NÃO MONOGAMIA CONSENSUAL
Termo genérico para todos os tipos de relações em que os envolvidos sabem que não há exclusividade sexual e/ou afetiva e concordam.
Por Gabirel Yudi
Em uma luta sem voz, Lucas Hideki mostrou sua força e contou sobre um problema pouco discutido no Brasil, praticamente uma batalha sem a atenção necessária. O racismo e xenofobia contra amarelos deixa marcas silenciosas em mim, no Lucas, em todos, mesmo que não admitam.
Os descendentes de países do Leste Asiático que estão no Brasil vêm sofrendo preconceito. Os sucessores de pessoas vindas da China, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Japão, Mongólia, Taiwan, Hong Kong e Macau, são amarelas, caso tenham em seu fenótipo características de seus antepassados. “Abre o olho, japonês”. “Volta pro seu país”. “Xingling”. “Japinha”. “Para passar no vestibular tem que matar um japonês”. “Asiático é tudo igual”. “Vírus chinês”. Frases diariamente ditas para amarelos e que tem teor de menosprezar ou ‘tirar’ com a cara.
Antes de tudo, antes de você, leitor, achar que é apenas frescura, abra o olho (como vocês mesmos dizem) mostrarei números e fatos que te farão entender rmelhor o problema, a médio e/ou longo prazos, às situações que suas frases de “brincadeira” podem levar.
“Me sentia mal, bem mal. O pior de tudo é que eu mesmo, por crescer com esse apelido, por muito tempo achei normal e não tive capacidade de sozinho entender o quanto isso me fazia mal”, diz Lucas Hideki Maesaka, estudante. Muitas das vezes sua personalidade e sua história são rotuladas apenas pela sua descendência. Como se você fosse única e exclusivamente aquilo. Sofrer ataques verbais é comum, principalmente querendo desmerecer pela sua descendência. Lucas sentiu isso ainda jovem e seu avô o aconselhou com ‘sabedoria’, como o mesmo diz: “Tenho uma memória muito forte de quando eu estava no 1º ano do Ensino Fundamental e um colega tentou me ofender me chamando de japonês, eu reportei o fato ao meu avô, que com grande sabedoria ele me respondeu com uma pergunta "Mas isso não é verdade?", desde aquele dia até o presente momento eu não me sinto ofendido mesmo quando alguém tem a intenção de me ofender. Eu tenho meu avô, que aprendeu isso sozinho”.
Segundo o Censo de 2010, dois milhões de brasileiros se declaram amarelos. Pessoas amarelas se encontram principalmente em São Paulo, cerca de 70% do total. Porém tem populações significativas no Paraná, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Pará e Pernambuco.
A família de Lucas, provavelmente já sofreu racismo e/ou xenofobia, mas Hideki pode explicar melhor o porquê desse talvez: “A resposta para isso é: muito provavelmente. Não coloco certeza em minha resposta uma vez que meu avô, o Senhor Domingos, representa a minha família inteira, e ele sabe que se algum dia ele sofreu preconceito e ficou mal, de modo algum poderia se mostrar abalado para mim”.
Segundo o Grupo de Defesa da América Asiática e das ilhas do Pacífico (Stop AAPI Hate), em onze meses, de março de 2020 até fevereiro de 2021, houve 3.800 agressões, sendo verbais e físicas, contra asiáticos e seus descendentes. Esse número expressivo, uma média de 10 casos por dia, aumentou em 150%.
Em março de 2021, três casas de massagens foram atacadas por Robert Long, homem branco de 21 anos. O homem matou oito pessoas, sendo seis delas mulheres asiáticas. Outro crime de ódio xenofóbico e racista é o caso de Danny Yu Chang, que foi espancado na rua e ficou parcialmente cego, o homem disse: “Eu nem vi a pessoa. Não me roubaram, então acho que foi um crime de ódio”.
Outra ação extremamente preconceituosa foi quando um homem jogou uma bomba dentro do Consulado Chinês, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Ninguém se machucou, mas caso alguém estivesse próximo, poderia ter morrido. Isso ocorreu em setembro de 2021. A causa do atentado terrorista não foi descoberto pela polícia, mas basta ligar pontos que o motivo é óbvio.
Uma coisa que penso desde quando comecei a me entender como homem amarelo é sobre a falta de união do povo para tentar acabar com esses problemas. Compreendo totalmente a cultura ser algo de resistência e não se abalar. Porém vejo uma necessidade de se juntar para acabar com algo maior. Lucas Hideki concorda sobre a falta de união e fala com mais propriedade sobre os descendentes de japoneses: “Claro! Como em todas as minorias, a união é a principal força no combate às desigualdades. Porém existe uma característica específica nos nipo-brasileiros, essa comunidade incrível, talvez por medo, talvez por preconceito, talvez desconfiança, tende a se isolar, e isolando-se perdem a chance de conquistar um espaço maior na sociedade”.
