O montanhismo ensina que o caminho não se resume ao destino, enquanto o processo é o verdadeiro objetivo do corpo e da mente
por
João Curi
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18/11/2024

Por João Curi

No alto. O que fazem lá, como chegam tão longe, o que comem, onde querem chegar, são perguntas comuns. Esse é o primeiro engano. Não tem nada de comum na escalada. Cada experiência é individual, mesmo subindo em grupo. Cada pulmão aguenta um determinado ritmo, cada perna desafia a altitude numa determinada dose de coragem e persistência.

Persista. E se o risco for alto demais, desista. Não tem vergonha nenhuma em voltar. A experiência é única. A vida também. O jogo não pode ser desbalanceado e o que importa é viver ao máximo no máximo. Não desperdice bateria com os fones no ouvido. Qualquer chamado da natureza é vital. Seja um bicho à espreita, o ronco das nuvens enegrecendo, ou a surpresa de uma companhia exploradora, tudo que toca os ouvidos é uma chamada indispensável.

Não perturbe. Passo a passo, a trilha vai ganhando curva e o tênis perde a firmeza do pé. As rochas, aglomeradas no caminho, requerem total atenção. É escorregadio, pontudo, nada convidativo. Desafiador.

Pedro Galavote é praticamente graduado em Jornalismo pela PUC-SP, já prestes a entregar o TCC, um documentário sobre escaladas e evidência artística de sua trajetória no montanhismo. Com as lentes, registra as experiências de subir e descer dos picos e montes do sul do Brasil, sem testemunhas, e as histórias que essas visitas temperadas de aventura lhe proporcionaram.

Montanhista posando à frente de um amontoado de galhos que bloqueiam a trilha
Pedro Galavote (Foto: acervo pessoal)

Decidido a estrear algum esporte, o coração jovem estava em busca de alguma novidade para se exercitar. Foi quando se deparou com vídeos de trilhas, montanhismo, alpinismo, e pegou gosto pela meditação guiada sobre as rochas. Já tinha certa experiência, mas nada elaborado. Na última aventura, subiu o Pico Paraná em quatro horas.A formação rochosa de granito e gnaisse está situada entre os municípios Antonina e Campina Grande do Sul, no conjunto de serra Ibitiraquire ("Serra Verde", em tupi), na Serra do Mar paranaense. O pico em questão é o ponto mais alto da região sul do País, chegando a cerca de 1877m acima do nível do mar.

Não conseguiu de primeira, confessa. Quando estreou, ainda este ano, tinha emendado a viagem de ônibus que, perturbado pelo ronco de um passageiro, o fez virar a noite com os olhos mal pregados. Cansado das mais de seis horas de estrada, amanheceu nervoso, sem tomar café e assim subiu.

Não muito tempo depois, já num ponto distante, sentiu a pressão baixar enquanto o corpo tentava subir. A montanha o desafiava a pensar num plano de contenção, que seguiu na montagem da barraca ali mesmo e, natureza à parte, uma noite sem roncos. O pesadelo viria ao acordar, vestido da frustração de ter que descer antes de chegar ao topo, mas era preciso. De pressão baixa, tão escurecida quanto a noite anterior, era arriscado de passar mal em algum trecho que o exigisse vencer os quinze, vinte quilos que carregava nas costas para escalar as rochas do trajeto em que os pés não teriam mais a mesma firmeza. Frustrado fica, mas é melhor voltar mais cedo do que não voltar. Estava sozinho, afinal.

Gosta assim porque é subindo, ele por ele, que acaba se conhecendo melhor, enfrenta e desvenda os próprios limites, e só tem que se preocupar consigo. Se chover, choveu. Se pesar o passo ele espera. Não tem pressa. Nem se compara aos corredores das alturas, adeptos do trailrun, que volta e meia ultrapassam o entusiasta pra voltar descendo pouco tempo depois. Não, o jogo dele é outro. Pedro gosta da imersão de se permitir meditar em meio à natureza, ascendendo corpo e mente numa experiência aberta e solitária, tão convidativa quanto perigosa. É uma paz, um sossego que só, afirma.

A mãe, por consequência, perdeu o dela e não vai dormir de preocupação. No começo foi difícil entender. Imagina! Deixar o menininho que ela carregou no colo, criou com o maior cuidado, assim sozinho no meio de uma montanha. E a chuva? Os bichos? E se chegar algum estranho e levar tudo, se ele se perder, se cair, se passar mal quem é que socorre? Toma cuidado, tem certeza que vai? Não quer levar alguém com você?

O filho, compadecido, foi convencendo com o tempo. Para acalmar a mãe preocupada, mostra o planejamento todo, desde o caminho traçado por profissionais até os equipamentos e as medidas de proteção. Informava a previsão de tempo, de vento, o itinerário, e garantia que sozinho não ficaria – pelo menos não o trajeto todo. Sempre vai passar alguém lá.

Essa é uma das magias do montanhismo. Entender que as pessoas que sobem e descem, assim como as flores e as aranhas do caminho, são minúsculas e efêmeras. As vidas vêm e vão, e o pico continua lá, lembrando que Pedro não passa de um sopro. Ele, os pais dele, avós, e futuramente os filhos, netos, bisnetos. Todos que passaram e passarão, que vêm e vão embora, tudo vai mudando enquanto a montanha permanece.

O tempo caminha lentamente nas alturas.

Quando chega ao topo, finalmente, abre o livro de registros e deixa a assinatura, junto à data, hora, e uma frase. É uma tradição nos cumes brasileiros, além de ser uma importante questão de segurança. Dessa forma, não só deixam marcada a vitória pessoal de cada montanhista como asseguram quem subiu e há quanto tempo.

Uma vez lá em cima, Pedro já não conta mais com o relógio. Respira fundo, acalma a vista e aprecia. Tudo, desde o lanchinho até a paisagem. Tira foto, passa café, monta acampamento, e aí chega a melhor parte: o cochilo da vitória. Esse é bom, viu? O prêmio merecido antes da descida. Porque subir é só a ida. E a volta?

Essa é uma viagem a parte.

Tem quem ensine a subir na vida

Seu Orlando é idealizador e proprietário da Triboo! Parque, um centro de treinamento de montanhismo em Itajubá, Minas Gerais, próximo à UNIFEI. Fundou o negócio em 2001, num outro ponto menor do que ocupa hoje, já com foco na caminhada e em equipamentos de escalada, um projeto que nasceu do TCC quando se formou em Administração em 1998.

A ideia foi ganhando forma, firmeza, e logo reuniu uma clientela fiel para sustentar o empreendimento e incentivar o esporte na região. Junto a mais dois funcionários, seu Orlando oferece a experiência segura e monitorada de escalar as formações rochosas. Primeiro, na parede de treino, depois num espaço mais controlado e natural. Tudo vigiado e com orientação de profissionais.

Até porque escalada não é brincadeira de criança – por mais que alguns buffets infantis tenham provem o contrário. O jogo aqui é justamente essa diferença. Não adianta achar que para subir uma montanha basta um tênis bom, pulmão forte e a coragem de subir. Não, longe disso. Altitude não requer só atitude, tem muito jogo de cintura e cabelo branco por trás.

Ninguém sobe sozinho. Até Pedro, que é adepto do montanhismo a um, segue o itinerário e as rotas que alguém antes dele já traçou. A comunidade se sustenta e se apoia à distância, mas o trabalho de Orlando é fazer isso de perto. Nos últimos anos, inclusive, os jovens têm se interessado mais pela ideia.

A nova tendência da juventude, talvez por obra e incentivo do algoritmo, tem conquistado espaço no cenário esportivo nacional. A escalada esportiva entrou no quadro olímpico em 2018, durante os Jogos Olímpicos da Juventude em Buenos Aires. Dois anos depois, nos Jogos Olímpicos de Verão em Tóquio, o esporte foi adicionado ao programa e se firmou na última edição, em Paris.

Em 2021, a Prefeitura de Curitiba anunciou o primeiro Centro de Treinamento Olímpico de Escalada Esportiva do país, com instalações ideais para as modalidades Boulder e Velocidade. As paredes novas foram construídas na área externa ao ginásio do Centro de Iniciação ao Esporte (CIE) Nelson Comel, na capital parananese, que já sediou as primeiras competições nacionais da modalidade.

Orlando, inclusive, destaca o vice-campeão brasileiro de escalada na etapa boulder, o escalador itajubense Davi Peres, que é aluno da Triboo e o orgulho da cidade. Esses olhares mais cuidadosos com o esporte acarretaram incentivo à preservação dos picos e maior respeito aos proprietários dos espaços de treinamento desse esporte que não é uma loucura dos jovens. Existe regra, tem uma forma segura e comprovada de conquistar a montanha, abrir uma rota, um caminho novo.

A Triboo, por exemplo, disponibiliza uma croquiteca com as rotas de escalada recomendadas para cada pico estudado pelos profissionais. O caminho é pedregoso, mas tem pavimento de quem já tem os pés calejados.

É um esporte que pode ser radical, é verdade, e por isso tem que aprender antes de fazer. Não dá para pilotar um carro sem aprender a dirigir antes. Para as montanhas, o caminho é parecido. Não adianta querer escalar o Everest de primeira. Todo mundo quer subir a Pedra do Baú, o Pico dos Marins, e acaba esquecendo que a subida não tem só flores.

Mas as pedras do caminho fazem parte do esporte. É tudo organizado, desde o grau de dificuldade até os equipamentos necessários para cumprir a missão de subir, porque para descer todo santo ajuda.

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A vida de Maria Leonilde é marcada por mudanças, desafios e superação, tudo costurado com a paixão.
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Marcello Toledo
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18/11/2024

Por Marcello Toledo

 

Nascida em Tietê-SP, no dia 14 de dezembro de 1945, Maria Leonilde Valentini, mais conhecida como “dona Nide” é uma dessas pessoas que parecem carregar no sorriso a história de uma vida inteira. Hoje com 78 anos, ela lembra com carinho dos altos e baixos de uma longa jornada, sempre acompanhada de sua inseparável máquina de costura. De linhas e tecidos, Nide tirou o sustento, fez amizades e encontrou forças para superar as dificuldades que surgiram no caminho.

