A trajetória de brasileiros e irmãos latinos que atravessam a fronteira México-Estados Unidos em busca de novas oportunidades.
por
Rayssa Paulino
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18/11/2025

Por Rayssa Paulino

 

Isadora Ferreira é natural de São Paulo e tinha apenas dezessete anos quando deixou amigos, família para trás, buscando moldar o novo futuro em solo estadunidense. Se tornou uma a mais no meio dos cerca de 230 mil brasileiros, segundo dados do instituto Pew Research Center de 2022, que vivem ilegalmente nos Estados Unidos. Sua motivação era o noivo, que é um cidadão americano e a única pessoa que conhecia no hemisfério norte.

A forma que usou para entrar no país é talvez a mais conhecida entre as não convencionais - ou ilegais. O cai-cai, termo comum para este tipo de travessia, é liderado pelo “coiote”, uma pessoa que guia um grupo cheio de sonhos e esperança pela fronteira debaixo de chuva, sol, vento, cansaço e inúmeras intempéries - climáticas ou humanas- por dias a fio até chegarem à fronteira e se entregarem à imigração americana. Ali estão de fato a própria sorte, podem ser aceitos ou deportados.

Quinze de janeiro de 2023 foi o dia D. Isadora acordou muito antes do sol nascer, às quatro horas da manhã, para enfrentar a experiência que poderia mudar sua vida para sempre. Se arrumou, pegou sua mochila e saiu rumo ao aeroporto internacional de Guarulhos acompanhada de Vanessa e José Rocha, casal de mineiros que se juntaram à garota pelo coiote. O peito tomado de ansiedade. 

O check-in já estava feito e a próxima parada seria uma escala na Colômbia. Já em outro país, o tempo de espera não foi tanto, apenas três horas. Próxima parada, Guatemala. Ali a situação ficou um pouco mais apreensiva, a informação que chegava era de que a imigração estava mais chata, muito em cima e deportando passageiros. Já estava ali e não poderia arriscar, por isso esperou dentro do aeroporto até o horário do voo. Próxima parada, El Salvador. Neste momento o medo tomou conta, teria que sair do aeroporto e enfrentar a imigração. O que você veio fazer neste país? Quantos dias vai passar e quanto dinheiro tem com você? Vai ficar hospedada onde? Tem um endereço? Foram algumas das perguntas feitas pelos agentes na entrevista. Por sorte, Isadora tinha algumas informações e as que não tinha, conseguiu verificar rapidamente pelo celular. Os nervos, que já estavam nas alturas, duplicaram de intensidade quando somente ela e Vanessa atravessaram para o outro lado.

Atrás das grandes portas automáticas, outro coiote esperava para guiá-las até a próxima etapa. "Dale, dale, dale", apressava o homem. Elas foram levadas para um carro e conduzidas para um motel, onde iriam descansar e passar a noite. As cinco da manhã começaria tudo de novo.

No dia seguinte foram novamente colocadas dentro de um carro, mas dessa vez a companhia seria maior, passaram em outro motel para pegar mais imigrantes. O trajeto durou quarenta minutos e desembarcaram próximo a um rio, o primeiro desafio a ser enfrentado. O dia estava ensolarado, a mata em volta era esverdeada e o caminho do chão era rasteiro, quase que moldado pelos tantos pés que já o percorreram. A água não era funda, ficava quase a um palmo abaixo do joelho de Isa, mas a correnteza era bem forte. De braços dados, formaram uma corrente humana para se apoiar, muitos homens, mulheres e uma ou duas crianças pequenas.

Nesse momento, a paciência e perseverança foram grandes virtudes a serem testadas. A cada mini trajeto, mais duas a três horas de espera para serem levados até outro ponto. Até parados pela polícia local foram, mas nada que alguns dólares não resolvessem. Logo tiveram mais uma noite de descanso.

No dia seguinte se repetiu a rotina de acordar cedo e se mover. Sem andar tanto, foram colocados numa espécie de Pau de Arara e rodaram por quatro horas, os corpos pressionando uns aos outros debaixo de um sol de rachar, o suor escorrendo pelas testas e, num cantinho, uma pequena lágrima escorreu dos olhos exaustos de Vanessa. O carinho de Isa na mão da mulher foi leve - e o máximo que conseguiria fazer sem se mexer muito - mas o suficiente para demonstrar apoio naquele momento. Passaram de desconhecidas ao único rosto familiar que tinham. Já estavam chegando perto do México.

A nova hospedagem nada glamourosa era uma fazendinha que ficaram por dois dias. De todos os lugares que passou achava que esse era o pior, mas mal sabia o que ainda estava por vir. Não tinha chuveiro, o banho era de balde e a comida não tinha condições de comer. Mas o próximo lugar com certeza foi o mais difícil, a parte de dentro é extremamente abafada, estava lotado, a sustentação do teto era feita com vigas de madeira e todo o espaço era tomado por redes de pano. Nunca achei que ficaria tão triste vendo uma rede, disse Isadora em um riso leve.

A estadia em Cancún foi quase um devaneio comparado aos outros dias que tinha vivido até ali. O hotel era confortável, tinha piscina e pela primeira vez sentiu que estava comendo comida de verdade, parecia até que os pássaros estavam cantando para ela. Ok, era um lanche do Burger King, mas com certeza foi a melhor coisa que havia provado. Antes do balde de água fria que seria a realidade próxima, parecia estar em um mundo utópico. 

O último deslocamento das meninas foi para Tijuana, ali estariam somente a um passo do tão esperado American Dream, pelo menos era o que elas achavam. A última noite na cidade trazia um misto de emoções, cansaço, apreensão, saudade de casa e da família, mas uma esperança e a sensação de que tudo daria certo. A caminhada do último transporte acompanhadas por um coiote até o muro da fronteira foi feito por pernas bambas, mas surpreendentemente firmes, com ânsia de estar do outro lado.

Chegaram no deserto por volta das quatro horas da tarde do dia vinte e quatro de setembro. Nove dias de deslocamento. Foram abordadas por um policial, até que bem educado considerando a situação, perguntou de onde eles eram e instruiu através do google tradutor que esperassem por ali. Levou água e lanches rápidos para que pudessem se recompor. Por volta das dez horas da noite, uma van apareceu para levar quem estivesse no deserto para a imigração e assim terem os seus destinos traçados. O procedimento dali para frente foi de criminosos mesmo, colheram as digitais, conferiram documentos e tiraram fotos com fundo listrado. Por ser uma menor de idade, mesmo que emancipada, Isadora foi separada de todos que tinham chegado com ela até ali e levada para uma cela de jovens.

O sentimento era completo desespero. Viu diversos outros adolescentes que estavam ali há bastante tempo, conversou com uma guatemalense que havia chegado há sete dias. Mais uma vez, questionamentos de autoridades. O que veio fazer aqui? Por qual motivo saiu do seu país? Com quem você vai morar aqui? Tem um endereço e telefone? Para a última, a resposta era sim! Seu contato fixo no país era o padrasto do noivo. Isa conseguiu falar com ele rapidamente e mais uma vez aquele fio de esperança enlaçou seu coração, achava que por terem deixado ter um contato, mesmo que mínimo e muito rápido, seria liberada mais facilmente.

Ao final Isa se sentiu muito agradecida, apesar de todo o perrengue que passou até chegar em solo americano. Sempre soube que a travessia seria difícil, tanto pelas condições ambientais, quanto pelas condições emocionais em deixar tudo para trás. Sabia que poderia ter sido muito pior, no processo muitos são presos, deportados, se ferem gravemente ou até mesmo perdem a vida. Resta a dúvida sobre se o pagamento pelo American Dream é o suficiente para compensar as marcas que ficam para sempre na alma.

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Por trás de uma imagem forte, mulheres lidam com sobrecarga emocional, ausência de apoio e um silêncio que a sociedade normalizou.
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Ingrid Luiza Lacerda
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25/11/2025

Por Ingrid Lacerda

 

Em meio a correria diária na favela do Peri Alto, aos 51 anos, recém-viúva e mãe de três filhos, Cristiana Silva Ferreira enfrenta uma realidade compartilhada por muitas: a solidão que se impõe sem aviso, silenciosa e persistente. Sua história, porém, começa muito antes da viuvez. Cresceu sem referências maternas, criada em um ambiente predominantemente masculino onde aprendeu a guardar seus sentimentos. Logo, no fundo, sempre esteve sozinha de certa forma. A solidão não chegou com a morte do marido e o luto recente não a parou, pelo contrário, exigiu que se reconstruísse, passando a organizar sentimentos que já lhe eram conhecidos. 

