A trajetória de brasileiros e irmãos latinos que atravessam a fronteira México-Estados Unidos em busca de novas oportunidades.
por
Rayssa Paulino
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18/11/2025

Por Rayssa Paulino

 

Isadora Ferreira é natural de São Paulo e tinha apenas dezessete anos quando deixou amigos, família para trás, buscando moldar o novo futuro em solo estadunidense. Se tornou uma a mais no meio dos cerca de 230 mil brasileiros, segundo dados do instituto Pew Research Center de 2022, que vivem ilegalmente nos Estados Unidos. Sua motivação era o noivo, que é um cidadão americano e a única pessoa que conhecia no hemisfério norte.

A forma que usou para entrar no país é talvez a mais conhecida entre as não convencionais - ou ilegais. O cai-cai, termo comum para este tipo de travessia, é liderado pelo “coiote”, uma pessoa que guia um grupo cheio de sonhos e esperança pela fronteira debaixo de chuva, sol, vento, cansaço e inúmeras intempéries - climáticas ou humanas- por dias a fio até chegarem à fronteira e se entregarem à imigração americana. Ali estão de fato a própria sorte, podem ser aceitos ou deportados.

Quinze de janeiro de 2023 foi o dia D. Isadora acordou muito antes do sol nascer, às quatro horas da manhã, para enfrentar a experiência que poderia mudar sua vida para sempre. Se arrumou, pegou sua mochila e saiu rumo ao aeroporto internacional de Guarulhos acompanhada de Vanessa e José Rocha, casal de mineiros que se juntaram à garota pelo coiote. O peito tomado de ansiedade. 

O check-in já estava feito e a próxima parada seria uma escala na Colômbia. Já em outro país, o tempo de espera não foi tanto, apenas três horas. Próxima parada, Guatemala. Ali a situação ficou um pouco mais apreensiva, a informação que chegava era de que a imigração estava mais chata, muito em cima e deportando passageiros. Já estava ali e não poderia arriscar, por isso esperou dentro do aeroporto até o horário do voo. Próxima parada, El Salvador. Neste momento o medo tomou conta, teria que sair do aeroporto e enfrentar a imigração. O que você veio fazer neste país? Quantos dias vai passar e quanto dinheiro tem com você? Vai ficar hospedada onde? Tem um endereço? Foram algumas das perguntas feitas pelos agentes na entrevista. Por sorte, Isadora tinha algumas informações e as que não tinha, conseguiu verificar rapidamente pelo celular. Os nervos, que já estavam nas alturas, duplicaram de intensidade quando somente ela e Vanessa atravessaram para o outro lado.

Atrás das grandes portas automáticas, outro coiote esperava para guiá-las até a próxima etapa. "Dale, dale, dale", apressava o homem. Elas foram levadas para um carro e conduzidas para um motel, onde iriam descansar e passar a noite. As cinco da manhã começaria tudo de novo.

No dia seguinte foram novamente colocadas dentro de um carro, mas dessa vez a companhia seria maior, passaram em outro motel para pegar mais imigrantes. O trajeto durou quarenta minutos e desembarcaram próximo a um rio, o primeiro desafio a ser enfrentado. O dia estava ensolarado, a mata em volta era esverdeada e o caminho do chão era rasteiro, quase que moldado pelos tantos pés que já o percorreram. A água não era funda, ficava quase a um palmo abaixo do joelho de Isa, mas a correnteza era bem forte. De braços dados, formaram uma corrente humana para se apoiar, muitos homens, mulheres e uma ou duas crianças pequenas.

Nesse momento, a paciência e perseverança foram grandes virtudes a serem testadas. A cada mini trajeto, mais duas a três horas de espera para serem levados até outro ponto. Até parados pela polícia local foram, mas nada que alguns dólares não resolvessem. Logo tiveram mais uma noite de descanso.

No dia seguinte se repetiu a rotina de acordar cedo e se mover. Sem andar tanto, foram colocados numa espécie de Pau de Arara e rodaram por quatro horas, os corpos pressionando uns aos outros debaixo de um sol de rachar, o suor escorrendo pelas testas e, num cantinho, uma pequena lágrima escorreu dos olhos exaustos de Vanessa. O carinho de Isa na mão da mulher foi leve - e o máximo que conseguiria fazer sem se mexer muito - mas o suficiente para demonstrar apoio naquele momento. Passaram de desconhecidas ao único rosto familiar que tinham. Já estavam chegando perto do México.

A nova hospedagem nada glamourosa era uma fazendinha que ficaram por dois dias. De todos os lugares que passou achava que esse era o pior, mas mal sabia o que ainda estava por vir. Não tinha chuveiro, o banho era de balde e a comida não tinha condições de comer. Mas o próximo lugar com certeza foi o mais difícil, a parte de dentro é extremamente abafada, estava lotado, a sustentação do teto era feita com vigas de madeira e todo o espaço era tomado por redes de pano. Nunca achei que ficaria tão triste vendo uma rede, disse Isadora em um riso leve.

A estadia em Cancún foi quase um devaneio comparado aos outros dias que tinha vivido até ali. O hotel era confortável, tinha piscina e pela primeira vez sentiu que estava comendo comida de verdade, parecia até que os pássaros estavam cantando para ela. Ok, era um lanche do Burger King, mas com certeza foi a melhor coisa que havia provado. Antes do balde de água fria que seria a realidade próxima, parecia estar em um mundo utópico. 

O último deslocamento das meninas foi para Tijuana, ali estariam somente a um passo do tão esperado American Dream, pelo menos era o que elas achavam. A última noite na cidade trazia um misto de emoções, cansaço, apreensão, saudade de casa e da família, mas uma esperança e a sensação de que tudo daria certo. A caminhada do último transporte acompanhadas por um coiote até o muro da fronteira foi feito por pernas bambas, mas surpreendentemente firmes, com ânsia de estar do outro lado.

Chegaram no deserto por volta das quatro horas da tarde do dia vinte e quatro de setembro. Nove dias de deslocamento. Foram abordadas por um policial, até que bem educado considerando a situação, perguntou de onde eles eram e instruiu através do google tradutor que esperassem por ali. Levou água e lanches rápidos para que pudessem se recompor. Por volta das dez horas da noite, uma van apareceu para levar quem estivesse no deserto para a imigração e assim terem os seus destinos traçados. O procedimento dali para frente foi de criminosos mesmo, colheram as digitais, conferiram documentos e tiraram fotos com fundo listrado. Por ser uma menor de idade, mesmo que emancipada, Isadora foi separada de todos que tinham chegado com ela até ali e levada para uma cela de jovens.

O sentimento era completo desespero. Viu diversos outros adolescentes que estavam ali há bastante tempo, conversou com uma guatemalense que havia chegado há sete dias. Mais uma vez, questionamentos de autoridades. O que veio fazer aqui? Por qual motivo saiu do seu país? Com quem você vai morar aqui? Tem um endereço e telefone? Para a última, a resposta era sim! Seu contato fixo no país era o padrasto do noivo. Isa conseguiu falar com ele rapidamente e mais uma vez aquele fio de esperança enlaçou seu coração, achava que por terem deixado ter um contato, mesmo que mínimo e muito rápido, seria liberada mais facilmente.

Ao final Isa se sentiu muito agradecida, apesar de todo o perrengue que passou até chegar em solo americano. Sempre soube que a travessia seria difícil, tanto pelas condições ambientais, quanto pelas condições emocionais em deixar tudo para trás. Sabia que poderia ter sido muito pior, no processo muitos são presos, deportados, se ferem gravemente ou até mesmo perdem a vida. Resta a dúvida sobre se o pagamento pelo American Dream é o suficiente para compensar as marcas que ficam para sempre na alma.

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Da produção clandestina às bancas do Brás, o mercado que movimenta R$ 100 bilhões por ano e veste um Brasil que não cabe nas lojas oficiais
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Arthur Rocha
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18/11/2025

Por Arthur Rocha

 

A madrugada ainda envolvia São Paulo quando as primeiras luzes se acendiam no Brás. Das furgonetas e caminhões baús desciam caixas e mais caixas, formando pilhas que seriam distribuídas pelas centenas de bancas do maior centro de comércio popular da cidade. Homens de rostos marcados pelo cansaço e pelas horas não convencionais descarregavam mercadorias com a agilidade de quem repetia aquela coreografia há décadas. Entre eles, Renan movimentava-se com familiaridade, seus gestos precisos revelando uma vida inteira dedicada àquele ofício.

