Dentre os candidatos que concorrem ao cargo de deputado estadual e federal para as eleições de 2022 em São Paulo, pelo menos 17 possuem propostas de comprometimento à causa animal. É o que aponta um levantamento da entidade Frente de Ações pela Libertação Animal (FALA) e seu projeto Voto Animal.
A plataforma registra também que no Brasil 96 candidatos a deputado com o mesmo comprometimento. Esses números não refletem a quantidade total de candidaturas que lutem pelos direitos animais, que podem ser muito maiores.
Nos anos recentes figuras políticas que apoiam animais ganharam notoriedade e leis relevantes foram aprovadas, como por exemplo a Lei Sansão e a responsável pela criação da Delegacia Eletrônica de maus tratos aos animais.
Leis de combate aos maus tratos animais
A Lei 14.064/2020, ou Lei Sansão, diz: “Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas de maus-tratos a animais será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda”, o que gerou críticas por ser uma punição mais pesada do que a punição àqueles que cometem o mesmo crime contra humanos, mas de qualquer forma é um avanço na defesa de direitos de animais.
Outra ferramenta de denúncia é a Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA), Lei 16.303/16 - promulgada em 2016 - feita exclusivamente para internet no site da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Assim como o 190 (Polícia Militar) ou 181 (Disque Denúncia), os relatos podem ser feitos de forma anônima e com sigilo na proteção de dados.
Entre os deputados estaduais que já contribuíram de alguma forma para a causa animal, buscam reeleição esse ano membros da Frente Parlamentar pela Proteção Animal como Adalberto Freitas (PSDP), Alex de Madureira (PL), Caio França (PSB), Rafa Zimbaldi (PSDB) e Monica da Mandata Ativista (PSOL), ou de outros que propuseram leis nesse tema como Maria Lúcia Amary (PSDB). Os deputados Bruno Ganem (PODE) e delegado Bruno Lima (PP), também da frente parlamentar, agora procuram se eleger como deputados federais.
Deputados que defendem animais de produção
Muitos dos dados e propostas de campanha a respeito da proteção aos animais, principalmente em São Paulo, são focados nos domésticos e no universo urbano. No entanto, animais de produção ocupam boa parte da população animal do estado, o número de bovinos verificados foi de 10,10 milhões de cabeças em 2020. Bruno Ganem, deputado estadual que procura se eleger como federal em outubro, possui como proposta de defesa aos bovinos a luta contra vaquejadas. Apesar de serem regulamentadas no Brasil como patrimônio cultural desde 2019, no estado de São Paulo são proibidas.
A deputada Monica Seixas da Mandata Ativista (PSOL), por exemplo, luta contra o Caçador, Atirador e Colecionador (CAC) que procurava liberar a caça ao javaporco no estado paulista. Desde o ano 2019, a caça do animal é permitida desde que haja cadastro do caçador no Ibama e que seja feita com o objetivo de controle de população. No entanto, apesar das ações de agentes como a deputada, os CACs continuam a ganhar força, exemplo disso são dados dos institutos Igarapé e Sou Da Paz publicados em agosto de 2022, que apontam que esses caçadores têm cerca de 1 milhão de armas de fogo. Durante a gestão do atual presidente, de 2019 a 2022, o aumento de armas foi 187% em comparação a 2018.
A situação em defesa de animais de produção ainda enfrenta problemas, é o que aponta o caso emblemático de novembro de 2021, em que cerca de mil búfalos foram abandonados sem água e alimento em Brotas, no interior de São Paulo. Alex Parente, integrante ONG ARA (Amor e Respeito Animal), que recebeu a guarda dos animais após denúncia da Polícia Ambiental, se pronuncia: “Grande parte dos políticos, inclusive os que defendem a causa animal, não se importam com a atual situação das operação Búfalas de Brotas”.
Parente reforça a importância de regulamentação dos santuários, para recebimento de auxílio financeiro do governo Estadual e Federal, para manutenção dos animais, e complementa “apesar de se tratar do maior caso de maus tratos e abandono de animais do mundo, nenhuma lei, decreto, ou qualquer outra nova punição foi criada”.