Talvez meu povo se mexa quando for um dos nossos familiares que seja encontrado morto por conta da brutalidade contra nós, amarelos.
No Brasil, a luta de pessoas amarelas para que o racismo e xenofobia acabe é invisibilizado pelo seu próprio povo, que não enxerga esses fatos como preocupantes, ou que se auto-sabotam para enturmar com outras pessoas. É uma batalha que os leste-asiáticos e seus descendentes se abstêm.
Estereotipar um povo por conta de seus traços raciais é presente na vida de muitos descendentes do leste-asiático. A junção de grupos étnicos diferentes e tratar como se fosse da mesma classe incomoda. Nenhum sucessor de europeu gostaria de ser chamado de espanhol sendo que sua origem é portuguesa. Ou que zombassem da comida que sua “Nonna” faz uma comida estranha e que a cultura dela é nojenta.
Ultimamente, talvez pela severa queda de fiéis que a Igreja Católica enfrenta já faz alguns anos, várias instituições religiosas tradicionais estão adotando uma postura mais tolerante a respeito de de pessoas que fazem parte da comunidade LGBT+. O próprio líder mundial da Igreja Católica Apostólica Romana, o Papa Francisco, já fez vários discursos que demonstram uma abordagem mais mansa a respeito dessa questão, principalmente em comparação aos papas que o antecederam
Mas muita dessa "aceitação" é na verdade uma tentativa mal feita de parecer que a Igreja está se "modernizando" e se adaptando às demandas do público por mais acolhimento à diversidade, superando crenças e práticas preconceituosas que não fazem mais sentido em uma sociedade que preza por direitos humanos e igualdade. É um eterno "ficar em cima do muro", oferecendo o mínimo para não parecer intolerante, mas não demais para não desagradar a parte mais conservadora. "Hoje, o que ele faz, ao mesmo tempo que ele apoia e se distancia, è para também não perder o apoio político", diz Fernanda, que é mãe de santo e mulher trans. "A história da Igreja Católica, se você for analisar, ela foi meramente política. Tanto é que os primeiros papas da Igreja eram pessoas da sociedade que tinham uma vida financeira elevada e conduziam os filhos a serem papas para manter o poder, o poder de persuasão, o poder de perseguição, o poder pelas terras", completa ela.
"A bíblia hoje é um livro não de orientação, mas de persuasão. A lei deles, não a que cristo pregou".
O penúltimo Papa já entrava nessa questão da não discriminação contra homossexuais, que foi acentuada pelo Papa Francisco ao dizer que essas pessoas também são "filhos de Deus" e que merecem respeito como qualquer outra pessoa. Isso, além de ser o mínimo, deixa a entender que as pessoas LGBT+ não são "como qualquer outra pessoa", ademais ao fato que a Igreja firmemente acredita que a união entre casais homoafetivos jamais deve ser equiparada ao casamento. "Casamento só existe entre homem e mulher", afirmou o atual papa em uma entrevista em 2017. Sobre essas "idas e vindas" do Papa, Fernanda disse que "Ele é um fofo, uma gracinha de pessoa, mas ainda não entrou um papa que pudesse dizer 'é assim que eu quero e é assim que vai acontecer', porque a política nunca vai deixar, nem a política interna, nem a política externa".
Além disso, no início deste ano, em resposta as dúvidas de algumas paróquias sobre a questão de abençoar uniões entre pessoas homossexuais, com o aval do Papa o Vaticano anunciou que homossexuais devem ser tratados com dignidade e respeito, novamente o mínimo, mas que relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo é "intrinsecamente desordenado" e que "Deus não abençoa o pecado: ele abençoa o homem pecador, para que ele reconheça que faz parte de seu plano de amor e se permita ser mudado por ele". Essa declaração tem várias problemáticas óbvias, o preconceito e a homofobia são claros, mas a ideia de que o homossexual é um pecador que pode ser "convertido" é extremamente preocupante, principalmente tendo em vista os ainda inúmeros casos de pessoas LGBT+ que foram forçadas a passarem por "conversões", ou "cura gay" como é popularmente conhecida, e possuem diversos traumas e problemas psicológicos devido a isso.
Em contrapartida, a Umbanda é uma das poucas religiões que não discriminam o casamento homoafetivo. Em janeiro deste ano, dois homens se casaram em uma cerimônia umbandista em Cuiabá. A união ganhou destaque por ser um dos primeiros registros públicos no religioso da cidade, mas as religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, já realizavam uniões entre pessoas do mesmo sexo muito antes.