Ele havia aprendido o trabalho ainda menino, observando o pai, Josué, negociar com fornecedores e clientes. Aos oito anos, começara carregando caixas leves após as aulas, orgulhoso por poder ajudar. Aos poucos, foi sendo introduzido nos segredos do comércio - como distinguir a qualidade dos tecidos, como reconhecer um bom fornecedor, como lidar com os diferentes tipos de clientes. Aos quinze, já dominava as nuances do negócio familiar, e aos dezoito tornara-se essencial para o sustento da casa. Sua educação formal acontecera entre um cliente e outro, seus deveres de escola muitas vezes feitos no balcão da banca, entre intervalos de atendimento.

Agora, na flor da juventude, o jovem conhecia como poucos os meandros do comércio de falsificações. Seus olhos percebiam instantaneamente a diferença entre uma réplica bem-feita e outra de qualidade inferior. Seus dedos reconheciam o toque do bom algodão, a costura bem executada, o detalhe que fazia a diferença. Mas acima do conhecimento técnico, ele compreendia a psicologia por trás de cada compra - entendia que não vendia apenas produtos, mas acessos a sonhos, mesmo que temporários e imperfeitos.

Enquanto arrumava pilhas de camisetas de times europeus, Renan observava os primeiros compradores chegarem. Uma mãe examinava atentamente cada peça, calculando mentalmente quanto duraria nas brincadeiras do filho. Um casal jovem discutia baixo sobre qual modelo de tênis escolher, pesando o custo-benefício de cada opção. Um homem maduro mexia nas gavetas de meias, buscando aquelas que melhor resistiriam ao trabalho braçal. O jovem vendedor sabia que todos eles, assim como ele e seu pai Josué, navegavam constantemente entre o desejável e o possível.

Seu pai, Josué, chegara mais cedo ainda, como sempre fazia. Homem de poucas palavras e muitos gestos práticos, ensinara ao filho não apenas o ofício, mas a filosofia por trás dele. "Não estamos enganando ninguém", dizia, "estamos oferecendo o que as pessoas podem pagar". Josué começou com uma simples banca de calçados há trinta anos, e através de trabalho duro conseguiu estabelecer o pequeno império familiar - três bancas lado a lado, cada uma com sua especialidade.

Ao longo do dia, o movimento no Brás transformava-se em um espelho da sociedade brasileira. Havia os compradores regulares, que vinham toda semana em busca de novidades; os trabalhadores procurando roupas resistentes a preços acessíveis; os jovens das periferias em busca dos símbolos de status que viam nas novelas e nas redes sociais; e até profissionais de classe média que, mesmo podendo comprar originais, preferiam a relação custo-benefício das réplicas.

Renan notava como cada grupo tinha seu próprio comportamento. Os mais velhos, cautelosos, examinavam cada costura, cada detalhe. Os mais jovens, por outro lado, preocupavam-se mais com a estética do que com a durabilidade. As mães de família calculavam mentalmente quantas peças poderiam comprar com o orçamento disponível. E ele, no centro daquela dança de desejos e realidades, adaptava seu discurso para cada situação.

Às vezes, nos raros momentos de calma, o jovem observava o movimento do Brás e pensava na complexidade daquela economia paralela. Não se tratava apenas de vender produtos falsificados, mas de fazer parte de uma cadeia que envolvia milhares de pessoas, desde os costureiros das oficinas muitas vezes clandestinas até os consumidores finais, passando por transportadores, fornecedores e vendedores como ele. Uma rede complexa que, embora operando na ilegalidade, sustentava famílias e realizava sonhos modestos.

Seu pai Josué interrompia esses devaneios com um gesto prático - uma caixa para ser aberta, um cliente para ser atendido, um fornecedor para ser recebido. A realidade sempre falava mais alto, e ela ditava que, enquanto houvesse mercadoria para vender e clientes para comprar, o trabalho não podia parar.

Ao entardecer, quando as luzes do mercado começavam a se acender anunciando o fim do dia, pai e filho iniciavam o ritual de fechamento. Enquanto arrumavam as sobras e faziam o balanço do dia, Josué compartilhava histórias dos tempos em que o Brás era menor, mais simples. Falava das dificuldades, das crises superadas, dos clientes que se tornaram amigos. Renan ouvia atentamente, compreendendo que herdava não apenas um negócio, mas uma história de resistência.

No caminho de volta para casa, no ônibus lotado de trabalhadores igualmente cansados, o jovem permitia-se sonhar. Imaginava uma loja legalizada, produtos originais, etiquetas verdadeiras. Visualizava-se mostrando a um filho hipotético um negócio honesto, regularizado, longe da sombra da ilegalidade. Mas depois olhava para o pai ao seu lado, o rosto marcado por anos de trabalho duro, e entendia que a realidade era mais complexa que seus sonhos.

A verdade era que, num lugar de contrastes como o Brasil, o mercado das falsificações representava tanto um problema quanto uma solução. Era sintoma de uma economia que não conseguia incluir todos formalmente, mas também demonstração de uma resiliência popular que encontrava seus próprios caminhos para a sobrevivência. E Renan, assim como o pai Josué e milhares de outros trabalhadores do Brás, era apenas um elo nessa cadeia complexa - um jovem que herdara não apenas um ofício, mas um lugar específico no intricado quebra-cabeça da economia brasileira.

Na manhã seguinte, antes do sol nascer, ele estaria novamente no Brás, abrindo a banca com o pai, arrumando as mercadorias que, embora carregassem logos falsos, sustentavam sonhos verdadeiros. E naquele ciclo infinito de trabalho e sobrevivência, ele seguia escrevendo, junto com Josué, mais um capítulo de uma história que era, acima de tudo, sobre a capacidade humana de se adaptar e perseverar, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras.

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Novo relacionamento na terceira idade faz com que o mundo de dois casais de amigos vire de ponta-cabeça e divida famílias entre apoio e repulsa
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Vitor Bonets
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18/11/2025

Por Vitor Bonets

 

Três. Dois. Um. A contagem regressiva que tirou de Carlos seu bem mais valioso. Na cama do hospital, no dia 26 de julho deste ano, o homem ouviu as últimas batidas do coração de sua esposa. O que havia lhe sobrado era somente o silêncio, que naquele momento, se tornara um barulho ensurdecedor. Ana, aos 62 anos, morreu por uma parada cardiorrespiratória após ficar internada durante três dias. Em seus últimos momentos, ela viu Carlos, um homem grande, chucro, daqueles forjados ao longo de 67 anos na antipatia, se despedaçar. Parecia que ao passo em que as lágrimas caiam, uma parte da alma de Carlos ia embora junto. Junto com o vento e junto de Ana. 

Nem a indignação sobrou ao homem, já que a morte da mulher veio de repente. Chegou sem avisar e foi embora sem nem dar explicações. Carlos até perguntava a Deus sobre o porquê daquilo, mas ele talvez nem estivesse preparado para a resposta que estaria por vir. Com a maior perda de sua vida, o homem, pai de dois filhos, precisou se apegar cada vez mais à família e aos amigos do casal. Amigos esses que foram essenciais durante a trajetória de amor de Carlos e Ana. Todos em volta dos dois presenciaram o nascimento do amor no condomínio Torres do Sul, na Zona Sul de São Paulo. Por ali,  se formou um grupo que seria como uma rede de apoio para os que moravam no local. 

Quando Ana morreu, Edu e Aline, filhos do casal, já eram crescidos e não estavam mais debaixo das asas de Carlos. Os dois sentiram a morte da mãe, mas sabiam que precisavam ser os alicerces do pai. Porém, não contavam que três meses após a morte de Ana, Carlos teria descoberto um novo amor. Mas nem tão novo assim. Vizinhos do mesmo prédio e amigos de longa data, o ex-casal Márcia e Antônio, prestaram apoio a Carlos no momento difícil. Mesmo já separados há dois anos, eles se uniram para consolar o amigo. Antônio e Carlos eram como fiéis escudeiros. Márcia e Ana eram as primeiras-damas. E os casais construíram uma amizade de mais de 20 anos. Mas, o clima de harmonia chegaria ao fim após a morte de Ana. 

Um mês após o velório da esposa, Carlos e Márcia decidiram se encontrar para conversar, o que não era muito costumeiro por parte do homem, já que ele nunca foi muito bom com as palavras. Motivo esse, que por diversas vezes, fez a mulher de seu melhor amigo sentir certa repulsa. No encontro, Carlos estava leve, como alguém que nem parecia carregar mais de 100kg em um corpo de dois metros. Márcia, já com 65 anos, estava a mesma. Vaidosa, produzida, arrumada e até mesmo com aquele ar de quem "se acha". Mas quem se achou mesmo nessa noite foi Carlos. 

