Entre sintomas, aprendizados e novas percepções sobre o próprio corpo, mulheres contam como estão enfrentando a fase da menopausa.
por
Mohara Ogando Cherubin
|
04/11/2025

Por Mohara Cherubin

 

Janaina Martins lembra com um sorriso do dia em que “virou mocinha”. Tinha apenas onze anos quando o sangue apareceu pela primeira vez, em casa, e correu para contar à mãe. As amigas também já começavam a menstruar e a empresária ficou feliz, era como se tivesse se tornado mulher de um dia para o outro. Nos primeiros meses, tudo parecia novidade, mas a euforia logo deu lugar à realidade dos ciclos longos, de sete dias, acompanhados de cólicas intensas que a faziam interromper o que estivesse fazendo.

Na adolescência, conciliava a rotina da escola com os treinos de natação. O medo de que a menstruação vazasse na piscina a acompanhava em cada mergulho. Usava apenas absorventes comuns, e as preocupações com manchas e constrangimentos eram constantes. Desde cedo, aprendeu que menstruar era também lidar com o desconforto de algo que não era capaz de controlar.

Os anos seguiram marcados por essa relação complexa com o corpo. As dores e o fluxo intenso persistiam, mas ela se adaptava a cada novo ciclo, sem deixar de lado os compromissos, o trabalho e a vida ativa. Teve duas gestações, aos 27 e aos 32 anos. A primeira foi tranquila, mas a segunda trouxe complicações, como varizes na vulva e dores fortes que a obrigavam a reduzir o ritmo. No parto cesárea, os médicos identificaram varizes pélvicas, condição rara e de risco. Anos mais tarde, um exame vascular revelou uma estenose na veia renal esquerda. O diagnóstico a levou a um cateterismo e a novas cirurgias de varizes.

Mesmo com os tratamentos, as dores não cessaram. Em 2016, seu ginecologista sugeriu a histerectomia, procedimento que consistiu na retirada do útero, das trompas e de um dos ovários. A cirurgia trouxe alívio imediato do fluxo e das cólicas que a acompanharam por quase trinta anos. Foi a primeira vez que se sentiu livre do ciclo que marcava sua rotina desde a infância.

Por alguns anos, o corpo permaneceu o mesmo. Até que, aos 45, as mudanças voltaram a se manifestar de outro modo. O sono, antes contínuo, tornou- se leve, interrompido por despertares no meio da noite. Ondas de calor surgiam de repente, e o humor oscilava sem explicação. Mais do que os sintomas físicos, o que mais a angustiava era o esquecimento. Sempre pontual, começou a perder compromissos e a confundir horários. Os exames hormonais confirmaram que Janaina estava entrando na menopausa. A notícia não provocou medo, mas exigiu aceitação, já que percebeu que não conhecia muito sobre essa fase, e que os médicos pouco falavam sobre ela. Acredita que a mulher deveria ser preparada ainda no período fértil, para compreender melhor as mudanças do corpo e da mente. Por conta das condições vasculares, não pode recorrer aos tratamentos hormonais convencionais, o que torna a adaptação ainda mais desafiadora.

Os filhos e amigos logo notaram as mudanças. A empresária, antes sempre organizada e de humor constante, passou a se mostrar mais irritada e distraída. As reações de espanto ao seu redor a fizeram perceber o quanto a menopausa altera não apenas o corpo, mas também a forma como os outros a enxergam. Hoje, aos 47 anos, Janaina encara a menopausa como um exercício de autoconhecimento. Aprendeu a reconhecer os próprios limites e a compreender as mensagens do corpo. Procura não se cobrar tanto, mesmo diante dos esquecimentos e das falhas de memória que ainda a incomodam. Vê nessa fase um convite à escuta e à reconciliação consigo mesma.

Como foi o que aconteceu com a jornalista Neivia Justa, que sangrou pela primeira vez aos 11 anos. Ela se recorda com nitidez da madrugada em que acordou com fortes cólicas e acreditou estar com um problema intestinal. Estudava em um colégio de freiras, daqueles em que as meninas usavam saias plissadas e o uniforme de educação física incluía uma sunga de jogadora de vôlei. Com medo de se sujar, improvisou enchendo a calcinha de papel. Foi o que a salvou. Ao chegar em casa, percebeu o sangue e chamou a mãe, que reagiu com euforia, e logo a notícia se espalhou por Fortaleza, local onde morava. 

Desde pequena, sabia o que significava menstruar. Entendia o processo biológico, que o sangramento viria todos os meses, e que fazia parte do crescimento. A mãe a havia preparado para isso, já que seu corpo começou a se desenvolver bem cedo. Mas, além da explicação biológica, não houve grandes conversas. O tema da menstruação estava cercado de tabus, especialmente no que dizia respeito ao corpo feminino, à sexualidade e à virgindade, assuntos que não se discutiam abertamente em casa.

Na adolescência, Neivia passou a lidar com o ciclo menstrual de forma prática, mas sem afeto. Contou que nunca gostou de menstruar. O cheiro, o fluxo intenso, o desconforto, nada nisso lhe parecia natural. O medo de manchar a roupa era constante, principalmente nos dois primeiros dias de sangramento. Não conseguia usar absorvente interno e via a menstruação como um incômodo a ser suportado. Quando começou a vida sexual, o período menstrual continuava sendo uma barreira, era algo que preferia esconder, manter distante de qualquer relação.

Se lembra que, na época, a menstruação carregava ainda mais tabu do que hoje. Evitava praias, roupas claras, e dificilmente comentava sobre o assunto. Foi a primeira da turma a menstruar, o que a colocou, involuntariamente, no centro das atenções, uma posição que a incomodava. Com o tempo, aprendeu a reconhecer o próprio corpo, a identificar sintomas e ritmos. Seu ciclo era regular como um relógio, e essa previsibilidade lhe trazia certo controle sobre si mesma. As cólicas a acompanharam até a primeira gravidez, aos 32 anos; depois da segunda, desapareceram de vez.

Por volta de 47 anos os sintomas da menopausa começaram a dar sinais. O primeiro foi o calor noturno, acordava suada toda madrugada, sem entender o que acontecia. Vieram também a irritação constante e a sensação de estar em uma TPM que nunca terminava. Mesmo antes de os exames confirmarem, ela insistia com o médico que o corpo já estava mudando. Sabia reconhecer seus sinais, e estava certa. Neivia nunca tratou a menopausa como tabu. Pelo contrário, queria lidar com os sintomas o quanto antes. Iniciou a reposição hormonal logo que as alterações começaram e segue com o tratamento até hoje. Para ela, é uma questão de equilíbrio e bem-estar, sem medo nem preconceito.

Para ela, a falta de informação ainda é um dos maiores desafios. Acredita que, embora haja avanços, o tema continua cercado de desconhecimento e até negação. Muitas mulheres ainda não entendem o que estão sentindo ou acreditam estar adoecendo. Os médicos especializados são poucos, e o acolhimento é insuficiente. Por isso, enxerga na menopausa uma oportunidade de transformação coletiva, de falar mais, educar e incluir também as famílias — maridos, esposas, filhos, colegas e chefes — nesse diálogo.

Neivia encara o assunto com humor e naturalidade. Costuma brincar com o marido, que dorme enrolado em cobertores, como um pinguim, enquanto ela precisa do ar-condicionado ligado no máximo. Fala abertamente sobre estar na menopausa, sobre o corpo e a idade, como forma de desmistificar o envelhecimento feminino. Já escreveu sobre o tema e faz questão de mostrar que essa é apenas mais uma etapa que deve ser vivida com leveza.

Hoje, aos 56 anos, ela entende a menopausa como parte da sua identidade atual. Depois de retirar o útero, passou a compreender com mais clareza as transformações do corpo e do metabolismo. Acredita que aceitar e cuidar de si é o caminho para atravessar essa fase com serenidade. Para ela, a menopausa representa maturidade e liberdade. Deseja viver os melhores anos de sua vida agora, sem nostalgia e sem ansiedade. Encarar o presente como ele é, com seus desafios e descobertas, tem sido sua forma de existir plenamente, abraçando o corpo e o tempo como aliados, não inimigos.

Tags:

Comportamento

path
comportamento

Saúde

path
saude
Gleice e Bruna, mãe e filha, formaram laços de sangue ao viverem a experiência do cárcere
por
Vitor Bonets
|
24/10/2025

Por Vitor Bonets

 

É tarde de sábado, mais um dia de visita. 20 minutos. É tudo que elas têm. Passado e presente, frente a frente, em uma mesa apertada para duas. Sacolas nas mãos, filas lotadas, muitas mulheres e poucos homens. Primas, irmãs e cunhadas ansiosas. Sem contar as "mainhas", que se precisar dormem em frente a Penitenciária Feminina de Sant'ana. Do lado de fora, um sol pra cada uma. Do lado de dentro, apenas a ânsia de ver o sol nascer redondo novamente. Desde o dia 12 de dezembro de 2020, Bruna não sabe o que é a liberdade. Ela é uma daquelas que, se pudesse, escreveria nas paredes da cela a quantidade de dias que faltam para voltar a ser livre. Por falta de espaço e ferramenta, não faz. Mas na cabeça, guarda a data da prisão e o dia em que sairá. Aliás, ao falar da possível saída, ela esboça um sorriso, frente a um olhar que já não parece ser tão doce quanto o das fotos antigas. Bruna foi vítima do amor cego. Seu crime, como brincam os mais jovens, talvez tenha sido amar demais.