"Para os orixás não existe sexo, somos todos iguais".
Ambas doutrinas permitem que pessoas LGBTQ+ ocupem cargos na hierarquia sem que sua identidade ou orientação seja algo prejudicial em sua posição. Em entrevista, a Ialorixá Laudelina do Centro Espírita de Filantropia Espiritual e Material de Uberlândia, Minas Gerais, afirma que as religiões de origem africana são as que mais acolhem as minorias. "Paras os Orixás não existe sexo, somos todos iguais" disse ela.
Não é possível afirmar que não há nenhum tipo de preconceito dentro dessas religiões, pois preconceito existe em todo lugar. Apesar da doutrina e do terreiro ser um lugar de acolhimento, isso não impede as pessoas de reproduzir nesses espaços a intolerâncias que a sociedade carrega. Por isso que, mesmo incluídos em sua religião e hierarquia, as pessoas LGBTQ+ precisam lutar um pouco mais que pessoas cisgêneros e heteronormativas para assegurar suas posições e serem reconhecidas.
Porém, é logicamente muito mais fácil existir como LGBTQ+ dentro de uma religião de matriz africana do que na Igreja Católica, por exemplo. "A Umbanda, o nosso Omolocô, as nações africanas, o Queto, a Angola, e outras, recebem com muito carinho a maioria dentro do culto", disse Laudelina. Fernanda, amiga da Ialorixá Laudelina e mãe de santo no mesmo Centro, afirmou algo semelhante: "É uma religião de portas abertas, tanto a Umbanda quanto as nações, todas elas nos recebem com carinho".
Fernanda também concorda que é mais fácil existir como pessoa LGBTQ+ dentro de religiões de matriz africana: "As religiões dita como tradicionais pregam mais o ódio, o preconceito e a intolerância do que o amor ao próximo, e nós pregamos o amor ao próximo, e o mais importante. Amar o próximo, estender a mão, fazer o bem sem olhar a quem, sem nada em troca, e as religiões tradicionais acabaram com isso. A bíblia hoje é um livro não de orientação, mas de persuasão, eles usam a bíblia para persuadir os outros. A lei deles, não a que cristo pregou, porque cristo foi um ser humano de amor, de caridade, e não vejo isso em outras religiões", diz ela.
Ela foi introduzida ainda nova à religião, para tratar uma frieira no pé, e nunca mais saiu. Agora já esta a quase 30 anos dentro da Umbanda. "Graças aos meus orixás, minha mãe Oxum, eu sou bem acolhida. Todos me respeitam, todos, acredito, me amam, porque é a demonstração que eu tenho no dia a dia. Para mim isso é importante, não que me faça falta, não faz, mas assim, preenche um vazio, uma lacuna que a vida aos poucos vai deixando, pelas coisas que você passa ao longo da vida, as perdas. Os amigos que nos construímos dentro da religião ajudam a te fazer seguir. Ás vezes eu nem lembro também da sexualidade dentro da religião, porque é tudo tão natural", diz Fernanda.
Em meio a tantas discussões no ambiente dos povos originários, tem uma que os jovens vem levantando que é sobre o direito LGBTQIA+. Durante a história dos indígenas, houve momentos marcantes como a morte do índio Tupinambá,Tibira morto em 1631 amarrado em um canhão, sendo considerado o primeiro caso de homofobia registrado no Brasil.
A execução teria ocorrido publicamente aos pés do Forte de São Luís do Maranhão. Embora não tendo autorização do papa ou da Inquisição, contou com a presença de autoridades europeias presentes no Brasil e com líderes de diversas tribos indígenas.
No registro feito pelo pelo frade capuchinho Yves D’Évreux em seu diário “Viagem ao Norte do Brasil feita nos anos de 1613 e 1614“, o religioso explica que o índio “parecia mais homem” no exterior, mas era “hermafrodita” e tinha “voz de mulher”. Para os colonizadores brasileiros, isso justificava sua morte, servindo de exemplo.
“A história da colonização pode ser entendida como uma história de intervenções sobre os corpos indígenas a partir de um discurso religioso, civilizatório, científico etc”, afirma o professor Estevão Fernandes, graduado em Ciências Sociais, mestrado em Antropologia e doutorado em Ciências Sociais (Estudos Comparados sobre as Américas) pela Universidade de Brasília (UnB). Segundo o professor, a colonização dos portugueses trouxe junto os preconceitos que os povos originários não tinham.
A sociedade estuda e enxerga as temáticas que envolvem os povos indígenas sob a ótica colonial, incluindo a comunidade LGBTQIA+. No entanto, essa é uma comparação desigual,
visto que não há paridade entre padrões coloniais e a cultura dos povos originários brasileiros.