Casada aos 18 e mãe de dois, ela passou por várias cidades, sempre carregando consigo o dom de transformar tecido em amor e sustento. Costurando desde os 24 anos, foi em São Manuel que ela deu seus primeiros passos na profissão, e de lá em diante, a costura nunca mais deixou de ser o centro da sua vida. Dona Nide conta que aprendeu tudo sozinha, não fez nenhum curso, apenas seguiu seu caminho e foi conquistando clientes.

Ali, como seu marido era motorista de ônibus,  ela fez muita camisa para os motoristas locais e costurou amizade com muitas das mulheres da cidade. Depois, vieram novas mudanças. Em São Paulo, ela trabalhou para uma confecção de Tatuí, onde ganhou experiência em larga escala. Mas a vida em São Paulo foi complicada e por conta do trabalho de seu marido. Foram obrigados a se mudar mais uma vez.

Dessa vez foram para Santa Rita do Passa Quatro onde as coisas foram muito turbulentas, com seus filhos relativamente grandes, dona Nide foi obrigada a trazer sustento para dentro de casa, pois seu marido não era nem um pouco solidário com sua família. Ficaram na cidade e logo se mudaram novamente, pois as coisas em Santa Rita ficaram muito complicadas financeiramente. Sua filha conta com muito orgulho que se não fosse o talento e a dedicação de sua mãe, teriam passado fome.

De volta a São Paulo, agora em Guarulhos, ela reencontrou freguesas antigas do bairro da Casa Verde, onde morou pela primeira vez. Elas foram verdadeiros anjos na vida dela, como dona Nide não tinha dinheiro para se locomover, suas clientes faziam questão de pagar o ônibus para que ela fosse buscar as roupas. Isso ajudou não só a se sustentar, mas também a ficar perto dos filhos, cuidando da casa e garantindo o mínimo de estabilidade.

Sergio, seu filho mais velho, já falecido, era homossexual e isso foi motivo de muitas brigas e discussões dentro de casa a vida inteira, pois seu Ênio, não o aceitava de maneira nenhuma. Além das dificuldades financeiras, dona Nide ainda tinha que segurar a bronca dentro de casa para que pudesse manter seu filho junto a familia, pois o desejo de seu marido era diferente. 

Então, tempo depois, dona Nide retorna a Tietê, sua cidade natal, mas agora sua vida tem outra reviravolta: ela descobre que seu filho acabou contraindo AIDS, o que piorou ainda mais as coisas, pois além das dificuldades familiares, a questão financeira não era fácil, então todos os exames, tratamentos e remédios, era dona Nide que pagava com o dinheiro da costura, pois seu marido se recusava a ajudar na maioria das vezes.

As coisas foram muito pesadas emocionalmente durante este período, sua filha mais nova Célia, também contribui  como podia para ajudar seu irmão, assim como sua clientela de costura que sempre deu todo tipo de apoio a dona Nide, pois sempre foi muito querida por todos.

Infelizmente, com 30 anos, seu filho acabou falecendo, foram momentos de muita dor, conta dona Nide. Logo após, também se cansou dos abusos de seu marido e acabou se separando, mas ela sempre se recusou a abaixar sua cabeça, sempre manteve o sorriso no rosto. Apoiada por suas freguesias e amigas, que já eram quase da família, dona Nide seguiu bem firme. 

Após tanta turbulência, ela encontrou uma nova chance ao lado de Ricardo Grando, um senhor de Cerquilho,cidade vizinha de Tietê, com quem viveu quase 14 anos. Lá, Nide ficou conhecida pelas arrumações e reparos de roupas das lojas da cidade. Conta que foi muito feliz ao lado de seu Ricardo, era um homem bom e honesto, sempre apoiou e tratou sua família como se fosse dele, principalmente seu neto Marcello, filho de Célia sua filha mais nova, seu Ricardo era muito presente em sua vida, o que deixava dona Nide ainda mais contente.. Mas, quando ele também partiu, a costureira voltou para Tietê, onde mora até hoje, costurando para amigas que conheceu ao longo da vida.

Por causa da costura e de seus esforços ela foi capaz de auxiliar nos estudos de sua filha e de seu neto financeiramente. Além do talento com as agulhas, dona Nide sempre soube administrar seu dinheiro, mesmo com as dificuldades nunca deixou ninguém passar fome e ainda mais, ficar sem estudar.

A casa de dona Nide até hoje é movimentada. É conhecida por suas clientes por ser uma pessoa muito doce e de um coração lindo, sempre receptiva com café, pães e bolos, além de sempre ter sido super elogiada por seu talento na costura, suas clientes não a trocam por nada nesse mundo. 

Além do mais, dona Nide ainda cuidou muito de sua mãe, Genoefa, que só com seus 94 anos foi ficar doente e parar na cama. Ela era quem ia em sua casa todo dia, cozinhar e limpar, até sua mãe finalmente descansar. Ainda hoje também cuida de sua irmã Alaíde que acabou ficando com Alzheimer.

Nide fala com carinho do que a costura representou para ela. “Foi o que me salvou”, conta. Quando a vida ficava difícil e o marido passava por problemas, a costura foi o que garantiu um dinheirinho e uma segurança. Com ela, conseguiu ajudar a sustentar a casa, os filhos, e, mais tarde, criar laços que a fortaleceram nos momentos mais duros.

Entre vestidos de noiva e trajes de carnaval, lembra de peças feitas com amor e dedicação. Costurou para festas, para formaturas, e nunca se esquece dos trajes para o famoso Baile do Havaí e para os blocos de carnaval da cidade. São histórias de vida entrelaçadas com as linhas que ela sempre costurou, fazendo dela uma parte de cada celebração.

Hoje, ao lado do neto Marcello, que é a paixão da sua vida, dona Nide olha para trás com gratidão, agradece a Deus pelo dom que lhe foi dado. Se não fosse a costura, ela diz, talvez não tivesse superado tanto. Para ela, cada ponto é um pedaço de tudo o que viveu, cada peça é uma lembrança – e costurar é sua maneira de dar sentido à própria história.
 

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Quando se percebe, a doença degenerativa já levou a pessoa muito antes de morrer.
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Catarina Pace
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05/11/2024

Por Catarina Pace

Dona Joaquina teve seu primeiro derrame aos 80 anos — um acidente vascular transitório, desses que “vão e voltam”. Quando se recuperou, ainda reconhecia todos ao seu redor. Seis meses depois, em julho, sofreu um derrame isquêmico que comprometeu partes do corpo, deixando-a com movimentos limitados, embora ainda lembrasse de algumas pessoas. No último derrame, ela perdeu a fala, deixou de reconhecer quem amava e precisou se mudar para uma casa de repouso.

A segunda vida de Dona Joaquina começou quando ela tinha 73 anos e foi diagnosticada com Alzheimer, mas ninguém na família sabia o que significava conviver com essa doença, que apaga, lentamente, as memórias de quem a enfrenta. Quem conta essa história é sua filha, Maria Irene, que não apenas sentiu a partida da mãe, mas também testemunhou o impacto dessa doença, que chega sorrateira e leva a vida embora, devagar, mas de forma inevitável.

O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa progressiva que afeta a memória, o pensamento e o comportamento. É a causa mais comum de demência, um termo geral para o declínio das funções cognitivas que interfere com a vida comum e as habilidades básicas. As células cerebrais começam a se deteriorar, formando placas e emaranhados de proteínas que prejudicam a comunicação entre os neurônios. Esse processo causa, aos poucos, uma perda da função cerebral e costuma envolver lapsos de memória, confusão e desorientação, dificuldade de planejamento e raciocínio e também, alterações de humor e comportamento. Com o tempo, os sintomas pioram e a pessoa perde habilidades essenciais, como falar, andar e cuidar de si mesma. Ela não tem cura, e mesmo com tratamentos que ajudam a retardar e tratar de algumas consequências, é difícil não ver a diferença na pessoa com o passar do tempo.

Para Irene, aceitar essa mudança foi doloroso, e colocar sua mãe em uma casa de repouso parecia inimaginável. Aos poucos, ela começou a ver os “lares de idosos” de uma forma diferente, uma perspectiva que só encontrou nesse momento difícil. Irene visitava sua mãe em diversos horários, conhecia todos os plantões, saía mais cedo do trabalho ou abria mão do almoço para estar ao lado dela. E mesmo assim, ela conta, com um sorriso no rosto, que Dona Joaquina sempre foi uma mulher de espírito leve e com alta autoestima — “mesmo gordinha”, gostava de si mesma e vivia bem com a vida, lembra.

Um dos maiores desejos de Dona Joaquina era ver seus filhos e netos formados, e conseguiu. Presente em todas as formaturas, dizia que a vida era perfeita como estava e que não queria mais nada. Com o avanço da doença, começou a esquecer os rostos que tanto amava, a família, sempre muito unida, sentiu um vazio crescente. Quanto mais ela se afastava, mais eles se viam sozinhos.

Para Irene, o fim da vida de Dona Joaquina foi um pouco diferente. Ela contou que foi muito mais difícil do que imaginava, que ver a pessoa que amava e que viu se dedicar tanto a ela nesse estado, vegetando, e não percebeu que também estava ficando doente. Estava cansada, esgotada e estressada. Um dia estava indo para a clínica visitá-la e do nada não reconheceu mais o caminho. Estava dirigindo e teve uma crise de ansiedade. Para ela, estava totalmente perdida. E assim foi seu primeiro contato com a síndrome do pânico decorrente do Alzheimer, que mesmo não tendo, sentiu nela a dor dessa doença.

Ela foi diagnosticada com depressão e síndrome do pânico antes da Dona Joaquina falecer, mas que foi agravando depois de sua morte. Quando ela percebeu que a doença de sua mãe era irreversível, ela foi piorando.

Além da doença da mãe, Irene soube lidar com a sua, mas sempre pensava se poderia se recuperar, se poderia continuar sendo forte nesse momento. Seu jeito brincalhão e divertido de ser levou a uma hipótese: as brincadeiras poderiam ser apenas uma maneira de esconder a depressão que já estava ali há algum tempo, talvez desde quando descobriu a doença da mãe, mas só foi expressivo quando se viu em um beco sem saída, quando sabia que não tinha mais volta.