Aos 16 anos, quando era apenas uma garota, ela conheceu Kaynan. O jovem, com 19, já era conhecido por todo o bairro do Livieiro, na zona Sul de São Paulo. Jogava bola como poucos, tinha nos pés uma leveza difícil de se encontrar nos campos e nas quadras. Mas leves mesmo eram suas mãos. Bobeou na frente do "muleke" era gol. Ou melhor, era bolso, onde ele guardava com maestria os pertences das vítimas que fazia pelas redondezas. 

Não demorou muito para enxergarem o talento de Kaynan no bairro. E não, não era o talento nas quadras. Porém, "os meninos do ramo" não gostaram muito quando viram que o jovem atuava próximo às áreas deles. Então, certo dia, Kaynan foi chamado para uma conversa e tomou o famoso "salve". Sem violência, a princípio, mas ouviu palavras que certamente não foram de consolo. Entre toda a mensagem passada, uma coisa fez com que o jovem mudasse. Ele ouviu que se fosse para tirar de alguém, teria que ser dos que tem, dos endinheirados, e não de trabalhadores da comunidade. E então, não precisou de muito tempo para as mãos leves de Kaynan sentiram o peso de pegar em uma arma, essa até dada pelos meninos. E já que a peça já estava em mãos, e a cena já tinha sido roubada, o jovem se tornava protagonista da história. Porém, havia uma coadjuvante que ainda entraria em ação. 

Ela era Bruna, que sabia do que Kaynan fazia nos últimos tempos. De mero furtador para assaltante número um do bairro. Não só sabia, como aproveitava de alguns privilégios que havia tido por ser a "namoradinha da vez" do jovem. Ninguém mexia com Bruna, muito menos ousava desrespeitá-la. Ela passava e as outras garotas abaixavam a cabeça. Era a "princesa da quebrada", intocável, cheia de si, na flor da idade e com um certo "poder" que cada vez mais subia para a mente. Mas em casa, o tratamento era diferente. Sua mãe, Dona Cleide, fazia de tudo para que Bruna não seguisse seus passos. Com toda experiência de quem já viveu as ruas, ela sabia que o caminho que a filha tomava só tinha um final. O dela mesma, como foi há 32 anos. Cleide não admitia o relacionamento da filha com Kaynan, não queria que ela se envolvesse com os meninos, mas já não era mais capaz de frear a garota. Talvez por não ficar tanto em casa devido ao trabalho de diarista, a mulher que tentava mostrar para filha um futuro melhor, não conseguiu a tirar das mãos do crime. Ela dizia à filha que depois que entra, não tem mais volta. Dizia que Kaynan, quando a casa caísse, não iria segurar nem a própria bronca, imagine a de Bruna. A menina decidiu não escutar a mãe e preferiu ficar com o jovem, que cada vez mais ganhava destaque pelas ruas. E no final, quem é peixe pequeno no meio do grande mar do crime vira isca de peixe grande. 

Era dia 10 de dezembro. Kaynan recebeu uma missão. Coisa rápida e fácil, como a vida errada que levava. Ele só precisava pegar uma encomenda com os meninos e deixar em uma "casa bomba", local usado para o armazenamento de drogas vindas do crime. Porém, a única coisa que explodiu foi a liberdade de Kaynan. Ao virar na Rua João Semeraro, a polícia já o esperava no endereço. A fuga nem foi cogitada, pois já não havia mais para onde correr. Kaynan foi pego no flagra e desde esse dia a vida de Bruna virou de cabeça pra baixo. Ao ser preso, o jovem disse que Bruna o ajudava nos delitos. Era ela quem armazenava drogas e os objetos frutos de roubo em casa. Era ela quem entrava em contato com os mandantes do crime. Era ela quem decidia as missões que valiam a pena ou não para Kaynan. E foi ela o primeiro alvo da polícia após a prisão do namorado. A polícia localizou Bruna em casa e, de fato, encontrou drogas e produtos roubados. Porém, ela não sabia que Kaynan guardava os flagrantes em casa e, então, já era muito tarde para se explicar. Foi levada para o 3º DP (Sacomã) e prestou depoimento. 

Dois dias depois, estava decretada sua prisão. Foi cúmplice e culpada por um amor que o levou para cadeia. E só pensava que era melhor ter escutado a própria mãe. Gleice avisou, pois sabia como tudo acontecia. Três décadas atrás, havia sido presa também com envolvimento em um amor criminoso. Ela também levou a culpa por crimes cometidos pelo namorado. Era jovem e também se vislumbrou com as regalias da vida bandida. Mas após passar quatro anos na cadeia entendeu o que tentou explicar para filha. Não vale a pena, mesmo que a pena seja pouca. 

Hoje, mãe e filha se encontram. Uma na frente e outra atrás das grades. A vida separada pelas barras de ferro. Passado e presente. Só restam 20 minutos nos dias de visita e o gosto da liberdade e da falta dela. Os homens não estão mais presentes. As abandonaram, assim como a fila de espera para entrada na Penitenciária Feminina de Sant'Ana identifica um padrão. São mulheres do lado de fora que cuidam de mulheres do lado de dentro. Passados os 20 minutos, só as resta voltar para suas famílias. As de cela e as de ceia. Dividem e vestem laços de sangue, juntas e misturadas. Após pouco tempo de voo livre, uma das borboletas em formação volta para o casulo. A outra, em liberdade plena, pode voltar para casa sem medo de se tornar lagarta novamente.

Cleide e Bruna, dois lados da mesma moeda, duas faces de uma mulher leal. Duas encarceradas. Liberdade e cárcere. Memórias da prisão. De qualquer forma, passado e presente. Mas acima de tudo, juntas. Uma família, que ao lado de irmãs, primas e cunhadas, ganha outros familiares no convívio. Ainda sim, nada é como ver o sol nascer redondo, deitar na própria cama, comer uma boa comida e degustar do sabor de estar livre. Para Gleice, o crime não compensou. E para Bruna, os ensinamentos da mãe ainda ecoam nos ouvidos e pelas paredes da cela.

Tags:
A crença da autonomia financeira e a liberdade de horários esconde a precarização do trabalho.
por
Rafael Rizzo
|
23/09/2025

Por Rafael Rizzo

 

A luz dourada e cansada do final de tarde de uma terça-feira paulistana invadia o carro pelas frestas dos arranha-céus, pintando listras fugazes no painel e no rosto de José. Aceitei a corrida na Avenida Paulista, e o cheiro que me recebeu não era de um carro de aplicativo qualquer. Era um odor de vida vivida ali dentro; um misto do aromatizante de baunilha pendurado no retrovisor, do café que ele devia ter tomado horas antes e de algo mais profundo, o cheiro de um espaço que é, ao mesmo tempo, ferramenta de trabalho, refeitório e, por vezes, confessionário.

José me cumprimentou com um "boa tarde" que carregava o peso do dia inteiro. Seus olhos, vistos pelo retrovisor, eram fundos, cercados por uma teia fina de rugas que a tela do celular parecia ter gravado ali. As mãos, calejadas e grossas, seguravam o volante com uma firmeza que contrastava com a vulnerabilidade em sua voz quando disse ter começado como motorista de Uber há seis anos.

- "A gente ouve aquela conversa, né? 'Seja seu próprio chefe', 'faça seu próprio horário'. Parece um sonho." Ao dizer "sonho", ele soltou uma risada curta, um som seco, sem alegria, que morreu rapidamente no ar abafado do carro. Seus dedos tamborilaram no volante.

- "A maior mentira que já me contaram."

A primeira emoção que transpareceu em José foi o desengano. Não era raiva, não era tristeza ainda. Era o cansaço de um homem que perseguiu uma miragem e encontrou um deserto. Ele gesticulou com a mão direita, tirando-a do volante para desenhar um círculo no ar. Disse que era uma liberdade falsa e que era livre para escolher a hora que começa a se acorrentar. Conta que inicia o aplicativo às seis da manhã se quiser ter a chance de pagar as contas no fim do mês. Só desliga depois das sete, oito da noite. Isso num dia bom. Doze horas.

Ele disse o número como se fosse uma sentença.

- "Doze horas é o mínimo. É o chão. Mas nesse chão, você não constrói nada. Você só sobrevive."

Enquanto falava, o trânsito forçou a parar. José não olhou para os outros carros. Seu olhar se perdeu em algum ponto da rua, talvez vendo não os pedestres apressados, mas os boletos que o esperavam em casa. Havia uma quietude em seu corpo que era assustadora; a imobilidade de quem se sente encurralado.

- "E o corpo cobra", ele continuou. A voz agora um tom mais baixo, mais íntimo. Ele ajeitou as costas no banco, um movimento que era claramente para aliviar uma dor crônica na coluna, nos joelhos... Ficar sentado aqui o dia todo nos destrói aos poucos. Comemos mal, comemos rápido. Um salgado aqui, um lanche ali. Sua saúde vira um luxo que você não pode pagar, porque parar para se cuidar é deixar de ganhar o dinheiro do aluguel.

Foi quando ele falou sobre o risco que suas mãos, antes repousadas, voltaram a se agitar. Ele não gesticulava de forma ampla, mas seus dedos se fechavam e abriam sobre o volante, como se testassem a própria força. Ele tem o medo. Todo dia. Não sabe quem vai entrar no seu carro. Já entrou em cada lugar... Cada beco escuro, cada rua sem saída. Uma vez, de madrugada, entraram três rapazes. Ficaram o caminho todo em silêncio. Um deles só o olhava pelo retrovisor, conta.