Ele, que não era muito de se expressar, mostrou uma outra face para a companhia em um jantar a dois. Os dois conversaram e riram a noite toda e nem parecia que as desavenças do passado estavam presentes. Nem mesmo parecia que Ana havia partido. O primeiro encontro foi talvez um passo que nenhum dos dois estava certo de ter dado, mas depois que o clima ficou no ar, o que restou foi seguir caminhando. Igual ao primeiro, vieram outros. Restaurantes chiques, risadas, comida, conversa boa e, principalmente, sigilo.Ali estava a sensação de conhecer alguém novo após tanto tempo casados. O sentimento de, já no caminho final da vida, encontrar um novo amor. Esse, de certa forma, proibido. 

As coisas não seriam fáceis depois de Carlos e Márcia decidirem anunciar que estavam juntos. Depois de três meses em que Carlos conhecia uma Márcia que nunca viu e vice-versa, eles foram contar para as respectivas famílias. E não, a história não convenceu muita gente. Os filhos de Carlos, Edu e Aline, repudiaram a ideia completamente. Ainda machucados com a partida da mãe, não concebiam a ideia de que o pai havia arranjado uma outra mulher, ainda mais ela sendo a melhor amiga de Ana. Porém, disseram que se era da vontade de Carlos, que assim fosse feito. Os filhos de Márcia também não se sentiram confortáveis com a notícia. Murilo e Jéssica, que ouviram a mãe falar mal de Carlos durante toda a vida, não entendiam como as coisas haviam mudado em tão pouco tempo. Mas, a pior reação foi a de Antônio, que viu seu melhor amigo anunciar um romance com a mulher com quem dividiu a vida, as contas, as felicidades e as tristezas do casamento. Hoje, Antônio não frequenta mais as festas de família se Márcia e Carlos estiverem presentes. Ele mesmo diz que sente nojo do casal e que não sabe como os dois tiveram a coragem de desonrar não só o próprio matrimônio, mas também a morte de Ana. 

Carlos e Márcia se juntaram para dar respostas à solidão que sentiam no peito ao chegarem no fim de suas caminhadas e estarem sem ninguém. Talvez, essa tenha sido a forma de driblar um fim solitário. Um viúvo e uma recém-divorciada. O útil ao agradável. Talvez, o amor tenha também driblado as convenções e regras do que é "certo e errado". Se até mesmo Seu Jorge passou por um momento difícil como esse, quem dirá os meros mortais. Talvez, seja natural que Antônio sinta desgosto pelos "dribles" que tomou das pessoas em que mais confiava. E por fim, a sensação de Ana sempre ficará no talvez, já que ela foi a única que não pôde ver com seus próprios olhos o rumo que sua morte daria para a vida de todos os outros. Uma coisa é fato, alguns agradecem por ela não ter presenciado isso.

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Caso de Jesse expõe padrão de violência policial contra jovens negros e periféricos.
por
Philipe Mor
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18/11/2025

Por Philipe Mor
 

1998. Por volta de seis da tarde, o céu de São Mateus, na Zona Leste de São Paulo, se tingia de um amarelo cansado, cor de fim de turno e de fogão aceso. Na viela principal da Comunidade Divinéia, Jesse caminhava com o corpo leve de quem carregava apenas um desejo: completar o álbum da Copa. Faltava pouco, um dia, para a semifinal entre Brasil e Holanda. O bairro inteiro parecia batucar o nome de Ronaldo Fenômeno pelas janelas, escadas e campinhos improvisados. Jesse tinha 15. O mais novo dos cinco irmãos. Era franzino, riso fácil e tinha olhar de quem ainda acreditava na vida. Além da amarelinha, amava o time de verde, o Palmeiras, que tem a cor da esperança. 
 
Próximo ao “Bar do Seu Paulo” e da “Mercearia do Wilson”, os meninos se juntavam onde o asfalto quebrado servia de mesa para figurinhas repetidas. A cada troca, um campeonato inteiro nas mãos. A voz alta, o vai-e-vem das pernas finas, o futuro ainda intacto. Até que o silêncio se impôs pela força de um motor. A viatura dobrava a esquina com pressa de quem não veio perguntar nome, nem idade, nem história. No primeiro instante, a gritaria. Depois, o instinto. Correr. Em poucos segundos, o que era brincadeira virou fuga. 

A confusão riscou as vielas como um estopim. Dentro da “quebrada” cada criança buscou um caminho diferente. Jesse entrou no primeiro beco, onde um muro sem saída guardava restos de obras, roupas no varal e o cheiro do feijão que subia de uma janela. A respiração curta, o suor frio, o álbum preso no bolso da bermuda. Ao virar, deu de frente com o policial. Branco, farda alinhada e mira treinada. A voz dura ordenou a revista. Jesse ergueu as mãos devagar, tentando pescar o objeto do bolso, como quem oferece a prova de sua inocência. Era só papel. Um álbum. Nada além disso. 

O tiro veio antes da explicação. O estampido rasgou o silêncio como um gol contra no último minuto. O projétil atravessou o corpo pequeno e encontrou o coração. Aquele que batia forte pelo jogo do dia seguinte e pelo sonho simples de crescer. Segundo o policial, ele acreditava que o garoto estava armado. E por isso agiu. A frase que, desde então, se repete como reza torta nos corredores de delegacias e manchetes de jornal. “Parecia armado.” Aparentar perigo virou sentença para tantos meninos que carregam a cor da noite estampada na pele. 

 

Jesse M. da Silva Foto: Arquivo pessoal/Carmem Cruz da Silva.
Jesse M. da Silva Foto: Arquivo pessoal/Carmem Cruz da Silva.

 

Na casa dos irmãos, a notícia chegou como quebra-cabeça impossível de montar. O álbum - com pingos de sangue - ficou sobre a mesa, aberto. A figurinha do Ronaldo, seu jogador favorito, ainda faltava. Agora, como sua vida. A mãe Carmem, evangélica praticante, sem chão, tentava contar os filhos com as mãos para garantir que ainda tivesse todos, mas, a partir dali, faltava um. Thais, a irmã, guardou silêncio. Desde aquele dia, não fala sobre futebol. O pai insistia no nome de Jesse como quem repete um mantra que tenta trazer de volta o que já não respira. 

O enterro foi breve. A vizinhança segurava o choro como podia, alguns com raiva, outros com medo. Todos com um nó na garganta ao perceber que, naquela noite, algo mudaria para sempre na Divinéia. Aos poucos, os irmãos mais velhos, Jayro e Tony, que antes sonhavam com motos, empregos, até viagens, passaram a sonhar menos. A revolta, lenta e silenciosa, entrou pelas portas abertas, como vento ruim que escolhe ficar. Por vingança, por dor, por falta de escolha, os meninos buscaram refúgio no mundo do crime. A morte de Jesse não foi o fim. Foi o começo de uma outra estatística. 

E, enquanto o Brasil entrava em campo no dia seguinte, com discussões sobre escalação, defesa, ataque, a casa de Jesse se enchia de lembranças. Não houve camisa amarela, nem torcida. Só o eco de uma pergunta sem resposta que a família repete até hoje: como se mata um menino que só queria completar um álbum? 

No beco onde o tiro ecoou, o muro ainda está lá. O tempo insiste em passar, mas a marca daquele dia segue presa no chão. Entre os adesivos colados, as figurinhas trocadas e as memórias guardadas, permanece uma certeza amarga: para muitas famílias negras das periferias brasileiras, a vida vale menos que um álbum de Copa. 

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Entre sintomas, aprendizados e novas percepções sobre o próprio corpo, mulheres contam como estão enfrentando a fase da menopausa.
por
Mohara Ogando Cherubin
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04/11/2025

Por Mohara Cherubin

 

Janaina Martins lembra com um sorriso do dia em que “virou mocinha”. Tinha apenas onze anos quando o sangue apareceu pela primeira vez, em casa, e correu para contar à mãe. As amigas também já começavam a menstruar e a empresária ficou feliz, era como se tivesse se tornado mulher de um dia para o outro. Nos primeiros meses, tudo parecia novidade, mas a euforia logo deu lugar à realidade dos ciclos longos, de sete dias, acompanhados de cólicas intensas que a faziam interromper o que estivesse fazendo.