Deputados que defendem animais domésticos
Outra pauta polêmica é o barulho dos fogos de artifício com estampido, já que pode estourar o tímpano e prejudicar a saúde dos animais. Em 2021, foi sancionada a Lei 17.389/21, por meio de Maria Lúcia Amary (PSDB) e Bruno Ganem (PODEMOS), proibindo o uso no Estado. Nas comemorações de ano novo em 2021, locais como a Avenida Paulista de fato diminuíram o estrondo de seus fogos graças à lei, além de um volume grande da população civil ter se mobilizado em redes sociais alertando sobre o prejuízo para seus pets.
Além dos deputados citados, Bruno Lima é outro integrante da Frente Parlamentar em Defesa aos Animais. Apresentou o Projeto de Lei 345, que procura incluir conhecimentos sobre direitos e proteções animais nos programas curriculares de escolas públicas estaduais. “Acredito ser através da educação que conseguimos estimular o senso de responsabilidade e empatia nas crianças, futuros adultos”, afirma. Mas é relevante ressaltar que tal proposta, mesmo sendo uma adição viável à já prejudicada Base Nacional Comum Curricular, ainda falta estrutura básica em muitas escolas públicas.
Bruno Ganem e Maria Lúcia Amary, estão implementando nas cidades paulistas, uma clínica veterinária pública. O projeto Meu Pet Container oferecerá, por exemplo, consultas, vacinação e castração aos animais. Serão cerca de 130 contêineres, que contaram com um investimento total de 50 milhões de reais.
O número de maus-tratos animais denunciados através da DEPA aumentou em 15,6% em 2021, em relação a 2020. A Ampara Animal, ONG parceira da rede Cobasi, registrou que o índice de abandono e abrigo de animais aumentou aproximadamente 61% entre julho de 2020 até o terceiro trimestre de 2021, período que corresponde ao da pandemia da covid-19. A realidade urbana no momento é a de um número enorme de abandono de animais domésticos, e candidatos que se propõem a pensar na pauta animal, como por exemplo os levantados pela plataforma Voto Animal, deverão considerar essa realidade caso sejam eleitos após outubro de 2022.
O número de candidaturas femininas no Estado de São Paulo cresceu nestas eleições. No entanto, o crescimento atingiu apenas 2% em comparação às eleições passadas, representando uma desaceleração da presença de mulheres na política.
Se entre 2010 e 2014, houve um aumento de 60,6% da participação feminina na política, entre 2014 e 2018 o número cresceu 13,3%. Em comparação com a última eleição, o aumento foi de somente 2,2%, de acordo com dados divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Segundo relatório divulgado pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), cerca de 20% dos deputados eleitos são mulheres. Em contrapartida, de acordo com o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral), o eleitorado paulista é composto majoritariamente por eleitoras. São mais de 18,3 milhões de mulheres habilitadas, frente aos 16,2 milhões de homens nas mesmas condições.
Gabriela Araújo, advogada eleitoral e autora do livro “Mulheres na Política Brasileira: desafios rumo à Democracia Paritária Participativa”, explica que muitos partidos preenchem a porcentagem determinada de vagas com candidaturas ‘laranjas’, e algumas mulheres acabam sendo “ludibriadas e abandonadas” por seus partidos durante a campanha.
Incentivo para candidaturas femininas e as ‘candidaturas fictícias’
A chamada “candidatura fictícia”, no entanto, é fácil de ser identificada, já que no sistema da Justiça Eleitoral podem constar poucos votos e baixas movimentações de recursos financeiros em suas contas.
Para incentivar a presença de mulheres na política, a Emenda Constitucional 111/2021, estabelece que os votos dados a candidatas mulheres para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 sejam contados em dobro.
“A lei que disciplina a violência política contra as mulheres também é recente e pode ajudar a reprimir os episódios de machismo e misoginia frequentemente observados dentro das próprias instituições”, afirma a especialista.
Dificuldades enfrentadas pelas mulheres na política
Silvia Ferraro, vereadora da Bancada Feminista do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e integrante do Diretório Nacional do partido, declara que mulheres enfrentam mais dificuldades para se firmarem na política e em qualquer posição de responsabilidade. Para ela, o fato reflete no número de mulheres que se candidataram para disputar cargos políticos.