Nesse momento, o tom de José ficou denso, pesado. A luz do dia já se despedia, e as luzes de neon dos prédios começavam a piscar, lançando sombras dançantes dentro do carro. O rosto dele ficou parcialmente na penumbra. Só pensava nos seus filhos. A cabeça só repetia o nome deles, um por um. Graças a Deus, não era nada. Eles desceram, pagaram e foram embora. Mas o gelo na espinha... esse ficou com ele por dias. A menção aos filhos mudou completamente a atmosfera. A dureza em sua voz se desfez, dando lugar a uma ternura que era quase palpável. São cinco, ele disse, e pela primeira vez, um sorriso genuíno, ainda que breve, tocou seus lábios. A mais velha tem catorze, o mais novo tem três. Ele pegou o celular por um instante no semáforo, a tela de bloqueio iluminando uma foto de um grupo de crianças sorridentes e um pouco bagunçadas. O olhar dele para a tela era o de um devoto.

- "É por eles. Tudo. Cada quilômetro rodado, cada 'bom dia' forçado, cada engarrafamento... é pensando no prato de comida deles, no material da escola, no remédio quando ficam doentes. A emoção embargou sua fala por um segundo. Ele pigarreou, virando o rosto para a janela como se quisesse esconder uma lágrima que teimava em se formar. A mão esquerda, que antes se fechava em tensão, agora repousava suavemente sobre a marcha, um gesto de cansaço e resignação. "Mas tem dia...", ele fez uma longa pausa, e o silêncio foi preenchido apenas pelo zumbido do ar-condicionado. Tem dia que a vontade é de desistir. De verdade. De parar o carro no acostamento, desligar esse aplicativo e nunca mais ligar. Se sente um rato de laboratório numa roda gigante. Corre, corre, corre e não sai do lugar. O dinheiro que entra mal cobre a gasolina, a manutenção do carro, o seguro... o que sobra é tão pouco pelo tanto que a gente se doa, confessa.

Seu suspiro foi profundo, um som que parecia vir do fundo da alma, carregando o peso de anos de exaustão. José é só um número para eles, para o aplicativo. Se quebrar o carro, em um minuto eles bloqueiam e ativam outro José qualquer. Não tem direito, não tem segurança, não tem amparo. É seu próprio patrão na hora de arcar com todos os custos e todos os riscos, mas é um empregado sem direitos na hora de receber. Chegando ao fim do trajeto, que no mapa parecia curto, a voz de José já não tinha o desengano do início, nem a tensão do medo, nem a ternura da família. O que restava era um esgotamento puro e simples. A energia de suas palavras havia se esvaído, deixando apenas a casca de um homem que se preparava para a próxima corrida, a próxima batalha.

 

Tags:

Cidades

path
cidades

Comportamento

path
comportamento
Comerciante histórico do Centro de SP resiste à onda de gentrificação que transforma bairros tradicionais em polos de luxo.
por
Carolina Rouchou
|
16/09/2025

Por Carolina Rouchou

 

O ar dentro da cafeteria pesava, um caldo espesso de gordura fria de rosca, o dulçor enjoativo de calda de glucose e o amargo persistente do café requentado que impregnava as paredes, as cortinas, as roupas, a própria pele. Era um cheiro que se tornara parte dele, uma segunda camada que carregava para casa todas as noites e que retornava todas as manhãs. O mármore do balcão guarda a memória de milhares de cotovelos, a superfície lisa e gelada sob a pele áspera da mão do homem que a limpa, um ritual de meio século que começava sempre antes do amanhecer, quando a cidade ainda respirava o hálito úmido e frio da noite. Seus dedos, calejados e marcados por pequenas queimaduras antigas, percorriam cada centímetro da pedra polida com um movimento estudado, removendo os últimos vestígios do dia anterior.

Um ventilador de teto quebrado há tempos acumulava poeira em suas pás. As grades enferrujadas testemunhavam a umidade de cinquenta verões paulistanos. Lá fora, o asfalto já começava a derreter em ondas visíveis, exalando um ar de borracha e concreto que entrava pela porta entreaberta, um antagonista ao cheiro familiar de dentro.

Era um calor que grudava na nuca, uma segunda pele salgada de suor que escorria em filetes lentos pelas costas, marcando a camisa com mapas de umidade. Seus pés doíam, uma dor surda e enraizada que subia pelas canelas, testemunha silenciosa de décadas na mesma posição, sobre o mesmo piso de ladrilhos que outrora brilhavam com o vai-e-vem de centenas de sapatos, e que agora apresentavam lascas e falhas, pequenas crateras de um mundo em desgaste constante.

Toninho observava, através do vidro embaçado e sujo onde se acumulava uma película fina de poluição urbana, o novo fluxo que fluía na calçada. Não era mais a maré humana familiar, aquela massa diversa e barulhenta que cheirava a trabalho, a cigarro barato, a perfume forte de madame e a suor honesto de quem dependia do ônibus lotado. Esse novo fluxo era mais lento, mais silencioso, e exalava um perfume estranho, doce e amadeirado, que vinha da nova loja do outro lado da rua, onde uma xícara de café custava o que ele cobrava por cem. Eles passavam com seus copos de líquido verde e opaco, vestindo roupas de tecidos leves e neutros que não pareciam soar, seus olhos fixos nas telas brilhantes que carregavam nas mãos, alheios ao mundo que os cercava, consumindo o espaço como consumiam a imagem no aparelho. Seus passos eram diferentes, não o arrastar cansado dos que carregavam fardos invisíveis, mas um andar despreocupado, quase flutuante, de quem sabia que um conforto artificial o aguardava a poucos metros de distância.

Antes, o centro da cidade era um corpo quente, pulsante, um organismo complexo onde o suor do office-boy que corria com envelopes se misturava com o cheiro de alfazema da senhora que comprava fios para tricô, onde o pão com mortadela era devorado com a mesma urgência que o pastel de vento mole. A cafeteria era um órgão vital naquele corpo, um ponto de encontro onde o dinheiro era pouco, mas a conversa era farta. O balcão era quente ao toque, aquecido pelos corpos aglomerados, e o ar tremulava com as vozes, com as risadas, com os protestos. O som das colheres batendo nas xícaras formava uma percussão constante, acompanhando o burburinho das conversas que iam desde os preços da feira até as notícias do jornal da tarde. O chão, à hora do almoço, ficava pegajoso de restos de café e migalhas, e o ar ficava tão denso com fumaça de cigarro e vapor de comida que se podia quase mastigá-lo. Agora, o centro estava a ser transformado noutra coisa, um corpo com ar-condicionado, onde o silêncio era uma mercadoria cara e o toque casual, um incômodo. O frio do ar-condicionado das novas lojas invadia a rua em rajadas fugazes quando as portas de vidro automáticas se abriam, um sopro de gelo artificial que cortava o calor real como uma faca, um contraste tão violento que fazia a pele arrepiar.

Ele lembrava das mesas de fórmica rachada, sempre ocupadas e manchadas de café serviam como um testemunho de incontáveis histórias sussurradas sobre dívidas, amores e empregos perdidos. Lembrava do toque áspero do açúcar de papelinho, do cheiro de leite fervendo às pressas, do vapor quente da máquina de espresso antiga que queimava as pontas dos dedos dos seus funcionários, marcas de um ofício vivo.

Cada manhã começava com o ranger metálico das portas de aço enroláveis sendo levantadas, um som que ecoava na rua ainda silenciosa, anunciando o início de mais um dia. O primeiro cheiro a tomar o ar era o do café fresco moído na hora, um aroma terroso e vigoroso que dominava todos os outros por alguns minutos preciosos. Depois vinham os cheiros dos pães sendo aquecidos, da manteiga derretendo nas chapa, dos ovos sendo fritos na gordura. Tudo isso estava a ser apagado, lixado, substituído por superfícies lisas e frias, por madeiras de demolição que fingiam uma história que não era delas, por luzes indiretas que não deixavam sombra para a poeira se esconder. O som do centro mudara; o burburinho vital dera lugar ao zumbido baixo de conversas contidas e ao ruído de fundo de playlists cuidadosamente curadas que vazavam pelas portas das novas lojas.

Mudanças de cenário

 

Os preços subiam como a temperatura num dia de verão paulistano, ultrapassando os quarenta graus na sombra, um calor que fazia o metal da porta queimar ao toque e que obrigava a deixar a entrada entreaberta, por mais que isso permitisse a entrada da poeira fina que cobria tudo com um manto cinzento em questão de horas. O imposto, um fantasma que antes assombrava de longe, agora batia à porta com uma fome nova, um apetite que só aumentava à medida que o endereço ganhava valor nos cadastros da prefeitura, valor esse que ele nunca veria, mas que seria cobrado em notas cada vez mais altas. As contas de luz, outrora previsíveis, agora chegavam com valores que parecia piada de mau gosto, um custo proibitivo para manter os freezers ligados e as luzes acesas. Os antigos vizinhos, as lojas de ferragens, as barbearias, as casas de fio, foram fechando, um a um, substituídos por estúdios de ioga e hamburguerias artesanais onde o pão era preto e o queijo, derretido sobre a carne, custava mais que um prato feito completo. A cada porta que se fechava para sempre, um pedaço da história do lugar morria, e o silêncio que ficava era mais pesado, mais opressivo.