Na adolescência, conciliava a rotina da escola com os treinos de natação. O medo de que a menstruação vazasse na piscina a acompanhava em cada mergulho. Usava apenas absorventes comuns, e as preocupações com manchas e constrangimentos eram constantes. Desde cedo, aprendeu que menstruar era também lidar com o desconforto de algo que não era capaz de controlar.

Os anos seguiram marcados por essa relação complexa com o corpo. As dores e o fluxo intenso persistiam, mas ela se adaptava a cada novo ciclo, sem deixar de lado os compromissos, o trabalho e a vida ativa. Teve duas gestações, aos 27 e aos 32 anos. A primeira foi tranquila, mas a segunda trouxe complicações, como varizes na vulva e dores fortes que a obrigavam a reduzir o ritmo. No parto cesárea, os médicos identificaram varizes pélvicas, condição rara e de risco. Anos mais tarde, um exame vascular revelou uma estenose na veia renal esquerda. O diagnóstico a levou a um cateterismo e a novas cirurgias de varizes.

Mesmo com os tratamentos, as dores não cessaram. Em 2016, seu ginecologista sugeriu a histerectomia, procedimento que consistiu na retirada do útero, das trompas e de um dos ovários. A cirurgia trouxe alívio imediato do fluxo e das cólicas que a acompanharam por quase trinta anos. Foi a primeira vez que se sentiu livre do ciclo que marcava sua rotina desde a infância.

Por alguns anos, o corpo permaneceu o mesmo. Até que, aos 45, as mudanças voltaram a se manifestar de outro modo. O sono, antes contínuo, tornou- se leve, interrompido por despertares no meio da noite. Ondas de calor surgiam de repente, e o humor oscilava sem explicação. Mais do que os sintomas físicos, o que mais a angustiava era o esquecimento. Sempre pontual, começou a perder compromissos e a confundir horários. Os exames hormonais confirmaram que Janaina estava entrando na menopausa. A notícia não provocou medo, mas exigiu aceitação, já que percebeu que não conhecia muito sobre essa fase, e que os médicos pouco falavam sobre ela. Acredita que a mulher deveria ser preparada ainda no período fértil, para compreender melhor as mudanças do corpo e da mente. Por conta das condições vasculares, não pode recorrer aos tratamentos hormonais convencionais, o que torna a adaptação ainda mais desafiadora.

Os filhos e amigos logo notaram as mudanças. A empresária, antes sempre organizada e de humor constante, passou a se mostrar mais irritada e distraída. As reações de espanto ao seu redor a fizeram perceber o quanto a menopausa altera não apenas o corpo, mas também a forma como os outros a enxergam. Hoje, aos 47 anos, Janaina encara a menopausa como um exercício de autoconhecimento. Aprendeu a reconhecer os próprios limites e a compreender as mensagens do corpo. Procura não se cobrar tanto, mesmo diante dos esquecimentos e das falhas de memória que ainda a incomodam. Vê nessa fase um convite à escuta e à reconciliação consigo mesma.

Como foi o que aconteceu com a jornalista Neivia Justa, que sangrou pela primeira vez aos 11 anos. Ela se recorda com nitidez da madrugada em que acordou com fortes cólicas e acreditou estar com um problema intestinal. Estudava em um colégio de freiras, daqueles em que as meninas usavam saias plissadas e o uniforme de educação física incluía uma sunga de jogadora de vôlei. Com medo de se sujar, improvisou enchendo a calcinha de papel. Foi o que a salvou. Ao chegar em casa, percebeu o sangue e chamou a mãe, que reagiu com euforia, e logo a notícia se espalhou por Fortaleza, local onde morava. 

Desde pequena, sabia o que significava menstruar. Entendia o processo biológico, que o sangramento viria todos os meses, e que fazia parte do crescimento. A mãe a havia preparado para isso, já que seu corpo começou a se desenvolver bem cedo. Mas, além da explicação biológica, não houve grandes conversas. O tema da menstruação estava cercado de tabus, especialmente no que dizia respeito ao corpo feminino, à sexualidade e à virgindade, assuntos que não se discutiam abertamente em casa.

Na adolescência, Neivia passou a lidar com o ciclo menstrual de forma prática, mas sem afeto. Contou que nunca gostou de menstruar. O cheiro, o fluxo intenso, o desconforto, nada nisso lhe parecia natural. O medo de manchar a roupa era constante, principalmente nos dois primeiros dias de sangramento. Não conseguia usar absorvente interno e via a menstruação como um incômodo a ser suportado. Quando começou a vida sexual, o período menstrual continuava sendo uma barreira, era algo que preferia esconder, manter distante de qualquer relação.

Se lembra que, na época, a menstruação carregava ainda mais tabu do que hoje. Evitava praias, roupas claras, e dificilmente comentava sobre o assunto. Foi a primeira da turma a menstruar, o que a colocou, involuntariamente, no centro das atenções, uma posição que a incomodava. Com o tempo, aprendeu a reconhecer o próprio corpo, a identificar sintomas e ritmos. Seu ciclo era regular como um relógio, e essa previsibilidade lhe trazia certo controle sobre si mesma. As cólicas a acompanharam até a primeira gravidez, aos 32 anos; depois da segunda, desapareceram de vez.

Por volta de 47 anos os sintomas da menopausa começaram a dar sinais. O primeiro foi o calor noturno, acordava suada toda madrugada, sem entender o que acontecia. Vieram também a irritação constante e a sensação de estar em uma TPM que nunca terminava. Mesmo antes de os exames confirmarem, ela insistia com o médico que o corpo já estava mudando. Sabia reconhecer seus sinais, e estava certa. Neivia nunca tratou a menopausa como tabu. Pelo contrário, queria lidar com os sintomas o quanto antes. Iniciou a reposição hormonal logo que as alterações começaram e segue com o tratamento até hoje. Para ela, é uma questão de equilíbrio e bem-estar, sem medo nem preconceito.

Para ela, a falta de informação ainda é um dos maiores desafios. Acredita que, embora haja avanços, o tema continua cercado de desconhecimento e até negação. Muitas mulheres ainda não entendem o que estão sentindo ou acreditam estar adoecendo. Os médicos especializados são poucos, e o acolhimento é insuficiente. Por isso, enxerga na menopausa uma oportunidade de transformação coletiva, de falar mais, educar e incluir também as famílias — maridos, esposas, filhos, colegas e chefes — nesse diálogo.

Neivia encara o assunto com humor e naturalidade. Costuma brincar com o marido, que dorme enrolado em cobertores, como um pinguim, enquanto ela precisa do ar-condicionado ligado no máximo. Fala abertamente sobre estar na menopausa, sobre o corpo e a idade, como forma de desmistificar o envelhecimento feminino. Já escreveu sobre o tema e faz questão de mostrar que essa é apenas mais uma etapa que deve ser vivida com leveza.

Hoje, aos 56 anos, ela entende a menopausa como parte da sua identidade atual. Depois de retirar o útero, passou a compreender com mais clareza as transformações do corpo e do metabolismo. Acredita que aceitar e cuidar de si é o caminho para atravessar essa fase com serenidade. Para ela, a menopausa representa maturidade e liberdade. Deseja viver os melhores anos de sua vida agora, sem nostalgia e sem ansiedade. Encarar o presente como ele é, com seus desafios e descobertas, tem sido sua forma de existir plenamente, abraçando o corpo e o tempo como aliados, não inimigos.

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Dando continuidade a um ritual antigo na história política do país, novamente em ano de eleições, aspirantes a cargos do Estado vêm à São Paulo à procura de votos.
por
Dayres Vitoria e André Nunes
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27/10/2022

O que Eduardo Cunha, Marina Silva, Sônia Guajajara e Rosângela Moro têm em comum? Todos os quatro candidatos, além de terem em comum a disputa à Câmara dos Deputados, também são “candidatos forasteiros”, denominação dada a quem concorre a cargos fora de seus estados de origem. Todos construíram suas carreiras políticas em seus locais de nascimento e, agora, tentam se eleger pelo maior colégio eleitoral do país, São Paulo.

Com mais de 34 milhões de eleitores, a terra paulista se torna um dos principais alvos para estes candidatos. Na esperança de darem maior visibilidade a suas campanhas, eles estão mudando seus domicílios eleitorais para o estado para concorrerem pela metrópole.