Assim como Cristiana, Neilde Santos Rosa, 63 anos, vive realidade semelhante há décadas. Mãe solteira há mais de 40 anos, saiu de Aracaju, no Sergipe, no caminho silencioso que leva milhares para o Sudeste em busca de realizar seus sonhos modestos com uma determinação inabalável, mas encontrou uma metrópole que oferecia condições duras de vida e pouca dignidade. Trabalhando como diarista, suas mãos carregam as marcas do ofício, que, dia após dia, limparam o mundo para que seus dois filhos pudessem viver confortavelmente. A maternidade solo nunca foi uma escolha, mas sim um caminho aceito com aquela dignidade silenciosa de quem compreende que o amor, muitas vezes, se veste de sacrifício. Aos poucos, seu corpo foi se transformando em instrumento de trabalho, sua saúde tornando-se moeda de troca por um futuro que, talvez, nem chegasse a usufruir completamente.

Um medo persistente a acompanhava o temor constante de que sua filha pudesse um dia conhecer a mesma solidão e as mesmas dificuldades que marcaram sua própria trajetória. Esse receio se materializava em gestos cotidianos na insistência com que priorizava a educação da filha, nos conselhos repetidos sobre independência financeira, nas advertências cautelosas sobre relacionamentos amorosos. Mais do que simples preocupação materna, tratava-se do legado inevitável de quem conhecia intimamente o preço amargo de uma autonomia conquistada.

Cristiana conta que, no final das contas, a solidão virou sua parceira. Não como algo desejado, mas como algo com o qual aprendeu a lidar. Admite que se reinventou, criou novos vínculos consigo mesma e aprendeu a não se culpar por não estar sempre realizada, mas, este processo de reinvenção não foi linear; envolveu recaídas, noites de choro silencioso e, aos poucos, aceitação de que felicidade poderia ter contornos diferentes daqueles que imaginara.

Para a diarista, a solidão também se tornou mestra dura, porém sábia: aprendeu a ouvir silêncio da casa, além de se ouvir - na ausência de vozes alheias, descobriu ressonâncias internas que desconhecia. Aprendeu a distinguir entre solidão que oprime e solitude que liberta, ainda que esta distinção seja tênue e móvel. A vivência da diarista aponta para processo que muitas mulheres relatam, que consiste na transformação da solidão em universo interior. Entretanto, este processo está longe de ser leve, pois, envolve desconstruções dolorosas, como quebra da crença de que ser suficiente para todos é caminho para ser amada. 

A reclusão, antes ameaçadora, vira escuta. Assim, consolida-se como um dos únicos momentos em que essas mulheres deixam de cuidar dos outros para, enfim, perguntarem-se sobre si mesmas. Consequentemente, nesse caso, deixa de ser apenas ausência e torna-se também resistência. É a recusa silenciosa de definhar completamente na solidão que a estrutura social impôs.

Ademais, as duas trajetórias demonstram como a solidão da mãe solo é qualitativamente diferente de outras formas de solidão, sentindo um vazio peculiar: era a sobrecarga de ser a única a tomar todas as decisões, a única depositária de todas as preocupações. Faltava alguém para quem ela pudesse voltar-se e partilhar as pequenas vitórias e os aborrecimentos cotidianos. Com o tempo, este sentimento mudou completamente. Dos anos de agitação com crianças, passou para uma casa vazia; se antes eram preenchidas por demandas incessantes, agora é preenchida por memórias e esperas, trazendo sempre presentes em pensamento, justamente e trazendo próprios desafios, como reconstruir identidade que não seja apenas materna, como redescobrir desejos próprios após décadas de adiamento.

Frequentemente, a solidão feminina é reflexo de sociedade que espera demais e oferece de menos. Falta rede e escuta. Falta reconhecer que por trás da mulher forte existe mulher que quer poder parar e respirar. Bem como, imagem da mulher que dá conta de tudo é conveniente, principalmente para sistema que ainda delega a elas maioria das tarefas de cuidado, sem oferecer estrutura. Solidão, nesse cenário, não é ausência de pessoas, mas ausência de escuta e partilha real.

Enfim, nenhuma mulher deveria ter que desmoronar em silêncio para provar que está viva, já que talvez o que mais falte não seja força, mas liberdade para não precisar ser forte tempo todo. Inúmeras narrativas convidam a imaginar sociedade onde cuidado não seja privilégio de poucos nem fardo de alguns, mas responsabilidade de todos; até lá, seguiremos ouvindo essas vozes.

Sob o disfarce da resiliência feminina, a sociedade ainda normaliza uma estrutura de abandono emocional, invisibilidade afetiva e sobrecarga funcional. Majoritariamente, a solidão feminina é o produto final de um sistema que cobra, mas não sustenta, exigindo que mulheres sejam mães presentes, profissionais competentes, parceiras compreensivas, filhas atentas, cidadãs produtivas - tudo ao mesmo tempo. Por isso, quando essa regra falha, o que sobra não é acolhimento, e sim julgamento.



 

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Da produção clandestina às bancas do Brás, o mercado que movimenta R$ 100 bilhões por ano e veste um Brasil que não cabe nas lojas oficiais
por
Arthur Rocha
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18/11/2025

Por Arthur Rocha

 

A madrugada ainda envolvia São Paulo quando as primeiras luzes se acendiam no Brás. Das furgonetas e caminhões baús desciam caixas e mais caixas, formando pilhas que seriam distribuídas pelas centenas de bancas do maior centro de comércio popular da cidade. Homens de rostos marcados pelo cansaço e pelas horas não convencionais descarregavam mercadorias com a agilidade de quem repetia aquela coreografia há décadas. Entre eles, Renan movimentava-se com familiaridade, seus gestos precisos revelando uma vida inteira dedicada àquele ofício.

Ele havia aprendido o trabalho ainda menino, observando o pai, Josué, negociar com fornecedores e clientes. Aos oito anos, começara carregando caixas leves após as aulas, orgulhoso por poder ajudar. Aos poucos, foi sendo introduzido nos segredos do comércio - como distinguir a qualidade dos tecidos, como reconhecer um bom fornecedor, como lidar com os diferentes tipos de clientes. Aos quinze, já dominava as nuances do negócio familiar, e aos dezoito tornara-se essencial para o sustento da casa. Sua educação formal acontecera entre um cliente e outro, seus deveres de escola muitas vezes feitos no balcão da banca, entre intervalos de atendimento.

Agora, na flor da juventude, o jovem conhecia como poucos os meandros do comércio de falsificações. Seus olhos percebiam instantaneamente a diferença entre uma réplica bem-feita e outra de qualidade inferior. Seus dedos reconheciam o toque do bom algodão, a costura bem executada, o detalhe que fazia a diferença. Mas acima do conhecimento técnico, ele compreendia a psicologia por trás de cada compra - entendia que não vendia apenas produtos, mas acessos a sonhos, mesmo que temporários e imperfeitos.

Enquanto arrumava pilhas de camisetas de times europeus, Renan observava os primeiros compradores chegarem. Uma mãe examinava atentamente cada peça, calculando mentalmente quanto duraria nas brincadeiras do filho. Um casal jovem discutia baixo sobre qual modelo de tênis escolher, pesando o custo-benefício de cada opção. Um homem maduro mexia nas gavetas de meias, buscando aquelas que melhor resistiriam ao trabalho braçal. O jovem vendedor sabia que todos eles, assim como ele e seu pai Josué, navegavam constantemente entre o desejável e o possível.

Seu pai, Josué, chegara mais cedo ainda, como sempre fazia. Homem de poucas palavras e muitos gestos práticos, ensinara ao filho não apenas o ofício, mas a filosofia por trás dele. "Não estamos enganando ninguém", dizia, "estamos oferecendo o que as pessoas podem pagar". Josué começou com uma simples banca de calçados há trinta anos, e através de trabalho duro conseguiu estabelecer o pequeno império familiar - três bancas lado a lado, cada uma com sua especialidade.

Ao longo do dia, o movimento no Brás transformava-se em um espelho da sociedade brasileira. Havia os compradores regulares, que vinham toda semana em busca de novidades; os trabalhadores procurando roupas resistentes a preços acessíveis; os jovens das periferias em busca dos símbolos de status que viam nas novelas e nas redes sociais; e até profissionais de classe média que, mesmo podendo comprar originais, preferiam a relação custo-benefício das réplicas.

Renan notava como cada grupo tinha seu próprio comportamento. Os mais velhos, cautelosos, examinavam cada costura, cada detalhe. Os mais jovens, por outro lado, preocupavam-se mais com a estética do que com a durabilidade. As mães de família calculavam mentalmente quantas peças poderiam comprar com o orçamento disponível. E ele, no centro daquela dança de desejos e realidades, adaptava seu discurso para cada situação.

