaro?”, segundo Teixeira essas questões vão chegar no âmbito estadual e impactaram de alguma forma as campanhas dos candidatos.

Um  dos questionamentos que podem ser feitos ao candidato do Republicanos é sobre sua capacidade de governabilidade do estado, visto que “ministro não é chefe do executivo, não é Governador, não é presidente”, enfatiza Marco.

Já a cientista política Maria do Socorro aponta que o cenário que se desenha para outubro pode ser de desvantagem para o petista Haddad no segundo turno, devido à possível união entre os partidos para derrubar o candidato.  “No segundo turno é que vai ser o problema [...] é possível que todo esse pessoal [ PSDB e Bolsonaro] se una para o Haddad não vencer”, afirma Maria.

Dentro das incertezas que restam até o dia 2 de outubro, uma já está no radar da especialista política: se o PSDB perder as eleições do maior colégio eleitoral do Brasil, o qual lhe conferiu enorme credibilidade durante 28 anos, “a tendência é se transformar num nanico assim, em 2026 você vai ter um partido nanico competindo, mas bem pequenininho”, encerra a cientista social Maria do Socorro.

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Sem aliados, o movimento tenta se manter vivo politicamente usando as mesmas estratégias eleitorais do pleito de 2018
por
Raphael Dafferner e Lucas Martins
|
25/09/2022

O Movimento Brasil Livre lançou novos candidatos tanto à Assembleia Legislativa, quanto à Câmara Federal para as eleições de 2022, em São Paulo. Os candidatos possuem o objetivo de tentar recuperar, no âmbito estadual, a força do movimento, que, de 2020 para cá, tem sido alvo de escândalos.

O MBL vem de uma série de derrotas políticas. Além da cassação do ex-deputado Arthur do Val - também conhecido como Mamãe Falei -  (União Brasil) após o vazamento de áudios sexistas durante a sua viagem à Ucrânia após o início da guerra contra a Rússia, a saída Fernando Holiday (Novo) e o rompimento com o bolsonarismo durante a pandemia da Covid-19 enfraqueceram o movimento.

A professora da PUC-SP, e cientista política especialista em estudos eleitorais, Rosemary Segurado, destaca que o rompimento com o bolsonarismo no meio da pandemia da Covid-19 foi outro duro golpe ao movimento:

“Romperam com o Bolsonaro mas não rompem com os principais princípios defendidos pelo bolsonarismo, então eles ficam sem lugar, pois já tem o bolsonarismo, que é uma parcela consolidada do eleitorado, que não é o caso deles”. 

A crise no MBL

A crise se agravou em maio deste ano, quando o então deputado estadual, Arthur do Val, teve seu mandato cassado.

Em março, o ex-parlamentar usou expressões misóginas para se referir às refugiadas ucranianas, e declarou que “elas eram fáceis porque eram pobres”. Além disso, do Val falou sobre uma viagem que um dos líderes do MBL, Renan Santos, fazia anualmente à Europa Oriental para se relacionar com mulheres loiras. A excursão se caracterizaria como turismo sexual.

Mamãe Falei teve seu mandato cassado com 73 votos a favor e nenhum contra.

A professora afirma ainda a pauta da defesa dos valores morais na sociedade sempre foi uma das bandeiras do MBL, e que, portanto, o vazamento dos áudios sexistas de Arthur do Val é um importante fator que ajuda a explicar a sua queda de influência recente, por conotar uma certa hipocrisia.

“O peixe acabou morrendo pela boca. Em 2019, eles organizaram um protesto em uma exposição queer em Porto Alegre e com um discurso muito conservador e preconceituoso, mas aconteceu o que aconteceu com o Arthur do Val. Caíram-se as mascaram e acabaram se enfraquecendo”, afirmou.

Ademais, segundo a professora, a falta de apoio a Arthur do Val durante seu processo de cassação por parte de outros partidos, simboliza um isolamento do MBL ocasionado por uma divisão das direitas após divergências com o atual governo.

A efeito de comparação, o também Deputado Estadual Fernando Cury (União Brasil) teve apoio na Casa após assediar a parlamentar Isa Penna (PC do B). Ele foi punido com a perda do cargo por apenas 119 dias.

O MBL ganhou notoriedade ao se destacar durante grandes mobilizações da direita, como as manifestações antipetistas e a ascensão bolsonarista. Portanto, após o impeachment da ex-presidente Dilma e todos estes golpes, o movimento começou a enfraquecer.

Além de Arthur do Val, outro duro golpe que abalou o movimento foi a saída de Fernando Holiday para ingressar no Partido Novo. 

Holiday anunciou sua saída do MBL em janeiro do ano passado. Em seguida, ele se filiou ao Partido Novo - antes era ligado ao Patriota. Segundo declaração do vereador na época, um dos motivos de sua saída foram algumas divergências quanto à importância das causas LGBTs e da luta contra o aborto para o movimento.