Ele se via ali, uma ilha de fórmica e gordura num mar de concreto polido e plantas ornamentais. Sua cafeteria era a última contra-utilidade, um obstáculo orgânico no caminho da pasteurização total daquela quadra. Os novos moradores dos apartamentos reformados, aquelas caixas de vidro que refletiam o sol cego da tarde, olhavam para a sua vitrine com um misto de curiosidade e desdém. Entravam às vezes, para experimentar o "autêntico", compravam um café e saíam rapidamente, sem sentar, sem tocar nas mesas, sem se contaminar com aquele ar parado que cheirava a um passado que eles pagavam caro para observar de longe. Seus dedos limpos batiam levemente no balcão manchado, e ele via o discreto enrugar do nariz quando o cheiro de óleo requentado os atingia. Eram como visitantes de um museu, observando uma relíquia de um tempo que não entendiam, protegidos pela barreira invisível do seu próprio mundo higienizado.

O pó de café queimado no fundo da chaleira era a mesma textura de sempre, áspera e escura sob a unha. Era o único cheiro que não mudara, a única certeza térmica da água a ferver. Tudo à sua volta se transformara num cenário, e ele, o dono da cafeteria, era agora um figurante, um artefato pitoresco na paisagem gentrificada. O centro já não era um lugar de encontros, mas um produto. E ele, com suas mãos calejadas e seu balcão gasto, era a última ruga num rosto que estava a ser esticado e alisado para agradar a um novo olhar, um olhar que comprava o espaço, mas não sabia habitá-lo.

O ventilador quebrado pendurado no teto era o seu coração ali, silencioso, coberto de pó, testemunha de um calor que já não era mais bem-vindo. As tardes eram as piores. O sol incidia violentamente sobre a fachada, transformando o interior numa estufa, apesar da ventoinha pequena e barulhenta que ele mantinha atrás do balcão e que só movia o ar quente de um lado para o outro. O suor escorria por suas têmporas, e ele usava um pano áspero e já úmido para enxugar o rosto, vezes sem conta. Era nesses momentos que as memórias mais fortes vinham. Lembrava do barulho ensurdecedor dos bondes que passavam lá fora, do apito do afiador de facas, do grito do vendedor de amendoim. Lembrava dos clientes fixos, aqueles que vinham todos os dias à mesma hora, ocupavam o mesmo lugar, pediam a mesma coisa. O homem do jornal, que lia as notícias em voz alta para quem quisesse ouvir. A costureira, que trazia sempre um trabalho para fazer enquanto tomava seu café com leite. O estudante universitário, de ideais fervorosos e livros espalhados pela mesa. Eles não existiam mais. Tinham sido substituídos por uma rotatividade silenciosa e anônima.

A noite chegava, e com ela uma luz diferente banhava a rua. As antigas lâmpadas que davam um tom alaranjado e quente à calçada, foram substituídas por LEDs brancos e frios que iluminavam tudo com uma claridade crua e sem sombras, como um interrogatório. As sombras, outrora cheias de vida e mistério, foram banidas. A própria escuridão se tornara uma mercadoria rara, um luxo que só existia nos cantos mais esquecidos, onde a iluminação pública ainda não fora modernizada. Ele fechava a porta com a mesma chave pesada de sempre, sentindo o peso do cansaço nos ossos, um cansaço que ia além do físico, era um esgotamento da alma. O caminho para casa era agora uma viagem por um território estranho. Onde antes havia bares com mesas na calçada e conversas altas, agora havia esplanadas silenciosas com velas e menus em inglês. O cheiro de comida de boteco, fritura e cerveja derramada, dera lugar ao aroma de cozinha de fusão e cocktails caros. Ele caminhava rápido, seus sapatos gastos ecoando no calçada nova e lisa, um som solitário na noite que já não lhe pertencia. Sua casa, um pequeno apartamento num prédio antigo que milagrosamente ainda resistia, era o último reduto onde o tempo parecia ter parado. Lá, o cheiro era de mofo e de comida caseira, a iluminação era amarela e fraca, e o silêncio era quebrado apenas pelos ruídos familiares dos vizinhos antigos. Era o único lugar onde ainda podia respirar fundo sem sentir o perfume artificial da nova cidade.

O verão avançava, trazendo consigo chuvas torrenciais que alagavam as ruas e revelavam a fragilidade da nova beleza. A água suja subia pelas calçadas, carregando consigo o lixo e a sujeira, invadindo as lojas reluzentes e deixando um rastro de lama e destruição. Enquanto os novos estabelecimentos fechavam em pânico, protegendo seus pisos de madeira clara e seus móveis de design, a cafeteria permanecia aberta. O velho dono estava acostumado. Sabia que a água baixaria, e ele sabia como limpar o chão depois. A resistência era a sua única linguagem. Uma tarde, após uma dessas chuvas, o ar estava estranhamente fresco. Uma brisa rara varria a cidade, limpando temporariamente a fuligem do ar. Ele estava lá, como sempre, quando a porta se abriu e entrou um casal jovem. Não eram como os outros. Vestiam-se bem, mas sem a frieza dos outros. Olharam em volta com curiosidade genuína, não com desdém. Sentaram-se a uma mesa, ignorando a ligeira camada de gordura na superfície. Pediram dois cafés. E, então, ficaram em silêncio, não mergulhados nos seus celulares, mas olhando em volta, absorvendo a atmosfera. O homem notou as mãos do dono, a forma como ele manuseava os equipamentos com uma familiaridade que era quase uma dança. Notou o vapor subindo do líquido, o som da colher batendo na porcelana rachada. E, pela primeira vez em muito tempo, o dono da cafeteria sentiu que estava sendo visto, não observado. Eram apenas dois clientes, um momento breve, mas naquele instante, naquele sopro de ar fresco após a tempestade, pareceu-lhe que talvez nem tudo estivesse perdido. Que talvez, por baixo do verniz novo, o coração velho da cidade ainda pudesse, de vez em quando, dar uma única, fraca, batida.

O pó de café queimado no fundo da chaleira era a mesma textura de sempre, áspera e escura sob a unha. Era o único cheiro que não mudara, a única certeza térmica da água a ferver. Tudo à sua volta se transformara num cenário, e ele, o dono da cafeteria, era agora um figurante, um artefato pitoresco na paisagem gentrificada. O centro já não era um lugar de encontros, mas um produto. E ele, com suas mãos calejadas e seu balcão gasto, era a pièce de résistance. O ventilador quebrado pendurado no teto era o seu coração ali, silencioso, coberto de pó, testemunha de um calor que já não era mais bem-vindo.

Certa manhã, ele encontrou um papel debaixo da porta. Era um envelope fino e elegante, com o logotipo de uma imobiliária que ele não reconhecia. A carta, redigida em um português impecável e frio, expressava um "interesse genuíno" no seu "quiosque comercial de carácter tradicional" e oferecia uma proposta numérica que, outrora, lhe pareceria uma fantasia. O valor era astronômico, obsceno. Ele leu e releu o papel, seus dedos manchados de café deixando uma marca suave no papel brilhante. Aquelas cifras representavam uma vida de descanso, uma fuga daquela luta diária. Mas também representavam o apagamento final. A aceitação seria a última assinatura no atestado de óbito daquele pedaço de cidade que ele conhecera. Dobrou o papel com cuidado e guardou-o numa gaveta cheia de talões e recibos, debaixo do balcão. Não era uma recusa consciente, era um adiamento. Um adiar do inevitável. Nos dias que se seguiram, a presença dos corretores de imóveis na rua tornou-se mais óbvia. Eles usavam ternos leves e sapatos caros, e falavam em voz alta sobre metros quadrados, potencial e valorização. Apontavam para os prédios, mediam as fachadas com olhos clínicos, calculavam. Eles não olhavam para as pessoas, olhavam para os espaços vazios que as pessoas ocupavam provisoriamente. Eram os arquitetos do novo mundo, desenhando uma cidade sobre a cidade, sem precisar de lápis ou papel, apenas comprovantes de transações bancárias.

O dia terminava como começara, com o gesto lento de limpar o balcão. O pano, agora úmido e sujo, percorria a superfície lisa, removendo os últimos vestígios do dia. Lá fora, a cidade nova brilhava, iluminada por luzes LED, enquanto na vitrine da cafeteria, a lâmpada incandescente tremulava, fraca e amarela, uma estrela prestes a apagar-se num céu que já não reconhecia as suas constelações. Ele apagou a luz e ficou na penumbra, olhando para a rua através do vidro. Um último grupo de jovens passou rindo, o som das suas risadas ecoando no silêncio da noite. Eles não olharam para dentro. A cafeteria já era parte da paisagem noturna, invisível como um móvel antigo numa casa nova. Ele trancou a porta, sentindo o peso da fechadura pesada girar com um clique familiar. O som ecoou na calçada vazia, um ponto final minúsculo num texto que ninguém mais lia. O cheiro do café velho impregnou-lhe os dedos uma última vez, um fantasma de um mundo que teimava em não morrer completamente, enquanto ele se perdia nas sombras do seu centro, que já não era seu.