Às vezes, nos raros momentos de calma, o jovem observava o movimento do Brás e pensava na complexidade daquela economia paralela. Não se tratava apenas de vender produtos falsificados, mas de fazer parte de uma cadeia que envolvia milhares de pessoas, desde os costureiros das oficinas muitas vezes clandestinas até os consumidores finais, passando por transportadores, fornecedores e vendedores como ele. Uma rede complexa que, embora operando na ilegalidade, sustentava famílias e realizava sonhos modestos.

Seu pai Josué interrompia esses devaneios com um gesto prático - uma caixa para ser aberta, um cliente para ser atendido, um fornecedor para ser recebido. A realidade sempre falava mais alto, e ela ditava que, enquanto houvesse mercadoria para vender e clientes para comprar, o trabalho não podia parar.

Ao entardecer, quando as luzes do mercado começavam a se acender anunciando o fim do dia, pai e filho iniciavam o ritual de fechamento. Enquanto arrumavam as sobras e faziam o balanço do dia, Josué compartilhava histórias dos tempos em que o Brás era menor, mais simples. Falava das dificuldades, das crises superadas, dos clientes que se tornaram amigos. Renan ouvia atentamente, compreendendo que herdava não apenas um negócio, mas uma história de resistência.

No caminho de volta para casa, no ônibus lotado de trabalhadores igualmente cansados, o jovem permitia-se sonhar. Imaginava uma loja legalizada, produtos originais, etiquetas verdadeiras. Visualizava-se mostrando a um filho hipotético um negócio honesto, regularizado, longe da sombra da ilegalidade. Mas depois olhava para o pai ao seu lado, o rosto marcado por anos de trabalho duro, e entendia que a realidade era mais complexa que seus sonhos.

A verdade era que, num lugar de contrastes como o Brasil, o mercado das falsificações representava tanto um problema quanto uma solução. Era sintoma de uma economia que não conseguia incluir todos formalmente, mas também demonstração de uma resiliência popular que encontrava seus próprios caminhos para a sobrevivência. E Renan, assim como o pai Josué e milhares de outros trabalhadores do Brás, era apenas um elo nessa cadeia complexa - um jovem que herdara não apenas um ofício, mas um lugar específico no intricado quebra-cabeça da economia brasileira.

Na manhã seguinte, antes do sol nascer, ele estaria novamente no Brás, abrindo a banca com o pai, arrumando as mercadorias que, embora carregassem logos falsos, sustentavam sonhos verdadeiros. E naquele ciclo infinito de trabalho e sobrevivência, ele seguia escrevendo, junto com Josué, mais um capítulo de uma história que era, acima de tudo, sobre a capacidade humana de se adaptar e perseverar, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras.

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Novo relacionamento na terceira idade faz com que o mundo de dois casais de amigos vire de ponta-cabeça e divida famílias entre apoio e repulsa
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Vitor Bonets
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18/11/2025

Por Vitor Bonets

 

Três. Dois. Um. A contagem regressiva que tirou de Carlos seu bem mais valioso. Na cama do hospital, no dia 26 de julho deste ano, o homem ouviu as últimas batidas do coração de sua esposa. O que havia lhe sobrado era somente o silêncio, que naquele momento, se tornara um barulho ensurdecedor. Ana, aos 62 anos, morreu por uma parada cardiorrespiratória após ficar internada durante três dias. Em seus últimos momentos, ela viu Carlos, um homem grande, chucro, daqueles forjados ao longo de 67 anos na antipatia, se despedaçar. Parecia que ao passo em que as lágrimas caiam, uma parte da alma de Carlos ia embora junto. Junto com o vento e junto de Ana. 

Nem a indignação sobrou ao homem, já que a morte da mulher veio de repente. Chegou sem avisar e foi embora sem nem dar explicações. Carlos até perguntava a Deus sobre o porquê daquilo, mas ele talvez nem estivesse preparado para a resposta que estaria por vir. Com a maior perda de sua vida, o homem, pai de dois filhos, precisou se apegar cada vez mais à família e aos amigos do casal. Amigos esses que foram essenciais durante a trajetória de amor de Carlos e Ana. Todos em volta dos dois presenciaram o nascimento do amor no condomínio Torres do Sul, na Zona Sul de São Paulo. Por ali,  se formou um grupo que seria como uma rede de apoio para os que moravam no local. 

Quando Ana morreu, Edu e Aline, filhos do casal, já eram crescidos e não estavam mais debaixo das asas de Carlos. Os dois sentiram a morte da mãe, mas sabiam que precisavam ser os alicerces do pai. Porém, não contavam que três meses após a morte de Ana, Carlos teria descoberto um novo amor. Mas nem tão novo assim. Vizinhos do mesmo prédio e amigos de longa data, o ex-casal Márcia e Antônio, prestaram apoio a Carlos no momento difícil. Mesmo já separados há dois anos, eles se uniram para consolar o amigo. Antônio e Carlos eram como fiéis escudeiros. Márcia e Ana eram as primeiras-damas. E os casais construíram uma amizade de mais de 20 anos. Mas, o clima de harmonia chegaria ao fim após a morte de Ana. 

Um mês após o velório da esposa, Carlos e Márcia decidiram se encontrar para conversar, o que não era muito costumeiro por parte do homem, já que ele nunca foi muito bom com as palavras. Motivo esse, que por diversas vezes, fez a mulher de seu melhor amigo sentir certa repulsa. No encontro, Carlos estava leve, como alguém que nem parecia carregar mais de 100kg em um corpo de dois metros. Márcia, já com 65 anos, estava a mesma. Vaidosa, produzida, arrumada e até mesmo com aquele ar de quem "se acha". Mas quem se achou mesmo nessa noite foi Carlos. 

Ele, que não era muito de se expressar, mostrou uma outra face para a companhia em um jantar a dois. Os dois conversaram e riram a noite toda e nem parecia que as desavenças do passado estavam presentes. Nem mesmo parecia que Ana havia partido. O primeiro encontro foi talvez um passo que nenhum dos dois estava certo de ter dado, mas depois que o clima ficou no ar, o que restou foi seguir caminhando. Igual ao primeiro, vieram outros. Restaurantes chiques, risadas, comida, conversa boa e, principalmente, sigilo.Ali estava a sensação de conhecer alguém novo após tanto tempo casados. O sentimento de, já no caminho final da vida, encontrar um novo amor. Esse, de certa forma, proibido. 

As coisas não seriam fáceis depois de Carlos e Márcia decidirem anunciar que estavam juntos. Depois de três meses em que Carlos conhecia uma Márcia que nunca viu e vice-versa, eles foram contar para as respectivas famílias. E não, a história não convenceu muita gente. Os filhos de Carlos, Edu e Aline, repudiaram a ideia completamente. Ainda machucados com a partida da mãe, não concebiam a ideia de que o pai havia arranjado uma outra mulher, ainda mais ela sendo a melhor amiga de Ana. Porém, disseram que se era da vontade de Carlos, que assim fosse feito. Os filhos de Márcia também não se sentiram confortáveis com a notícia. Murilo e Jéssica, que ouviram a mãe falar mal de Carlos durante toda a vida, não entendiam como as coisas haviam mudado em tão pouco tempo. Mas, a pior reação foi a de Antônio, que viu seu melhor amigo anunciar um romance com a mulher com quem dividiu a vida, as contas, as felicidades e as tristezas do casamento. Hoje, Antônio não frequenta mais as festas de família se Márcia e Carlos estiverem presentes. Ele mesmo diz que sente nojo do casal e que não sabe como os dois tiveram a coragem de desonrar não só o próprio matrimônio, mas também a morte de Ana. 

Carlos e Márcia se juntaram para dar respostas à solidão que sentiam no peito ao chegarem no fim de suas caminhadas e estarem sem ninguém. Talvez, essa tenha sido a forma de driblar um fim solitário. Um viúvo e uma recém-divorciada. O útil ao agradável. Talvez, o amor tenha também driblado as convenções e regras do que é "certo e errado". Se até mesmo Seu Jorge passou por um momento difícil como esse, quem dirá os meros mortais. Talvez, seja natural que Antônio sinta desgosto pelos "dribles" que tomou das pessoas em que mais confiava. E por fim, a sensação de Ana sempre ficará no talvez, já que ela foi a única que não pôde ver com seus próprios olhos o rumo que sua morte daria para a vida de todos os outros. Uma coisa é fato, alguns agradecem por ela não ter presenciado isso.