Candidato a deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Eduardo Cunha, natural do Rio de Janeiro e condenado a 15 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela Operação Lava Jato, anunciou no início deste ano, pelas redes sociais, que novamente irá concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados. O carioca se lança em campanha mesmo estando atualmente inelegível segundo decisão tomada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Marina Silva, ex-senadora pelo Acre entre 1995 e 2011 e ex-ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, hoje também concorre ao cargo de deputada federal. Rosângela Moro, advogada e esposa do ex-juiz Sérgio Moro, não fica para trás. A paranaense também faz sua estreia na política e pleiteia por um cargo nas eleições de outubro. Já a maranhense Sônia Guajajara, uma das principais lideranças indígenas do país, concorre pelo PSOL às eleições deste ano.

O desejo por São Paulo

De acordo com Akira Pinto Medeiros, mestre em ciência política pela Universidade de São Paulo, São Paulo é tão atrativo para forasteiros justamente por ser o maior colégio eleitoral da federação. O estado proporciona uma oportunidade e tanto para que partidos, especialmente os que são poucos conhecidos, se sobressaiam em relação aos demais. Segundo Medeiros: “tais candidaturas podem dar sobrevida a um partido que possui fraco desempenho eleitoral fazendo assim com que ocupem cada vez mais espaços”.

Contudo, esta não seria a única razão particular para que tais candidatos desejem tanto disputarem a cargos eleitorais diretamente por São Paulo. A região contém uma faixa considerável de votos ideológicos, tendo assim, um peso político importante para os oponentes que almejam o triunfo nas urnas.

Voto ideológico

Votos ideológicos são uma espécie de atalhos mentais utilizados para organizar, em uma perspectiva espacial, preferências políticas. Dentre tantas escolhas complexas que o eleitor possui, o voto ideológico é capaz de reduzir estas opções numa âmbito direita, esquerda ou até mesmo centro, e assim contribuir para com que o votante consiga situar-se neste espaço optando pelo lado com o que mais se identifica.

Para a docente Mayra Goulart, do departamento de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre essas dimensões políticas, o voto ideológico de esquerda estaria conectado com a ideia de inclusão social e igualdade, ele manifesta a utilização das capacidades estatais para reduzir as desigualdades. Já um voto ideológico de direita tem uma orientação mais liberal, crítica o papel do Estado na intervenção da economia, logo defende o livre mercado.

Ainda de acordo com Goulart, o voto ideológico de direita ganha uma segunda camada ainda mais forte, a esfera do conservadorismo que defende as hierarquias tradicionais contra uma ideia de igualdade e de construção de uma nova sociedade, que é o que defende a esquerda. Para a professora: “a direita bate muito na chave do medo do novo, usa o conservadorismo como reação, em defesa do tradicional, uma ordem patriarcal que se vê ameaçada pela proposta de se construir uma nova ordem social”. Bases que defendem a preservação dos valores da família, da continuidade de hierarquias e que alegam priorizar e proteger movimentos religiosos, conseguem ganhar pontos significativos com aqueles que preservam este conservadorismo.

Tanto o voto ideológico de esquerda quanto o voto ideológico de direita são construídos sobre o pilar da identificação. O eleitor, ao se contemplar na figura do candidato que resguarda valores que o próprio votante e sua família defenderam avida inteira, consegue enxergar em seu “semelhante” a continuidade de seus ideais. Logo, a escolha não se torna tão difícil, ao seu ver, quando há na disputa outros candidatos que defendem pautas que se opõem a suas linhas de pensamento.

Os eleitorados das candidatas Sônia Guajajara e Marina Silva são um forte exemplo de voto ideológico. Ambas defendem a pauta do meio-ambiente e conseguem adquirir, naturalmente, votos da bancada ambientalista devido a afinidade pela causa. Assim, a definição do voto pode ser dada quase como certa ao passo que boa parte de seus eleitores se baseiam nesta linha de raciocínio.

No entanto, para o cientista político e professor de Ciências Sociais da Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), Francisco Fonseca, o voto brasileiro é muito mais pragmático do que ideológico. Segundo o docente, “80% dos brasileiros têm salários baixos, ou seja, o voto no Brasil é muito mais vinculado ao custo de vida, de oportunidades de trabalho e de ascensão social”. Para Fonseca o voto ideológico, a princípio, é positivo exatamente porque há a identificação do eleitor com o candidato, tornando assim o tipo de voto interessante ao analisar as motivações dos
eleitores em relação às escolhas por certos aspirantes a cargos políticos.

Conquistando eleitorado

Sobre os discursos para ganharem o eleitorado alheio, geralmente forasteiros não apresentam grandes novidades. Repetindo promessas que rotineiramente candidatos próprios de São Paulo já fazem - como melhorar a educação e a saúde no estado - suas propostas normalmente não se diferenciam dos demais concorrentes, porém, acabam fazendo o imaginário do eleitorado por serem de fora e ainda possuírem uma certa credibilidade já que são “caras novas”.

Estes candidatos podem simplesmente forjarem vínculos com a população de quem deseja os votos ao fingir existir um sentimento de pertencimento ao território. Se utilizam de pontos semelhantes que têm com seus eleitores para se aproximarem e assim os conquistarem.

Questionados se si consideram forasteiros, dos quatro candidatos mencionados apenas Sônia Guajajara respondeu: “Não me considero forasteira em nenhum lugar de meu país porque o Brasil é Terra Indígena, São Paulo é Terra indígena e hoje eu moro em São Paulo”. A candidata afirma que criou uma relação com São Paulo, que tanto a acolheu, desde que foi candidata a Vice-Presidenta na chapa de Guilherme Boulos em 2018. Das demais assessorias, até ao devido momento, não houve retorno.

E a lei? Diz o quê?

Um levantamento feito pelo O GLOBO, com base no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que há disputando nas atuais eleições 72 forasteiros, somente pela chefia dos Executivos estaduais. Embora sejam muitos, não existe nada, segundo a legislação brasileira, que os impeça de competirem fora de seus estados.

De acordo com a lei, não há irregularidades cometidas caso candidatos optem por concorrerem a cargos políticos fora de seus locais de nascimento. Segundo o professor titular de Direito Constitucional da PUC-SP, Luiz Alberto Davi: “respeitadas as regras de domicílio eleitoral, a lei não pode proibir a candidatura destes candidatos”. Logo, caso exista uma norma proibitiva, ela seria inconstitucional visto que a Constituição não traz restrições outra a não ser os requisitos da lei.

A única exigência feita pelo TSE é que o candidato possua domicílio eleitoral onde deseja concorrer e que também tenha meios para comprovar vínculos com o estado, sejam eles de elo político, social, afetivo ou de negócios. Assim, não tendo nada que os impeça desde que cumpridos os requisitos da lei, o desafio é convencer um novo eleitorado de que, mesmo sendo frutos de um contexto diferente, são capazes de lidar com os problemas do estado “estrangeiro” que os espera pela frente.

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Estúdios de Rádio e tv, usados pelos alunos de comunicação ficam separados das demais salas de aula e sofrem com a falta de reparos.
por
Laura Martins e Pedro Guimarães
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11/10/2022

Alunos que ingressam em 2022 nos cursos de comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), têm grande parte das aulas concentradas no “Prédio Novo” da unidade de Perdizes, e podem demorar a descobrir o edifício que abriga os estúdios de rádio e televisão.

Com mais de duas décadas, o “Prédio Novo” é chamado assim porque fica ao lado do “prédio velho” da Universidade. Este sim, tem 102 anos. Mais acima, de frente para a (sempre impecável) capela universidade, é que fica o laboratório. Ao lado do estacionamento, uma passagem estreita ladeada de gradis leva o aluno até três caminhos: dois levam a lugar nenhum —prédios ”desligados” da universidade — e o último, e mais evidente (por ser o único iluminado), dá acesso ao prédio que abriga os laboratórios de vídeo e rádio jornalismo.

Um estúdio de televisão, outro de rádio; uma sala de reuniões e outra de equipamentos. Todos no térreo de uma construção retilínea inacabada de três andares.

Alunos mais ousados descobrem, eventualmente, o fundo de um dos laboratórios (nosso segredo, leitor) onde há uma estante com uma surpreendente coleção de discos de vinil. Ali, funciona uma espécie de museu precário. Discos, trabalhos de antigos alunos, câmeras analógicas e equipamentos de rádio e tv obsoletos ocupam as estantes dos estúdios sem muita distinção.