 

 

 

Tags:

Cidades

path
cidades

Comportamento

path
comportamento
O corpo da feminino se reinventa como profissão, mercadoria e alternativa de trabalho.
por
Mohara Ogando Cherubin
|
23/09/2025

Por Mohara Cherubin

 

Atualmente, os dias começam com a checagem de mensagens e propostas no perfil de conteúdo adulto, antes mesmo do café da manhã de Maria. A academia, os compromissos e o almoço ocupam as primeiras horas do dia, mas é no retorno para casa que o trabalho realmente começa. As tardes e noites são dedicadas a gravar vídeos, responder clientes e editar conteúdos. A rotina, que pode facilmente ultrapassar 12 horas de dedicação, exige organização e disponibilidade. Embora muitos ainda julgam a atividade como algo distante de um “trabalho de verdade”, ela descreve longas jornadas de produção, chamadas de vídeo e edição, realizadas sem apoio externo.

Demissão, dívidas e a responsabilidade de ajudar nas contas de casa foram os fatores que a levaram descobrir, por meio de uma amiga, a criação de conteúdo adulto como uma forma de garantir sua sobrevivência financeira. Provida apenas de um celular e da necessidade de pagar suas despesas, ela decidiu abrir um perfil em uma plataforma e, no primeiro dia, já conseguiu lucrar 300 reais em poucas horas. O resultado imediato a convenceu de que, apesar das dúvidas e inseguranças, havia ali um meio de se sustentar. A partir daquele momento, a rotina de trabalho passaria a girar em torno de gravações, interações com clientes e a construção de uma nova fonte de renda.

O início, contudo, não foi marcado apenas por ganhos. Como era anônima e não tinha seguidores, demorou para alcançar estabilidade financeira na plataforma. Nos primeiros meses, precisou pedir dinheiro emprestado e lidar com a desconfiança da família, que até hoje não sabe exatamente de onde vem sua renda. Para ela, lidar com o estigma social que associa a profissão à piedade é um dos maiores desafios, quando, em sua visão, foi uma escolha consciente diante das circunstâncias que enfrentava.

Apesar de ainda não saber se seguirá no mercado por muitos anos, garante que, por agora, não pensa em parar. Reconhece que sua relação com os clientes é de dependência, mas não admite ser “tirada” dessa vida, como já lhe foi oferecido por um dos consumidores mais recorrentes. Solteira, ela prefere manter o controle sobre suas decisões, sem dever nada a ninguém. Entre o cansaço das longas jornadas, as incertezas sobre o futuro e a satisfação de ver o dinheiro cair na conta, segue encarando um dia de cada vez, certa de que, se for preciso mudar de caminho, encontrará uma forma de se reinventar, como sempre fez.

De acordo com Maria Cláudia Neves, psicanalista especialista em adolescentes, embora o discurso do empoderamento seja colocado como um instrumento de defesa e apareça com frequência nesse contexto, a Psicanálise observa que a sensação de controle dessas mulheres é temporária. No início, a mulher acredita decidir o que mostrar e como se expor, porém à medida em que o sustento dela só é possível com o pagamento de seus assinantes, ela se vê dependente do desejo do cliente. Toda aquela liberdade sentida no começo passa a se tornar vulnerabilidade, uma vez que os conteúdos passam a responder às exigências externas, caso contrário o cliente deixará de pagar e procurará um perfil que atenda às suas vontades. 

Do outro lado da tela, o consumidor busca satisfação em uma fantasia que nunca se completa. Para a psicanalista, trata-se de uma busca por pulsão de vida, por um corpo idealizado que nunca é suficiente. É por essa razão que tantos indivíduos desenvolvem vícios em pornografia. De acordo com dados do PornHub, site canadense de compartilhamento de vídeos pornográficos, o Brasil está entre os dez países que mais consomem pornografia, com 39% de usuárias mulheres e 61% de usuários homens. Os conteúdos são esporádicos e a satisfação é sempre passageira, levando ao consumo repetitivo. Assim como a criadora de conteúdo se torna refém da manutenção de sua imagem e dos gastos associados a ela, o cliente também se torna refém de seu próprio desejo.
 

Tags:

Comportamento

path
comportamento
Estúdios de Rádio e tv, usados pelos alunos de comunicação ficam separados das demais salas de aula e sofrem com a falta de reparos.
por
Laura Martins e Pedro Guimarães
|
11/10/2022

Alunos que ingressam em 2022 nos cursos de comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), têm grande parte das aulas concentradas no “Prédio Novo” da unidade de Perdizes, e podem demorar a descobrir o edifício que abriga os estúdios de rádio e televisão.

Com mais de duas décadas, o “Prédio Novo” é chamado assim porque fica ao lado do “prédio velho” da Universidade. Este sim, tem 102 anos. Mais acima, de frente para a (sempre impecável) capela universidade, é que fica o laboratório. Ao lado do estacionamento, uma passagem estreita ladeada de gradis leva o aluno até três caminhos: dois levam a lugar nenhum —prédios ”desligados” da universidade — e o último, e mais evidente (por ser o único iluminado), dá acesso ao prédio que abriga os laboratórios de vídeo e rádio jornalismo.

Um estúdio de televisão, outro de rádio; uma sala de reuniões e outra de equipamentos. Todos no térreo de uma construção retilínea inacabada de três andares.

Alunos mais ousados descobrem, eventualmente, o fundo de um dos laboratórios (nosso segredo, leitor) onde há uma estante com uma surpreendente coleção de discos de vinil. Ali, funciona uma espécie de museu precário. Discos, trabalhos de antigos alunos, câmeras analógicas e equipamentos de rádio e tv obsoletos ocupam as estantes dos estúdios sem muita distinção.

Dos equipamentos disponíveis aos alunos para as tarefas das disciplinas, alguns poderiam agregar à coleção do museu. As câmeras de vídeo são bastante antigas ainda, mas têm certa qualidade. Os microfones, ainda mais antigos, é que merecem substituição mais urgente.

Caso o estudante não tenha uma boa máquina em casa, cinco computadores estão à disposição. Apesar de terem instalados softwares de edição, não escapam do padrão dos demais equipamentos —- que combinam com o viés católico da universidade. São antigos e avessos a grandes mudanças (como abrir muitas páginas de uma vez). Às vezes é preciso orar para que eles não travem.

Apesar de integrar a universidade católica, o prédio destoa muito da área reservada à oração e, assim como a pontifícia, já teve dias melhores. Ernesto Luís Foschi, 61 anos, é técnico nos laboratórios de rádio da PUC-SP há 35 anos e conta que, inicialmente, aquele espaço abrigava os cursos de comunicação. Sediava oito salas de aula, centro acadêmico, copiadora, a associação dos funcionários e até alguns laboratórios de psicologia.

Ernesto menciona que o prédio foi construído por volta de 1997, mas "em 2002, 2003 (mais ou menos), surgiu o projeto para construção de três prédios de cinco andares, com salas de aulas, laboratórios e até quadras nas coberturas… isso nunca aconteceu [...]. Em 2010, os últimos andares foram desativados por causa da construção [que nunca ocorreu]. Os nossos laboratórios seriam os últimos a sair. A princípio, seríamos realocados para o quinto andar, mas aí perceberam que ficaria muito caro e então nos disseram que iríamos para a ala nova do prédio velho. A ala nova do prédio velho já tem quase 100 anos… não rolou”.

Desde então, o terreno que abrigava os prédios de comunicação serve de estacionamento e é administrado por uma empresa particular. Todas as salas de aula foram transferidas para os prédios novo e velho da pontifícia, restando apenas os laboratórios de rádio e vídeo, além de três andares abandonados.

2° andar do prédio desativado da PUC-SP. REPRODUÇÃO: Laura Lima set/2022. O abandono dos andares acima, também é visível no térreo. Trechos de forro faltando abrem o caminho para as salas de aula que ainda funcionam, uma delas possui paredes com infiltrações, piso descascado e tomadas abertas com fios soltos. Na percepção do técnico, “eles achavam que era fácil mudar, mas quando perceberam a caixa de marimbondo que estavam tacando pedra, falaram que não dava porque era muita grana”.

O prédio possui problemas estruturais, como a falta de uma rota de fuga em caso de incêndio. O acesso a um dos laboratórios, só se dá ao atravessar a sala de aula e, frequentemente, interrompe as aulas. E problemas de administração, os laboratórios ficam abertos até às 9:45, mas segundo Ernesto, "após o retorno da pandemia, a PUC diminuiu o número de seguranças. Nós temos seguranças até as oito da noite. Depois disso, Deus protege”.

Apesar do corte no quadro de funcionários, a mensalidade do curso aumentou recentemente e o aluno que se matricular em 2022 vai pagar uma mensalidade de R$ 2.820,00. Ao ser questionada, a assessoria da universidade católica afirmou que “ser bonita e bem equipada nunca foi a vocação da PUC-SP. Há quem diga que a PUC tem muita alma e pouco corpo, rs”.

A última reforma dos laboratórios foi feita em julho deste ano, onde houve a troca do piso dos corredores. Ernesto revelou que “tinha um buraco no chão já há vários anos”. Até o momento, não se tem projetos para a construção de novos laboratórios. A universidade também não se manifestou com relação à compra de novos equipamentos ou a reforma deste abençoado espaço.