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Caso de Jesse expõe padrão de violência policial contra jovens negros e periféricos.
por
Philipe Mor
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18/11/2025

Por Philipe Mor
 

1998. Por volta de seis da tarde, o céu de São Mateus, na Zona Leste de São Paulo, se tingia de um amarelo cansado, cor de fim de turno e de fogão aceso. Na viela principal da Comunidade Divinéia, Jesse caminhava com o corpo leve de quem carregava apenas um desejo: completar o álbum da Copa. Faltava pouco, um dia, para a semifinal entre Brasil e Holanda. O bairro inteiro parecia batucar o nome de Ronaldo Fenômeno pelas janelas, escadas e campinhos improvisados. Jesse tinha 15. O mais novo dos cinco irmãos. Era franzino, riso fácil e tinha olhar de quem ainda acreditava na vida. Além da amarelinha, amava o time de verde, o Palmeiras, que tem a cor da esperança. 
 
Próximo ao “Bar do Seu Paulo” e da “Mercearia do Wilson”, os meninos se juntavam onde o asfalto quebrado servia de mesa para figurinhas repetidas. A cada troca, um campeonato inteiro nas mãos. A voz alta, o vai-e-vem das pernas finas, o futuro ainda intacto. Até que o silêncio se impôs pela força de um motor. A viatura dobrava a esquina com pressa de quem não veio perguntar nome, nem idade, nem história. No primeiro instante, a gritaria. Depois, o instinto. Correr. Em poucos segundos, o que era brincadeira virou fuga. 

A confusão riscou as vielas como um estopim. Dentro da “quebrada” cada criança buscou um caminho diferente. Jesse entrou no primeiro beco, onde um muro sem saída guardava restos de obras, roupas no varal e o cheiro do feijão que subia de uma janela. A respiração curta, o suor frio, o álbum preso no bolso da bermuda. Ao virar, deu de frente com o policial. Branco, farda alinhada e mira treinada. A voz dura ordenou a revista. Jesse ergueu as mãos devagar, tentando pescar o objeto do bolso, como quem oferece a prova de sua inocência. Era só papel. Um álbum. Nada além disso. 

O tiro veio antes da explicação. O estampido rasgou o silêncio como um gol contra no último minuto. O projétil atravessou o corpo pequeno e encontrou o coração. Aquele que batia forte pelo jogo do dia seguinte e pelo sonho simples de crescer. Segundo o policial, ele acreditava que o garoto estava armado. E por isso agiu. A frase que, desde então, se repete como reza torta nos corredores de delegacias e manchetes de jornal. “Parecia armado.” Aparentar perigo virou sentença para tantos meninos que carregam a cor da noite estampada na pele. 

 

Jesse M. da Silva Foto: Arquivo pessoal/Carmem Cruz da Silva.
Jesse M. da Silva Foto: Arquivo pessoal/Carmem Cruz da Silva.

 

Na casa dos irmãos, a notícia chegou como quebra-cabeça impossível de montar. O álbum - com pingos de sangue - ficou sobre a mesa, aberto. A figurinha do Ronaldo, seu jogador favorito, ainda faltava. Agora, como sua vida. A mãe Carmem, evangélica praticante, sem chão, tentava contar os filhos com as mãos para garantir que ainda tivesse todos, mas, a partir dali, faltava um. Thais, a irmã, guardou silêncio. Desde aquele dia, não fala sobre futebol. O pai insistia no nome de Jesse como quem repete um mantra que tenta trazer de volta o que já não respira. 

O enterro foi breve. A vizinhança segurava o choro como podia, alguns com raiva, outros com medo. Todos com um nó na garganta ao perceber que, naquela noite, algo mudaria para sempre na Divinéia. Aos poucos, os irmãos mais velhos, Jayro e Tony, que antes sonhavam com motos, empregos, até viagens, passaram a sonhar menos. A revolta, lenta e silenciosa, entrou pelas portas abertas, como vento ruim que escolhe ficar. Por vingança, por dor, por falta de escolha, os meninos buscaram refúgio no mundo do crime. A morte de Jesse não foi o fim. Foi o começo de uma outra estatística. 

E, enquanto o Brasil entrava em campo no dia seguinte, com discussões sobre escalação, defesa, ataque, a casa de Jesse se enchia de lembranças. Não houve camisa amarela, nem torcida. Só o eco de uma pergunta sem resposta que a família repete até hoje: como se mata um menino que só queria completar um álbum? 

No beco onde o tiro ecoou, o muro ainda está lá. O tempo insiste em passar, mas a marca daquele dia segue presa no chão. Entre os adesivos colados, as figurinhas trocadas e as memórias guardadas, permanece uma certeza amarga: para muitas famílias negras das periferias brasileiras, a vida vale menos que um álbum de Copa. 

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As pessoas autodeclaradas pretas totalizam 9; as mulheres de esquerda também são maioria nessa categoria e, desde 2014, estão à frente dos homens pretos eleitos
por
Julio Cesar Ferreira
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08/12/2022

São Paulo foi o Estado com maior número de pessoas pretas eleitas para a assembleia estadual em todo o país. As pessoas pretas totalizam nove eleitas, e as mulheres pretas são a maioria desde 2014 na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

A Alesp está inserida no Estado que mais elege deputados estaduais (94) do país e devido dois mandatos coletivos: Bancada Feminista e Movimento Pretas, ambos do Psol, o número de pessoas pretas pode ser expandido para 19 pessoas eleitas. A Bancada Feminista conta com cinco mulheres e o Movimento Pretas, sete. 

O Contraponto Digital realizou um levantamento considerando os eleitos para a Alesp autodeclarados pretos. Sem os mandatos coletivos, os deputados eleitos sozinhos totalizam sete, sendo eles:  Ediane Maria (Psol); Guto Zacarias (União Brasil); Reis (PT); Barba (PT); Thainara Faria (PT); Leci Brandão (PCdoB) e Luiz Cláudio Marcolino (PT). 

Se observado os espectros políticos dos pretos eleitos em São Paulo, há mais pessoas de esquerda, com oito no total. A direita só tem Guto Zacarias (União Brasil) como representante. As mulheres também são maioria nessa categoria. 

“É um processo que vem se transformando lentamente ao longo dos anos, mas que começou a ter um pouco mais de consistência a partir das eleições de 2014”, argumenta Aírton Fernandes Araújo, doutor em ciência política pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e diretor de formação política da Frente Negra Gaúcha. 

Alguns estudiosos defendem que os partidos denominados de esquerda são reconhecidos dessa forma no Brasil porque têm um corpo parlamentar que pensa em políticas públicas igualitárias e coletivistas. Já os de direita atuam de maneira meritocrática, visando apenas o lucro e têm poucas políticas públicas pensadas para a massa. 

2014 foi o ano em que os candidatos foram obrigados a informar sua cor/raça ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Com isso, foi possível traçar qual era a raça/cor dos candidatos e eleitos a partir desse ano.  Em 2014, a Alesp teve três autodeclarados pretos eleitos: Leci Brandão (PCdoB), Clélia Gomes (PHS, atual Podemos) e Barba (PT). Já em 2018, cinco pessoas pretas foram eleitas: Leci Brandão, Tenente Nascimento (PSL, atual União Brasil), Érica Malunginho (Psol), Bancada Ativista (Psol) e Barba e, neste ano, nove. 

Mesmo que a cidade de São Paulo tenha 37% da população negra (considerando pretos e pardos), segundo os dados do Censo Demográfico de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) os políticos pretos ainda continuam sub-representados se comparado a proporção da população brasileira, formada de 56% de pessoas negras.  

Mulheres pretas em destaque

A Alesp terá a maior representatividade feminina da história na próxima legislatura (2023/2026), com 25 mulheres. A quantidade de mulheres na atual composição da Casa já era considerada uma marca histórica, com 19 parlamentares. Dentro da categoria de eleitos autodeclarados pretos, há mais mulheres, sendo cinco (15 se contar as integrantes dos mandatos coletivos). 

Para Araújo, isso pode ser explicado a partir do protagonismo que a mulher negra vem exercendo na sociedade civil e o papel de uma campanha frente ao eleitorado e à sociedade acerca da importância do voto feminino negro. “Vejo isso como tomada de consciência”. 

E quanto elas serem dos partidos de esquerda, o cientista político argumenta que são essas instituições que, bem ou mal, melhor representam e discutem toda a ansiedade da mulher negra. 

Todavia, ele salienta que essas parlamentares se responsabilizam por exercer os seus mandatos não só para negros, mas para todos os desfavorecidos na sociedade, o que acaba atraindo um eleitorado diverso. 

Desde 2014 as mulheres autodeclaradas pretas se destacam em número de eleitas, ficando sempre à frente dos homens pretos, mesmo que dentro de um número já pequeno. 

Em 2014, a Alesp teve três autodeclarados pretos eleitos, dois eram mulheres. Já em 2018, cinco pessoas pretas foram eleitas, três eram mulheres e, neste ano, nove pretos eleitos, sendo cinco mulheres. 