Autor: Catarina Pace
Dona Joaquina e Maria Irene
Arquivo Pessoal

Outra experiência de contato com a doença é a de Davi Valentim, um neto que viu o Alzheimer tomar conta de sua avó. Diferentemente de Joaquina, para Davi, a vinda da doença de sua avó, Dona Yara, foi um processo mais natural, porque ela já mostrava sinais de esquecimento há algum tempo, o que para a família, vinha com o avançar da idade. Mas, após o diagnóstico, o esquecimento ficou mais intenso, até ela começar a esquecer dos nomes dos filhos e netos.

Davi se lembra que ele sempre foi o “moço bonito”, apesar de não saber seu nome, Dona Yara o marcou com o que podia se lembrar. Ele conta que apesar de um processo muito triste, também foi muito bonito, porque ela nunca se esqueceu de quem ela era ou das coisas que tinha paixão, em especial da música clássica, que sempre ecoava pelas paredes da casa onde passou o resto da vida.

Para seus netos, que cresceram ao lado da casa dela em Lorena, Dona Yara era uma constante. Passaram a infância por lá, quase diariamente, aproveitando a comida de vó e brincadeiras. Ela sempre os recebia com um sorriso, e mesmo quando já não podia cozinhar ou andar como antes, o amor e a gentileza dela ainda eram os mesmos.

Com o tempo, a doença avançou, e a situação se tornou ainda mais delicada depois do falecimento do esposo de Dona Yara, Antônio Carlos. A partir desse momento, o Alzheimer progrediu rapidamente. Ela começou a perder a noção de quem era sua família e já não conseguia se lembrar de ninguém ao seu redor. Davi conta que a família ficou muito abalada com a condição, sempre na cama, limitada pelas consequências da idade e pela doença que a dominou.

Ainda assim, ele guardou as melhores lembranças de sua avó, uma mulher amável e alegre, que sempre falava muito e ria como se não houvesse tempo ruim. Mesmo depois que ela parou de reconhecê-lo, ele jamais se esquecerá de quem ela era e de tudo o que viveram juntos. A imagem de Dona Yara, de alguma forma, nunca mudou: era ainda a mesma avó afetuosa e tagarela, cheia de alegria e amor.

Ele conta que no final da vida de Dona Yara, na última vez que ele a viu, ela estava recitando uma música clássica, umas das quais ela nunca esqueceu, e para ele, essa foi a parte mais importante de seu último encontro: mesmo não sabendo quem ele era, ou se lembrando de tudo que já viveram juntos, uma paixão ainda estava viva em sua mente debilitada.

Autor: Catarina Pace
Dona Yara e sua família
​​​​​Arquivo Pessoal 

 

O Alzheimer afeta principalmente pessoas acima dos 65 anos e é o principal tipo de demência no mundo, responsável por aproximadamente 70% dos casos da doença. A estimativa é que cerca de 50 milhões de pessoas vivem com a doença, número que deve aumentar nos próximos anos, devido ao envelhecimento da população. No Brasil, centros de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) oferecem tratamento multidisciplinar integral e gratuito para pacientes com a doença, além de medicamentos que ajudam a retardar a evolução dos sintomas da condição, que afeta 1,2 milhão de pessoas e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano.

Assim como Maria Irene e Davi, são muitas famílias que devem lidar com a doença e passar pelo trauma de ver quem amam terem a vida levada rapidamente por essa doença tão avassaladora, mas, as memórias, por mais dolorosas que possam ser, sempre terão um espaço no coração de quem fica.

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Transformações simbólicas fogem a negociação do Estado sobre o direito à terra
por
Antônio Bandeira
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18/11/2024

Por Antonio Bandeira

 

O momento era temido havia anos, desde a primeira visita de uma empresa de energia rotulada como “limpa” no município de Queimada Nova, em 2012. As visitas se tornaram mais frequentes quando a empresa italiana Enel Green Power apontou a região como favorável à energia eólica. As tensões cresceram, e em uma reunião, o impasse se instaurou. Nela estavam, em lados distintos da sala, as lideranças da comunidade quilombola Sumidouro e os representantes do empreendimento de energia eólica. A sala era abafada e as cadeiras estavam em círculo, no qual se esperava chegar ao consenso sobre o Plano Básico Ambiental Quilombola (PBAQ), um documento essencial para regulamentar os impactos das operações de energia renovável no território da comunidade. A reunião foi tensa desde o início. De um lado, os quilombolas defendiam que o plano deveria respeitar as particularidades culturais e ambientais de suas terras. Do outro, a empresa argumentava sobre os prazos e custos que as adaptações exigiriam, sustentando seus argumentos pela ideia de “progresso”. O mediador do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), sentado ao centro, tentava organizar as falas e acalmar os ânimos, mas o clima era de impasse. A medida tomada foi a de encerrar a discussão, sem avançar.

Esse primeiro conflito da reunião foi apenas o marco inicial da discussão que se arrasta há anos. Um debate que para Nilson José dos Santos, líder comunitário do Quilombo Sumidouro, membro da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí e radialista, não leva em consideração os danos imateriais e culturais dos empreendimentos de energia “limpa” no território quilombola. E tampouco freia os ímpetos da empresa. Nilson conta que viu de perto as construções começarem. Embora acompanhasse todas as mudanças que o estudo da empresa trouxe à comunidade local, ele não acreditava que o dia no qual as torres passariam a ser construídas de fato chegaria. A poeira da estrada de terra, levantada por caminhonetes e caminhões que chegavam ao local embaçando o ar, e o barulho dos motores e máquinas, que trabalhavam no local rompendo o som natural do espaço, ficaram marcados na memória do quilombola. Mas aquilo seria apenas o começo.

Os veículos carregados levavam aquilo que seria a primeira linha de transmissão, estruturas físicas que transportam eletricidade de usinas geradoras até as subestações e distribuidoras de Queimada Nova, localizada a cerca de dois quilômetros do quilombo. Ali estava de pé a primeira torre de medição, rompendo a linha do horizonte e passando a integrar a paisagem local. Paisagem de terras rochosas da caatinga, rodeadas de morros e serras, onde estão as casas feitas de argila, com telhas de barro, sem reboco e pisos de pedra dos quilombolas; e ao redor das casas, a vegetação natural do bioma: espécies arbustivas e herbáceas, plantas de pequenos a médio porte, com poucas folhas, galhos retorcidos, espinhos, raízes profundas e caules grossos. E no lugar da paisagem natural, agora estava a estrutura alta e metálica do Parque Eólico Lagoa dos Ventos.

A estrutura do parque contrasta com as características típicas das plantas adaptadas à seca. Entre essas espécies estão: aroeiras, umbuzeiros, mandacarus, paus d'arco, umburanas, marmeleiros, entre outras que se fazem fundamentais para a vida e a dinâmica locais e que são parte das construções das moradias. Compõem o cenário natural também as plantações (de milho, feijão, abóbora, algodão, mandioca, melancia, capim etc.) e as criações (de suínos, bovinos, aves e caprinos) nas quais os pequenos trabalhadores do quilombo trabalham e tiram seu sustento, agora rodeado por grandes torres de energia eólica.

De acordo com a tradição oral transmitida pelos mais velhos da comunidade, a origem do Quilombo Sumidouro remonta a 1861, quando uma família de pessoas escravizadas fugiu das “terras dos brancos” e se refugiou “nas pedras com água”. A partir de então, começaram a viver ali, e, aos poucos, acolheram outras famílias que se uniram a eles. Hoje vivem lá 23 famílias, que somam 115 pessoas.

Foto quilombo sumidouro
Foto: Reprodução

Há pouco mais de uma década a paisagem descrita vem sofrendo profundas alterações, desde as primeiras visitas das empresas. Com o avanço dos estudos, foi feita a instalação de algumas torres de mediação. Até que em 2017, a comunidade local se deparou com um empreendimento que passava a dois quilômetros do território. Não era ainda o gerador, mas uma linha de transmissão que ia da Bahia à Queimada Nova. Logo, uma linha virou duas, que viraram três, que viraram quatro. Os empreendimentos foram acontecendo de forma contínua, entre 2018 e 2021. No começo não se tinha dimensão dos impactos pela primeira linha gerada, mas, com os conhecimentos adquiridos com as construções, foram feitos estudos dos impactos. Então, foi utilizado esse conhecimento para realizar o estudo da segunda linha. Os estudos eram sempre baseados nos impactos gerados pela linha anterior. As linhas não são passageiras, e, sim, uma instalação, fazendo, agora, parte da vida dos quilombolas, que vão conviver com elas até o fim de suas vidas.

A instalação das linhas prejudicou significativamente o ecossistema, afetando tanto a fauna quanto a flora. A construção das torres requer a abertura de clareiras para a instalação dos equipamentos, o que implica a retirada de vegetação nativa e a degradação do solo. Com a fragmentação dos habitats, animais são forçados a migrar para áreas mais distantes. A relação da comunidade com a natureza faz parte da cultura e da sobrevivência local. O equilíbrio com o meio ambiente é fundamental para sua agricultura de subsistência e para a manutenção de suas práticas culturais.

Parque Eólico em queimada nova
Parque Eólico em Queimada Nova - Foto: Reprodução

A chegada dos empreendimentos marcou também o início da pressão fundiária. As terras do Sumidouro, como  boa parte das terras do estado do Piauí, são devolutas do Estado, ou seja, terras sem títulos e sem escritura. Com a chegada das eólicas, o Estado passou a dar títulos individuais às pessoas como meio de regularizar as terras, facilitando o processo de grilagem. Com isso, os proprietários dos títulos individuais arrendaram a área à empresa de implantação de torres. Hoje há uma concentração dessas terras onde antes existiam terras de uso coletivo, não apenas do Quilombo do Sumidouro, mas de famílias da agricultura familiar, como Nilson explicou.

O Quilombo Sumidouro foi certificado pela Fundação Palmares em 2003; em 2004, começou o processo de regularização fundiária e o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) foi publicado em 2022. Antes disso, porém, já com o RTID pronto, mas não publicado, áreas de dentro do território quilombola foram delimitadas e concedidasa indivíduos. O Incra acionou o Instituto de Terras do Piauí (Interpi), que suspendeu a emissão desses títulos. Esse episódio marcou uma disputa mais acirrada, que espalhou o medo pelo quilombo. Em 28 de novembro de 2023, a comunidade foi titulada pelo Interpi, mas isso não foi o suficiente para resolver o conflito em torno da terra. Apenas em maio de 2023, o Incra reconheceu e declarou como terra da Comunidade Remanescente de Quilombo Sumidouro uma área de 932 mil hectares, por posse por herança.