Tags:

Cidades

path
cidades

Educação

path
educacao
Nas eleições deste ano, 77 dos 94 parlamentares da ALESP estão buscando a reeleição. Especialistas e políticos explicam os chamados “parlamentares perenes”
por
Rodrigo Mendonça e Mario Gandini
|
12/10/2022

Mais da metade dos deputados que ocupam um cargo na Assembleia Legislativa de São Paulo já conta com mais de cinco mandatos, ou seja, estão há, pelo menos, 20 anos na política. Nas eleições deste ano, 77 dos 94 deputados que compõem a Alesp estão em busca da reeleição. O que faz com que determinados parlamentares consigam se manter por tanto tempo em seus cargos? 

Muitos são contra a reeleição por que dizem que não é benéfico para a política. Muna Zeyn, secretária parlamentar e candidata a vereadora em 2016 explica: “Com todos esses anos na política posso lhe dizer que para alguns parlamentares a reeleição é tratada com muita ética, muita transparência e participação popular”.

Muna disse também que na campanha que está trabalhando e em todas as eleições que participou como assessora ela sempre tratou a reeleição não como um fim, mas como um momento de discussão, de organização social e de definição das ordens de prioridade; "Há candidatos que entendem que a candidatura é um momento para ter um diagnóstico claro da realidade que está se vivendo, o que fazer e o que fazer. Agora há parlamentares que usam de cabos eleitorais para a sua campanha, mas hoje a fiscalização pelo TRE é bem maior, portanto não dá para fazer a campanha de qualquer jeito." termina Muna.

Adriano Diogo, ex-parlamentar, eleito quatro vezes vereador de São Paulo (1989 – 2003), deputado estadual entre 2003 a 2015 e ex membro da Comissão de Direitos Humanos da ALESP, onde presidiu a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva expôs sua visão sobre a reeleição no cenário da política brasileira atual.

“Essa coisa de dizer que reeleição é imoral é uma bobagem. O grande problema é político” completou o sociólogo dizendo que acredita que a reeleição é mais uma chance que o povo está dando ao parlamentar para representá-lo. O ex parlamentar reitera que quando reeleito, um parlamentar tem que se sentir na obrigação de representar melhor o povo, pois está recebendo mais uma chance para continuar na política.

A reeleição é benéfica para a política brasileira?

A permanência por longos anos ocupando uma cadeira no parlamento não é nada novo para os brasileiros.             Em época de eleição é muito comum durante o horário eleitoral, encontrarmos caras repetidas da polícia nacional isso porque temos muitos parlamentares que tentam reeleição, ou que tentam dar continuidade a vida como político, mas exercendo outras funções.

A reeleição pode ser benéfica, visto que os parlamentares terão mais uma chance de dar continuidade no seus mandatos. A ideia de que os parlamentares possam continuar em seus cargos se forem eleitos não é uma exclusividade brasileira. Países como Alemanha, França, Peru, Argentina também possuem reeleição, tudo depende de como ela será tratada pelos parlamentares.

A reeleição no âmbito legislativo já foi criticada por muitos, pois dizem que essa restrição à renovação é um atraso e um prejuízo para o país e contribui para que muitos parlamentares usem o mandato de cabide de emprego e campanha, ou até mesmo para usufruir do privilégio parlamentar frente à justiça brasileira. Deixando de lado o real propósito da sua eleição, cumprir com os papéis de um parlamentar, seja ele vereador, deputado estadual ou federal.

O que leva um parlamentar a querer se reeleger?

Para  Arthur Murta, professor de Relações Internacionais na PUC-SP e doutor em Filosofia pela USP, essa “vida parlamentar” é como muitos políticos decidem viver. “Muitos vão querer uma manutenção do projeto político, outros vão querer ter sempre um foro privilegiado. Sabemos que tem políticos que estão sempre em um cargo eletivo exatamente para ter um foro privilegiado e não cair em uma justiça comum” disse o professor.

Arthur reitera que não podemos generalizar, mas que temos políticos que decidiram fazer da sua vida um mandato, mesmo que seja em diferentes cargos. “Você pega, por exemplo, pessoas como Eduardo Suplicy aqui em São Paulo, mesmo que ele tenha variado muito de cargo né, deputado, vereador… ele esteve na vida pública em cargo eletivo, de alguma maneira” completou o professor.

Como começou a reeleição no Brasil?

Antes exclusiva no Poder Legislativo, a reeleição foi aprovada para o Executivo em 1997, por uma Emenda Constitucional assinada pelo presidente em exercício Fernando Henrique Cardoso, que acabou se beneficiando da própria ação e continuou no Planalto até o ano de 2002.

Segundo a constituição federal do Brasil vigente, parlamentares de quaisquer cargos, seja vereador, deputado estadual/distrital, deputado federal ou senador podem ser eleitos e reeleitos sem restrições. Basicamente, eles ocupam o cargo enquanto se candidatarem e conseguirem ser eleitos, se desejarem. Cargos como presidente da república, governadores de Estado e do Distrito Federal e Prefeitos só podem se reeleger somente uma vez consecutivamente.

No Estado de São Paulo, a cada quatro anos, 94 candidatos são eleitos como deputados estaduais e assim, ocuparão uma cadeira no Palácio Nove de julho (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).  Destes 94 deputados e deputadas, a bancada com o maior número de integrantes é do PL (Partido Liberal) com 19 parlamentares. O PSDB é dono do segundo lugar com 14 parlamentares, seguido pelo (PT) que conta com 10 deputados.

São justamente esses parlamentares, chamados “perenes”, por estarem sempre na política e ocupando um cargo, que acabam causando uma impressão de que estão usando o fato de serem parlamentares para terem certos benefícios.

Qual o atual cenário da reeleição?

Para eleição de deputados estaduais é adotado o sistema de voto proporcional, onde a proporção de cadeiras parlamentares ocupadas por cada partido é diretamente determinada pela proporção de votos obtidos.

Portanto, um candidato depende do número de votos que o seu partido vai ter no âmbito estadual, assim segundo a sua posição no partido entre os que pretendem se eleger o candidato saberá se foi de fato eleito ou não.

Nos partidos temos os líderes de voto e os outros candidatos ,que muitas vezes não atingem um número expressivo como os primeiros do seu partido, mas acabam se elegendo, pois foram eleitos via legenda do partido.

Isso acaba reforçando o conceito dos parlamentares perenes, pois temos parlamentares que estão se elegendo com votos realizados na legenda, que acabam se beneficiando, pois, estão em um partido que existem pessoas que puxam mais votos para ela mesma e acabam aumentando o número de votos no partido.

Tags:

Comportamento

path
comportamento

Política Internacional

path
politica-internacional
Após anos sem representatividade, os povos indígenas já conseguem observar algumas mudanças dentro da política, mas ainda não se tornou o suficiente
por
Rafael Monteiro Teixeira e Renan Mello
|
05/10/2022

 

São Paulo é um dos Estados com mais candidatos indígenas, contando com 7
candidaturas, ficando atrás de Roraima (29) e do Amazonas (18), estados onde a
presença indígena é muito maior que a de São Paulo, porém a representatividade
segue baixa. 

De acordo com o IBGE, no ano de 2015, São Paulo é o 3º Estado com o maior
número de indígenas, com 41.794 índios, ficando atrás do Amazonas (113.391) e do

Mato Grosso do Sul (73.295). Partindo do número total da população, estima-se que para existir uma representatividade válida dentro do contexto político, seria
necessários 11 candidatos eleitos dentre aqueles que ocupam alguma cadeira no
poder administrativo do Estado.

Mesmo tendo uma grande concentração de indígenas no Estado, eles ainda acabam
sendo por muitas vezes invisíveis diante dos poderes públicos e da sociedade, o que
geralmente os deixam em situações de vulnerabilidade social, pois são colocados em
pequenas regiões que se mostram insuficientes para expandir e até mesmo manter
sua cultura.

Com isso, muitos povos indígenas, que moram em São Paulo, acabam sofrendo com
insegurança alimentar, mesmo aqueles que já possuem suas terras já regularizadas.

Esses problemas são históricos, pois até a constituição de 1988 eles não eram nem
considerados cidadãos plenos, sendo tutelados apenas pelos seus estados. E mesmo
após a constituição de 88 que garantiu alguns direitos para os povos indígenas, eles
ainda continuam sistematicamente tendo seus direitos violados, inclusive por
propostas parlamentares.

Isso acontece por conta da falta de pessoas dentro da política que têm contato com a
realidade dos povos indígenas.

Indígenas e sua participação na política de São Paulo

 “Não podemos deixar os povos indígenas nas mãos de pessoas que nunca pisaram
em um território indígena, que nunca soube o que uma mulher indígena passa” diz a
co-candidata do PSB, Vanusa do conselho Kaimbé, do movimento nacional dos povos
indígenas, sobre a representatividade dos povos nativos na política de São Paulo.

co-candidata
Vanusa Kaimbé (Arquivo pessoal)

A co-candidata ainda complementa que a política brasileira de um modo geral é um
lugar hostil e machista, onde a maior parte das pessoas que a compõem são homens
brancos que nunca viveram o que muitos brasileiros vivem.

Para ter uma maior representatividade na política de São Paulo, não é necessário
apenas um candidato, deputado ou senador indígena, mas é necessário ouvir tais
comunidades para saber quais são suas prioridades e também ouvir os coletivos
desses povos em São Paulo antes de tomar decisões que os afetem.