A candidatura única da qual Ferraro faz parte, busca encarar a atuação na Câmara Municipal como uma forma também de ampliar a participação feminina na política. A Bancada Feminista busca servir de exemplo para que mais mulheres entrem na política e ocupem espaços de poder.
Ser mulher torna mais difícil os caminhos políticos, que são majoritariamente ocupados por homens. Alexandra Abreu, candidata a deputada estadual pelo Partido NOVO, acredita que é possível transformar o cenário, se a população enxergar as mulheres como capazes de exercer suas funções, assim como os homens.
“As mulheres são mais sensíveis, responsáveis e dedicadas no que fazem”, disse.
Necessidade das mulheres pela 'validação' política
Deysi Cioccari é cientista política, jornalista e pesquisadora em Comunicação e Política na Sociedade do Espetáculo, da Cásper Líbero, e afirma que a presença feminina na política precisa ser mais ‘validada’ do que a masculina. Para que tenham respeito, é preciso que tenham tido destaque na vida pública.
“Todo dia é uma bofetada ser mulher na política”, explica.
Para conquistar uma vaga na Alesp nas eleições de 2022, o PSOL lançou outra candidatura coletiva, composta pelas co-vereadoras Paula Nunes e Carolina Iara, além de Sirlene Maciel, Simone Nascimento e Mariana Souza que também compõem a nova bancada.
“É o desenvolvimento da experiência dos mandatos coletivos. Isso é fundamental, ainda mais se tratando da Alesp, que vivenciou casos horríveis de machismo na última legislatura e que é um parlamento muito conservador”, expõe Ferraro.
Eleitores para candidatas fantasmas
Diversos partidos “driblam” a Lei 12.034/2009 — que garante e obriga os partidos a preencherem, no mínimo, 30% das candidaturas com mulheres. No entanto, nem sempre a porcentagem é preenchida da forma correta, o que acaba contribuindo para a manutenção de um sistema político que não engloba mulheres — ou que cede espaços, mas não as integra, de fato.
“Eu acredito que isso deve diminuir [candidaturas 'laranjas'], pois mesmo a direita quer disputar o voto feminino, cada vez mais relevante”, destaca a covereadora.
Diferente de Ferraro (PSOL), Abreu (NOVO) garante que a dificuldade em atingir possíveis eleitores não se dá pelo fato de ser mulher, mas sim por conta da polarização presente na política atualmente.
“O bate-papo cara a cara é uma estratégia muito eficaz e esclarecedora para se atingir o coração das pessoas”, revela.
Mulheres eleitas: cada caso é um caso
A cientista política da Unicamp, Carolina Bonomi, garante que é preciso analisar o contexto de algumas eleições femininas, porque cada caso é um caso.
Janaína Paschoal, por exemplo, foi a deputada mais votada da história do Brasil e foi uma das pessoas que escreveu a denúncia, que culminou no impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). A deputada foi considerada por muitos eleitores como um símbolo de “clamor contra a corrupção”, o que mobilizou milhões de eleitores.
“A gente vê mulher dessa forma, sendo tratada de forma muito universal, achando que só ser mulher basta para exercer um mandato que priorize os direitos sociais, de gênero, direito e sexualidade”, destaca Bonomi.
Para Cioccari, no entanto, a candidata ‘surfou uma onda’, onde teve um momento oportuno e aproveitou dele para se eleger. “A gente estava exposto por anos de governo petista com mensalão, CPI do Banestado, caso Waldomiro. A Janaína veio com um discurso de combate a tudo isso”, destaca a cientista, que acredita que Sérgio Moro poderia ter sido eleito em 2018 por também ter discursos anticorrupção e contra a esquerda.
Conquista do espaço de fala
Apesar das exceções, mulheres que atuam na política tendem a ser ‘caladas’, por resquícios de uma sociedade machista vigente. Para isso, avalia-se a criação de mecanismos, para que elas possam se manter atuantes.
Silvia Ferraro explica como enfrentar estes problemas, mencionados pela cientista. "Definimos nosso projeto político como ‘feminismo popular’, pois acreditamos que ele — ao tratar com centralidade de questões como a fome, emprego, serviços públicos — não só dialoga mais com as mulheres, mas também com os homens da classe trabalhadora, nossos possíveis aliados nessas pautas”, apresenta.