Dos equipamentos disponíveis aos alunos para as tarefas das disciplinas, alguns poderiam agregar à coleção do museu. As câmeras de vídeo são bastante antigas ainda, mas têm certa qualidade. Os microfones, ainda mais antigos, é que merecem substituição mais urgente.

Caso o estudante não tenha uma boa máquina em casa, cinco computadores estão à disposição. Apesar de terem instalados softwares de edição, não escapam do padrão dos demais equipamentos —- que combinam com o viés católico da universidade. São antigos e avessos a grandes mudanças (como abrir muitas páginas de uma vez). Às vezes é preciso orar para que eles não travem.

Apesar de integrar a universidade católica, o prédio destoa muito da área reservada à oração e, assim como a pontifícia, já teve dias melhores. Ernesto Luís Foschi, 61 anos, é técnico nos laboratórios de rádio da PUC-SP há 35 anos e conta que, inicialmente, aquele espaço abrigava os cursos de comunicação. Sediava oito salas de aula, centro acadêmico, copiadora, a associação dos funcionários e até alguns laboratórios de psicologia.

Ernesto menciona que o prédio foi construído por volta de 1997, mas "em 2002, 2003 (mais ou menos), surgiu o projeto para construção de três prédios de cinco andares, com salas de aulas, laboratórios e até quadras nas coberturas… isso nunca aconteceu [...]. Em 2010, os últimos andares foram desativados por causa da construção [que nunca ocorreu]. Os nossos laboratórios seriam os últimos a sair. A princípio, seríamos realocados para o quinto andar, mas aí perceberam que ficaria muito caro e então nos disseram que iríamos para a ala nova do prédio velho. A ala nova do prédio velho já tem quase 100 anos… não rolou”.

Desde então, o terreno que abrigava os prédios de comunicação serve de estacionamento e é administrado por uma empresa particular. Todas as salas de aula foram transferidas para os prédios novo e velho da pontifícia, restando apenas os laboratórios de rádio e vídeo, além de três andares abandonados.

2° andar do prédio desativado da PUC-SP. REPRODUÇÃO: Laura Lima set/2022. O abandono dos andares acima, também é visível no térreo. Trechos de forro faltando abrem o caminho para as salas de aula que ainda funcionam, uma delas possui paredes com infiltrações, piso descascado e tomadas abertas com fios soltos. Na percepção do técnico, “eles achavam que era fácil mudar, mas quando perceberam a caixa de marimbondo que estavam tacando pedra, falaram que não dava porque era muita grana”.

O prédio possui problemas estruturais, como a falta de uma rota de fuga em caso de incêndio. O acesso a um dos laboratórios, só se dá ao atravessar a sala de aula e, frequentemente, interrompe as aulas. E problemas de administração, os laboratórios ficam abertos até às 9:45, mas segundo Ernesto, "após o retorno da pandemia, a PUC diminuiu o número de seguranças. Nós temos seguranças até as oito da noite. Depois disso, Deus protege”.

Apesar do corte no quadro de funcionários, a mensalidade do curso aumentou recentemente e o aluno que se matricular em 2022 vai pagar uma mensalidade de R$ 2.820,00. Ao ser questionada, a assessoria da universidade católica afirmou que “ser bonita e bem equipada nunca foi a vocação da PUC-SP. Há quem diga que a PUC tem muita alma e pouco corpo, rs”.

A última reforma dos laboratórios foi feita em julho deste ano, onde houve a troca do piso dos corredores. Ernesto revelou que “tinha um buraco no chão já há vários anos”. Até o momento, não se tem projetos para a construção de novos laboratórios. A universidade também não se manifestou com relação à compra de novos equipamentos ou a reforma deste abençoado espaço.

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Nas eleições deste ano, 77 dos 94 parlamentares da ALESP estão buscando a reeleição. Especialistas e políticos explicam os chamados “parlamentares perenes”
por
Rodrigo Mendonça e Mario Gandini
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12/10/2022

Mais da metade dos deputados que ocupam um cargo na Assembleia Legislativa de São Paulo já conta com mais de cinco mandatos, ou seja, estão há, pelo menos, 20 anos na política. Nas eleições deste ano, 77 dos 94 deputados que compõem a Alesp estão em busca da reeleição. O que faz com que determinados parlamentares consigam se manter por tanto tempo em seus cargos? 

Muitos são contra a reeleição por que dizem que não é benéfico para a política. Muna Zeyn, secretária parlamentar e candidata a vereadora em 2016 explica: “Com todos esses anos na política posso lhe dizer que para alguns parlamentares a reeleição é tratada com muita ética, muita transparência e participação popular”.

Muna disse também que na campanha que está trabalhando e em todas as eleições que participou como assessora ela sempre tratou a reeleição não como um fim, mas como um momento de discussão, de organização social e de definição das ordens de prioridade; "Há candidatos que entendem que a candidatura é um momento para ter um diagnóstico claro da realidade que está se vivendo, o que fazer e o que fazer. Agora há parlamentares que usam de cabos eleitorais para a sua campanha, mas hoje a fiscalização pelo TRE é bem maior, portanto não dá para fazer a campanha de qualquer jeito." termina Muna.

Adriano Diogo, ex-parlamentar, eleito quatro vezes vereador de São Paulo (1989 – 2003), deputado estadual entre 2003 a 2015 e ex membro da Comissão de Direitos Humanos da ALESP, onde presidiu a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva expôs sua visão sobre a reeleição no cenário da política brasileira atual.

“Essa coisa de dizer que reeleição é imoral é uma bobagem. O grande problema é político” completou o sociólogo dizendo que acredita que a reeleição é mais uma chance que o povo está dando ao parlamentar para representá-lo. O ex parlamentar reitera que quando reeleito, um parlamentar tem que se sentir na obrigação de representar melhor o povo, pois está recebendo mais uma chance para continuar na política.

A reeleição é benéfica para a política brasileira?

A permanência por longos anos ocupando uma cadeira no parlamento não é nada novo para os brasileiros.             Em época de eleição é muito comum durante o horário eleitoral, encontrarmos caras repetidas da polícia nacional isso porque temos muitos parlamentares que tentam reeleição, ou que tentam dar continuidade a vida como político, mas exercendo outras funções.

A reeleição pode ser benéfica, visto que os parlamentares terão mais uma chance de dar continuidade no seus mandatos. A ideia de que os parlamentares possam continuar em seus cargos se forem eleitos não é uma exclusividade brasileira. Países como Alemanha, França, Peru, Argentina também possuem reeleição, tudo depende de como ela será tratada pelos parlamentares.

A reeleição no âmbito legislativo já foi criticada por muitos, pois dizem que essa restrição à renovação é um atraso e um prejuízo para o país e contribui para que muitos parlamentares usem o mandato de cabide de emprego e campanha, ou até mesmo para usufruir do privilégio parlamentar frente à justiça brasileira. Deixando de lado o real propósito da sua eleição, cumprir com os papéis de um parlamentar, seja ele vereador, deputado estadual ou federal.

O que leva um parlamentar a querer se reeleger?

Para  Arthur Murta, professor de Relações Internacionais na PUC-SP e doutor em Filosofia pela USP, essa “vida parlamentar” é como muitos políticos decidem viver. “Muitos vão querer uma manutenção do projeto político, outros vão querer ter sempre um foro privilegiado. Sabemos que tem políticos que estão sempre em um cargo eletivo exatamente para ter um foro privilegiado e não cair em uma justiça comum” disse o professor.

Arthur reitera que não podemos generalizar, mas que temos políticos que decidiram fazer da sua vida um mandato, mesmo que seja em diferentes cargos. “Você pega, por exemplo, pessoas como Eduardo Suplicy aqui em São Paulo, mesmo que ele tenha variado muito de cargo né, deputado, vereador… ele esteve na vida pública em cargo eletivo, de alguma maneira” completou o professor.

Como começou a reeleição no Brasil?

Antes exclusiva no Poder Legislativo, a reeleição foi aprovada para o Executivo em 1997, por uma Emenda Constitucional assinada pelo presidente em exercício Fernando Henrique Cardoso, que acabou se beneficiando da própria ação e continuou no Planalto até o ano de 2002.

Segundo a constituição federal do Brasil vigente, parlamentares de quaisquer cargos, seja vereador, deputado estadual/distrital, deputado federal ou senador podem ser eleitos e reeleitos sem restrições. Basicamente, eles ocupam o cargo enquanto se candidatarem e conseguirem ser eleitos, se desejarem. Cargos como presidente da república, governadores de Estado e do Distrito Federal e Prefeitos só podem se reeleger somente uma vez consecutivamente.