Nilson contou, também, que para a comunidade, principalmente para as pessoas de mais idade, a terra é sagrada. Há mistérios e histórias resguardadas pelos morros e serras que compõe o território. Hoje, a poluição visual corrói a paisagem, que se torna artificial, e a comunidade convive com a poluição sonora. Seus impactos fogem da lógica estatal de negociação por direitos à terra e os danos ultrapassam as questões materiais. Parte desses impactos são imateriais e incompensáveis, não podendo ser incluídos nas negociações por compensação.

O caso do Quilombo do Sumidouro não é isolado. Nos últimos anos, cresceu no Brasil a instalação de empreendimentos de energias ditas “limpas”, motivada pela transição energética que faz parte da estratégia do governo brasileiro diante do cenário de mudanças climáticas. Com um protagonismo alcançado a nível mundial, o Brasil constantemente bate recordes no quesito energia renovável. De acordo com um estudo da Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), apenas no ano de 2023, 93,1% da eletricidade total brasileira é derivada de fontes renováveis, passando desde a energia hidrelétrica, até a eólica, solar e usinas a biomassa.

Esses dados refletem uma visão midiática que reforçam um orgulho nacional, uma vez que o Brasil é o segundo país do mundo na liderança de fontes renováveis, atrás apenas da Noruega, de acordo com dados da Enerdata.

A busca por fontes de energia com menor impacto ambiental é fundamental no debate sobre o meio ambiente, mas carrega desafios e contradições que precisam ser abordados.O discurso da transição energética como a solução para os problemas energéticos e para as mudanças climáticas esconde os impactos sociais e ambientais dos grandes empreendimentos, como mostra a pesquisa “Vozes Silenciadas Energias Renováveis: a cobertura da mídia sobre a transição energética no Brasil, lançada pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, durante o G-20 Social, evento voltado para a sociedade civil em paralelo ao G-20 e que aconteceu de 14 a 16 de novembro, no Rio de Janeiro.

Segundo Soraya Tupinambá, pesquisadora do Instituto Terramar, em fala durante o lançamento da pesquisa, o vocabulário utilizado na transição energética é uma estratégia de “greening”. Ela afirma que a comunicação esconde os reais impactos e interesses dessa indústria transnacional, que não tem preocupação com o planeta. Soraya explica ainda que o Brasil aumentou a emissão de CO2 ao mesmo tempo que aumenta a produção de energia renovável considerando que o governo brasileiro promove a energia renovável ao mesmo tempo que promove a expansão de fósseis por todo o país como na foz do Amazonas, ou seja, é uma expansão da produção de energia e não a substituição de uma por outra. E faz isso usando um glossário verde, como ‘parques eólicos’, parque no seu imaginário é algo muito bacana, algo leve, bacana, gostoso, energia limpa. E complementa dizendo que toda a cadeia é ocultada por esses nomes.

Apesar dos diversos impactos sociais e ambientais que as comunidades tradicionais enfrentam com a instalação dos grandes empreendimentos em seus territórios, suas opiniões são pouco ouvidas: seja na ausência de consultas prévias e informadas às comunidades, que seriam obrigatórias de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), seja na apresentação de seus pontos de vista na mídia. Nataly Queiroz, uma das coordenadoras da pesquisa “Vozes Silenciadas Energias Renováveis” acha que mídia repercute a voz das empresas do capitalismo global, que lucram com os mega empreendimentos das energias renováveis, pois de todas as fontes citadas nas matérias analisadas na pesquisa, 28% vêm do poder Executivo e 27% de empresas do setor energético, enquanto apenas 1,4% das fontes são das comunidades tradicionais impactadas.

Carla Maria, representante do Movimento dos Atingidos pelas Renováveis (MAR), da Articulação dos Povos de Lutas do Ceará e a Rede Nacional de Mulheres Atingidas por Megaprojetos, defende que a transição energética seja diferente do modelo dos megaempreendimentos e favoreça os territórios onde são instalados. Para ela, o modelo de desenvolvimento defendido pelas empresas e pelo governo é predatório. Diz que todos que fazem parte das comunidades tradicionais estão sofrendo a parte negativa da transição energética, já que eles chegam nos territórios com promessas de desenvolvimento, e quando os moradores das comunidades se posicionam dizendo que não querem, porque conhecem os outros territórios que já foram impactados, são ameaçados de morte.

Os casos acima, principalmente o do Quilombo Sumidouro, exemplifica os impactos invisibilizados da expansão das energias renováveis, revelando como as comunidades tradicionais, como os quilombolas, enfrentam a perda de territórios, desequilíbrios ambientais e danos culturais irreparáveis. Apesar do reconhecimento recente de suas terras, os desafios persistem, evidenciando a necessidade de um modelo de transição energética que respeite os direitos dessas comunidades e incorpore suas vozes nas decisões, garantindo um desenvolvimento verdadeiramente sustentável e inclusivo.

 

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Meio Ambiente

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Três histórias que mostram a luta de quem vive para cuidar do seu bichinho de estimação.
por
Cristian Buono
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04/11/2024

Por Cristian Buono

 

Em um mundo onde a correria do cotidiano muitas vezes ofusca a vida daqueles que compartilham nosso planeta, um movimento silencioso, mas crescente, de compaixão e resiliência vem ganhando força. São as histórias de animais resgatados, cuidados, curados e amados por pessoas que se dedicam, muitas vezes, sem recursos e com pouca visibilidade, a salvar vidas indefesas. São essas histórias que inspiram, emocionam e nos lembram da importância de olhar para o outro, principalmente para os mais vulneráveis. 

As iniciativas de resgate animal se tornam pequenos faróis de esperança em um mundo muitas vezes impessoal e desumano. É a partir desse espírito de luta que surgem as narrativas de seres vivos, que, cada um à sua maneira, passaram por desafios extremos e encontraram em sua recuperação uma segunda chance, não só para eles, mas também para aqueles que se dedicaram a salvar suas vidas.

A primeira história, do Thales, começa de maneira triste e dolorosa, como tantas outras que acontecem nas ruas das grandes cidades. Em novembro de 2012, um funcionário de um hotel localizado na Alameda Santos, em São Paulo, encontrou um pequeno gato atropelado, abandonado na sarjeta. O animal, que parecia não ter esperança de sobrevivência, foi imediatamente levado à procura de ajuda. No entanto, os obstáculos começaram a surgir logo de cara. As organizações não governamentais (ONGs) que o funcionário procurou estavam todas com as vagas ocupadas, sem condições de resgatar mais animais naquele momento.

Foi quando a Dra. Claudia Tomasetto, proprietária de uma clínica e pet shop na Vila Mariana, tomou conhecimento da situação. Ela, que já lidava com casos de resgates e cuidados veterinários, não hesitou em ajudar. Thales, como o gatinho foi batizado, foi recebido em seu pet shop, mas a situação não era simples. Claudia afirma que foi o caso mais complexo que já atendeu, pois o animal havia sofrido múltiplas fraturas pelo corpo, além de escoriações e lesões graves. O diagnóstico inicial era ruim, mas, com o apoio da Dra. Claudia e de uma equipe médica dedicada, o gatinho passou por duas cirurgias complexas, nas quais pinos e placas de titânio foram colocados para estabilizar seus ossos fraturados.

O processo de recuperação foi longo e difícil. Cada passo dado por Thales era uma vitória, uma superação das adversidades que pareciam insuperáveis. Com o tempo, o gato foi se tornando mais forte, mais ágil e, o mais importante, mais feliz. Sua história de recuperação emocionou todos os envolvidos no resgate e, eventualmente, Thales encontrou seu lar definitivo com Adriana, ex-funcionária do pet shop Patotinhas. Ela não resistiu ao charme do pequeno guerreiro e o adotou. Hoje, Thales é um gato saudável e espertíssimo, embora ainda carregue consigo a lembrança do sofrimento que viveu. Ele é a alegria da casa de Adriana, e sua história é um símbolo de que, mesmo nos momentos mais sombrios, é possível encontrar luz e renovação.

Thales
Reprodução: Foto tirada pelo tutor

Se a história de Thales é marcada pela superação de um animal, a trajetória de Cecília Beatriz Migueis é um exemplo de dedicação e transformação humana. Aos 45 anos, Cecília, uma psicóloga de carreira sólida, sentiu a necessidade de fazer mais pelos animais. Ela já realizava resgates, castrações e feiras de adoção há mais de 20 anos, mas sentia que sua contribuição poderia ir além. Foi então que, com uma coragem admirável, ela decidiu retomar seus estudos e prestar vestibular para Medicina Veterinária, um desafio considerável para alguém que não entrava em uma sala de aula desde a juventude.

Aos 45 anos, Cecília se inscreveu no vestibular e, para sua alegria e surpresa, foi aprovada na Universidade de São Paulo (USP). Com muita determinação, ela se dedicou aos estudos e concluiu o curso com êxito, realizando o sonho de sua vida. Hoje, ela atende em uma clínica no bairro do Ipiranga, mas afirma que não vai abandonar sua verdadeira paixão: o resgate e a adoção de animais. Cecília continua organizando mutirões de castrações gratuitas e feiras de adoção a cada 15 dias, fazendo a diferença na vida de centenas de animais que, sem sua ajuda, poderiam estar perdendo a chance de um futuro melhor. Sua história é um exemplo claro de que nunca é tarde para mudar, para aprender e, principalmente, para fazer a diferença na vida dos outros.

Em abril de 2023, a cidade de Santos foi palco de mais uma história de resgate que comoveu o Brasil inteiro. Eliseu, um gato encontrado no telhado de uma casa no bairro Areia Branca, estava em estado crítico: desnutrido, desidratado e com uma infecção generalizada. Sua condição era tão grave que ele mal conseguia se mover. Ele foi imediatamente resgatado pela ONG Viva Bicho, que, ao ver a gravidade do quadro, internou o gato para um tratamento intensivo.