Nestas eleições, o eleitorado feminino deve ser decisivo nos resultados. As mulheres, hoje, representam 53% do colégio eleitoral de São Paulo — que é o maior do país. “Eu acredito que os candidatos vão cair em cima desse discurso para conseguir a aprovação”, destaca Bonomi.
Por outro lado, o Brasil ainda é considerado um país conservador e que pouco discute as pautas das minorias. A candidata à presidência, Simone Tebet (MDB), teve dificuldades para fazer coligações por ser mulher.
“O Brasil ainda não está pronto para discutir políticas para as mulheres, para gays, para negros, é um país difícil”, argumenta Cioccari.
São Paulo conta com 46 candidaturas coletivas registradas, das quais 33 são para deputado estadual, 12 para deputado federal e uma para senador nas eleições deste ano. Esses movimentos estão filiados a partidos de esquerda e centro-esquerda. Partidos como o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e o PT (Partido dos Trabalhadores), contam com um pouco mais de 40% das candidaturas coletivas registradas.
O número de candidaturas coletivas quintuplicou em comparação com as eleições de 2018, em São Paulo. Na última corrida eleitoral, 18 mandados coletivos concorreram a cargos no Legislativo, enquanto neste ano o número chegou a mais de 40 candidaturas. Esta modalidade se popularizou por possibilitar ao candidato um meio mais competitivo para disputar as eleições.
Os coletivos, que surgiram como uma alternativa aos cargos individuais, visam à descentralização do poder e o aumento da representatividade e participação popular. São formados por pessoas com um propósito político comum, que se organizam e escolhem um membro para representá-las no congresso. Desta forma, além do titular do mandato, os demais integrantes também participam das tomadas de decisão.
Dentre as principais causas desses movimentos estão: a luta pelo direito igualitário das mulheres, a luta antirracista, a luta pró-LGBTQIA+ e a luta pela educação de qualidade.
Uma dessas candidaturas é a do movimento Povo da Cultura, que concorre pela primeira vez a um cargo na ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) pelo PSOL. O movimento, formado por representantes de diversos movimentos culturais de São Paulo, atua pela valorização da cultura enquanto principal foco de enfrentamento aos diversos preconceitos da sociedade, como o fascismo e o racismo.
Para Bruna Reis, co-deputada do Povo da Cultura, a ideia de um mandato coletivo é de permitir um espaço aberto à participação popular constante, seja por meio da chapa, do coletivo, ou até mesmo dos conselhos estaduais e regionais: “É essencial um Mandato Coletivo da Cultura que institua mecanismos de participação, acolhendo diversos lugares de fala, contextos territoriais e somando vivências e experiências de diferentes atores, para que os processos se construam de forma plural”
A doutora em direito político Roberta Gresta, vê o modelo atual positivamente: “O modelo atual de ‘candidatura coletiva’ têm permitido que pautas transversais aos partidos políticos aflorem no debate eleitoral e se fortaleçam, o que é benéfico à diversidade e, portanto, à democracia”
“Temos visto experiências ricas em que os chamados 'co-candidatos' ganham visibilidade durante a campanha, integram posteriormente o gabinete da pessoa eleita. Isso aumenta a identificação social do mandato e pode servir como celeiro de lideranças e de futuras candidaturas”, exemplifica a doutora.
Entretanto, Acacio Miranda da Silva Filho, especialista em direito constitucional, questiona o modelo destas candidaturas: “Os mandatos coletivos têm mostrado pouca efetividade no cumprimento de um dos seus propósitos, que é a descentralização de poder, uma vez que, na maioria dos casos, o titular do cargo exerce hierarquia sobre os demais ‘co-titulares’, o que faz com que, na prática, estes sejam assessores iguais aos demais”
Apesar de terem ganhado força, ainda não foram regulamentados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ano passado, o TSE autorizou o uso do nome do movimento ao lado do “titular”, pois mesmo que a proposta seja de uma candidatura coletiva, o mandato ainda é individual, de acordo com a lei eleitoral.