No Estado de São Paulo, a cada quatro anos, 94 candidatos são eleitos como deputados estaduais e assim, ocuparão uma cadeira no Palácio Nove de julho (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).  Destes 94 deputados e deputadas, a bancada com o maior número de integrantes é do PL (Partido Liberal) com 19 parlamentares. O PSDB é dono do segundo lugar com 14 parlamentares, seguido pelo (PT) que conta com 10 deputados.

São justamente esses parlamentares, chamados “perenes”, por estarem sempre na política e ocupando um cargo, que acabam causando uma impressão de que estão usando o fato de serem parlamentares para terem certos benefícios.

Qual o atual cenário da reeleição?

Para eleição de deputados estaduais é adotado o sistema de voto proporcional, onde a proporção de cadeiras parlamentares ocupadas por cada partido é diretamente determinada pela proporção de votos obtidos.

Portanto, um candidato depende do número de votos que o seu partido vai ter no âmbito estadual, assim segundo a sua posição no partido entre os que pretendem se eleger o candidato saberá se foi de fato eleito ou não.

Nos partidos temos os líderes de voto e os outros candidatos ,que muitas vezes não atingem um número expressivo como os primeiros do seu partido, mas acabam se elegendo, pois foram eleitos via legenda do partido.

Isso acaba reforçando o conceito dos parlamentares perenes, pois temos parlamentares que estão se elegendo com votos realizados na legenda, que acabam se beneficiando, pois, estão em um partido que existem pessoas que puxam mais votos para ela mesma e acabam aumentando o número de votos no partido.

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Após anos sem representatividade, os povos indígenas já conseguem observar algumas mudanças dentro da política, mas ainda não se tornou o suficiente
por
Rafael Monteiro Teixeira e Renan Mello
|
05/10/2022

 

São Paulo é um dos Estados com mais candidatos indígenas, contando com 7
candidaturas, ficando atrás de Roraima (29) e do Amazonas (18), estados onde a
presença indígena é muito maior que a de São Paulo, porém a representatividade
segue baixa. 

De acordo com o IBGE, no ano de 2015, São Paulo é o 3º Estado com o maior
número de indígenas, com 41.794 índios, ficando atrás do Amazonas (113.391) e do

Mato Grosso do Sul (73.295). Partindo do número total da população, estima-se que para existir uma representatividade válida dentro do contexto político, seria
necessários 11 candidatos eleitos dentre aqueles que ocupam alguma cadeira no
poder administrativo do Estado.

Mesmo tendo uma grande concentração de indígenas no Estado, eles ainda acabam
sendo por muitas vezes invisíveis diante dos poderes públicos e da sociedade, o que
geralmente os deixam em situações de vulnerabilidade social, pois são colocados em
pequenas regiões que se mostram insuficientes para expandir e até mesmo manter
sua cultura.

Com isso, muitos povos indígenas, que moram em São Paulo, acabam sofrendo com
insegurança alimentar, mesmo aqueles que já possuem suas terras já regularizadas.

Esses problemas são históricos, pois até a constituição de 1988 eles não eram nem
considerados cidadãos plenos, sendo tutelados apenas pelos seus estados. E mesmo
após a constituição de 88 que garantiu alguns direitos para os povos indígenas, eles
ainda continuam sistematicamente tendo seus direitos violados, inclusive por
propostas parlamentares.

Isso acontece por conta da falta de pessoas dentro da política que têm contato com a
realidade dos povos indígenas.

Indígenas e sua participação na política de São Paulo

 “Não podemos deixar os povos indígenas nas mãos de pessoas que nunca pisaram
em um território indígena, que nunca soube o que uma mulher indígena passa” diz a
co-candidata do PSB, Vanusa do conselho Kaimbé, do movimento nacional dos povos
indígenas, sobre a representatividade dos povos nativos na política de São Paulo.

co-candidata
Vanusa Kaimbé (Arquivo pessoal)

A co-candidata ainda complementa que a política brasileira de um modo geral é um
lugar hostil e machista, onde a maior parte das pessoas que a compõem são homens
brancos que nunca viveram o que muitos brasileiros vivem.

Para ter uma maior representatividade na política de São Paulo, não é necessário
apenas um candidato, deputado ou senador indígena, mas é necessário ouvir tais
comunidades para saber quais são suas prioridades e também ouvir os coletivos
desses povos em São Paulo antes de tomar decisões que os afetem.

O maior problema é a falta de incentivo e de apoio para candidatos desse tipo, pois
muitos deles acabam desistindo no meio do caminho por conta desses fatores. A
política em si não tem abertura para as classes populares, então acaba sendo difícil de
fazer campanhas políticas onde poucas pessoas irão apoiar. 

Mesmo assim, algumas pessoas, vendo como os povos indígenas são tratados pelos
atuais gestores do país, arrumam forças para continuar tentando ingressar na vida
política e mudar esse cenário.

“Decidi entrar na política quando eu vi o que o governo atual anda fazendo com os
indígenas, os aniquilando completamente com políticas sem punição para as pessoas
que invadem suas terras” diz Vanusa, sobre sua decisão de entrar na vida política.

Outro despertar para ela, foi quando estava sendo discutido a PL da morte - onde
transferia a responsabilidade de terras indígenas para o legislativo, onde agora seria
permitido tirar os índios das terras que já os pertenciam a décadas – e ela notou
apenas uma única indígena, além da própria votação acabar com 70% de votos a
favor desse projeto de lei.

Uma de suas propostas é trabalhar em favor da vida indígena, focando no bem estar e
respeito a sua cultura, Vanusa finaliza a sua proposta com seu lema de campanha
“Juntos pela vida”.

PSOL e sua representatividade indígena

Chirley Pankará, candidata do PSOL, também conta sobre sua dificuldade de
ingressar na política, dizendo que estar nesses espaços é como romper bolhas muito
difíceis de serem rompidas, pois a política no estado já é assim há muito tempo, sendo
difícil de ser mudada.

Chirley
Chirley Pankará (Arquivo pessoal e Divulgação)

Caso Pankará seja eleita, ela seria a primeira mulher indígena a ocupar um lugar na
assembleia legislativa do Estado de São Paulo como deputada estadual, tendo em
vista que Vanusa é uma co-candidata. “Seria uma representatividade enorme pois eu
fui escolhida pelos povos indígenas, tanto os que vivem nas aldeias como os que
vivem dentro do contexto urbano, para os representar”.

O PSOL é um dos partidos políticos onde mais possui representantes indígenas em
todo o Brasil, com 15 candidatos, utilizando de sua base de apoio para fortalecer
essas candidaturas. É um começo para essa representatividade, mas ainda é muito
pouco para de fato ajudar esses povos.

Para isso, eles precisam ser mais envolvidos e ouvidos quando é necessário que
políticos tomem decisões que os afetem, tratando-os com respeito e utilizando do
diálogo para tal. “Geralmente são partidos de esquerda que se preocupam com os
povos indígenas” complementa a candidata do PSOL.

“Pretendo fazer o que os povos indígenas demandarem, a minha candidatura a todo
momento foi construída com eles. Então eu irei levar as questões ambientais, de
saúde, de educação, de soberania alimentar e a cultura desses povos no Estado de
São Paulo”, diz Chirley sobre as principais pautas que ela aborda em sua campanha.

Ela ainda complementa que essas não são suas propostas finais que ela pretende
abordar quando for eleita, mas sim uma base, e caso surjam outras necessidades, dos
povos indígenas, que sejam mais urgentes trazer como pauta para a assembleia
legislativa de São Paulo. 

Como os indígenas podem garantir seu direito político

“Entendo que a maior falha dos políticos atuais em relação a esses povos é não
cumprir ou assegurar seus direitos que já estão prescritos na constituição, propondo
por muitas vezes, coisas que vão contra.” Diz Roberta Hesse, antropóloga, que faz
trabalhos junto a índios do povo Xingu.

Principalmente nos últimos anos houve uma escalada na flexibilização de leis que
incentivaram o garimpo ilegal, invasão de terras indígenas, violências físicas e
psicológicas contra eles, além do desmantelamento da FUNAI, órgão responsável por
questões indígenas.

“Penso que os políticos deveriam ler o capítulo indígena da constituição e atuar com
base nela, pois as leis sobre como as terras indígenas precisam ser demarcadas,
como devem ser escolas indígenas, assim como a saúde deve ser providenciada para
eles já estão lá, só precisam ser postas em práticas”, finaliza a antropóloga.