Apostas que se mostraram erradas do movimento também acabaram acarretando em perda de notoriedade. No âmbito federal, o MBL apostou em duas candidaturas à presidência que não se firmaram. Primeiro o comediante Danilo Gentili, apoiador das ideias neoliberais, e, posteriormente, o ex-juiz e atual candidato ao Senado, Sergio Moro.

Atualmente, o movimento tenta sobreviver na política com novos nomes, mas mantendo o mesmo discurso, e as formas de propagar as ideias.

“Por outro lado, em termos mais eleitorais, a estratégia segue a mesma. Muita ênfase nas pautas culturais, no choque com a esquerda, um pouco do sensacionalismo. O que se vê é que essa estratégia, que funcionou para eles antes, ainda segue sendo praticada”, afirma Caio Marcondes especialista em comportamento eleitoral e direita brasileira, e doutorando em Ciência Política pela USP.

Marcondes, no entanto, ressalta que, mesmo após as falas machistas de Arthur do Val, o movimento ainda tem uma base fiel que o apoia:

“É importante notar que o Arthur do Val não é candidato porque teve o mandato cassado. Mas se ele se lançasse ao legislativo, a chance de ele se eleger era muito alta. Apesar do escândalo que abalou a imagem dele, ele ainda tinha uma imagem muito positiva com uma margem grande de eleitores. Mesmo caso do Gabriel Monteiro do Rio, que consegue mobilizar uma base muito grande de seguidores”.

Apostas para a Alesp

Uma das candidaturas do MBL nas eleições à Assembleia Legislativa de São Paulo é Amanda Vettorazzo. Segundo Caio Marcondes, a candidata à Assembleia Legislativa de São Paulo tem grandes chances de se eleger.

“Já vi vídeos da Amanda Vettorazzo tentando polemizar com bolsonaristas, se colocando uma alternativa à direita. O potencial está aí”, afirma Marcondes.

Em contrapartida, Rosemary Segurado não crê o MBL terá tanto sucesso na competição com o Bolsonarismo:

“Eles lançaram três candidatos à Alesp, e eles estão planejando uma campanha com o olho no retrovisor em 2018. Se eles conseguirem eleger um, já está ótimo”.

Segurado afirma ainda que o eleitorado, diferentemente das eleições de 2018, está mais focado em candidatos com experiência na política e presentes no campo progressista, o que pode ser mais um empecilho ao movimento.

A especialista completa ainda afirmando que o MBL perdeu muito espaço após o rompimento com o bolsonarismo, o que tirou muito do seu poder de mobilização.

“As últimas manifestações convocadas pelo MBL foram desprezíveis do ponto de vista numérico, de repercussão. Eles estão voltando pro lugar que eles estariam se não fosse a Lava Jato, o impeachment da Dilma e a onda bolsonarista. Então eles começam a perder um pouco desse espaço”, ressaltou.

Candidatos do movimento, na ambição de conquistar uma das 94 cadeiras da Alesp, costumam defender, além das pautas de costumes, o controle do orçamento, uma diminuição do Estado e uma menor intervenção do governo na economia.

“Tenho o Estado tatuado no meu braço. E eu defendo muito que o orçamento fique aqui em São Paulo, e não vá todo para Brasília. Essa é minha principal luta”, afirmou Amanda Vettorazzo em entrevista ao ContraPonto Digital. 

Além disso, a candidata tentou se descolar da imagem de Arthur do Val, apesar de minimizar a fala do colega:

“Eu acredito que [o caso do Arthur] não vá me prejudicar. Isso já passou, ele já pediu desculpa e pagou caro, até demais, pelo que fez. Já pagou pelo áudio que, claro, não é bacana. Eu até repudiei na época, mas não repudio o trabalho que ele faz e que eu tentarei seguir na Alesp, que é a luta contra privilégios”.

Outra aposta do MBL para este ano é Guto Zacarias (União Brasil).  Como um homem negro conservador que se opõe às cotas, o candiato busca emular a dinâmica de Fernando Holiday (Novo), mostrando-se um forte opositor da esquerda.

“O cara tá com a camiseta do Lula, bora discutir? Fica com camiseta de bandido aí mano”, questiona o candidato para a Assembleia Legislativa de São Paulo em um de seus vídeos para sua página no TikTok. 

O ContraPonto Digital tentou contato com Guto Zacarias, que não respondeu aos pedidos de entrevista.

Apostas para a Câmara de Deputados

Para a Câmara de deputados, o MBL lançou Cristiano Beraldo (União Brasil), ex-secretário do turismo da cidade do Rio de Janeiro, posto que deixou para assumir a coordenação da campanha de Arthur do Val ao Governo de São Paulo. Porém, após o escândalo dos áudios e a retirada da candidatura de do Val, Beraldo decidiu concorrer à deputado. 

Em sua campanha, Kim busca se mostrar como alternativa à direita. O forte uso das redes sociais e de termos utilizados pela juventude é uma grande aposta do candidato para tentar conquistar o público jovem. 

O ContraPonto Digital entrou em contato com Cristiano Beraldo, que decidiu não responder aos questionamentos feitos. Kim Kataguiri também não quis dar entrevista. 

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