“A história da colonização pode ser entendida como uma história de intervenções sobre os corpos indígenas a partir de
um discurso religioso, civilizatório, científico”, afirma o professor Estevão Fernandes, graduado e doutor em Ciências
Sociais, com mestrado em Antropologia pela Universidade de Brasília (UnB).
O educador e ativista indígena LGBTQIA+ Niotxarú Pataxó, conta que nunca teve uma liderança que se assumisse LGBT, sempre via outros não indígenas guardando para si. “Então quando você pensa em preconceito discriminação dentro das comunidades indígenas nada mais é do que um reflexo do que a sociedade envolvente nos impõe” explica.
Sobre o preconceito enfrentado que é levado para as comunidades, Niotxarú já sofreu com uma pressão da comunidade onde vive para se retirar ao se assumir. Graças a uma conversa com o cacique dele, ele pode permanecer e ensinar sobre. "Então se há 6 anos atrás quase 7 anos atrás não podia praticamente falar hoje a gente fala” comenta.
Niotxaru Pataxó é bissexual e pataxó, povo indígena que vive do norte de Minas Gerais ao sul da Bahia. Sofre um duplo preconceito. Apesar de sua forte presença na luta LGBTQIA +, diz que sua etnia grita mais alto quando se fala em pautas identitárias. Atualmente é estudante universitário e coordenador de educação escolar nas escolas estaduais de sua região.
Niotxaru se descobriu bissexual em 2014, depois de passar por uma experiência enquanto cursava faculdade. Na época era uma jovem liderança na sua comunidade, e falar sobre sua sexualidade não era visto com bons olhos. Niotxaru conta que a presença de pessoas LGBT's em sua aldeia não era uma novidade, mas elas não falavam sobre o assunto. A primeira coisa que lhe veio à mente era como que a notícia seria encarada pelo seu entorno. “Como que minha família vai receber isso? Como que minhas lideranças vão receber isso? E se eu deixar de ser liderança? O que eu gosto é estar no meio da comunidade”, comenta.
Os indígenas de algumas comunidades antes da colonização prezavam pelo trabalho e caráter que cada pessoa oferecia para o seu povo, independente de sexualidade e idade. “Se você for um bom pai de família, um bom caçador, tá tudo bem, o cara não se importa se você é gay, preto, velho, etc. Os indígenas em média são assim”, comenta Estevão.
Para um indigena se assumir LGBTQIA+ dentro de um ambiente colonizado com morais impostas por não-indígenas é um desafio. No entanto, se assumir em um ambiente externo da sua comunidade, onde já existem estereótipos e preconceitos, como racismo e xenofobia, é um desafio ainda maior a ser enfrentado. “Hoje há uma radicalização desses preconceitos devido a um crescimento da igreja evangélica entre esses povos. Há entidades cristãs que estão ensinando a esses povos como isso é errado”, complementa o pesquisador.
A influência exercida pela comunidade LGBTQIA+ cresceu nos últimos anos ao pautar políticas públicas e projetos de lei, como a decisão de 2011 do STF que permitiu o casamento homoafetivo ou o reconhecimento do direito de adoção por casais de qualquer natureza.
Diversos estudos foram realizados e muitos direitos conquistados, no entanto, isso não significa que a população está isenta da LGBTfobia, que acontece diariamente. A comunidade LGBTQIA + sofre violência física de forma recorrente. De acordo com o relatório do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+, em 2020, 237 pessoas LGBTQIA + morreram de forma violenta no Brasil. O relatório mostra ainda que nos anos entre 2000 até 2020, 5047 vidas de pertencentes a esse grupo foram interrompidas.
Hoje não se fala apenas sobre um único movimento LGBTQIA +, já que a interseccionalidade foi inserida no debate. A partir desse novo olhar sobre a temática, outros movimentos são levados em consideração, como o movimento negro, indigena e transsexual.
Havia cerca de cinco milhões de nativos espalhados no território brasileiro antes da chegada europeia. Hoje, este número chega a menos de 500 mil, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio). A disseminação de doenças, o processo escravagista e a retirada de terras para a monocultura foram fatores-chave para o encolhimento dessas populações. Hoje, a maioria dos indígenas encontra-se nas regiões Norte e Nordeste.
Niotxaru Pataxó é bissexual e pataxó, povo indígena que vive do norte de Minas Gerais ao sul da Bahia. Sofre um duplo preconceito. Apesar de sua forte presença na luta LGBTQIA +, diz que sua etnia grita mais alto quando se fala em pautas identitárias. Atualmente é estudante universitário e coordenador de educação escolar nas escolas estaduais de sua região.