Para a antropóloga e cientista política Cristiane Martins a elaboração e implementação
de políticas públicas que assegurem que garantam aos indígenas o direito à terra, a
proteção de seus territórios, acesso aos serviços básicos e fazerem os recursos
públicos chegarem a esses povos.

“Primeiramente, é fundamental aceitarmos que as políticas públicas voltadas para os
grupos indígenas devem ser protagonizadas por eles, desde a sua elaboração até a
implementação. Para esta, é fundamental viabilizarmos as candidaturas nas esferas
municipais, estaduais e federais ``, completa Martins.

Ela ainda complementa que as maiores dificuldades desses povos para entrar nesse
meio político estão justamente atreladas às dificuldades sociais, ambientais, de saúde,
econômicas e de acesso aos direitos fundamentais de base.

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São Paulo encara um dos piores quadros de insegurança alimentar desde 1990. Situação piorou desde o início da pandemia entrelaçada a desigualdade social
por
Ana Caroline Andrade e Leonardo Nunez
|
05/10/2022

Feito por Ana Caroline Andrade e Leonardo Nunez

 

 

 
 


(Imagem: ONG Banco de Alimentos)

 

 

Faz três anos que não fazemos três refeições diárias. Nunca passei por uma situação como essa. Ver seus filhos dizerem que estão com fome e você não ter o que dar é de corroer a alma ". Viviane Andrade, moradora do extremo sul da capital paulista. Mãe solo, expressa a trágica realidade paulistana. Perdeu o emprego no início da pandemia e se viu com seis bocas para alimentar. 

 

Falar sobre fome é falar sobre uma das maiores, se não a maior, crise humanitária do mundo. Analisaremos a situação da fome no estado de São Paulo, questão que voltou a crescer após números mostrarem alta na quantidade de cidadãos que se encontram em situação vulnerável.

 

De acordo com o Penssan, Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, apontam que, hoje, no Brasil o número de pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar cresceu em níveis exponenciais - são cerca de 127,2 milhões de pessoas em insegurança alimentar.

 

No estado de São Paulo, o número é de 6 a 7 milhões de pessoas passando fome (insegurança alimentar grave) e outros 14 a 15 milhões sofrem por não ter comida de qualidade suficiente (insegurança moderada), famoso pelos grandes centros urbanos e por ser o polo brasileiro de economia, encontramos uma situação que percorre caminhos contrários à idealização de um estado dominado por grandes riquezas.  

 

O auxílio de 600 reais ofertado pelo governo, além de limitado – já que não atinge a quantidade de pessoas que sofrem de insegurança alimentar, não supre o valor preciso para uma alimentação de qualidade no atual cenário econômico, como relata Mauro Peron, doutor em estudos humanitários e professor de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:

 

“Programas sociais são pequenos alentos, diante das colossais problemáticas para a grande maioria da população”, declara.

 

O manejo inadequado dos recursos naturais, promove um alto índice de desperdícios de haveres, que se administrados de maneira correta, ajudaria no saciar da fome de milhares de brasileiros, como conta Luciana Chinaglia Quintão, fundadora e presidente da ONG Banco de Alimentos:

 

“Colheita Urbana, recolhe alimentos no que são sobras de comercialização pela perda de seu valor. Dessa forma, reduz o desperdício e entrega os alimentos para entidades sociais, minimizando os efeitos da fome e possibilitando a complementação alimentar de qualidade”

 

 

PROPOSTAS DOS CANDIDATOS AO GOVERNO CONTRA A FOME

 

Os cincos candidatos com propostas objetivas contra a fome à frente na corrida eleitoral para governar São Paulo, Fernando Haddad (PT); Tarcísio de Freitas (Republicanos); Rodrigo Garcia (PSDB); Elvis Cezar (PDT) e Gabriel Colombo (PCB) enfrentarão uma situação desumana e apresentaram suas propostas para o combate à fome.

 

Fernando Haddad (PT), primeiro candidato nas pesquisas eleitorais, tem como proposta a criação de um fundo emergencial, com distribuição de alimentos, leites e vouchers para a compra de alimentos. Já o candidato Tarcísio de Freitas (Republicanos), em contraposição, promete a ampliação de projetos de segurança alimentar.

 

Rodrigo Garcia (PSDB) constata a criação de um cartão Bom Prato, no valor de 300 reais, por mês, que funcionará como um vale alimentação. Semelhante a Rodrigo Garcia, Gabriel Colombo (PCB) promete triplicar o número de unidades físicas do Bom Prato em 3 anos.

 

Diferente do discurso até aqui apresentado, o candidato do PDT, Elvis Cezar apresenta um discurso voltado à eliminação da fome, fazendo o estado se reestruturar através da reindustrialização da economia paulista.

 

A especialista Juliscristie Machado, professora e orientado de Mestrado da Unicamp, explica que para combater a fome são necessárias políticas em diversos níveis “começa pelo acesso ao meio produtivo para que os alimentos sejam produzidos, que é o acesso a terra, é o nível básico para combater a fome.

 

“A erradicação da fome requer atacar as condições que geram a desigualdade: se todas as formas de repressão econômica devem ser eliminadas, no atual contexto é o Capitalismo que deve ser o alvo”, declara Mauro Peron.

 

Para melhor compreensão, ouvimos dois candidatos, um de direta: Vagner Fernandes candidato pelo partido Republicanos e Chirley Pankará, candidata de esquerda pelo PSOL.

 

Vagner Fernandes, candidato a deputado estadual pelo partido Republicanos, apresentou caminhos para enfrentar a fome: “Para combater, podemos utilizar de diversos programas, mas o que resolve mesmo é um estado produtivo que gere renda onde o povo tenha condições de subsidiar a sua própria despesa, entre elas a alimentação”.

 

Já para a candidata do PSOL ao cargo de deputada estadual, Chirley Pankará, o caminho a ser percorrido na luta contra a insegurança alimentar é o plantio “produzir o seu alimento, um alimento saudável, e que possa servir de alimentação base para essas pessoas. E aqueles que não tem acesso aos territórios, seria entrar com políticas públicas de alimentação”.

 

 

 IMPORTÂNCIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

 

Analisando as propostas apresentadas pelos candidatos, notamos que nenhum concorrente cita a importância da assistência social prestada por diversas ONGs no intuito de auxiliar no combate à fome.

 

No período pandêmico, o assistencialismo de ONGs e doações de cidadãos auxiliaram para que o número - que já relevante, não fosse ainda mais expressivo. Luciana Chinaglia Quintão, ilustra a importância e fala sobre o papel fundamental no suprimento cumprido durante o período pandêmico, além do auxílio no mapeamento e organização da sociedade para que a ajuda chegasse realmente a quem precisa.

 

“No ano de 2021, a ONG distribuiu 3 milhões de quilos de alimentos por meio da Colheita Urbana, beneficiando mais de 680 mil pessoas. Além da Colheita Urbana nossa equipe se desdobra para fazer com que a comida chegue ao prato de quem tem fome”, esclarece Luciana Chinaglia Quintão.

 

Vagner Fernandes, expressa a importância do assistencialismo prestado pelas ONGs: “elas têm um papel de fundamental importância para sociedade, sempre atuando suprindo  a ausência do poder público em várias áreas e setores. Na pandemia, além de ajudar na assistência as famílias”. 

 

 

(Imagem: ONG Banco de Alimentos)

 

 

Para Mauro Peron, o assistencialismo ameniza a problemática de forma  momentânea, sendo necessário enfrentar a raiz do problema “Ainda que a postura assistencialista possa, por um lado, aliviar os momentos de maior dramaticidade da fome, por outro ela reflete um não enfrentamento da desigualdade provocada e ampliada historicamente, geograficamente”.

 

Com isso, para a erradicação da fome e enchança esperada no intuito de retornar ao período atrelado a números toleráveis para que a sociedade paulistana volte a viver saciada, são necessárias políticas públicas concretas voltadas à insegurança alimentar. Em ano eleitoral, é necessário analisar as propostas dos pré-candidatos a cargos tanto do executivo, legislativo, governos, e comando do país. 

 

Viviane Andrade anseia pelo futuro do Brasil e espera poder retornar ao mercado e usufruir do seu direito prescrito por lei. “Eu só quero poder ir ao mercado e comprar tudo que meus filhos e eu necessitamos, não só alimentação, não é fácil, mas creio no futuro do Brasil.”

 

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