O tratamento de Eliseu não foi fácil. Ele estava tão debilitado que precisou de uma transfusão de sangue, que provocou duas paradas cardíacas. A equipe da ONG, no entanto, não desistiu e lutou incansavelmente pela vida do felino. Eliseu foi colocado em um tratamento com oxigênio e tapete térmico para melhorar sua circulação e temperatura corporal, e os primeiros sinais de melhora começaram a aparecer. Após 15 dias de intensivo, ele engordou 600 gramas e começou a desenvolver musculatura nas patas. Sua recuperação, no entanto, não foi linear. Houve momentos de instabilidade, em que parecia que o progresso havia desaparecido, mas a ONG e a comunidade não desistiram.

O que aconteceu a seguir foi um milagre. As redes sociais se encheram de mensagens de apoio e carinho para Eliseu, com pessoas doando energia positiva para o animal. A hashtag #EliseuVive ganhou força, e logo a história do gato se espalhou pelo Brasil. O apoio da comunidade foi fundamental para sua recuperação, e, poucos dias depois, Eliseu começou a mostrar sinais de que estava pronto para enfrentar a vida. Ele deixou o hospital, começou a andar e a brincar novamente. Sua história inspirou tantas pessoas que, após a recuperação completa, a ONG decidiu não colocá-lo para adoção. Eliseu se tornou o símbolo de esperança da ONG Viva Bicho e, em um gesto de homenagem ao animal que inspirou tantas vidas, a instituição mudou seu nome para *Instituto Eliseu*.

Eliseu
Reprodução: ONG Viva Bichos

Hoje, Eliseu é um gato saudável e feliz, vivendo na sede da ONG, que dobrou de tamanho e passou a atender gratuitamente animais de tutores de baixa renda. A história de Eliseu não só salvou uma vida, mas também gerou uma onda de solidariedade que aumentou as doações e o número de associados à causa. Eliseu, com sua história de superação, tornou-se um farol de luz para aqueles que enfrentam desafios pessoais, sendo uma verdadeira inspiração para aqueles que, como ele, estão lutando pela vida.

Essas histórias de resgates e superações não são apenas sobre animais. Elas são também sobre pessoas. São histórias de coragem, dedicação e solidariedade. São relatos que nos mostram como, com amor e determinação, é possível transformar dor em esperança, sofrimento em alegria, e solidão em companheirismo.

O trabalho de resgate animal no Brasil, embora admirável, não é fácil. Ele enfrenta obstáculos financeiros, falta de apoio institucional e, muitas vezes, o desinteresse da sociedade. No entanto, essas histórias provam que, quando as pessoas se unem por uma causa maior, milagres acontecem. Thales, Cecília e Eliseu são apenas três exemplos do poder do resgate animal, mas existem milhares de outros por trás das cortinas dessa luta silenciosa.

O que essas histórias também ensinam é que cada vida tem um valor imenso, e que a solidariedade e o amor podem transformar qualquer realidade, por mais difícil que ela seja. Seja através de um ato simples de resgatar um animal na rua, ou da dedicação incansável de pessoas como Cecília, que mudam a sua vida para salvar a vida de muitos outros resgatando animais que precisam de acolhimento.

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Fernando Haddad (PT), Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia (PSDB) lidam com histórico de padrinhos políticos e nacionalização das eleições no maior colégio eleitoral do país
por
Julia Rugai e Malu Araújo
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01/10/2022

 

 

No maior colégio eleitoral do país, a disputa pelo Palácio dos Bandeirantes se assemelha, cada vez mais, à corrida pela cadeira presidencial.  Em meio à onda de incertezas dessas eleições, o Estado que ainda têm em sua memória mais recente a força do antipetismo, se esquiva do bolsonarismo presente e parece colocar o legado tucano do Estado de São Paulo em uma posição diferente dos pleitos anteriores. 

Segundo a última pesquisa Datafolha, publicada na quinta-feira (22/9), os três candidatos que se mantêm à frente na corrida mostraram oscilações. Os números mais recentes revelam que o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), atual líder nas pesquisas,  marcou 34% contra 36% do último levantamento, Tarcísio de Freitas (Republicanos) subiu de 22% para 23% e o atual governador Rodrigo Garcia (PSDB) manteve a intenção de 19%,  dentro da margem de erro de dois pontos percentuais para mais e para menos.  

 

Foto: Reprodução Instagram @fernandohaddadoficial


 

Reflexo nas campanhas

 

Por mais que tenha mantido uma certa estabilidade nas pesquisas anteriores, Haddad oscilou negativamente, dentro da margem de erro nos resultados mais recentes. Apesar do crescimento de seus adversários, a cúpula do petista enxerga o lado positivo da moeda. Em conversa com o ContraPonto Digital, Nunzio Briguglio, coordenador da campanha de Haddad, afirmou que as últimas oscilações nas pesquisas mostram um acomodamento natural. “Nem piso, muito menos teto, apenas o balanço da onda das pesquisas”.

 A campanha escolheu por não comentar o aumento percentual do adversário tucano que, em um eventual segundo turno contra o candidato petista, utilizaria o legado do partido no Estado para angariar votos.  

Haddad tem se apoiado na figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atual candidato ao Palácio do Planalto, desde o início de sua campanha. Movimento que o ajuda a agregar votos do lado mais progressista do estado, mas que também pode ser uma barreira para seu crescimento, principalmente nas cidades do interior que ainda se apoiam nos governos tucanos. 

Há mais de 27 anos governado pelo PSDB, o eleitorado de São Paulo começa a dar indícios de que procura conhecer o atual governador e candidato à reeleição Rodrigo Garcia. Ainda que o movimento seja tímido, agora, o candidato se encontra empatado tecnicamente com o candidato do Republicanos. 

Em nota, a assessoria da campanha diz que se apega nestes números, mas avalia se deslocar levemente do discurso anti polarização utilizado até o momento.  “O Rodrigo nunca foi candidato a cargos majoritários, então é natural que as pessoas queiram saber sua história e é isso que nós estamos fazendo agora na eleição. Mostrando quem é o Rodrigo e que é um projeto de continuidade daquilo que se fez desde 1994 quando Covas ganhou a eleição”, pontuou o presidente do PSDB em São Paulo, Fernando Alfredo. 

 

Foto: Reprodução Instagram @rodrigogarciaoficial

 

Diferente de seus adversários, Rodrigo Garcia recusa a ideia de ser “apadrinhado” por outra figura da política atual, “o meu padrinho é toda a minha história”, declara.  Seu movimento até este momento da corrida é o de se desvencilhar da imagem do ex-governador paulista João Doria, que deixou o cargo com uma rejeição de 36%. Ao que tudo indica, Garcia permanecerá neste caminho, evocando personagens mais antigos do partido como a família Covas.  

O candidato comenta seus mais de 20 anos de vida pública e diz que não está na corrida para defender presidente da República ou a esquerda que, como avalia, quer chegar ao poder. “Estou aqui para defender São Paulo, para defender aquilo que acredito”. 

   Em contrapartida a nacionalização que Haddad e Tarcísio tem projetado em suas campanhas, o candidato Rodrigo Garcia faz o movimento oposto, fugindo de qualquer vinculação ao seu “antipadrinho”, João Dória. “Se o Dória fosse candidato poderia ser pior para o Rodrigo, sem a figura do Doria ele não é cobrado”, explica Marco Antônio Teixeira, doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e docente de Ciência Política na FGV-SP.

   Ao mesmo tempo que Garcia não se apoia em ninguém, a união com a imagem desgastada de Dória, somado ao seu rol de desavenças políticas com o próprio PSDB “o enfraqueceria mais”, pontua Teixeira.

Já o ex-ministro de Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), continua próximo da figura do atual Presidente da República e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). A proximidade das duas campanhas havia sido questionada, no início da corrida eleitoral, por integrantes da cúpula do presidente diante da falta de posicionamento de Tarcísio em pautas da agenda bolsonarista. A estratégia, porém, era apaziguar o tom, afinal, o Estado de São Paulo demonstra a rejeição de 53% ao governo de Jair Bolsonaro. 

 

Foto: Reprodução Instagram @tarcisiogdf

 

Ainda assim, a campanha  avalia que, desde o início das pesquisas, o apoio do presidente não deixou de ser uma alavanca para o crescimento de Tarcísio. Em nota, a assessoria da campanha informou que enxerga a rejeição do mandatário como algo natural devido ao momento de crise que o país atravessa. “O que vemos é que o governo federal tem conquistas e entregas importantes e Tarcísio vem sendo porta-voz disso”, afirmam. De acordo com a campanha, a presença do Presidente da República na estratégia continuará.

A assessoria da campanha ainda comentou o empate técnico do atual governador Rodrigo Garcia em relação ao ex-ministro, nas pesquisas mais recentes do Datafolha. A campanha interpreta que a pesquisa confirma que Tarcísio segue na frente. “Apesar dos intensos ataques da campanha do Rodrigo Garcia, todas variações estão na margem de erro.” A campanha do candidato do Republicanos se agarra no que nomeia como “voto mais convicto”. 

 Mediante as estratégias políticas usadas nessas eleições, o uso das candidaturas paulistas como palanque eleitoral é um dos efeitos da via de mão dupla ocasionada pela nacionalização das campanhas. Segundo Teixeira, o impacto de Haddad e Tarcísio na campanha de Lula e Bolsonaro é justamente a força de palanques “competitivos” no estado de São Paulo, o que reflete e mensura a disputa nacional dessas eleições.

 

Conservadorismo e antipetismo

 

  Fato é que São Paulo possui um “cinturão do conservadorismo” em sua base eleitoral, demonstrando pontos de polarização ideológica marcados por uma  divisão muito forte entre capital, interior e litoral. Dentro do estado existe: “o eleitor de São Paulo sendo mais progressista, o eleitor do interior mais conservador e do litoral é uma mescla, dependendo da cidade é mais conservador, ou mais progressista”, frisa a cientista política da Universidade Federal de São Carlos, Maria do Socorro Braga.   Essa repartição não é rígida, porém ela possibilita que as candidaturas enxerguem com mais clareza as regiões com maior ou menor possibilidade de voto dentro do estado. 

  O cientista social  Marco Antônio destaca a “esperança” de Rodrigo Garcia no apoio que vem da “periferia para o centro”, ou seja, do “interior para a grande cidade”. Segundo o professor, o candidato está “confiando” na influência que os prefeitos locais possuem no eleitorado dessa região. Embora isso possa ocorrer,  "neste momento a gente não vê uma outra divisão no Estado de São Paulo que não esteja apontando para essa polarização”, conclui Teixeira. 

 

Cientista Social Marco Antônio Teixeira em entrevista com a repórter Malu Araújo- Foto: acervo pessoal. 

 

  Já a  cúpula do candidato petista, enxerga que o partido tem utilizado sua experiência e administrado as principais cidades do Estado, a fim de minimizar a força do antipetismo nas outras cidades. O coordenador da campanha de Fernando Haddad, Nunzio Briguglio, aponta que os eleitores parecem não se sentir representados pelo “oportunismo de outras candidaturas''. De acordo com ele, nunca uma campanha do PT encontrou tamanha receptividade no interior de São Paulo, embora a rejeição de 36% do candidato no Estado.  

 

Possíveis rumos

 

O reflexo dos presidenciáveis nas campanhas dos candidatos ao governo de São Paulo estará ligado diretamente a um olhar geral do que foi cada governo, destacam os cientistas. “Temas por exemplo: onde que o país estava melhor? Agora no governo Bolsonaro ou era no governo Lula? Onde de certa forma se desmatava mais? No governo Lula ou no governo Bolsonaro? Onde se buscava ter maior interação com o setor produtivo? No governo Lula ou no governo Bolsonaro?”, segundo Teixeira essas questões vão chegar no âmbito estadual e impactaram de alguma forma as campanhas dos candidatos.

Um  dos questionamentos que podem ser feitos ao candidato do Republicanos é sobre sua capacidade de governabilidade do estado, visto que “ministro não é chefe do executivo, não é Governador, não é presidente”, enfatiza Marco.

Já a cientista política Maria do Socorro aponta que o cenário que se desenha para outubro pode ser de desvantagem para o petista Haddad no segundo turno, devido à possível união entre os partidos para derrubar o candidato.  “No segundo turno é que vai ser o problema [...] é possível que todo esse pessoal [ PSDB e Bolsonaro] se una para o Haddad não vencer”, afirma Maria.

Dentro das incertezas que restam até o dia 2 de outubro, uma já está no radar da especialista política: se o PSDB perder as eleições do maior colégio eleitoral do Brasil, o qual lhe conferiu enorme credibilidade durante 28 anos, “a tendência é se transformar num nanico assim, em 2026 você vai ter um partido nanico competindo, mas bem pequenininho”, encerra a cientista social Maria do Socorro.

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Cidades

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Sem aliados, o movimento tenta se manter vivo politicamente usando as mesmas estratégias eleitorais do pleito de 2018
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Raphael Dafferner e Lucas Martins
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25/09/2022

O Movimento Brasil Livre lançou novos candidatos tanto à Assembleia Legislativa, quanto à Câmara Federal para as eleições de 2022, em São Paulo. Os candidatos possuem o objetivo de tentar recuperar, no âmbito estadual, a força do movimento, que, de 2020 para cá, tem sido alvo de escândalos.

O MBL vem de uma série de derrotas políticas. Além da cassação do ex-deputado Arthur do Val - também conhecido como Mamãe Falei -  (União Brasil) após o vazamento de áudios sexistas durante a sua viagem à Ucrânia após o início da guerra contra a Rússia, a saída Fernando Holiday (Novo) e o rompimento com o bolsonarismo durante a pandemia da Covid-19 enfraqueceram o movimento.

A professora da PUC-SP, e cientista política especialista em estudos eleitorais, Rosemary Segurado, destaca que o rompimento com o bolsonarismo no meio da pandemia da Covid-19 foi outro duro golpe ao movimento:

“Romperam com o Bolsonaro mas não rompem com os principais princípios defendidos pelo bolsonarismo, então eles ficam sem lugar, pois já tem o bolsonarismo, que é uma parcela consolidada do eleitorado, que não é o caso deles”. 

A crise no MBL

A crise se agravou em maio deste ano, quando o então deputado estadual, Arthur do Val, teve seu mandato cassado.

Em março, o ex-parlamentar usou expressões misóginas para se referir às refugiadas ucranianas, e declarou que “elas eram fáceis porque eram pobres”. Além disso, do Val falou sobre uma viagem que um dos líderes do MBL, Renan Santos, fazia anualmente à Europa Oriental para se relacionar com mulheres loiras. A excursão se caracterizaria como turismo sexual.

Mamãe Falei teve seu mandato cassado com 73 votos a favor e nenhum contra.

A professora afirma ainda a pauta da defesa dos valores morais na sociedade sempre foi uma das bandeiras do MBL, e que, portanto, o vazamento dos áudios sexistas de Arthur do Val é um importante fator que ajuda a explicar a sua queda de influência recente, por conotar uma certa hipocrisia.

“O peixe acabou morrendo pela boca. Em 2019, eles organizaram um protesto em uma exposição queer em Porto Alegre e com um discurso muito conservador e preconceituoso, mas aconteceu o que aconteceu com o Arthur do Val. Caíram-se as mascaram e acabaram se enfraquecendo”, afirmou.

Ademais, segundo a professora, a falta de apoio a Arthur do Val durante seu processo de cassação por parte de outros partidos, simboliza um isolamento do MBL ocasionado por uma divisão das direitas após divergências com o atual governo.

A efeito de comparação, o também Deputado Estadual Fernando Cury (União Brasil) teve apoio na Casa após assediar a parlamentar Isa Penna (PC do B). Ele foi punido com a perda do cargo por apenas 119 dias.

O MBL ganhou notoriedade ao se destacar durante grandes mobilizações da direita, como as manifestações antipetistas e a ascensão bolsonarista. Portanto, após o impeachment da ex-presidente Dilma e todos estes golpes, o movimento começou a enfraquecer.

Além de Arthur do Val, outro duro golpe que abalou o movimento foi a saída de Fernando Holiday para ingressar no Partido Novo. 

Holiday anunciou sua saída do MBL em janeiro do ano passado. Em seguida, ele se filiou ao Partido Novo - antes era ligado ao Patriota. Segundo declaração do vereador na época, um dos motivos de sua saída foram algumas divergências quanto à importância das causas LGBTs e da luta contra o aborto para o movimento.

Apostas que se mostraram erradas do movimento também acabaram acarretando em perda de notoriedade. No âmbito federal, o MBL apostou em duas candidaturas à presidência que não se firmaram. Primeiro o comediante Danilo Gentili, apoiador das ideias neoliberais, e, posteriormente, o ex-juiz e atual candidato ao Senado, Sergio Moro.

Atualmente, o movimento tenta sobreviver na política com novos nomes, mas mantendo o mesmo discurso, e as formas de propagar as ideias.

“Por outro lado, em termos mais eleitorais, a estratégia segue a mesma. Muita ênfase nas pautas culturais, no choque com a esquerda, um pouco do sensacionalismo. O que se vê é que essa estratégia, que funcionou para eles antes, ainda segue sendo praticada”, afirma Caio Marcondes especialista em comportamento eleitoral e direita brasileira, e doutorando em Ciência Política pela USP.

Marcondes, no entanto, ressalta que, mesmo após as falas machistas de Arthur do Val, o movimento ainda tem uma base fiel que o apoia:

“É importante notar que o Arthur do Val não é candidato porque teve o mandato cassado. Mas se ele se lançasse ao legislativo, a chance de ele se eleger era muito alta. Apesar do escândalo que abalou a imagem dele, ele ainda tinha uma imagem muito positiva com uma margem grande de eleitores. Mesmo caso do Gabriel Monteiro do Rio, que consegue mobilizar uma base muito grande de seguidores”.

Apostas para a Alesp

Uma das candidaturas do MBL nas eleições à Assembleia Legislativa de São Paulo é Amanda Vettorazzo. Segundo Caio Marcondes, a candidata à Assembleia Legislativa de São Paulo tem grandes chances de se eleger.

“Já vi vídeos da Amanda Vettorazzo tentando polemizar com bolsonaristas, se colocando uma alternativa à direita. O potencial está aí”, afirma Marcondes.

Em contrapartida, Rosemary Segurado não crê o MBL terá tanto sucesso na competição com o Bolsonarismo:

“Eles lançaram três candidatos à Alesp, e eles estão planejando uma campanha com o olho no retrovisor em 2018. Se eles conseguirem eleger um, já está ótimo”.

Segurado afirma ainda que o eleitorado, diferentemente das eleições de 2018, está mais focado em candidatos com experiência na política e presentes no campo progressista, o que pode ser mais um empecilho ao movimento.

A especialista completa ainda afirmando que o MBL perdeu muito espaço após o rompimento com o bolsonarismo, o que tirou muito do seu poder de mobilização.

“As últimas manifestações convocadas pelo MBL foram desprezíveis do ponto de vista numérico, de repercussão. Eles estão voltando pro lugar que eles estariam se não fosse a Lava Jato, o impeachment da Dilma e a onda bolsonarista. Então eles começam a perder um pouco desse espaço”, ressaltou.

Candidatos do movimento, na ambição de conquistar uma das 94 cadeiras da Alesp, costumam defender, além das pautas de costumes, o controle do orçamento, uma diminuição do Estado e uma menor intervenção do governo na economia.

“Tenho o Estado tatuado no meu braço. E eu defendo muito que o orçamento fique aqui em São Paulo, e não vá todo para Brasília. Essa é minha principal luta”, afirmou Amanda Vettorazzo em entrevista ao ContraPonto Digital. 

Além disso, a candidata tentou se descolar da imagem de Arthur do Val, apesar de minimizar a fala do colega:

“Eu acredito que [o caso do Arthur] não vá me prejudicar. Isso já passou, ele já pediu desculpa e pagou caro, até demais, pelo que fez. Já pagou pelo áudio que, claro, não é bacana. Eu até repudiei na época, mas não repudio o trabalho que ele faz e que eu tentarei seguir na Alesp, que é a luta contra privilégios”.

Outra aposta do MBL para este ano é Guto Zacarias (União Brasil).  Como um homem negro conservador que se opõe às cotas, o candiato busca emular a dinâmica de Fernando Holiday (Novo), mostrando-se um forte opositor da esquerda.

“O cara tá com a camiseta do Lula, bora discutir? Fica com camiseta de bandido aí mano”, questiona o candidato para a Assembleia Legislativa de São Paulo em um de seus vídeos para sua página no TikTok. 

O ContraPonto Digital tentou contato com Guto Zacarias, que não respondeu aos pedidos de entrevista.

Apostas para a Câmara de Deputados

Para a Câmara de deputados, o MBL lançou Cristiano Beraldo (União Brasil), ex-secretário do turismo da cidade do Rio de Janeiro, posto que deixou para assumir a coordenação da campanha de Arthur do Val ao Governo de São Paulo. Porém, após o escândalo dos áudios e a retirada da candidatura de do Val, Beraldo decidiu concorrer à deputado. 

Em sua campanha, Kim busca se mostrar como alternativa à direita. O forte uso das redes sociais e de termos utilizados pela juventude é uma grande aposta do candidato para tentar conquistar o público jovem. 

O ContraPonto Digital entrou em contato com Cristiano Beraldo, que decidiu não responder aos questionamentos feitos. Kim Kataguiri também não quis dar entrevista. 

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Aplicativo de viagens explora mão-de-obra e repassa ainda menos ao trabalhador
por
Isabela Mendes
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22/09/2022

São Paulo, 20/09/2022 - Os motoristas do aplicativo de viagens Uber têm sofrido com o aumento da precarização do trabalho pela plataforma nos últimos meses. Com a elevação da tarifa sobre o valor das corridas e a redução dos direitos, os trabalhadores se veem desamparados pelo do aplicativo.

A falha da Uber em oferecer condições de trabalho dignas a seus associados não é novidade. Em março deste ano, por exemplo, a empresa constava na lista de aplicativos que não provêm boas condições laborativas, ao lado de outras plataformas conhecidas por ofertarem trabalho semelhante, num movimento chamado de “uberização do trabalho”. São elas: iFood, 99, Get Ninjas, Rappi e Uber Eats, ramo da companhia voltado para o delivery de comida. O estudo foi elaborado pelo Oxford Internet Institute em parceria com WZB Berlin Social Science Centre, e foi denominado “Fairwork Brasil 2021”.

No mesmo mês, a plataforma anunciou um reajuste de 6,5% na taxa a ser retida nas corridas e, com o aumento constante no preço dos combustíveis, para muitos motoristas, o trabalho – que já era precário – passou a não compensar mais.

Perguntado sobre as condições para trabalhar oferecidas pela empresa, Marcello Del Vecchio, estudante de geografia na Universidade de São Paulo (USP), metalúrgico e motorista da Uber aos finais de semana, dispara: “Então, ‘mano’, não é o justo, ‘tá ligado’? Pelo menos não era o justo antes da pandemia. Também teve toda essa alta do combustível, e aí muitas pessoas foram deixando de fazer, e eles foram ‘obrigados’ a aumentar a tarifa. E também não tem nenhuma garantia de acidente, roubo… O Uber nada mais é do que um aplicativo de recepção de chamadas”. “A empresa pega um ‘tecão’ de mais de 25% pra ela e você que se vire”, afirma.

No entanto, devido à atual conjuntura econômica do país, marcado por 11,3 milhões de desempregados e um aumento histórico no número de trabalhadores na informalidade, isto é, aderindo à chamada “pejotização” ou à onda forçada dos MEIs (microempreendedores individuais), Marcello confessa ainda ser necessário se submeter às corridas exaustivas e mal-remuneradas para complementar a renda mensal. 

“A Uber nesse momento é o que me salva, ‘tá ligado’? É uma graninha que entra, já dependi muito da Uber para pagar as minhas coisas, pagar meu carrinho...”, explica.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui 38,7 milhões de trabalhadores sem carteira, alcançando uma taxa de informalidade de 40,1%. 

Em dezembro do ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL)  1665/2020 que garantia seguro contra acidentes e afastamento por infecção pela covid-19 a entregadores de aplicativos como iFood, Loggi, Rappi e Uber Eats, ou seja, plataformas de entregas. O aplicativo de viagens, porém, não foi incluído no projeto. Apesar do aparente avanço, a proposta não configurava vínculo empregatício entre o autônomo e a plataforma, e foi pensada para durar apenas até o fim da pandemia no país, decretado em maio deste ano pelo Ministério da Saúde. 
 

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Escolha de nomes para a composição de candidaturas considera representatividade e articulação política, e deve ser decisiva na conquista por apoio do eleitorado neste ano
por
Daniel Seiti Kushioyada, Gabriela Costa e Maria Luiza Marinho
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19/09/2022

Cinco vice-governadores assumiram o governo de São Paulo nos últimos seis mandatos. Quatro deles herdaram a posição porque os titulares deixaram o posto para disputar as eleições presidenciais. Apesar da forte presença das figuras dos vices no estado, para o pleito deste ano, dois dos três principais nomes foram definidos somente nas duas semanas finais do prazo de registro de candidaturas, encerrado em 15 de agosto.

Fernando Haddad (PT) designou Lúcia França (PSB) no dia 5 de agosto. Rodrigo Garcia (PSDB) confirmou Geninho Zuliani (União) no dia anterior — nome que quase sofreu impugnação após ser contestado pela Procuradoria Regional Eleitoral em São Paulo (PRE-SP) por contas rejeitadas e por ter sido condenado por improbidade quando era prefeito de Olímpia. O único dos três principais candidatos que já tinha um vice definido previamente era Tarcísio de Freitas (Republicanos), com Felício Ramuth (PSD), em uma chapa estabelecida desde o início de julho. O deputado federal Vinicius Poit (NOVO) teve a sua candidatura confirmada para o governo do estado de São Paulo no final de julho, tendo como vice Doris Alves (NOVO). Elvis Cezar (PDT) confirmou no dia 4 de agosto que a sua vice seria Gleides Sodré (PDT).

Diante da importância da escolha de nomes para a formação das chapas, a diversidade na identificação da figura dos vices foi interesse de alguns candidatos. "Temos o exemplo da Marina Silva (Rede). O Haddad foi atrás dela, porque seria uma boa vice e ocuparia esse espaço de diversidade por ser preta, mulher e com pautas. Mas ela recusou por suas divergências com PT e também porque preferiu ser candidata à deputada federal", comenta o cientista político e professor da PUC-SP, Eduardo Viveiros. Essa mesma pressão para o fechamento da chapa era colocada sobre o candidato Rodrigo Garcia, antes de definir Geninho para a posição.

 

O trampolim de governadores

São Paulo é a unidade federativa mais populosa e rica do Brasil. Dessa forma, a disputa pelo cargo de governador deste estado é considerada a segunda mais importante do país, atrás somente da corrida presidencial.

“Você tem um estado que é protagonista no país em uma área que é muito fundamental para o eleitor decidir o voto: a economia”, aponta o cientista político, Henrique Curi. O pesquisador da Unicamp explica que é um processo quase natural os governadores de São Paulo se verem num “protagonismo de abrangência natural para tentar um cargo no maior âmbito.”

O início dessa sequência de substituição de cargos começou em março de 2001, quando Mário Covas precisou se afastar do governo do estado por motivos de saúde. Na ocasião, o vice-governador Geraldo Alckmin assumiu – pela primeira vez – o governo de São Paulo. Alckmin foi reeleito em 2002 e governou até março de 2006, quando deixou o cargo para concorrer à eleição presidencial daquele ano. Seu vice, Cláudio Lembo, assumiu o posto.

Eleito em 2006, José Serra governou São Paulo até abril de 2010, quando o tucano abandonou o cargo para disputar a presidência da República contra Dilma Rousseff — que, em outubro, resultou na vitória da rival petista. Nesse cenário, o estado paulista passou a ser governado por Alberto Goldman.

Alckmin venceu a eleição estadual em 2010 e, pela terceira vez, assumiu o governo de São Paulo – seguido por uma reeleição, em 2014, que consolidou o seu quarto mandato. Em 2018, quando já não podia concorrer à reeleição, decide disputar o cargo à presidência da República – processo que resultou na eleição de Jair Bolsonaro. O vice de Alckmin, Márcio França, completou o mandato até dezembro do mesmo ano.

O caso mais recente aconteceu com João Dória que assumiu o posto de governador de São Paulo em janeiro de 2019. Sua gestão, entretanto, ficou incompleta quando o tucano decidiu abandonar o governo ainda no primeiro mandato para concorrer à presidência da República em abril de 2022 — em uma tentativa frustrada de se lançar com um nome da “terceira via”. Assim, São Paulo passou a ser governado pelo vice, Rodrigo Garcia.

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João Dória ao lado de Rodrigo Garcia em 2019 - Foto: Divulgação

 

A figura do vice

Historicamente, no Brasil, o vice nasceu em um período em que a comunicação era menos acessível do que nos dias atuais. Hoje, em um contexto de era tecnológica e digital, em que governantes conseguem atuar à distância, o papel desempenhado por esses cargos políticos também se transformou, ganhando outras finalidades.

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Ao lado de Tarcísio (esq.), Ramuth (dir.) discursa em evento do PSD - Foto: Reprodução

“O vice faz um aceno ao eleitorado”, pontua Curi. Assim, “chapas puras”, formadas apenas por um partido, limitam a quantidade de votos a um tipo de público somente. A preferência, portanto, é por nomes pertencentes a siglas diferentes na hora de fechar as chapas, em uma tentativa de conquistar mais apoio entre a população ao mostrar que determinada candidatura está mais aberta para além de um partido só.

De acordo com o especialista, o vice será mais importante em candidatos que estão bem definidos no espectro ideológico de polarização. Logo, partidos que não se definem nem à direita ou nem à esquerda não têm tanta necessidade de ter uma figura distinta.

Quando a formação de chapa deixa de ser fundamental para acenar a um eleitorado específico, um vice pode auxiliar na articulação política. “É importante ter um vice que seja habilidoso com outros políticos, que seja uma figura importante na relação que vai se estabelecer com o legislativo, por exemplo”, aponta Curi.

O candidato a vice-governador de São Paulo, Felício Ramuth se enxerga cumprindo essa função. “O Tarcísio [candidato a governador da chapa] ainda não tem experiência política e eu vou poder ajudá-lo, ao longo do mandato, com a minha experiência”, afirma o ex-prefeito de São José dos Campos ao Contraponto Digital.

Ramuth acredita que existem dois tipos de vice, dependendo da abertura do governo. “Existem muitos vices que acabaram tendo um papel de coadjuvante. Do ponto de vista público, pouca gente sabe quem são os vices, mas internamente ele pode ajudar, dependendo do espaço que vão abrir para sua atuação”, complementa.

Nessa mesma linha de pensamento, Lúcia França, vice de Fernando Haddad, declara ao Contraponto Digital: “Nós dois, um não se elege sem o outro. Na nossa legislação, precisamos dessa união para sermos eleitos, então é claro que os dois têm importância. E eu não pretendo fazer um papel figurativo.”

 

Vices e inclusão na política

Há também uma demanda do eleitorado por um número maior de membros da comunidade LGBTQIA+ e, principalmente, de mulheres e negros. Apesar da maior parte da população brasileira ser composta, atualmente, por negros (56%) e mulheres (51%), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estes grupos seguem sendo pouco representados no meio político.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam que, para as eleições gerais deste ano, 49% dos candidatos são autodeclarados pretos ou pardos. As mulheres representam 33% do total das candidaturas. Na disputa pelo governo do estado de São Paulo, os cinco primeiros colocados nas pesquisas eleitorais são homens brancos.

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Da esq. para dir. Poit, Elvis, Garcia, Haddad e Tarcício em debate promovido pelo 'pool' TV Cultura, Folha S. Paulo e UOL 

A questão da representatividade aparece como fator decisivo na formação de chapas: candidatos buscam vices para contrapor essa identidade. “Nós já tivemos 164 governadores e vice-governadores no estado de São Paulo eleitos ou nomeados. Nunca tivemos uma mulher. Nunca”, destaca Lúcia França.

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Lúcia França (esq.) ao lado de Fernando Haddad (dir.) - Foto: Reprodução/Instagram

Portanto, a figura do vice atua também como um fator de legitimidade para a candidatura, cumprindo o papel de representatividade de grupos pouco representados na política. “Essa é uma preocupação atual do eleitorado. Então, hoje, como você faz só uma reunião de cabeças brancas? Como você faz uma chapa só com homens brancos sexagenários héteros? Nos últimos anos, se tornou uma preocupação que essas pautas identitárias sejam colocadas em questão, que exista uma representatividade maior desses grupos”, afirma Curi.

Apesar da importância e da necessidade de construção de candidaturas que sejam plurais, formadas por candidatos representativos, Eduardo Viveiros alerta que esse processo deve ser feito em defesa de pautas relacionadas à diversidade e não somente para criar uma falsa imagem para o eleitor.

“É um fenômeno sociológico, político e cultural da existência de uma preocupação e de uma militância em defesa desses assuntos. Nessa eleição, houve uma atenção na escolha de candidatos para o fechamento de chapa justamente por entenderem que os eleitores estão mais atentos a essa questão”, conclui Viveiros.

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Sem aliados, o movimento tenta se manter vivo politicamente usando as mesmas estratégias eleitorais do pleito de 2018
por
Lucas Martins e Raphael Dafferner
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05/09/2022

Para as eleições de 2022, em São Paulo, o Movimento Brasil Livre lançou novos candidatos, tanto à Assembleia Legislativa, quanto à Câmara Federal. A “nova safra de liberais” possui a missão de tentar recuperar, no âmbito estadual, a força do movimento, que, de 2020 para cá, tem se tornado cada vez mais fraco.

 

O movimento sofreu uma grande derrota no Poder Legislativo, que foi a cassação do ex-deputado estadual Arthur do Val - também conhecido como Mamãe Falei - (União Brasil) após o vazamento de áudios sexistas durante a sua viagem, supostamente humanitária, à Ucrânia após o início da guerra contra a Rússia.

O ex-parlamentar usou expressões misóginas para se referir à refugiadas ucranianas, e declarou que “elas eram fáceis porque eram pobres”. Além disso, do Val falou sobre uma viagem que um dos líderes do MBL, Renan Santos, fazia anualmente à Europa Oriental para se relacionar com mulheres loiras. A excursão se caracterizaria como turismo sexual.

Mamãe Falei teve seu mandato cassado com 73 votos a favor e nenhum contra.

 

A crise no MBL

 

A professora da PUC-SP, e cientista política especialista em estudos eleitorais, Rosemary Segurado, destaca que a pauta da defesa dos valores morais na sociedade sempre foi uma das bandeiras do MBL, e que, portanto, o vazamento dos áudios sexistas de Arthur do Val é um importante fator que ajuda a explicar a sua queda de influência recente, por conotar uma certa hipocrisia.

"O peixe acabou morrendo pela boca. Em 2019, eles organizaram um protesto em uma exposição queer em Porto Alegre e com um discurso muito conservador e preconceituoso, mas aconteceu o que aconteceu com o Arthur do Val. Caíram-se as mascaram e acabaram se enfraquecendo”, afirmou.

Ademais, segundo a professora, a falta de apoio a Arthur do Val durante seu processo de cassação por parte de outros partidos, simboliza um isolamento do MBL ocasionado por uma divisão das direitas após divergências com o atual governo. 

A efeito de comparação, o também Deputado Estadual Fernando Cury (União Brasil) teve apoio na Casa após assediar a parlamentar Isa Penna (PC do B). Ele foi punido com a perda do cargo por apenas 119 dias.

Romperam com o Bolsonaro mas não rompem com os principais princípios defendidos pelo bolsonarismo, então eles ficam sem lugar, pois já tem o bolsonarismo, que é uma parcela consolidada do eleitorado, que não é o caso deles”, completou. O

O MBL ganhou notoriedade ao se destacar durante grandes mobilizações da direita, como as manifestações antipetistas e a ascensão bolsonarista. Portanto, após o impeachment da ex-presidente Dilma e o rompimento com o Governo Bolsonaro depois do começo da pandemia, o movimento começou a se enfraquecer.

Após o divórcio com o bolsonarismo e as gafes de Arthur do Val, o movimento tenta sobreviver na política com novos nomes, mas mantendo o mesmo discurso, e as formas de propagar as ideias.

"Por outro lado, em termos mais eleitorais, eu acho que a estratégia segue a mesma. Muita ênfase nas pautas culturais, no choque com a esquerda, um pouco do sensacionalismo. O que se vê é que essa estratégia, que funcionou para eles antes, ainda segue sendo praticada”, afirma Caio Marcondes especialista em comportamento eleitoral e direita brasileira, e doutorando em Ciência Política pela USP.

Marcondes, no entanto, ressalta que, mesmo após as falas machistas de Arthur do Val, o movimento ainda tem uma base fiel que o apoia:

"Acho que é importante notar que o Arthur do Val não é candidato porque teve o mandato cassado. Mas se ele se lançasse ao legislativo, a chance de ele se eleger era muito alta. Apesar do escândalo que abalou a imagem dele, ele ainda tinha uma imagem muito positiva com uma margem grande de eleitores. Mesmo caso do Gabriel Monteiro do Rio, que consegue mobilizar uma base muito grande de seguidores”.


 

Quais são as apostas do MBL?

 

"O cara tá com a camiseta do Lula, bora discutir? Fica com camiseta de bandido aí mano”, questiona Guto Zacarias (União Brasil), candidato para a Assembleia Legislativa de São Paulo e membro do Movimento Brasil Livre (MBL) em um de seus vídeos para sua página no TikTok. 

Zacarias é um dos nomes cotados pelo partido para assumir uma das vagas na Assembleia Legislativa. Marcondes explica que a retórica do candidato lembra a de Fernando Holiday (Novo), quando fazia parte do movimento.

"O Guto Zacarias tenta emular um pouco da dinâmica que o Fernando Holiday impunha, ou seja, um candidato negro que se opõe às cotas”, explica.

Holiday anunciou sua saída do MBL em janeiro do ano passado. Em seguida, ele se filiou ao Partido Novo - antes era ligado ao Patriota. Segundo declaração do vereador na época, um dos motivos de sua saída foram algumas divergências quanto à importância das causas LGBTs e da luta contra o aborto para o movimento.

Além de Guto Zacarias, outra aposta do MBL nas eleições à Assembleia Legislativa de São Paulo é Amanda Vettorazzo. Segundo Caio Marcondes, a candidata à Assembleia Legislativa de São Paulo tem grandes chances de se eleger.

"Já vi vídeos da Amanda Vettorazzo tentando polemizar com bolsonaristas, se colocando uma alternativa à direita. O potencial está aí”, afirma Marcondes.

Em contrapartida, Rosemary Segurado não crê o MBL terá tanto sucesso na competição com o Bolsonarismo:

Eles lançaram três candidatos à Alesp, e eles estão planejando uma campanha com o olho no retrovisor em 2018. Se eles conseguirem eleger um, já está ótimo”.

Segurado afirma ainda que o eleitorado, diferentemente das eleições de 2018, está mais focado em candidatos com experiência na política e presentes no campo progressista, o que pode ser mais um empecilho ao movimento.

A especialista completa ainda afirmando que o MBL perdeu muito espaço após o rompimento com o bolsonarismo, o que tirou muito do seu poder de mobilização.

"As últimas manifestações convocadas pelo MBL foram desprezíveis do ponto de vista numérico, de repercussão. Eles estão voltando pro lugar que eles estariam se não fosse a lavajato, o impeachment da Dilma e a onda bolsonarista. Então eles começam a perder um pouco desse espaço”, ressaltou.

Em entrevista ao ContraPonto Digital, Vettorazzo falou sobre a sua candidatura e sua ambição à uma das 94 cadeiras da Alesp.

"Eu defendo muito o Estado de São Paulo. Nasci e cresci aqui. Tenho o Estado tatuado no meu braço. E eu defendo muito que o orçamento fique aqui em São Paulo, e não vá todo para Brasília. Essa é minha principal luta”

Além disso, a candidata tentou se descolar da imagem de Arthur do Val, apesar de minimizar a fala do colega:

Eu acredito que [o caso do Arthur] não vá me prejudicar. Isso já passou, ele já pediu desculpa e pagou caro, até demais, pelo que fez. Já pagou pelo áudio que, claro, não é bacana. Eu até repudiei na época, mas não repudio o trabalho que ele faz e que eu tentarei seguir na Alesp, que é a luta contra privilégios”.

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