Permitido para que homens tenham mais de uma esposa, o casamento poligâmico já sugere um dos papéis impostos às mulheres: gerar filhos. Além disso, a fidelidade que as esposas devem aos seus maridos também impõe preconceitos relacionados ao divórcio quando solicitado pela mulher. Ainda que modelos de relacionamento próximos, até certo ponto, das ideias da poligamia representem ganhos à população, no sentido de que aos poucos ela se desprende de concepções machistas e/ou cristãs, existem determinados comportamentos que ainda são tidos como naturais ou são abominados.
É comum, por exemplo, que, no íntimo, a relação de um homem, que vive um relacionamento heterossexual fechado, com outra pessoa – a traição - seja perdoada pela parceira sob a justificativa de que “homens são assim”. Por outro lado, mulheres heterossexuais e pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIA+, ao proporem maior independência em suas relações amorosas e/ou sexuais, são, por vezes, encaixadas em um comportamento depravado e proibido.
Por outro lado, no 71º episódio do Imagina Juntas, podcast formado por Carol Rocha, Jeska Grecco e Gus Lanzetta, a convidada Mayumi Sato relata sua experiência vivendo um relacionamento aberto e como a usa na construção de um aplicativo para encontros casuais. A prática é vista como um avanço para mulheres, protagonistas, por vezes, de competitividade feminina relacionada a homens. Há também os casos em que a traição em relacionamentos monogâmicos torna mulheres vítimas de feminicídio: dados da Rede de Observatório de Segurança mostram que cinco mulheres morreram por dia em 2020 vítimas de feminicídio.
O sexólogo espanhol Manuel Lucas Matheu afirma que a monogamia não é natural para os seres humanos. Ele a relaciona aos países ocidentais e às pessoas mais pobres, enquanto vincula a poligamia e a poliandria às demais sociedades e às pessoas ricas. Em um estudo, Matheu constatou que as sociedades mais pacíficas e que valorizam a mulher são aquelas em que a monogamia não é imposta. O sexólogo diz ainda que o sexo tem se tornado uma espécie de ginástica, atividade na qual o foco está em genitálias, bem como a pornografia fomenta, e que o verdadeiro “ponto G” dos nossos corpos é a pele, citando Frank Sinatra ao afirmar que sexualidade é se fundir.
Dentre os diferentes tipos de relacionamentos amorosos e/ou sexuais estão a não monogamia consensual, o poliamor, a relação livre, o relacionamento aberto, a poligamia e a poliandria. No Brasil, em entrevista à Revista Galileu, casais homo e heterossexuais em formatos diversos de relacionamento falam sobre como descontruíram o que pode ser chamado de monogamia compulsória. Andréa Dias, por exemplo, casou-se na igreja com seu marido há mais de 15 anos à época, e, em 2017, mantinha um relacionamento com um namorado também. Ela, o namorado e o marido conviviam juntos na mesma casa.
Na cultura indígena, a poliandria e a poligamia se tornaram objeto de discussão no mundo jurídico, já que, no país, apenas o casamento monogâmico é reconhecido na Lei. Segundo o promotor de Justiça de Roraima André Paulo dos Santos Pereira, "o parâmetro constitucional do artigo 231 reconhece ao indígena o direito à diferença sem a arbitrária obrigação dele abrir mão de suas raízes, costumes e crenças", Com isso, outro tema de amplo debate surge: a influência do cristianismo sobre a cultura monogâmica que predomina no Ocidente.
Ainda assim, a pluridade de culturas no planeta mostra que, em países como a Nigéria e a Índia, mulheres são reduzidas a papéis submissos em relação a homens e de maternidade. Em entrevista à BBC, Muvumbi Ndzalama conta que, como uma mulher pansexual, luta pelo direito de se casar com mais de uma pessoa, semelhante ao que é permitido aos homens, com a poligamia.
Desse modo, nota-se que os diferentes tipos de relacionamentos amorosos e/ou sexuais assumem aspectos mais positivos ou mais negativos para mulheres dependendo da cultura na qual estão inseridas.
As relações sexuais na natureza não se restringem ao modelo monogâmico. Porém, a interferência cultural e religiosa, por exemplo, devem ser consideradas para entender como os seres humanos se relacionam sexual e amorosamente uns com os outros. Nesse sentido, a tese "Monogamia: interpretações winnicottianas" pode oferecer uma explicação no campo da psicologia sobre a necessidade humana de resgatar o sentimento de dependência constituído entre mãe e filho por meio de relacionamentos monogâmicos.
Por outro lado, pensando historicamente, a monogamia tem potencial para ser tida como compulsória, já que, no Brasil, tornou-se parte do contrato social da população a partir da colonização portuguesa e do cristianismo. Ou seja, a monogamia não é fruto apenas de questões psicológicas, mas também de imposições: ao ver o indígena como o "outro", jesuítas tentaram combater a cultura brasílica repudiando a nudez, o nomadismo e o poliamor, conforme o artigo " Infância, catequese e aculturação no Brasil do século 16".