Simone Nascimento, codeputada (pessoa que compartilha o cargo de deputada com outros membros) da Bancada Feminista, eleita neste ano explica que o mandato coletivo atuará em prol das lutas populares e serão uma forte oposição ao governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), pois são contra várias medidas que ele propôs em sua campanha, como a retirada das câmeras dos uniformes da Polícia Militar (PM). 

Isso porque, a inserção das câmeras nos uniformes dos policiais militares foi um mecanismo que reduziu a letalidade policial em 72% no estado de São Paulo, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) estadual.

“Lutaremos para que o Estado de São Paulo priorize o combate à fome, o investimento na educação, saúde, moradia e queremos fortalecer a rede de proteção às mulheres e o combate ao racismo”, afirma Simone. 

Assim como Simone, a codeputada do Movimento Pretas, Ana Laura, também cita que o mandato coletivo será um instrumento e uma ferramenta social para ser caixa de ressonância das lutas sociais e enfatizar a importância da representação da mulher negra dentro da política. 

“Temos mulheres negras de várias regiões do Estado que são figuras públicas ou lideranças em seus movimentos sociais. No meu caso, faço parte da Rede Emancipa, o movimento de educação popular. A ideia é que eu fortaleça esse movimento da educação popular, o movimento cultural e o combate ao racismo religioso, e cada uma das integrantes atuando de sua maneira, mas em conjunto”. 

A segunda mulher preta a ocupar a Alesp, Leci Brandão, foi reeleita para o seu quarto mandato neste ano. A primeira foi Theodosina Rosário Ribeiro, que morreu em 2020. 

Brandão expõe que enxerga de maneira positiva o aumento do número de mulher negras eleitas, pois em sua trajetória sempre visou apoiar candidatas negras. 

Quanto ao aumento no número de mulheres na política institucional de um modo geral, a deputada também afirma ser o reflexo do protagonismo das mulheres negras que atuam nas ruas, nos sindicatos, nos coletivos, nas universidades e em todos os lugares. 

“Acredito que ocupar todos os espaços de poder tem sido muito mais do que uma fala, uma bandeira, mas sim o foco da luta de negros, e principalmente das mulheres negras”, ressalta a parlamentar. 

Pretos de direita e de esquerda 

A esquerda tem mais autodeclarados pretos na Alesp desde 2014, pois antes não era possível traçar a cor/raça dos eleitos. Os autodeclarados pretos e que fazem parte de um partido de direita na Alesp não se sobressaíram nenhuma vez. Mas não podem ser desconsiderados dentro da política. 

Araújo destaca que nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores de quase todas as capitais, vem crescendo a presença de negros. 

“Percebe-se que os partidos políticos, principalmente os de esquerda, sejam mais sensíveis e efetivos em relação à participação dos negros nas instâncias de poder”, adiciona o cientista político, que também avalia a atuação de negros de direita dentro da política. 

“Vejo isso como uma dicotomia natural da política. Se observarmos a história do Quilombo dos Palmares, alguns historiadores dizem que existiam contrariedades na forma de atuar entre Zumbi dos Palmares [visto como um revolucionário com ideias de esquerda] a Ganga Zumba [considerado um traidor por fazer um acordo com a corte portuguesa]”, exemplifica. 

Além disso, dentro da Frente Negra Brasileira, a mais importante entidade do movimento negro brasileiro na primeira metade do século 20 também havia os monarquistas versus os republicanos. “É do sistema político e é de fórum íntimo essa escolha”, completa Araújo. 

O historiador e professor da PUC-SP Amailton Magno Azevedo contribui dizendo que os pretos são muito diversos, política e ideologicamente, podendo se falar de pretos de direita e conservadores alocados em partidos de igual tendência ideológica. 

Em sua análise, com pretos de direita eleitos, poucos avanços se fará no plano social, pois são conservadores e fomentam a ideologia meritocrática para as conquistas pessoais e a ascensão socioeconômica. Por outro lado, afirma, os pretos de esquerda eleitos atuam considerando haver uma dívida histórica com o próprio povo, devido à herança da escravidão e do racismo que barram a plena cidadania deste grupo. 

Por isso, para ele é notável a atuação que os pretos progressistas têm para a existência de políticas públicas que busquem superar o passado escravocrata. 

Mesmo que a falta de representatividade signifique que as pautas que interessam a essa população não sejam defendidas ou sequer apresentadas, nem sempre é uma regra, pois nem todos são progressistas, defendem. 

Demandas da população e a atuação a partir de 2023 

Simone e Leci defendem ser preciso superar a pobreza, a fome, ter emprego, educação, assistência à saúde e a cidadania plena para todos e todas. Ana Laura também, mas avalia que as demandas são muitas e diversas, pois a população negra de São Paulo tem particularidades plurais. 

A codeputada da Bancada Feminista afirma que para próximo ano buscarão a superação da crise de vida hoje, somada ao resultado do ex-governador de São Paulo João Doria e do atual presidente Jair Bolsonaro nos últimos anos, pois para ela, o povo precisa com urgência de trabalho e renda para zerar a fome, moradia, porque subiu muito o número de pessoas sem teto no estado e educação, pois a evasão escolar aumentou especialmente entre os mais pobres e negros na pandemia. 

“É necessário criar oportunidades e combater a letalidade policial, com outro modelo de segurança pública sendo essencial”, pontua Simone. 

De acordo com os dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (Polos-UFMG) apenas na cidade de São Paulo, são 42.240 pessoas vivendo nas ruas. 

Outra pesquisa divulgada pelo Datafolha em janeiro deste ano, mostrou que 4 milhões de estudantes abandonaram a escola durante a pandemia. As principais causas foram a dificuldade do acesso remoto às aulas e problemas financeiros. Os alunos que lideraram a taxa de evasão escolar pertenciam às classes D e E.

Para Ana Laura, a população preta tem diversos tipos de demandas, sejam as mais objetivas como a segurança pública, ou as mais subjetivas, que envolvam a identidade, por meio do resgate histórico ou até mesmo o combate ao racismo religioso. 

“Visaremos unir as pautas do Movimento Pretas com o da população, mas é preciso reconhecer que as pautas e as demandas do movimento negro são demandas de reparação históricas, e não demandas únicas de toda a população negra, pois a população negra é uma camada diversa” conta. 

Araújo avalia que os parlamentares negros (pretos e pardos) terão muito trabalho para fazer valer suas pautas, principalmente as de ordem racial. E que, provavelmente, irão compor com os deputados brancos de esquerda. Mesmo assim, ainda terão dificuldades por serem a minoria num ambiente masculino, branco e com um conservadorismo forte, enfatizando também a importância do apoio dos movimentos sociais e da sociedade civil aos parlamentares negros. 

“A pressão da sociedade e sua presença nas galerias da Assembleia será vital para o sucesso dos mandatos”, conclui. 

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Cenário eleitoral brasileiro é marcado por embates violentos entre polos e expõe democracia ao perigo extremista
por
Pedro Alcântara, Rafaela Freitas, Yerko Bazan
|
08/12/2022

Discursos extremistas por motivação política têm sido cada vez mais parte do dia a dia do brasileiro, mesmo fora do período eleitoral. Segundo Monitoramento da Violência Política do do jornal O Estado de São Paulo, até julho deste ano, o Brasil já havia contabilizado 26 assassinatos de políticos, maior número registrado desde a redemocratização. As vítimas englobam lideranças e integrantes do polo adversário. 

A polarização, isto é, quando dois ou mais lados opostos se dividem em grupos com ideias contrárias ou conflitantes, não é novidade, muito menos no âmbito político. Nos últimos anos, entretanto, os embates se intensificaram e duas frentes opostas surgiram com mais força desde o período eleitoral de 2018. Composta por turbulências acerca das opiniões políticas e pessoais do candidato Jair Bolsonaro (na época, PSL), a primeira eleição depois da explosão da operação Lava-Jato gerou movimentação entre os simpatizantes da nova extrema direita e aqueles que enxergavam perigo no discurso do candidato.

Homem de máscara e camisa cinza de costas, em meio à uma manifestação, segurando uma bandeira do brasil ensanguentada
Foto de Maria Fernanda Pissioli | Unsplash

Para Victor Marques Varollo, Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas, o termo “polarização” não vem sendo bem aplicado nas últimas análises políticas. 

“Na eleição de 2022 tivemos um lado defendendo o rompimento institucional e o outro, fazendo uma frente ampla pela democracia. O erro em utilizar o termo é que se pode pressupor que temos uma ‘extrema-direita’ e uma ‘extrema-esquerda’, em polos distintos. Isso não acontece”, afirma, sobre a comparação, em sua opinião, equivocada entre os lados. “Na eleição tivemos um lado defendendo o rompimento institucional e o outro fazendo uma frente ampla pela democracia”.