A não regulamentação dos coletivos, junto com a sua popularização é outro fator que pode gerar dúvida em relação à integridade e seriedade destes grupos. Para Acacio, a falta de regulamentação torna o mandato coletivo uma mera narrativa eleitoreira, sendo usado por alguns apenas para facilitar o êxito eleitoral.
“Após a devida regulamentação, a sistemática será válida, especialmente com vistas a tornar mais plurais as discussões legislativas, além de possibilitar disputas eleitorais mais paritárias”, afirma Acacio.
Por outro lado, para Roberta, a regulamentação dos mandatos coletivos pode pôr em xeque uma regra basilar da democracia ao interferir no peso dos votos: “Se grupos poderem concorrer com vários candidatos, isso multiplicará o peso de quem votou no grupo, já que em lugar de eleger um único candidato com um voto, o eleitor elegeria vários”
“O grupo também levaria vantagem sobre a candidatura uninominal se pudesse continuar concorrendo caso um de seus componentes fosse declarado inelegível”, explica a doutora. Por isso, Gresta vê o modelo atual de "candidatura coletiva” positivamente: “Acredito que o mais equilibrado é manter as regras como são hoje: candidaturas individuais, mas com ampla possibilidade de se identificarem com coletivos e movimentos políticos cujas pautas representam”
Para Cris Banhol, do mandato “Educação e Luta”, as possíveis divergências que poderiam ocorrer dentro do movimento não seriam a principal dificuldade: “Assim como nosso partido, o PSTU, nós nos organizamos a partir do centralismo democrático. Ou seja, temos a mais ampla democracia interna para apresentar posições, encaminhamentos e divergências”. Cris conclui dizendo que a falta de tempo e de recursos são problemáticas, mas que podem ser encaradas por meio da total dedicação e organização por parte de seus membros.
“As candidaturas coletivas têm como base principal a união de propósitos de pessoas que até pouco tempo não habitavam o universo político”, esclarece Acácio.
Para Aldenis Dias dos Santos, candidata às eleições federais deste ano pelo coletivo “Mulheres em Todas as Lutas”, e que vivencia a prática democrática do coletivo, a discussão é fundamental. “Os eventuais conflitos são aqueles próprios da luta coletiva. Vivemos em uma sociedade, que um dos tripés dela, uma sociedade pró-lucro, é o individualismo, é a competição. A experiência de mandato coletivo vem para quebrar isso, sendo a única forma de resolução o debate e a discussão"
Há 40 candidaturas coletivas no estado de São Paulo, sendo 27 candidaturas para Deputado Estadual, 12 candidaturas para Deputado Federal, e 1 candidatura para o Senado, de acordo com o levantamento realizado pelo veículo de comunicação JOTA.
A primeira conquista de mandato coletivo na Câmara de São Paulo se estabeleceu com Silvia da Bancada Feminista e Elaine do Quilombo Periférico, ambas candidatas a vereadoras. Conforme o estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que analisou as candidaturas coletivas nas eleições no ano de 2020, 87,16% do total das candidaturas coletivas registradas foram de partidos de esquerda, 7,64% de direita e 5,20% de centro.
A jornalista e candidata a codeputada estadual com a Bancada Feminista, Simone Nascimento, destaca a importância dos mandatos coletivos como caminho para o poder popular e chama a atenção para essas propostas. Ela diz ser necessário a construção de mandatos coletivos “para descentralizar o poder e o popularizar, onde de uma vez só, se elege cinco mulheres negras, pensando que na história da Alesp, por exemplo, só tiveram quatro mulheres negras eleitas, sendo, duas delas, em 2018”.
O modelo de coletivos no Brasil existe desde as eleições de 1994, segundo a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). Já as candidaturas eleitorais começaram a crescer em 2012, e hoje contam com 22 mandatos.
“A gente só operacionalizou o modelo que já fazemos na luta do dia a dia, então, é mais uma ‘novidade’ para a política institucional do que para a gente, que sempre construímos as coisas coletivamente”, relata a covereadora do Coletivo Quilombo Periférico, Débora Dias.