O maior problema é a falta de incentivo e de apoio para candidatos desse tipo, pois
muitos deles acabam desistindo no meio do caminho por conta desses fatores. A
política em si não tem abertura para as classes populares, então acaba sendo difícil de
fazer campanhas políticas onde poucas pessoas irão apoiar. 

Mesmo assim, algumas pessoas, vendo como os povos indígenas são tratados pelos
atuais gestores do país, arrumam forças para continuar tentando ingressar na vida
política e mudar esse cenário.

“Decidi entrar na política quando eu vi o que o governo atual anda fazendo com os
indígenas, os aniquilando completamente com políticas sem punição para as pessoas
que invadem suas terras” diz Vanusa, sobre sua decisão de entrar na vida política.

Outro despertar para ela, foi quando estava sendo discutido a PL da morte - onde
transferia a responsabilidade de terras indígenas para o legislativo, onde agora seria
permitido tirar os índios das terras que já os pertenciam a décadas – e ela notou
apenas uma única indígena, além da própria votação acabar com 70% de votos a
favor desse projeto de lei.

Uma de suas propostas é trabalhar em favor da vida indígena, focando no bem estar e
respeito a sua cultura, Vanusa finaliza a sua proposta com seu lema de campanha
“Juntos pela vida”.

PSOL e sua representatividade indígena

Chirley Pankará, candidata do PSOL, também conta sobre sua dificuldade de
ingressar na política, dizendo que estar nesses espaços é como romper bolhas muito
difíceis de serem rompidas, pois a política no estado já é assim há muito tempo, sendo
difícil de ser mudada.

Chirley
Chirley Pankará (Arquivo pessoal e Divulgação)

Caso Pankará seja eleita, ela seria a primeira mulher indígena a ocupar um lugar na
assembleia legislativa do Estado de São Paulo como deputada estadual, tendo em
vista que Vanusa é uma co-candidata. “Seria uma representatividade enorme pois eu
fui escolhida pelos povos indígenas, tanto os que vivem nas aldeias como os que
vivem dentro do contexto urbano, para os representar”.

O PSOL é um dos partidos políticos onde mais possui representantes indígenas em
todo o Brasil, com 15 candidatos, utilizando de sua base de apoio para fortalecer
essas candidaturas. É um começo para essa representatividade, mas ainda é muito
pouco para de fato ajudar esses povos.

Para isso, eles precisam ser mais envolvidos e ouvidos quando é necessário que
políticos tomem decisões que os afetem, tratando-os com respeito e utilizando do
diálogo para tal. “Geralmente são partidos de esquerda que se preocupam com os
povos indígenas” complementa a candidata do PSOL.

“Pretendo fazer o que os povos indígenas demandarem, a minha candidatura a todo
momento foi construída com eles. Então eu irei levar as questões ambientais, de
saúde, de educação, de soberania alimentar e a cultura desses povos no Estado de
São Paulo”, diz Chirley sobre as principais pautas que ela aborda em sua campanha.

Ela ainda complementa que essas não são suas propostas finais que ela pretende
abordar quando for eleita, mas sim uma base, e caso surjam outras necessidades, dos
povos indígenas, que sejam mais urgentes trazer como pauta para a assembleia
legislativa de São Paulo. 

Como os indígenas podem garantir seu direito político

“Entendo que a maior falha dos políticos atuais em relação a esses povos é não
cumprir ou assegurar seus direitos que já estão prescritos na constituição, propondo
por muitas vezes, coisas que vão contra.” Diz Roberta Hesse, antropóloga, que faz
trabalhos junto a índios do povo Xingu.

Principalmente nos últimos anos houve uma escalada na flexibilização de leis que
incentivaram o garimpo ilegal, invasão de terras indígenas, violências físicas e
psicológicas contra eles, além do desmantelamento da FUNAI, órgão responsável por
questões indígenas.

“Penso que os políticos deveriam ler o capítulo indígena da constituição e atuar com
base nela, pois as leis sobre como as terras indígenas precisam ser demarcadas,
como devem ser escolas indígenas, assim como a saúde deve ser providenciada para
eles já estão lá, só precisam ser postas em práticas”, finaliza a antropóloga.

Para a antropóloga e cientista política Cristiane Martins a elaboração e implementação
de políticas públicas que assegurem que garantam aos indígenas o direito à terra, a
proteção de seus territórios, acesso aos serviços básicos e fazerem os recursos
públicos chegarem a esses povos.

“Primeiramente, é fundamental aceitarmos que as políticas públicas voltadas para os
grupos indígenas devem ser protagonizadas por eles, desde a sua elaboração até a
implementação. Para esta, é fundamental viabilizarmos as candidaturas nas esferas
municipais, estaduais e federais ``, completa Martins.

Ela ainda complementa que as maiores dificuldades desses povos para entrar nesse
meio político estão justamente atreladas às dificuldades sociais, ambientais, de saúde,
econômicas e de acesso aos direitos fundamentais de base.

Tags:
São Paulo encara um dos piores quadros de insegurança alimentar desde 1990. Situação piorou desde o início da pandemia entrelaçada a desigualdade social
por
Ana Caroline Andrade e Leonardo Nunez
|
05/10/2022

Feito por Ana Caroline Andrade e Leonardo Nunez

 

 

 
 


(Imagem: ONG Banco de Alimentos)

 

 

Faz três anos que não fazemos três refeições diárias. Nunca passei por uma situação como essa. Ver seus filhos dizerem que estão com fome e você não ter o que dar é de corroer a alma ". Viviane Andrade, moradora do extremo sul da capital paulista. Mãe solo, expressa a trágica realidade paulistana. Perdeu o emprego no início da pandemia e se viu com seis bocas para alimentar. 

 

Falar sobre fome é falar sobre uma das maiores, se não a maior, crise humanitária do mundo. Analisaremos a situação da fome no estado de São Paulo, questão que voltou a crescer após números mostrarem alta na quantidade de cidadãos que se encontram em situação vulnerável.

 

De acordo com o Penssan, Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, apontam que, hoje, no Brasil o número de pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar cresceu em níveis exponenciais - são cerca de 127,2 milhões de pessoas em insegurança alimentar.

 

No estado de São Paulo, o número é de 6 a 7 milhões de pessoas passando fome (insegurança alimentar grave) e outros 14 a 15 milhões sofrem por não ter comida de qualidade suficiente (insegurança moderada), famoso pelos grandes centros urbanos e por ser o polo brasileiro de economia, encontramos uma situação que percorre caminhos contrários à idealização de um estado dominado por grandes riquezas.  

 

O auxílio de 600 reais ofertado pelo governo, além de limitado – já que não atinge a quantidade de pessoas que sofrem de insegurança alimentar, não supre o valor preciso para uma alimentação de qualidade no atual cenário econômico, como relata Mauro Peron, doutor em estudos humanitários e professor de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:

 

“Programas sociais são pequenos alentos, diante das colossais problemáticas para a grande maioria da população”, declara.

 

O manejo inadequado dos recursos naturais, promove um alto índice de desperdícios de haveres, que se administrados de maneira correta, ajudaria no saciar da fome de milhares de brasileiros, como conta Luciana Chinaglia Quintão, fundadora e presidente da ONG Banco de Alimentos:

 

“Colheita Urbana, recolhe alimentos no que são sobras de comercialização pela perda de seu valor. Dessa forma, reduz o desperdício e entrega os alimentos para entidades sociais, minimizando os efeitos da fome e possibilitando a complementação alimentar de qualidade”

 

 

PROPOSTAS DOS CANDIDATOS AO GOVERNO CONTRA A FOME

 

Os cincos candidatos com propostas objetivas contra a fome à frente na corrida eleitoral para governar São Paulo, Fernando Haddad (PT); Tarcísio de Freitas (Republicanos); Rodrigo Garcia (PSDB); Elvis Cezar (PDT) e Gabriel Colombo (PCB) enfrentarão uma situação desumana e apresentaram suas propostas para o combate à fome.

 

Fernando Haddad (PT), primeiro candidato nas pesquisas eleitorais, tem como proposta a criação de um fundo emergencial, com distribuição de alimentos, leites e vouchers para a compra de alimentos. Já o candidato Tarcísio de Freitas (Republicanos), em contraposição, promete a ampliação de projetos de segurança alimentar.

 

Rodrigo Garcia (PSDB) constata a criação de um cartão Bom Prato, no valor de 300 reais, por mês, que funcionará como um vale alimentação. Semelhante a Rodrigo Garcia, Gabriel Colombo (PCB) promete triplicar o número de unidades físicas do Bom Prato em 3 anos.

 

Diferente do discurso até aqui apresentado, o candidato do PDT, Elvis Cezar apresenta um discurso voltado à eliminação da fome, fazendo o estado se reestruturar através da reindustrialização da economia paulista.

 

A especialista Juliscristie Machado, professora e orientado de Mestrado da Unicamp, explica que para combater a fome são necessárias políticas em diversos níveis “começa pelo acesso ao meio produtivo para que os alimentos sejam produzidos, que é o acesso a terra, é o nível básico para combater a fome.

 

“A erradicação da fome requer atacar as condições que geram a desigualdade: se todas as formas de repressão econômica devem ser eliminadas, no atual contexto é o Capitalismo que deve ser o alvo”, declara Mauro Peron.

 

Para melhor compreensão, ouvimos dois candidatos, um de direta: Vagner Fernandes candidato pelo partido Republicanos e Chirley Pankará, candidata de esquerda pelo PSOL.