Como complemento, "Luxúria e selvageria na invenção do Brasil: enquadramentos coloniais sobre as sexualidades indígenas" ajuda a compreender como a sexualidade indígena era vista por cronistas e missionários no Brasil. O léxico utilizado fomenta um olhar preconceituoso sobre a cultura indígena com a qual os colonizadores deram de cara ao chegar ao país.
No entanto, o poliamor pode ter o aval de religiões. A poligamia é bem-vinda em países de religião muçulmana, por exemplo, bem como em países do continente africano. Na Europa, por sua vez, a ideia de poliamor foi afastada com a influência católica na política desde a Idade Média.
Desse modo, uma problemática a respeito dos desejos humanos e crenças, impostas ou não, se estabelece.
Ao passo em que o questionamento sobre a monogamia liberta, de certa forma, mulheres de um histórico de submissão e abuso em relacionamentos e casamentos, o poliamor também é capaz de constituir amarras sobre a vida de mulheres, principalmente daquelas que vivem sob culturas nas quais a poligamia é aceita. A contradição ou a compatibilidade da monogamia com o feminismo é a temática do artigo " Quando o amor é o problema: feminismo e poliamor em debate".
Em um grupo de leitura no sul do Brasil, gênero, poligamia e maternidade compulsória são os assuntos debatidos por leitores do livro "Fique Comigo" e no estudo "Discutindo gênero, poligamia e maternidade compulsória através da obra literária Fique Comigo em um clube de leitura: impressões interculturais". A personagem principal da obra, Yejide, vive um casamento monogâmico na Nigéria até sofrer pressão da sogra para lhe dar um neto. O que se segue na narrativa destrói, ou termina de destruir, o relacionamento vivido por ela e Akin, seu marido. Por isso, o livro também levanta a questão sobre o quanto a poligamia pode ser uma imposição e representar a predefinição de papéis para as mulheres, da mesma maneira que ocorre em relação à monogamia na cultura europeia e no que forma o chamado Ocidente.
Para além do debate cultural, feminista e emocional, é necessário discutir como os relacionamentos são comportados pela Lei. O artigo " Contornos jurídicos, filosóficos e sociais da monogamia" traça um paralelo entre a construção das leis no Brasil e a moral cristã que permeia os relacionamentos entre cidadãos, criticando a falta de amparo jurídico no que diz respeito à simultaneidade de relações. Já a tese "O mito da monogamia à luz do Direito Civil-Constitucional: a necessidade de uma proteção normativa às relações de poliamor" acompanha a mesma ideia, acrescentando ainda a questão sobre os direitos, teoricamente garantidos pela Constituição Federal, como a igualdade e a liberdade nas relações familiares. É permitido assim que fatores jurídicos e culturais sejam colocados lado a lado para analisar o poder de um sobre o outro, tendo a mulher no centro desta problemática.
Termo genérico para todos os tipos de relações em que os envolvidos sabem que não há exclusividade sexual e/ou afetiva e concordam.
É o tipo de relacionamento em que, em comum acordo, é possível se envolver sexualmente e afetivamente, de forma estável, com diversas pessoas ao mesmo tempo.
Chamadas de RLi (lê-se “érreli”), são aquelas em que a autonomia individual vem em primeiro lugar, em negação ao modelo de casal. Não se admite que a vida amorosa ou sexual fique sob o controle de ninguém. Tampouco existe hierarquia entre os diferentes parceiros.
Ocorre quando alguém é casado com mais de uma pessoa e exige de todas elas exclusividade afetiva e sexual. Na lei, não é permitida no Brasil. O termo “poliginia” é usado para o caso de homens que têm múltiplas mulheres, enquanto a “poliandria” se aplica a mulheres com vários maridos.
Existe quando os parceiros concordam em buscar relacionamentos sexuais independentes, mas sem envolvimento afetivo, fora da relação principal.
Veja em outro formato: https://fracionadx.com/ensaios-e-outros/onde-cabe-o-universo-feminino-no-amor-uma-serie-fotografica-sobre-mulheres-e-nao-monogamia/
Em agosto, após os Estados Unidos anunciarem a retirada das tropas do Afeganistão, depois de duas décadas de disputas desde os atentados de 11 de setembro, o grupo extremista Talibã retomou o controle do território em Cabul, capital do país.
Em 2001, ano do atentado ocorrido nos EUA, o Talibã tinha o poder sobre o Afeganistão, além de ter ligações com grupos terroristas, como a Al-Qaeda, cujo chefe, Osama Bin Laden, foi responsabilizado pelos ataques do dia 11 de setembro. Haviam suspeitas de que extremistas afegãos estavam ajudando Bin Laden e se recusavam a entregá-lo para o governo americano. Por isso, os EUA atacaram o país um mês depois.