Como funciona as candidaturas coletivas de acordo com a legislação
Embora o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permita a candidatura de coletivos, essas não estão previstas em lei. Para existir esse formato de candidatura é necessário que, uma pessoa dentro do coletivo seja definida e registrada oficialmente no tribunal, e esta quem será a candidata responsável pelo cargo, o que muitas vezes pode fazer com que pareça que o candidato oficial não siga os demais ativistas.
No ano 2021, o TSE aprovou uma resolução a qual permitirá que, no ano de 2022, o nome do candidato apareça junto do nome do coletivo do qual ele pertence, porém, continua vedado o registro de nome de urna do grupo ou coletivo social, fazendo ainda com que a candidatura seja individual e condicionando o reconhecimento oficial ser de modo dificultoso.
Para a cientista política e professora, Rosemary Segurado, a autorização para se colocar o nome do mandato na lista seria apenas um pequeno avanço já que, é só um CPF que se responsabiliza pelo cargo.
Na visão de Segurado, a regulamentação dos mandatos pode ser melhorada. “Acredito que a aceitação dos mandatos possa crescer cada vez mais, mas a questão é que eles sofrem preconceitos devido às suas pautas tratarem de movimentos sociais e de ações culturais”, afirma a cientista.
Ela destaca que “um dos princípios segundo a frente dos mandatos coletivos é o compartilhamento de poder que, embora seja exercido internamente, nas instâncias legislativas, essa filosofia não acontece devido à falta de regulamentação no Parlamento”.
De acordo com Agência Câmara de Notícias, tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição 379/17, da deputada Renata Abreu (Podemos-SP), que permite a existência de mandato coletivo para cargos do Legislativo (vereador, deputados estadual, distrital e federal e senador). A regulamentação do mandato – a ser compartilhado por mais de uma pessoa – será realizada por lei.
Crescimento nos últimos anos
Em um período de dez anos, o número de candidaturas coletivas ao legislativo pulou de três, em 2012, para 213 em 2022, conforme indica o Observatório das Eleições 2022. Neste ano, grande parte das candidaturas vem de partidos de centro-esquerda, com ênfase para o PSOL (33%) e o PT (16%), e apresentam mais mulheres e pessoas autodeclaradas pretas do que média nacional.
Apesar de ainda estar sem regulamentação, o número de candidaturas coletivas cresceu significativamente na eleição de 2022. Conforme mostra o levantamento do Poder360, realizado com base nos dados do TSE, foram identificadas 218 iniciativas que disputam uma vaga no Legislativo. No total, são 70 nomes para a Câmara dos Deputados, 136 para as Assembleias Legislativas e, pela 1ª vez, 4 para o Senado.
Embora seja notório o crescimento de mandatos coletivos, ainda se vive em uma polarização política que acabou se intensificando nos últimos anos através do enfraquecimento de alguns partidos políticos. Para certos candidatos, a questão de mandatos coletivos vai contra os preceitos de candidaturas por não estarem dentro de acordos jurídicos e estruturados conforme a lei, o que pode prejudicar a escolha do eleitor.
Rosemary Segurado analisa que, para muitos mandatos, esse formato é visto como oportunidade de aumento da presença no parlamento. Contudo, o que não se pode acontecer é, essas candidaturas funcionarem apenas como estratégias eleitorais. Na sua visão, isto seria um problema já que, a iniciativa de mandatos coletivos não se trata apenas de jogo eleitoral, mas sim uma ação política diferenciada de descentralização de poder político. E, caso essa iniciativa se esgote, despotencializa a própria ação política das candidaturas.
Cenário dos Mandatos Coletivos
O mandato coletivo da Bancada Feminista surgiu com necessidade de se ampliar a representatividade do parlamento e democratizar o acesso ao poder institucional. Para a candidata, Simone Nascimento, o que a motivou participar de um coletivo foi a necessidade de transformar suas indignações em luta coletiva. “Acreditar no poder popular é essencial, ou seja, as decisões nas mudanças, demandas e participações cabem ao povo, só que como o parlamento não permite isso a forma de existir um questionamento é fazendo uma ocupação coletiva”, afirma.