 

Vagner Fernandes, candidato a deputado estadual pelo partido Republicanos, apresentou caminhos para enfrentar a fome: “Para combater, podemos utilizar de diversos programas, mas o que resolve mesmo é um estado produtivo que gere renda onde o povo tenha condições de subsidiar a sua própria despesa, entre elas a alimentação”.

 

Já para a candidata do PSOL ao cargo de deputada estadual, Chirley Pankará, o caminho a ser percorrido na luta contra a insegurança alimentar é o plantio “produzir o seu alimento, um alimento saudável, e que possa servir de alimentação base para essas pessoas. E aqueles que não tem acesso aos territórios, seria entrar com políticas públicas de alimentação”.

 

 

 IMPORTÂNCIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

 

Analisando as propostas apresentadas pelos candidatos, notamos que nenhum concorrente cita a importância da assistência social prestada por diversas ONGs no intuito de auxiliar no combate à fome.

 

No período pandêmico, o assistencialismo de ONGs e doações de cidadãos auxiliaram para que o número - que já relevante, não fosse ainda mais expressivo. Luciana Chinaglia Quintão, ilustra a importância e fala sobre o papel fundamental no suprimento cumprido durante o período pandêmico, além do auxílio no mapeamento e organização da sociedade para que a ajuda chegasse realmente a quem precisa.

 

“No ano de 2021, a ONG distribuiu 3 milhões de quilos de alimentos por meio da Colheita Urbana, beneficiando mais de 680 mil pessoas. Além da Colheita Urbana nossa equipe se desdobra para fazer com que a comida chegue ao prato de quem tem fome”, esclarece Luciana Chinaglia Quintão.

 

Vagner Fernandes, expressa a importância do assistencialismo prestado pelas ONGs: “elas têm um papel de fundamental importância para sociedade, sempre atuando suprindo  a ausência do poder público em várias áreas e setores. Na pandemia, além de ajudar na assistência as famílias”. 

 

 

(Imagem: ONG Banco de Alimentos)

 

 

Para Mauro Peron, o assistencialismo ameniza a problemática de forma  momentânea, sendo necessário enfrentar a raiz do problema “Ainda que a postura assistencialista possa, por um lado, aliviar os momentos de maior dramaticidade da fome, por outro ela reflete um não enfrentamento da desigualdade provocada e ampliada historicamente, geograficamente”.

 

Com isso, para a erradicação da fome e enchança esperada no intuito de retornar ao período atrelado a números toleráveis para que a sociedade paulistana volte a viver saciada, são necessárias políticas públicas concretas voltadas à insegurança alimentar. Em ano eleitoral, é necessário analisar as propostas dos pré-candidatos a cargos tanto do executivo, legislativo, governos, e comando do país. 

 

Viviane Andrade anseia pelo futuro do Brasil e espera poder retornar ao mercado e usufruir do seu direito prescrito por lei. “Eu só quero poder ir ao mercado e comprar tudo que meus filhos e eu necessitamos, não só alimentação, não é fácil, mas creio no futuro do Brasil.”

 

Tags:
Propostas de leis de defesa animal faz presença nas eleições estaduais de 2022
por
Isabela Lago, Ramon Henrique e Tabitha Ramalho
|
05/10/2022

Dentre os candidatos que concorrem ao cargo de deputado estadual e federal para as eleições de 2022 em São Paulo, pelo  menos 17 possuem propostas de comprometimento à causa animal. É o que aponta um levantamento da entidade Frente de Ações pela Libertação Animal (FALA) e seu projeto Voto Animal. 


A plataforma registra também que no Brasil 96 candidatos a deputado com o mesmo comprometimento. Esses números não refletem a quantidade total de candidaturas que lutem pelos direitos animais, que podem ser muito maiores.


Nos anos recentes figuras políticas que apoiam animais ganharam notoriedade e leis relevantes foram aprovadas, como por exemplo a Lei Sansão e a responsável pela criação da Delegacia Eletrônica de maus tratos aos animais. 
Leis de combate aos maus tratos animais


A Lei 14.064/2020, ou Lei Sansão, diz: “Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas de maus-tratos a animais será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda”, o que gerou críticas por ser uma punição mais pesada do que a punição àqueles que cometem o mesmo crime contra humanos, mas de qualquer forma é um avanço na defesa de direitos de animais.


Outra ferramenta de denúncia é a Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA), Lei 16.303/16 - promulgada em 2016 - feita exclusivamente para internet no site da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Assim como o 190 (Polícia Militar) ou 181 (Disque Denúncia), os relatos podem ser  feitos de forma anônima e com sigilo na proteção de dados.


Entre os deputados estaduais que já contribuíram de alguma forma para a causa animal, buscam reeleição esse ano membros da Frente Parlamentar pela Proteção Animal como Adalberto Freitas (PSDP), Alex de Madureira (PL), Caio França (PSB), Rafa Zimbaldi (PSDB)  e Monica da Mandata Ativista (PSOL), ou de outros que propuseram leis nesse tema como Maria Lúcia Amary (PSDB). Os deputados Bruno Ganem (PODE) e delegado Bruno Lima (PP), também da frente parlamentar, agora procuram se eleger como deputados federais.


Deputados que defendem animais de produção


Muitos dos dados e propostas de campanha a respeito da proteção aos animais, principalmente em São Paulo, são focados nos domésticos e no universo urbano. No entanto, animais de produção ocupam boa parte da população animal do estado, o número de bovinos verificados foi de 10,10 milhões de cabeças em 2020. Bruno Ganem, deputado estadual que procura se eleger como federal em outubro, possui como proposta de defesa aos bovinos a luta contra vaquejadas. Apesar de serem regulamentadas no Brasil como patrimônio cultural desde 2019, no estado de São Paulo são proibidas.


A deputada Monica Seixas da Mandata Ativista (PSOL), por exemplo, luta contra o Caçador, Atirador e Colecionador (CAC) que procurava liberar a caça ao javaporco no estado paulista. Desde o ano 2019, a caça do animal é permitida desde que haja cadastro do caçador no Ibama e que seja feita com o objetivo de controle de população. No entanto, apesar das ações de agentes como a deputada, os CACs continuam a ganhar força, exemplo disso são dados dos institutos Igarapé e Sou Da Paz publicados em agosto de 2022, que apontam que esses caçadores têm cerca de 1 milhão de armas de fogo. Durante a gestão do atual presidente, de 2019 a 2022, o aumento de armas foi 187% em comparação a 2018. 


A situação em defesa de animais de produção ainda enfrenta problemas,  é o que aponta o caso emblemático de novembro de 2021, em que cerca de mil búfalos foram abandonados sem água e alimento em Brotas, no interior de São Paulo. Alex Parente, integrante ONG ARA (Amor e Respeito Animal), que recebeu a guarda dos animais após denúncia da Polícia Ambiental, se pronuncia: “Grande parte dos políticos, inclusive os que defendem a causa animal, não se importam com a atual situação das operação Búfalas de Brotas”.


Parente reforça a importância de regulamentação dos santuários, para recebimento de auxílio financeiro do governo Estadual e Federal, para manutenção dos animais, e complementa “apesar de se tratar do maior caso de maus tratos e abandono de animais do mundo, nenhuma lei, decreto, ou qualquer outra nova punição foi criada”.


Deputados que defendem animais domésticos


Outra pauta polêmica é o barulho dos fogos de artifício com estampido, já que pode estourar o tímpano e prejudicar a saúde dos animais. Em 2021, foi sancionada a Lei 17.389/21, por meio de Maria Lúcia Amary (PSDB) e Bruno Ganem (PODEMOS), proibindo o uso no Estado. Nas comemorações de ano novo em 2021, locais como a Avenida Paulista de fato diminuíram o estrondo de seus fogos graças à lei, além de um volume grande da população civil ter se mobilizado em redes sociais alertando sobre o prejuízo para seus pets.


Além dos deputados citados, Bruno Lima é outro integrante da Frente Parlamentar em Defesa aos Animais. Apresentou o Projeto de Lei 345, que procura incluir conhecimentos sobre direitos e proteções animais nos programas curriculares de escolas públicas estaduais. “Acredito ser através da educação que conseguimos estimular o senso de responsabilidade e empatia nas crianças, futuros adultos”, afirma. Mas é relevante ressaltar que tal proposta, mesmo sendo uma adição viável à já prejudicada Base Nacional Comum Curricular, ainda falta estrutura básica em muitas escolas públicas.


Bruno Ganem e Maria Lúcia Amary, estão implementando nas cidades paulistas, uma clínica veterinária pública. O projeto Meu Pet Container oferecerá, por exemplo, consultas, vacinação e castração aos animais. Serão cerca de 130 contêineres, que contaram com um investimento total de 50 milhões de reais. 


O número de maus-tratos animais denunciados através da DEPA aumentou em 15,6% em 2021, em relação a 2020. A Ampara Animal, ONG parceira da rede Cobasi, registrou que o índice de abandono e abrigo de animais aumentou aproximadamente 61% entre julho de 2020 até o terceiro trimestre de 2021, período que corresponde ao da pandemia da covid-19. A realidade urbana no momento é a de um número enorme de abandono de animais domésticos, e candidatos que se propõem a pensar na pauta animal, como por exemplo os levantados pela plataforma Voto Animal, deverão considerar essa realidade caso sejam eleitos após outubro de 2022.
 

Tags:

Cidades

path
cidades