O Ocidente entrou na guerra para apoiar os americanos, os extremistas perderam espaço mas continuaram lutando. Os EUA conseguiram matar Bin Laden, então já consideraram que obtiveram sucesso. Desde que as tropas americanas começaram a se retirar do Afeganistão neste ano, o Talibã avançou e retomou o poder nas principais localidades afegãs.
O grupo extremista sempre teve como objetivo impor uma lei islâmica com interpretações próprias, e se mantém financeiramente com base em operações ilícitas, principalmente tráfico de drogas.
A retirada das tropas americanas sempre teve um prazo, após a morte de Bin Laden. Porém, as datas dependiam do cumprimento de acordos pelo Talibã. Um deles é não permitir que organizações terroristas como Al-Qaeda ou qualquer outra tenham atividade em áreas controladas pelo grupo, o qual também não podia enfrentar tropas estrangeiras. Entretanto, lançaram ações contra o exército afegão.
Victoria Perino, mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós Graduação em RI San Tiago Dantas reforçou que o tema já era uma pauta de debate ao longo de vários governos estadunidenses. “O assunto foi encabeçado na administração de Donald Trump, que mediou um acordo com os talibãs para que a retirada das tropas norte-americanas da região fosse possível, e ganhou outra dimensão com Joe Biden, que deu continuidade ao projeto”.
Além disso, o objetivo dos EUA era fortalecer o governo e o exército do Afeganistão para que pudessem se defender sozinhos do extremismo, por isso investiram muito na segurança local.
No dia 15 de agosto, o ex-presidente Ashraf Ghani deixou o país após ofensiva do Talibã, que entrou no palácio presidencial na capital, Cabul, e fez negociações com o governo sobre quem controlaria o território. Entre os membros presentes, estava Sirajuddin Haqqani, chefe da rede Haqqani, organização terrorista alinhada com o Talibã e com a Al-Qaeda. Essa facção é considerada uma ameaça e foi responsável por vários ataques ao Afeganistão. Outros representantes do governo, que é apoiado pelos EUA, também tentaram deixar o local.
Todos os funcionários da embaixada dos Estados Unidos embarcaram para fora do país, e chefes de Estado de todo o mundo se mobilizaram para retirar seus cidadãos do local. Há um receio generalizado de que o Talibã, novamente no poder, volte a governar como em 1996, impondo um regime que limita muito a liberdade, que foi ampliada no governo civil. Naquela época, era comum ver execuções públicas, apedrejamentos, amputações, chicotadas. Qualquer tipo de roupa ocidental era censurada e as mulheres além de precisar de autorização dos homens para sair, tinham que se cobrir totalmente usando a burca, e não podiam trabalhar nem estudar.
Mais um fator que deve ser observado é a ameaça da reconstituição e do surgimento de outros grupos terroristas, com a volta do talibã ao controle da região.
Isso explica o desespero da população, que chegou a invadir a pista do aeroporto de Cabul, na tentativa de deixar o país. Muitos subiram em aviões e tentaram entrar em aeronaves que estavam decolando no momento, e a confusão deixou mortos e feridos. Uma pessoa chegou a cair, como pode ser visto em vídeos que circulam nas redes sociais. A situação, de grande repercussão. Além disso, também foram disparados tiros no local devido ao caos.
Cobertura da mídia
A internacionalista entrevistada chamou a atenção para a cobertura dos acontecimentos pela mídia. “Na semana em que o talibã tomou o poder, o Afeganistão dominava as manchetes dos principais jornais, e agora parece que de repente não está mais acontecendo nada. Isso revela um pouco sobre como o debate de política internacional é baseado em tendências”.
Perino também frisou o questionamento: ”Por que esse tema sumiu? Porque as grandes potências e instituições internacionais não tomam atitudes eficientes para garantir os direitos humanos dessa população?”. Ainda, a mestranda ressaltou a importância de dar voz às resistências e mobilizações locais, ouvir o que essas pessoas querem e precisam, como forma de colaborar com as vítimas.
Mulheres
Uma das principais preocupações com a volta do regime, são as mulheres, parcela da população que é mais vulnerável. Nos primeiros pronunciamentos após retornar ao poder, o grupo afirmou que as mulheres não seriam proibidas de estudar, porém na realidade, elas estão encontrando muitos empecilhos. O governo determinou que as mulheres podem frequentar instituições de ensino, mas separadas dos homens.
Muitos professores fugiram do país, levando escolas a fecharem e o reitor da universidade de Cabul anunciou que mulheres não poderão cursar o ensino superior.
Quanto ao mercado de trabalho, segundo o grupo dirigente formado exclusivamente por homens, as mulheres estão temporariamente proibidas por segurança, de exercer qualquer função. Como eles tem colaboradores em todos os lugares, a população feminina tem permanecido mais tempo em casa desde que os extremistas assumiram o poder, por medo da repressão, e assim muitas abandonaram seus empregos. Elas temem que o regime seja igual ao que foi no período entre 1996 e 2001, no qual as mulheres eram obrigadas a cobrir os rostos e as punições para qualquer descumprimento de regra eram severas.
Em setembro, o Talibã reprimiu um protesto realizado por mulheres que lutavam pelo reestabelecimento seus direitos, principalmente de trabalhar e participar do governo, o que lhes foi tirado desde que o grupo assumiu o controle do país. Segundo relatos delas, foram alvejadas com gás lacrimogêneo e spray de pimenta pelos extremistas, os quais declararam que a manifestação saiu do controle, de acordo com notícias do portal afegão Tolo News.
O que é o Talibã?
O Talibã é um grupo extremista sunita, formado em 1994, por ex-guerrilheiros que participaram de confronto com a União Soviética, conhecidos como mujahedin. São seguidores da lei islâmica sharia, baseada no livro religioso Alcorão, que institui regras de acordo com falas do profeta Maomé, sendo uma diretriz para os muçulmanos. Um dos princípios da legislação, são as punições que muitas vezes são bastante severas. A forma como é aplicada e a rigidez, variam de local para local.
Porém, os extremistas impõem a sharia da maneira que a interpretam, e enquanto estiveram no poder, foi a forma mais rígida e violenta já vista no mundo.
Movimentações recentes
Na última terça-feira, 2, o grupo extremista proibiu o uso de moedas estrangeiras dentro do país, devido à situação econômica e aos interesses nacionais, segundo o porta-voz da organização em comunicado. O Talibã vai distribuir trigo para combater a fome, em troca de trabalho.
Victoria comentou sobre possibilidades futuras de articulações com os extremistas. “O braço do Estado Islâmico no Afeganistão já começou a fazer vários atentados desde agosto. Eventualmente, o Talibã seria um aliado na luta de países contra esse grupo, por conta de disputas políticas”. Pode-se compreender que o cenário é incerto, tudo vai depender do desenrolar dos fatos.
Futuro do país
Apesar do esforço estadunidense para reforçar a segurança do país, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, admitiu que o Talibã assumiu o controle do país mais rápido do que o previsto. A estimativa era de que isso ocorresse apenas em novembro, caso acontecesse.
Victoria destacou alguns pontos acerca da permanência das tropas no Afeganistão, assunto amplamente debatido no momento da retirada. “As tropas deviam ter ficado? Há uma percepção dos EUA como um elemento garantidor da ordem. A ideia de que a presença das tropas estadunidenses vão garantir que o grupo não avance, garantindo a estabilidade, e também assegurar o acesso à educação, desenvolvimento, mercado de trabalho. Mas, mesmo em meio à presença dos EUA, o Talibã já estava e continuava crescendo, a violência era grande, muitas pessoas morreram e se mudaram de país. Isso apareceu muito pouco na mídia internacional”, argumentou.
Ela também refletiu: “O principal motivo da ocupação do país pelos EUA na época do 11 de setembro, foi a busca por respostas sobre o atentado e a guerra ao terror. Entretanto, quando Bin Laden foi encontrado, ele estava no Paquistão. O que justificaria então a manutenção dessa intervenção de 20 anos? “.
As tropas afegãs sempre tiveram problemas com recrutamento, sem contar a corrupção intensa presente na segurança nacional. Os soldados geralmente são enviados para lugares onde eles não têm família nem conhecidos, além da falta de manutenção dos equipamentos, e em contrapartida, o Talibã tem um grande acesso a armas, fazendo com que fiquem mais fortes e assim, a resistência contra eles acaba sendo menor.
Os Estados Unidos e a Organização das Nações Unidas (ONU), impuseram sanções ao regime, e outros países já demonstraram que não vão reconhecer diplomaticamente o grupo. Já a China, deu indícios de que pode reconhecer a legitimidade do Talibã.
A internacionalista comentou sobre perspectivas futuras para a nação e os afegãos. “O grupo extremista tem se esforçado para tentar refazer sua imagem, com a ideia de que agora eles são mais moderados e tolerantes, mas já existem casos e denúncias que contradizem isso. O panorama é de uma vida muito dura para a população, de continuidade da repressão e violação aos direitos humanos, violências, vulnerabilidade, fome, ou seja, uma catástrofe humanitária em curso, que nunca deixou de existir, apenas ficou silenciada”.