Nascimento enxerga que, uma das vantagens de um mandato coletivo é a possibilidade de poder estar em vários lugares ao mesmo tempo, acompanhar mais faltas, mais comissões e fazer um mandato mais representativo das lutas sociais, sendo capaz de ter uma divisão melhor e acabar por representar mais pautas ao mesmo tempo.
A candidata pelo Coletivo do Quilombo Periférico concorda e adiciona que, mandatos coletivos são sim legitimados e, atrás das urnas e de seus eleitores estão jovens revolucionários. “A ousadia da juventude é o que tem sido a força motriz para mim e para novas configurações políticas, enquanto jovem militante e covereadora”.
Críticas contra os Mandatos Coletivos
O Movimento Brasil Livre (MBL) é crítico ao modelo de candidaturas coletivas. No ano de 2021, o vereador eleito, Rubinho Nunes, afirmou através de suas redes que derrubaria tais mandatos.
Amanda Vettorazzo, candidata a Deputada Estadual pelo partido União Brasil e coordenadora nacional do Movimento Brasil Livre, afirma ser contra a formação de candidaturas coletivas. “É uma aberração até jurídica, na minha visão isso é uma coisa que fere até o proposto, que é você ter um ou uma parlamentar, eleito por cadeira”, relata.
Vettorazzo não acredita que uma candidatura coletiva possa ser uma forma renovadora de encarar a política institucional. “Querer uma política nova, positiva não tem relação em derrubar coisas que já existem, o que se deve fazer é eleger pessoas novas, pessoas comprometidas, pessoas capacitadas e a ideia de coletivos não têm a ver com isso, porque você não consegue cobrar esse parlamentar”, destaca a candidata.
O que os humoristas Tiririca e Gustavo Mendes, o ator Mário Frias, o jogador de vôlei Maurício Souza, a mulher do ex-ministro da justiça Sérgio Moro, Rosângela Moro e o político Guilherme Boulos têm em comum? Estes são alguns dos exemplos de puxadores de votos das eleições deste ano.
Humoristas, atores, cantores, atletas ou até familiares de políticos viram candidatos. Eles são os candidatos a deputado federal ou estadual que conseguem muitos votos, aumentando o quociente eleitoral de seu partido e levando outros parlamentares para ocupar cadeiras no congresso também.
O eleitor brasileiro a cada quatro anos tem que se preocupar com muitas coisas: conhecer os candidatos, seus projetos, seu histórico na política etc. Muitas vezes, o que acaba sendo uma escapatória mais fácil, é votar em um candidato famoso.
Como são preenchidas as cadeiras no congresso
Para entendermos a importância dos puxadores de voto, primeiramente, é importante compreender como funciona a eleição de deputados no Brasil. Trata-se de um sistema de votação proporcional, ou seja, o candidato eleito não se elege apenas com seus votos. Os votos recebidos vão, na verdade, para o partido e é estabelecido um quociente eleitoral de forma proporcional ao número de eleitores de cada estado.
O cálculo funciona dessa maneira: se o candidato tiver, por exemplo, 1 milhão de votos no estado de São Paulo e 10 cadeiras para o Estado em Brasília, cada candidato precisa de 100 mil votos para ser eleito. Um exemplo mais concreto é o Tiririca, que há três mandatos vem elegendo mais dois ou três com a votação que ele consegue. Em seu terceiro mandato teve 445 mil votos do colégio eleitoral e levou consigo mais 3 candidatos de seu partido para a Câmara (400 ÷ 100 = 4), que no caso é o PL-SP.
“Alguns puxadores de votos conseguem votação suficiente para eleger dois, três, até cinco parlamentares. Um caso histórico é o do Enéas Carneiro, que em 1994, sozinho, elegeu ele e mais quatro deputados, um inclusive com menos de cem votos. Ele teve um milhão e meio de votos e isso no cálculo, deu mais 4 parlamentares com ele”, afirmou Marco Antônio Carvalho Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O problema de se colocar alguém com pouco entendimento e conhecimento do funcionamento do mundo político, é que eles acabam se tornando apenas figuras usadas pelos partidos para ter mais cadeiras ocupadas por suas legendas e seu viés político. O próprio Tiririca desde 2011 teve apenas 17 leis aprovadas e desde 2019, nenhuma foi sancionada - o que mostra a dificuldade de um candidato ‘totem’ se tornar uma figura presente na política.