Apesar de muitos estudiosos não acreditarem na ideia de contrários nas últimas duas eleições brasileiras, a polarização é evidente – ainda que, muitas vezes, o termo seja mal aplicado, como comenta Varollo. O período foi marcado por violências e expôs uma outra face da divergência política, chamada de “ultrapolarização”

Eleições ultrapolarizadas

Marcada por turbulências, uso da força e até conflitos externos, o excesso da polarização (ou sua ultralização), compromete as bases da democracia e torna-se uma imposição de  ideais. Afinal, sociedades ultrapolarizadas que discordam entre si tendem a usar a violência no lugar do debate.

É o que diz Victor Mendes, mestrando em relações internacionais pela USP e pesquisador na área de instituições internacionais e governança global. “A polarização deixa de ser saudável quando ultrapassa o debate político saudável e passa a se sustentar à base de ameaças, informações falsas e violência.”

Para Vera Lucia Michalany, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), a polarização em si já engloba sentimentos como ódio, medo, ressentimento, vingança e desqualificação do outro, e deixa de ser saudável quando interesses políticos interferem na vida pessoal – corroborando para conflitos familiares, por exemplo. 

Segundo Michalany, as manifestações de 2013 e 2014 também foram agentes importantes no fortalecimento da extrema direita, também visto como protagonista de atos antidemocráticos após o resultado das eleições de 2022: “as eleições de 2018 e 2022 reproduzem as ações e as disputas presentes no seio da sociedade.”

Alguns dos últimos casos que ilustram este fenômeno podem ser exemplificados pela violência armada que teve palco em um bar no interior do Ceará, na cidade de Cascavel, quando um indivíduo perguntou quem era eleitor de determinado candidato, para então, desferir tiros e matar aquele que ele considerava como “oponente”. Ou mesmo com o assassinato do tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) Marcelo Aloizio de Arruda em sua própria festa de aniversário, e uma briga com motivação política em bar de Santa Catarina, Dona Emma, no Alto Vale do Itajaí, onde um dos envolvidos não resistiu após ser esfaqueado. 

Nasce, então, a linha tênue que separa a polarização saudável (polos direita e esquerda, por exemplo) e a ultrapolarização (as ‘extremidades’). Michalany, em sua avaliação, diz não encontrar diferença entre ambos, pois os extremos também fazem parte do conceito originário de polarização. 

Onde está o perigo?

Além de se mostrar uma ameaça física aos envolvidos diretos, períodos políticos ultrapolarizados são marcados por notícias falsas, ameaças e abandono de consciência política e social, comuns de ganhar cunho criminoso, segundo Josue de Oliveira Rios, doutor em direito pela PUC-SP.  “Quando isso [a polarização] se junta com a desinformação e a invenção de mentiras, impossibilita a população de elaborar uma consciência política e refinamento de informação. Fica apenas um clima de que guerra é guerra.” explica. 

Esse aspecto foi visto no último período eleitoral, marcado pelo assédio no ambiente corporativo e até na boca das urnas, como exposto na reportagem feita pelo “Profissão Repórter”, da TV Globo, que foi ao ar no dia 1 de novembro e flagrou uma convocação dos beneficiados pelo Auxílio Brasil e ouviu moradores sobre suposto assédio eleitoral no local; ou como também abordagens menos discretas, como no caso em que uma empresária de Santa Catarina teve de assinar um Termo de Reajuste de Conduta (TAC) e se retratar em vídeo após pedir que clientes “não contratem nordestinos” que votem em determinado candidato.

“Isso tem a ver com o ‘vale tudo’, o clima de guerra. Se eu tenho poder, eu vou usar todos os caminhos para vencer. Esse nível de embate só é visto em eleições ultrapolarizadas, onde tem essa ideia de que não basta vencer, é preciso impor novos valores, uma nova verdade.” explica Rios, sobre a ausência de um cenário civilizatório.

Além dos conflitos internos, Mendes também pontua as consequências da radicalização política no cenário externo, bem como a relação do Brasil com outros países. “Por questões de diplomacia, os países evitaram realizar comentários incisivos sobre os assuntos domésticos no Brasil, que deixou a sua posição de protagonista global, especialmente entre países em desenvolvimento.” explica.

Para ele, a polarização em si serviu apenas para gerar apreensão sobre os resultados da eleição, além de olhares atentos sobre a sustentabilidade da democracia brasileira. “Um exemplo disso foi a aprovação, nos Estados Unidos, de uma recomendação do Senado para que Washington rompesse as relações com o Brasil em caso de golpe. Para a comunidade internacional já não é mais tempo de se permitir incursões que vão contra os valores democráticos.”

Imagem de capa: Marília Castelli | Unsplash

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Após desastre eleitoral e conflitos internos, a sigla estuda como se recuperar para chegar com relevância nas próximas eleições
por
João Kerr, Pedro Duarte e Pedro Kono
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05/12/2022

Em sintonia com o que aconteceu no congresso, em que elegeu apenas 3
deputados federais, o Partido Novo teve o número de deputados estaduais em São
Paulo reduzido. Se em 2018 a sigla ocupava 4 cadeiras na Alesp, agora vai possuir
apenas uma - a de Leo Siqueira.

Nas eleições de 2022 como um todo, o Novo amargou resultados ruins. A queda na
Câmara dos Deputados fez com que o partido não atingisse a cláusula de barreira,
que coloca como meta um número mínimo de votos e deputados eleitos para dar
acesso ao fundo eleitoral e à propaganda eleitoral.

Além disso, Felipe D'Ávila, candidato à presidência, teve apenas 0,47% dos votos
válidos. O resultado é pior do que em 2018, quando João Amoêdo, o então
candidato do Novo e um de seus fundadores, atingiu a porcentagem de 2,5%.

No caso específico de São Paulo, a queda na Alesp vem logo após uma crise que
ocorreu no partido durante as eleições para prefeito na capital. Na ocasião, o
postulante ao cargo Filipe Sabará teve sua candidatura suspensa pela própria sigla
após serem apontadas uma série de inconsistências em seu currículo. Porém, antes
disso, Sabará já havia entrado em conflito com Amoêdo e outras lideranças do
partido por fazer defesas ao presidente Jair Bolsonaro.

Outro episódio que mostra a discórdia instaurada dentro do partido é a briga entre
duas vereadoras do Novo dentro da Câmara Municipal de São Paulo. Um vídeo
mostra Cris Monteiro (Novo) e Janaína Lima (Novo) se desentendendo atrás da
Mesa Diretora da Casa.

O conflito foi provocado por uma questão de tempo do microfone durante a votação
da Reforma da Previdência e resultou em diversas agressões físicas de uma contra
a outra. Após o ocorrido, ambas foram suspensas pelo partido.

Camila Rocha, autora do livro ‘‘Menos Marx Mais Mises: o liberalismo e a nova
direita no Brasil’’, explica o motivo de tantos desentendimentos internos dentro do
Novo: ‘‘Nunca existiu um consenso em relação a outras pautas para além da defesa
de um livre mercado radical. Eles não tinham um programa amplo o suficiente para
abarcar outras questões que não sejam a defesa de um liberalismo puro e simples’’.

Para Henrique Costa, mestre em Ciência Política e doutorando em Ciências Sociais
na Unicamp, o derretimento do Novo se deve a alguns pilares. Em primeiro lugar,
Costa afirma que as pautas liberais foram capturadas pelo bolsonarismo, que por
essência, é hegemonista, e que permite que o eleitor se alie apenas a ele de forma
submissa.

Além disso, o analista acredita que uma formação histórica do eleitorado brasileiro
pode contribuir para que o partido com cunho liberal e anti-populista não tenha
deslanchado. Para ele, a política brasileira carrega um histórico de um Estado muito
presente, tanto no sentido de políticas públicas, quanto no sentido de um
autoritarismo.

‘‘Em um certo sentido, o Novo seria um PSDB mais radical. O Novo tentou substituir
o PSDB no sentido de ser um partido de quadros, preocupado com o
desenvolvimento do país e que adota o neoliberalismo como forma de resolução
dos conflitos sociais, mas de uma forma muito mais aberta’’, explica Rocha.

Apesar do quadro geral negativo, o Novo foi capaz de reeleger um governador no
segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais. A pergunta que fica para o
partido agora é porque o sucesso de Romeu Zema não trouxe melhores resultados
para a sigla.

Para Costa, algumas das explicações passam pelo fato que o perfil do governador
foge do que é comumente visto dentro do partido: ‘‘Ele não parece um empresário

da Faria Lima, ele tem um carisma, uma maneira de se expressar que fala muito ao
interior de Minas’’.

A última grande polêmica envolvendo o partido foi a desfiliação de João Amoêdo
após o fundador declarar o voto em Lula no segundo turno das eleições. Grande
parte de seus aliados demonstrou descontentamento com a situação.
.
Maurício Rappa, candidato do Novo para o cargo de deputado federal de São Paulo,
nos deu sua opinião sobre o tema da rejeição ao Lula e ao PT. “Votar no Lula é o
maior retrocesso que poderíamos ter. Por mais que o Amoedo tenha declarado
apoio a ele, precisamos basear nossas ideias nos principais líderes ativos do
partido, como o Zema, por exemplo”. Rappa admite que os valores de Bolsonaro
não são os ideais e que estão longe do que o Novo deseja para o país, mas que a
volta de Lula ao poder não é algo cogitável.

Com isso, a força do partido no cenário nacional vai diminuindo, fazendo com que
muitos se questionem qual será o futuro da sigla. O próprio Romeu Zema já falou
em uma possível fusão com outro partido.

Em entrevista ao Uol, Eduardo Ribeiro, presidente do partido, afirma que o Novo já
foi até procurado por outros partidos para uma fusão, mas no momento isso não
está sendo cogitado pelos líderes da sigla. Ribeiro afirma, no entanto, que estuda
formar um bloco com outros partidos para reforçar a atuação parlamentar.

O presidente considera fundamental a criação de novos diretórios em todo país,
para conseguir lançar o maior número possível de candidatos nas eleições
municipais de 2024. Assim, o partido poderia chegar com força nas eleições de
2026 para presidência.

Caso essa “reviravolta” não ocorra, o Novo corre o risco de perder Zema para uma
sigla mais forte, buscando maiores chances de se tornar presidente. Por enquanto,
ele ainda afirma que se sente confortável no partido e que não tem planos de
mudar.

Para o futuro, Camila Rocha acredita que a tendência da sigla é se fundir com
outros partidos menores por conta da cláusula de barreira, o que pode diminuir
ainda mais a projeção do Novo.

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Mesmo sendo o Estado com maior número de candidaturas, São Paulo não elegeu nenhum desses candidatos
por
Daniel Dias e Rafael Monteiro
|
05/12/2022
Mara Gabrilli
Mara Gabrilli (Geraldo Magela/Agência Senado)

As eleições deste ano no Estado de São Paulo apresentaram o maior número de candidatos com deficiência no Brasil - 11 candidaturas. Entretanto, nenhum deles foi eleito para Câmara dos Deputados ou Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). A deputada eleita Andrea Werner (PSB) é a única política em São Paulo com pautas voltadas a esse público.

No Brasil foram 448 pessoas disputando cargos, entretanto, em números gerais isso representa somente 1,6% das 28.790 candidaturas do país inteiro. A principal candidatura ficou por conta de Mara Gabrilli (PSDB), candidata à Vice-Presidência de Simone Tebet (MDB).

Participação política das pessoas com deficiências

Os partidos com candidatos que possuem algum tipo de deficiência foram:  PSB com duas candidaturas a deputadas estaduais (Luciana Trindade e Talita Cadeirante); PSOL com uma candidata a deputada federal, Tetê, e um coletivo formado por 9 pessoas (“Coletivo de PCD do PSOL”, com 7 pessoas com deficiência); REDE Sustentabilidade com uma candidatura a deputado estadual (Tuca Munhoz); e o PT com uma candidatura a deputada estadual (Vanessa Cornélio).

Mesmo com um considerável número de políticas que visam à inclusão, não existe uma representação desse público no Legislativo e no Judiciário, com apenas 0,5% de parlamentares que possuem algum tipo de deficiência. Um dos problemas apresentados está no cumprimento das leis já existentes, como a Lei das Cotas e a Lei da Inclusão. 

Na opinião de Jeniffer Farias, mestre em Psicologia e Desenvolvimento de Políticas Públicas e uma das ex-candidatas da Bancada do PSOL, não adianta criar leis visando atender a população com deficiência de forma geral, deve-se olhar cada caso e região com olhares diferentes

“Uma das principais questões às quais estávamos atrelados era a fiscalização. Queríamos fortalecer os conselhos municipais, porque cada região funciona de uma forma.  Algumas coisas funcionam bem em uma região, mas em outras não”, afirma Jeniffer Farias, mestre em Psicologia e Desenvolvimento de Políticas Públicas e uma das ex-candidatas da Bancada do PSOL. 

A busca pela transversalidade era outro ponto que a bancada buscava abordar. Farias explica que a opressão é ainda maior para aqueles que se encontram em mais de um grupo considerado minoria como negros, LGBTs e indígenas.

Jacqueline Bezerra

Jacqueline Bezerra, psicóloga e escritora, conta que mesmo com as diversas leis que já possuímos em nosso país, dentre elas a Lei de Cotas e a Lei de Inclusão, existe um problema invisível para grande parte da população.

“Até que ponto os cargos disponibilizados para pessoas com deficiências têm perspectiva de crescimento? Muitas vezes a pessoa acaba recrutando por conta de uma lei, não para realmente incluir. Não existe uma confiança na capacidade daquele indivíduo”

A psicóloga lembra que segundo o IBGE, 24% da população brasileira possui algum tipo de deficiência, portanto, ao contrário do que muitos pensam, a necessidade de melhorias em questões estruturais não deveria ser um privilégio.

Bezerra finaliza explicando que ter alguém em cargos políticos, revistas, mídias digitais, televisão e ver como essas pessoas estão sendo aceitas na nossa atual sociedade é algo de extrema importância, pois ela se torna alguém para se admirar e inspirar.

“É um auxílio para combater esse capacitismo internalizado, que é quando a própria pessoa com deficiência possui um preconceito consigo mesmo. Eu finalizo com uma frase internacional, que acho muito importante: ‘Nada sobre nós, sem nós’.”

Luciana Trindade
Luciana Inclusão (Reprodução/PSB)

Luciana Trindade, coordenadora do PSB Inclusão e que também lançou candidatura na última eleição, explica que o partido passou por uma reestruturação visando à presença de pessoas com deficiência em todos os capítulos e leis. 

“Incentivamos a nossa militância a participar dos conselhos e organizações que atuam com diversas pautas que não só a para a pessoa com deficiência. Um exemplo são os conselhos de saúde, conselho da mulher, Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), etc”, afirma.

Uma das possíveis soluções para a falta de representação no Legislativo, na opinião da coordenadora, é a criação de uma cota para as cadeiras nos níveis municipal, estadual e federal. O PSB tem como meta apresentar um projeto de lei para a Câmara dos Deputados em 2023, com o objetivo de que no próximo pleito de 2024 uma possível lei já esteja publicada e em prática.

“Enquanto ainda formos vistos como incapacitados não nos será dada a oportunidade de protagonizar e fazer a transformação social necessária. A ausência de pessoas com deficiência em espaços de poder implica na falta de informação e logo a de produção de políticas públicas”, diz Luciana.

Andréa Werner
Andréa Werner (Reprodução/PSB)

No entanto, não são só os políticos com deficiências que possuem propostas que visam abordar essas questões. A deputada estadual eleita Andrea Werner (PSB), Thífany Félix (REDE) e outras duas pessoas do Coletivo de PCD do PSOL foram candidatas que buscaram defender o tema.

“Uma das propostas que eu pretendo levar para a Assembleia Legislativa, tem em vista o apoio a políticas de inclusão de pessoas com deficiência, não apenas em âmbito estadual, mas no municipal também” diz Andréa Werner, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa - rede de apoio para mães e famílias com deficiência - e mãe atípica, mães de crianças com algum tipo de deficiência, de Theo, um menino com espectro autista.

Werner tem como prioridade a criação de um programa de renda mínima para mães e cuidadoras de pessoas com deficiência. A decisão de abordar esse tema em sua campanha veio do seu dia a dia e com o contato com outras mães, que igual ela, têm filhos com algum tipo de deficiência.

“Não é apenas uma questão de ‘dar voz’, mas sim, de levar essa voz a sério, para se ter a informação e a consciência de como abordar essas pautas” complementa a deputada.

Sobre o assunto, Jacqueline Bezerra explica que não é somente a vida da criança que é alterada por conta da deficiência apresentada, muitos pais acabam sendo excluídos do mercado de trabalho, além de desenvolverem a Síndrome do Cuidador, quando por conta dos impactos emocionais, sociais e físicos causados por um nível de cuidados, a pessoa se sente sobrecarregada

Dificuldades invisíveis

As leis voltadas para pessoas com deficiência já vêm sendo criadas desde 1989, quando o então presidente José Sarney criou a Lei 7.853 que passou a obrigação de defender os direitos das pessoas com deficiência para o Ministério Público.

 A “Lei de Cotas” de 1991, que visa a inclusão no mercado de trabalho, e a “Lei Brasileira de Inclusão” de 2015, que traz um conjunto de direitos, são alguns desses exemplos. O grande problema está na falta de fiscalização por parte do Estado no cumprimento delas.

“Com a tentativa de diminuição do Estado, existe uma redução de funcionários que seriam necessários para fiscalização da execução dessa legislação, e não apenas da destinada às pessoas com deficiência, mas de forma geral”, explica Luciana.

Uma das principais dificuldades que a pessoa com deficiência enfrenta é a falta de informações que outras pessoas têm em relação a ela. Muitos continuam as vendo como “coitadinhos” ou até mesmo um super-herói, não conseguindo enxergar além da deficiência. 

“É uma coisa que incomoda demais, porque é mais ou menos assim: ‘Sabe o PCD da área X ou PCD da área Y?’. Não é o João, o Pedro, a Maria, o Paulo ou o profissional em si, sempre a pessoa é atrelada à deficiência. Na sala de aula, por exemplo, o professor fala que tem 20 alunos e 3 inclusões”, afirma Marinalva Cruz, graduada em diretora de Relações Governamentais e Empregabilidade da ONG Turma do Jiló - organização da sociedade civil que busca desenvolver em escolas e empresas projetos que capacitem todos a desenvolverem planos para cada pessoa, possuindo uma deficiência ou não.

Marinalva Cruz
Marinalva Cruz (Reprodução)

A questão da acessibilidade, não só a de estrutura física, mas também de formas de comunicação e meios tecnológicos que possibilitam uma igualdade dentro da sociedade, é outro ponto de dificuldade enfrentado, “sem acessibilidade nunca haverá uma inclusão verdadeira de todas as pessoas com deficiência”, completa Marinalva.

Por muitas vezes existe um preconceito onde acham que essas pessoas apenas têm interesse em pautas onde o tema principal é a deficiência, sendo que também buscam falar sobre economia, política, engenharia e outros temas.

“Falta um olhar transversal, mesmo que em um primeiro momento não pareça ser uma pauta relacionada a pessoas com deficiência, é preciso entender que existem pessoas transexuais, LGBTs, pessoas pretas, pardas com deficiência. É só mais uma característica entre outras”, conclui a diretora.

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Salário baixo e falta de segurança são características das piores escolas de São Paulo
por
Leonardo Nunez e Renan Mello
|
05/12/2022

Gregory Mankiw, David Romer e David N. Weil, são economistas renomados que possuem respeito e altos reconhecimentos da área, eles mostram que os países com os maiores níveis de escolaridade são os que têm melhores condições de bem-estar e crescimento econômico.

Após vencer a eleição para governador no segundo turno, Tarcísio de Freitas do partido Republicanos, conhecerá o desafio de melhorar o ensino do estado para que esses avanços aconteçam.

Segundo o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), São Paulo ocupa o 6º lugar na classificação das escolas estaduais. Dentro das classificações de escolas, é possível notar que as instituições com uma classificação pior estão em lugares desfavorecidos e possuem uma clara falta de investimento em pontos importantes, como a infraestrutura.

Os números também mostram que os estudantes negros e de baixa renda não recebem o aprendizado adequado nas matérias de Matemática e Português. Seguindo a tabela do Ideb, os números que representam o aprendizado dos jovens negros nestas disciplinas e de baixa renda na matéria de humanas é de 31%, enquanto para a de exatas é de 4%. 

Enquanto os alunos de alta renda e brancos ficam com números acima dos jovens que não fazem parte da mesma classe social e racial, em português ficam entre 48% e 50%, enquanto na matéria de matemática ficam entre 11% e 13%.

Os números apresentam os problemas das escolas periféricas, que são praticamente esquecidas pelo estado e por seus governadores.

Professores querem ensino melhor

A escola Professora Zoraide de Campos Helu fica no bairro do Jardim Jaraguá, localizada em região periférica do estado de São Paulo. A instituição detém o título de pior escola no Enem de 2017 e continua sendo classificada como uma das piores do estado pelo Ideb. 

O professor *Leonel Gonçalves* leciona dentro da instituição e relata que a escola passa por problemas que a partir de suas análises, são erros de seus administradores que não acatam as soluções que são passadas pelos profissionais.

Ele disse que as deficiências partem desde a segurança do próprio professor, até a parte estrutural que não entrega um ambiente favorável para os alunos aprenderem, e nem suporte para as aulas.

Dentre os diversos relatos do educador estão: falta de apoio, estrutura ruim, falta de material de apoio, aprovação de alunos que não aprenderam nada.

Quando solicitada, a escola não respondeu.

Aversão da APEOESP a escolas cívico-militares

A APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), contou que o próximo governante deve ser alguém que entregue uma boa educação a todos "Educação Básica é essencial e deve ser pública, de qualidade e universal e deve ser administrada pelo governo, com competência",respondeu em entrevista por e-mail.

"Professoras e professores são imprescindíveis na tarefa de resgatar o Brasil e o estado de São Paulo de projetos nefastos, como a transformação de escolas regulares em escolas cívico-militares", pronunciou a APEOESP, demonstrando aversão às falas do candidato Tarcísio Freitas que esteve de acordo com o projeto de escola cívico-militar.

Escolas cívico-militares são um padrão diferente da escola militar, que é totalmente administrada pelo Exército. Esse novo projeto é composto por ex-militares ocupando cargos das áreas administrativas das escolas, por isso os professores se opõem a esse tipo de administração escolar.

O sindicato ainda levanta o fato de educação ser um direito de todos, e que os governantes trataram até aqui com descaso. A desvalorização dos professores também é levantada como uma pauta que necessita de atenção, por conta dos salários baixos e falta de segurança.

A necessidade dos alunos


Geovanna Camile Moretto é uma estudante da E.E. Professora Aracy Leme da Veiga Ravache localizada no Jardim Novo Carrão Zona Leste de São Paulo, uma das escolas que está na parte de baixo da tabela do Ideb, classificada entre as piores do Estado.

A representante do grêmio conta que um dos maiores problemas enfrentados em sua escola é a falta de material adequado em sala de aula. A aluna relata que a falta de professores também está no conjunto de barreiras dentro da sua realidade educacional. 

A estudante do ensino médio também bate no ponto da falta de uma boa infraestrutura e faz críticas contra a aprovação automática, em que os jovens passam sem aprender os conteúdos que fazem parte da grade de ensino.

A falta de material e a desvalorização dos professores foram dois destaques negativos citados pela estudante.

 

O que pode ser feito?

Rodrigo Ratier, professor de Jornalismo na USP (Universidade de São Paulo), possui Doutorado em Pedagogiapela faculdade que leciona. Já foi professor de ensino médio e foi um dos fundadores do Projeto Redigir, curso voluntário de redação e cidadania na ECA-USP.

Ratier evidencia que a proposta que seria mais completa era a do Fernando Haddad, uma vez que, poderia trazer maiores benefícios para o setor da educação. Rodrigo completa dizendo que para existir uma melhoria da educação é necessária uma ação com o olhar multifatorial: "O maior investimento deve ser na condição docente, ou seja, no que diz respeito, a salário, carreira, formação inicial e formação continuada". 

Entre as características das piores escolas de São Paulo, a evasão escolar por conta da necessidade de trabalhar, é uma realidade. A Plataforma Juventude, Educação e Trabalho apontou que no Brasil, 39,1% dos jovens entre 14 e 29 anos abandonam os estudos para trabalhar.

Segundo o Ideb, em São Paulo no ano de 2020, 16% dos alunos nascidos em 2003 e matriculados em escolas públicas, abandonaram os estudos, essa porcentagem representa 1520 estudantes, número agravado por conta da pandemia.

Ratier falou sobre o abandono como algo que deve ser tratado não apenas como um número a menos de alunos, mas comoum grande problema. Oferecer auxílios e programas que podem ajudar os alunos que precisam trabalhar é o ideal para que o número de abandono diminua.

Fernando Cássio especialista em políticas públicas de educação, traz a problemática da evasão escolar, e relembra o termo usado por Paulo Freire “a expulsão escolar”, o especialista usa o termo para apontar que o aluno que abandona a escola é desmotivado por ela. A falta de uma boa infraestrutura, falta de professores e aulas presenciais sendo substituídas por remotas, são grandes desmotivadores do ensino.

Cássio completa dizendo “é muito fácil para os governadores colocarem a culpa da evasão nos alunos, sendo que os mesmos desmotivam os jovens a estudarem”, sinalizando o fraco investimento nas escolas por parte dos administradores da educação. Investimentos como: Laboratórios, ambiente agradável, mobília escolar. Que estimulam os alunos a continuarem dando segmento na vida escolar, são pensamento utópicos que ficam longe da realidade.

*Indicação de nome fictício.

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