“O que acontece é que muitos puxadores de votos acabam chegando no congresso sem ter a menor noção do que vai fazer, sendo graças a sua notoriedade, e não por sua distinção ou diferenças em termos de capacidade de fazer o trabalho legislativo”, observou Teixeira. “Digamos que [os puxadores de votos] tenham sido mais um agregador de cadeiras na bancada dos partidos. É raro a gente lembrar de um puxador de votos que assumiu protagonismo na política brasileira”, completou.
A problemática do sistema proporcional
No Brasil, o sistema de votação proporcional, este em que um candidato consegue levar outros para o Congresso, acontece apenas nas eleições para deputados e vereadores. Segundo João Feres Júnior, cientista político do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), este tipo de eleição acaba sendo mais confuso para os eleitores, e é pouco transparente, visto que, muitas vezes a população não entende ou nem sequer sabe a forma como funciona esse sistema.
“Estamos acostumados a escolher uma pessoa, um nome para votarmos, mas esse tipo de escolha que deve ser feito para o Legislativo é pouco compreendido e faz com que pessoas ineficientes sejam eleitas e ainda levem mais parlamentares consigo”, acrescentou Feres.
As eleições para os demais cargos, como por exemplo, presidente e governador, que também serão votados nas eleições em outubro, são feitas pelo sistema de voto majoritário, ou seja, o candidato com 50% mais um é eleito, um esquema mais fácil para o entendimento dos eleitores.
Os especialistas, Teixeira e Feres, concordam que apesar de os puxadores de votos serem candidatos com alguma fama ou reconhecimento público por fatores ou feitos não políticos, é de se esperar que as eleições deste ano não sejam tão parecidas com as de 2018 nessa questão de eleger famosos. Naquele ano, com a Operação Lava Jato, muitas das pessoas que tinham ou têm cargos relacionados à justiça ganharam bastante credibilidade, além das diversas propagandas políticas trazendo ‘novas pessoas’ ou ‘formas de pensar’ para a política. Além disso, com o uso das redes sociais e algoritmos como estratégia de campanha política, os candidatos artistas e outros, acabaram por ganhar também notoriedade.
Hoje, em 2022, é possível observarmos através das redes sociais e das pesquisas eleitorais, que a população está em busca de candidatos mais ‘tradicionais’ e que tenham militância partidária histórica.
Os candidatos puxadores de votos
Para nós que estamos do lado de fora das campanhas eleitorais, apenas acompanhando pesquisas de intenção de voto e eventos mais pontuais dos candidatos, pode parecer óbvio que algum candidato seja eleito com facilidade e que leve consigo outros companheiros do partido.
Embora os puxadores de votos existam, às vezes, os candidatos com tal potencial podem não se enxergar nesse papel. Guilherme Boulos, candidato a deputado federal pelo PSOL, diz que sua campanha está muito dedicada para que ele seja eleito, mas como não é algo definido ainda, há muito trabalho pela frente agora nesta reta final.
“Nossa candidatura tem um bom recall por conta das eleições de 2018 e 2020, mas isso não significa que seremos puxadores de votos. Há quem acredite até que eu já esteja eleito, o que é um raciocínio equivocado”, afirmou Boulos. "Estamos trabalhando muito, indo às ruas e conversando com a população todos os dias, sempre com pé no chão e sem salto alto. Todo voto importa”, completou.
Não são só os candidatos da esquerda que preferem trabalhar com os pés no chão nesta campanha. O candidato a deputado federal pelo Republicanos, Celso Russomanno, também é muito conhecido por sua atuação na política e também pela sua luta em defesa do consumidor e tem um ponto de vista parecido.O parlamentar conseguiu mais de 500 mil votos nas eleições de 2018 e foi um dos puxadores de votos no estado de São Paulo.
Apesar do seu reconhecimento, a assessoria de Russomanno afirmou que a reta final da campanha eleitoral é muito importante, pois as eleições sempre são diferentes e que não pode cantar a vitória antes, mas que continua confiante em sua campanha e em seus eleitores.
Créditos da foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados