Por Esther Ursulino
Não sei onde estava com a cabeça quando decidi me inscrever para ser mesária de uma das eleições mais polarizadas da história do Brasil. Afinal, quem em sã consciência escolhe acordar cedo em um domingo para cumprir funções burocráticas?! Conheço alguns amigos que foram mesários pelo direito aos dias de folga no trabalho. Já eu, que tenho a mania de achar tudo interessante, quis apenas participar ativamente desse momento histórico.
Dois meses antes do pleito recebi um email de convocação que dizia: “Para desempenhar a função para a qual foi convocado(a), você deverá comparecer no local de votação acima indicado às 7 horas do dia 2/10/2022 e, se houver 2° turno, também no dia 30/10/2022. Sua participação, juntamente com a de milhares de eleitores(as) que foram convocados para esse fim, será de extrema importância para a lisura e transparência do processo eleitoral e da democracia brasileira.”
Contei a novidade para alguns amigos. Um deles brincou:
— Vish… se prepare porque a partir de agora você vai ser convocada eternamente!
Dei risada. Mesmo com esse “risco” eu estava feliz. Quer dizer, feliz e um pouco apreensiva. Em meio a tantos ataques às urnas eletrônicas, ao sistema eleitoral e à própria democracia, senti medo que essa fosse a única e última eleição em que eu trabalharia. Também tive receio de sofrer algum tipo de agressão física ou verbal enquanto estivesse realizando minhas funções no colégio, devido a propagação de ódio através das fake news. Entretanto, a experiência que tive foi outra. Apesar do contexto de polarização e de alguns rostos apáticos, consegui ver beleza nesse ritual de passagem chamado eleição.
No domingo do primeiro turno acordei às seis, tomei café da manhã, me troquei e segui para a escola. Conforme fui me aproximando do local, notei que pessoas já formavam uma fila antes mesmo dos portões se abrirem para o início da votação. Queriam ser as primeiras. Entrei no colégio, procurei minha sessão e, juntamente com os outros mesários da sala, testamos e ajustamos os equipamentos. Às oito em ponto o sinal tocou, e os mais variados tipos de pessoas foram surgindo.
Ao folhear o caderno de nomes notei que havia muitas “Marias”. Maria de Lourdes, Maria de Fátima, Maria das Graças, Maria das Dores… quanta Maria! Mesmo com nomes semelhantes, cada uma tinha sua particularidade. Me lembro que uma das primeiras a chegar foi uma senhora com roupas brilhantes e vários anéis nos dedos, que me disse:
— Já nem preciso vir, mas quero votar até meus cem anos!
Notei que uma mulher trans, super sorridente, também estava empolgada para votar. Ela me disse que tinha sido incentivada por amigos, e por isso entraria na cabine pela primeira vez para escolher seus representantes. Assim que o terminal do mesário a habilitou para ir até a urna, a jovem apertou as teclas do equipamento com a maior satisfação do mundo. Depois de terminar a votação disse:
— Só isso? Caramba, que legal!
E saiu da sala agradecendo.
No decorrer do dia, pessoas com deficiências visuais, cognitivas e de locomoção, também compareceram às urnas. Um eleitor autista, mesmo com algumas dificuldades, fez questão de assinar seu nome completo no caderno. A mãe, que o acompanhava, observava a cena com orgulho:
— Ele treinou bastante só para isso.
Em outro momento, uma senhora simples entrou na sala um pouco sem graça. Disse que não conseguiria deixar seu nome no caderno pois não sabia escrever. Um colega de mesa disse:
— Não tem problema nenhum, dona Maria. A senhora pode assinar a folha com sua digital. De qualquer forma vão pedir sua biometria lá na frente. O importante é votar!
Ela sorriu e posicionou seu polegar contra a almofada de carimbo, pressionando, em seguida, o dedo no papel.
Ao decorrer do dia, tive flashbacks da minha infância. Diversas mães e pais chegavam com baixinhos animados para apertar as teclas da urna e ouvir o famoso som do “trililili”, que tanto os fascina. No segundo turno das eleições, uma das crianças, ingenuamente, me perguntou:
— Tia, quanto custa pra votar?
Todos na sala riram. O pai da menina disse:
— Não custa nada não, filha. Quando você tiver dezesseis anos vai poder votar, tá bom?
A questão que aquela garotinha tinha colocado me deixou pensativa. Quanto será que custa um voto? As eleições se tornaram um evento tão comum que sequer nos perguntamos como adquirimos o direito de escolher nossos representantes. A sensação que muitos têm é de que isso foi dado “de graça”. Entretanto, não se pode comprar com 600 reais algo que tem um valor imensurável. Não há como calcular o preço de vidas perdidas, sangue, suor e lágrimas derramados em prol da participação política.
Sei que a democracia brasileira está longe de ser, de fato, uma democracia. Não são todos que têm voz e vez neste sistema. Sei também que não basta apertar teclas a cada dois anos, esperando que a mudança aconteça. Precisamos nos mobilizar sempre para avançar e, sobretudo, manter conquistas. Mas para isso, é fundamental que estejamos em um Estado Democrático de Direito – ambiente em que podemos contestar injustiças e lutar por participação e pluralidade. Pensando bem, acho que eu decidi ser mesária nas eleições de 2022 para contemplar essa diversidade e, de alguma forma, contribuir para que ela continue existindo.

A participação dos jovens nas seções eleitorais foi destaque nesse ano, resultado da mobilização realizada no início do ano para que pessoas – entre 16 e 17 anos – tirassem o título de eleitor. A presença nas urnas é a concretização do uso das redes sociais como instrumento para o engajamento político dos jovens, prática que se fortaleceu no país a partir de 2013 com as jornadas realizadas pelo Movimento Passe Livre.
Ivan Paganotti, professor e pesquisador em comunicação social, atribui a utilização dos ambientes digitais, nos movimentos políticos no Brasil, à observação do uso de espaços virtuais em movimentos políticos estrangeiros, como nas Primaveras Árabes ou no Movimento Occupy, nos Estados Unidos.
“Muitos desses movimentos começaram a perceber que não adianta só mostrar sua força na rede, é importante transformar essas mobilizações e levar elas para as ruas”, afirma Paganotti.
Segundo pesquisa da TIC Kids Online Brasil 2021, 78% dos jovens brasileiros, entre 9 e 17 anos, utilizam as redes sociais de maneira cotidiana. A maioria dessas plataformas foram criadas para promover interação por meio do compartilhamento da rotina, mas vêm sendo apropriadas como mecanismo de debates e intervenções políticas.
Segundo Ivan, isso se deve, também, ao fato do surgimento de comunidades virtuais. Elas apresentam maior diversidade de discursos, por conta da abrangência que possuem e, seu uso, é potencializado pelas crises climáticas, econômicas e políticas que se tem vivido.
Em entrevista ao Contraponto Digital, a candidata para deputada estadual nas eleições deste ano e ex-presidente da UBES, Rozana Barroso, salientou a importância das redes sociais para o engajamento jovem na política: “Somos a geração do tiktok sim! Foi através de uma ‘trend’ nessa plataforma que tiramos mais de 2 milhões de títulos de eleitores”.
Coletividade como meio
A aglutinação de jovens em debates políticos se mostrou essencial para a busca de um futuro melhor, é o que acredita Luiz Ramos, secretário da UNE (União Nacional dos Estudantes), órgão representativo dos universitários e um dos organizadores do “Tsunami pela Educação”.
“É importante a gente se engajar politicamente porque todas as transformações sociais, tudo que a gente viveu, não só no Brasil, mas na história do mundo, teve uma grande participação da juventude”, complementa o secretário.
Isso também é evidenciado nas Jornadas de 2013, organizadas pelo Movimento Passe Livre, que reuniu milhares de manifestantes na Avenida Paulista. Lucas Oliveira, ex-integrante do MPL, relata que a divulgação foi feita através do Facebook, como uma forma de comunicação direta com os militantes.
Oliveira comenta que o preço da tarifa e a vontade de integrar um movimento social com uma visão parecida com a que ele tinha, o fizeram participar do MPL: “Querer fazer as coisas de uma maneira que não fosse verticalizada, de uma maneira que as pessoas atuassem diretamente e não por meio de representante”.

Campanhas políticas se voltam para as redes
A noção de que a internet é um instrumento com grande poder de influência, também foi notada pelos partidos políticos. O engajamento de candidatos nas redes sociais faz total diferença nas campanhas e, como o foco dessas eleições foram os jovens, o investimento nesta área atingiu patamares maiores.
Israel Russo, assessor do MBL (movimento que apoiou a candidatura de Kim Kataguiri, do União Brasil), afirma que a campanha foi “um mix de metodologias”, tendo o entretenimento como ponte para o contato com os militantes.
"A gente vai no game, na história, no contexto em que eles estão engajados e os incentivamos a se mobilizarem e se engajarem com política", declara o assessor.
Isis Mustafá, candidata a deputada federal pela Unidade Popular, acrescenta que o engajamento político jovem é importante não somente pela força e participação nas redes sociais, mas também pela inovação sobre o fazer política: “Queremos representar o novo não só na idade, mas nas ideias também”.
O outro lado do universo virtual
Apesar do ambiente digital proporcionar encontros com comunidades que possuem pensamentos semelhantes, é necessário atenção à formação de “bolhas”. Ivan afirma que com a mesma facilidade com que se encontram tais grupos de interesses, há o distanciamento de outras perspectivas e, assim, o crescimento de movimentos radicais.
O especialista comenta que outro malefício da internet é a violência simbólica: “É mais fácil ameaçar (na rede) uma pessoa de morte ou usar uma linguagem mais agressiva e o custo para quem está produzindo esses conteúdos ofensivos parece menor".
Ivan complementa que os próprios algoritmos favorecem conteúdos que tenham grande carga emotiva, os quais são mais facilmente compartilhados: “De modo geral, conteúdos mais ponderados, equilibrados, racionais e com textos mais extensos têm desvantagem em comparação a conteúdos bombásticos”.
Para o pesquisador, essa realidade tem feito com que muitas pessoas deixem ou revejam a utilização das redes sociais. Ele acredita que isso possa implicar numa reconfiguração do uso desses espaços, para que o esgotamento provocado por essa violência seja evitado.
As campanhas eleitorais estão enfrentando um desafio: a atração do público jovem, tendo como ferramentas principais o TikTok e o Instagram. Essas plataformas podem ser decisórias para o resultado deste ano, sendo um dos componentes que influenciam na escolha do voto.
Em anos anteriores, os jovens não faziam parte do público alvo das campanhas eleitorais. Na verdade, não havia uma preocupação com conteúdos voltados para eles. Hoje, a comunicação política utiliza linguagens e ferramentas usadas por este público, como os stories no Instagram, ou vídeos curtos no Reels ou TikTok.
“Acho que esse ano tem uma questão maior para o eleitorado jovem, até porque você teve campanhas para eles tirarem o título de eleitor e tudo mais. Pela primeira vez, nas maiores campanhas, têm um interesse maior neste público”, explica o profissional de marketing político, Felipe Tonet, que está atuando em três campanhas diferentes de candidatos para São Paulo. Além disso, o comunicador explica que a política sempre esteve atrasada neste quesito, comparado a outras áreas da comunicação.
Como os candidatos estão usando as mídias sociais
Ao observar a estratégia de comunicação dos dois maiores candidatos a governador de São Paulo, em que, tanto Fernando Haddad (PT) quanto Tarcísio Freitas (Republicanos), é perceptível que estão tentando adaptar sua linguagem para redes sociais que alcançam principalmente o público juvenil. Produzindo vídeos curtos, de fácil alcance, sem uma grande produção e que acompanhe as trends do momento.

Ambos os candidatos utilizam de trends e cortes de entrevistas e podcasts para colocar em suas redes sociais. Freitas utiliza de uma linguagem patriótica, bem como o apelo emocional e as cores da bandeira brasileira como seus escudos em sua campanha eleitoral. Já Haddad, se apropriou da narrativa "jovem" e a situação de desigualdade do Brasil para construir seu storytelling.

Em outro extremo, Felipe explica que o candidato que se encontra fazendo o melhor uso em sua campanha das mídias sociais é Rodrigo Garcia (PSDB). Plataformas como TikTok e Instagram, trazem em seu discurso formas de conteúdo que melhor se enquadram a seu estilo jovem de governo. O tucano aproveita suas trends para produzir vídeos curtos, além de se comunicar de maneira mais informal, se aproximando mais efetivamente do eleitorado jovem, de acordo com o comunicador.
Apesar disso, o petista lidera entre os mais jovens de 16 a 24 anos, com 36% das intenções de votos. Já o tucano e o candidato bolsonarista, são os mais bem indicados para pessoas com mais de 60 anos, aponta a pesquisa EXAME/IDEIA, da revista Exame.
Como as mídias socias influenciam para quem vai votar pela primeira vez
“Aquele jovem que está na média dos seus 16 anos, votar pela primeira vez, está ligado a ter contato com políticos pelas redes sociais. Esse jovem não consome televisão, é fato. E assim, os políticos que mais investem nessa área, com memes, trends, linguagem jovem, impactam e chamam atenção dos mesmos”, explica Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Vale lembrar que 84% do público entre 16 e 29 anos utiliza o Instagram como plataforma prioritária. De acordo com dados da própria ferramenta TikTok,66% de seus usuários têm menos de 30 anos, e grande parte está entre 16 e 24 anos. Para o uso dessas redes sociais, há a maneira certa para se comunicar e se conectar com o público, forma na qual os políticos não estão habituados.

O especialista em mídias e redes sociais, professor da PUC-SP, Claudir Segura, explica que hoje os candidatos a governador de São Paulo fazem uso das mídias sociais não para apresentar propostas ou planos de governo, mas para buscar engajamento junto ao eleitorado. Para o educador, a grande maioria do eleitorado jovem não tem o costume de pesquisar mais sobre o que os candidatos a governador abordam, permanecendo em sua zona de conforto do “achismo”, proporcionado pelas redes sociais.
“Em uma eleição polarizada, o posicionamento do jovem pode ser decisivo para o resultado. Você pode perceber que muitos candidatos começaram a conversar com o jovem”, afirma Marcos Teixeira, cientista político e professor da FGV.
Influenciadores nas redes e na política
Outro fator que está impactando fortemente a decisão de voto e pode pode refletir nas eleições a governador de São Paulo são os influenciadores. Pessoas com grande engajamento em suas redes sociais e que, ao se posicionarem politicamente, podem impactar na decisão do eleitorado, principalmente entre os mais jovens.
O comunicador político, Tonet, afirma que esse é um desafio para a campanha, uma vez que o posicionamento desses blogueiros a favor dos candidatos não é permitido pela Legislação Brasileira. Além disso, pondera: “não tem como controlar como esse influenciador vai agir, antes ou depois que ele anunciou o voto. O cara pode cometer um crime que pode atrapalhar a “marca”, isso foge ao controle. ”
Fake News, influenciadores e redes sociais
Os profissionais das mídias sociais podem se tornar instrumentos de circulação de Fake News, como explica o professor do Mackenzie: “existem aqueles que ignoraram o que está acontecendo na vida política de seu país, e promovem diversos níveis de desinformação, gerando preconceitos e uma rede de ódio daqueles que o seguem.”
Vitória Moraes, influenciadora que fala sobre moda, e Fernanda Concon, atriz, ambas paulistas, comunicam aos seus seguidores sobre como funcionam as eleições, o papel de um governador e a importância de conhecer seus candidatos. As criadoras de conteúdo digital e formadoras de opinião, usam e abusam das ferramentas das redes sociais, entregando toda a sua criatividade para levar informação séria e de qualidade para seu público alvo que são os jovens.

“Meu público é composto totalmente por jovens. Em algumas lives que fiz sobre as eleições, percebi que muitos de quem tava me assistindo era frequentemente enganado por fake news. Hoje, eu mais informo sobre um todo das eleições, do que exponho minha opinião política. Aliás, o jovem é o futuro”, afirma Vitória.
Concon conta sobre os comentários que recebe ao postar um stories no Instagram sobre o assunto e o retorno que tem de seus seguidores. “A maioria é mais jovem e será a primeira vez votando. Tenho muito orgulho de me posicionar. Quando fiz 16 anos passei a me engajar politicamente, e incentivo isso dos meus seguidores”.

Prando considera que a liberdade de expressão é parte integrante do processo mas que, por outro lado, é necessário ser responsável por aquilo que compartilhamos e pelos meios que buscamos informações.
Campanhas de incentivo para o jovem participar das eleições
Em março deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), junto com os 27 Tribunais Eleitorais (TREs), promoveram a Semana do Jovem Eleitor 2022, ação pioneira que teve como objetivo incentivar as pessoas de 16 a 18 anos a tirarem o título de eleitor. O resultado foi surpreendente: mais de 2 milhões de novos eleitores, o que representa um aumento de 47,2% em relação a 2018.
Para São Paulo, o eleitorado jovem totalizou 358 mil pessoas, número que aumentou 207% comparado a 2018, em que somente 190 mil jovens estavam aptos a votar, de acordo com dados do TSE.
“Temia-se que pouquíssimos se alistassem. Depois, pela conjunção de influencers, campanhas, a própria situação do Brasil, você teve uma surpresa positiva enorme (...) se o grupo tem cidadania eleitoral, ou seja, se vota e se posiciona, os instrumentos de decisão passam a escutar este grupo”, explica Teixeira.
O que Eduardo Cunha, Marina Silva, Sônia Guajajara e Rosângela Moro têm em comum? Todos os quatro candidatos, além de terem em comum a disputa à Câmara dos Deputados, também são “candidatos forasteiros”, denominação dada a quem concorre a cargos fora de seus estados de origem. Todos construíram suas carreiras políticas em seus locais de nascimento e, agora, tentam se eleger pelo maior colégio eleitoral do país, São Paulo.
Com mais de 34 milhões de eleitores, a terra paulista se torna um dos principais alvos para estes candidatos. Na esperança de darem maior visibilidade a suas campanhas, eles estão mudando seus domicílios eleitorais para o estado para concorrerem pela metrópole.
Candidato a deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Eduardo Cunha, natural do Rio de Janeiro e condenado a 15 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela Operação Lava Jato, anunciou no início deste ano, pelas redes sociais, que novamente irá concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados. O carioca se lança em campanha mesmo estando atualmente inelegível segundo decisão tomada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Marina Silva, ex-senadora pelo Acre entre 1995 e 2011 e ex-ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, hoje também concorre ao cargo de deputada federal. Rosângela Moro, advogada e esposa do ex-juiz Sérgio Moro, não fica para trás. A paranaense também faz sua estreia na política e pleiteia por um cargo nas eleições de outubro. Já a maranhense Sônia Guajajara, uma das principais lideranças indígenas do país, concorre pelo PSOL às eleições deste ano.
O desejo por São Paulo
De acordo com Akira Pinto Medeiros, mestre em ciência política pela Universidade de São Paulo, São Paulo é tão atrativo para forasteiros justamente por ser o maior colégio eleitoral da federação. O estado proporciona uma oportunidade e tanto para que partidos, especialmente os que são poucos conhecidos, se sobressaiam em relação aos demais. Segundo Medeiros: “tais candidaturas podem dar sobrevida a um partido que possui fraco desempenho eleitoral fazendo assim com que ocupem cada vez mais espaços”.
Contudo, esta não seria a única razão particular para que tais candidatos desejem tanto disputarem a cargos eleitorais diretamente por São Paulo. A região contém uma faixa considerável de votos ideológicos, tendo assim, um peso político importante para os oponentes que almejam o triunfo nas urnas.
Voto ideológico
Votos ideológicos são uma espécie de atalhos mentais utilizados para organizar, em uma perspectiva espacial, preferências políticas. Dentre tantas escolhas complexas que o eleitor possui, o voto ideológico é capaz de reduzir estas opções numa âmbito direita, esquerda ou até mesmo centro, e assim contribuir para com que o votante consiga situar-se neste espaço optando pelo lado com o que mais se identifica.
Para a docente Mayra Goulart, do departamento de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre essas dimensões políticas, o voto ideológico de esquerda estaria conectado com a ideia de inclusão social e igualdade, ele manifesta a utilização das capacidades estatais para reduzir as desigualdades. Já um voto ideológico de direita tem uma orientação mais liberal, crítica o papel do Estado na intervenção da economia, logo defende o livre mercado.
Ainda de acordo com Goulart, o voto ideológico de direita ganha uma segunda camada ainda mais forte, a esfera do conservadorismo que defende as hierarquias tradicionais contra uma ideia de igualdade e de construção de uma nova sociedade, que é o que defende a esquerda. Para a professora: “a direita bate muito na chave do medo do novo, usa o conservadorismo como reação, em defesa do tradicional, uma ordem patriarcal que se vê ameaçada pela proposta de se construir uma nova ordem social”. Bases que defendem a preservação dos valores da família, da continuidade de hierarquias e que alegam priorizar e proteger movimentos religiosos, conseguem ganhar pontos significativos com aqueles que preservam este conservadorismo.
Tanto o voto ideológico de esquerda quanto o voto ideológico de direita são construídos sobre o pilar da identificação. O eleitor, ao se contemplar na figura do candidato que resguarda valores que o próprio votante e sua família defenderam avida inteira, consegue enxergar em seu “semelhante” a continuidade de seus ideais. Logo, a escolha não se torna tão difícil, ao seu ver, quando há na disputa outros candidatos que defendem pautas que se opõem a suas linhas de pensamento.
Os eleitorados das candidatas Sônia Guajajara e Marina Silva são um forte exemplo de voto ideológico. Ambas defendem a pauta do meio-ambiente e conseguem adquirir, naturalmente, votos da bancada ambientalista devido a afinidade pela causa. Assim, a definição do voto pode ser dada quase como certa ao passo que boa parte de seus eleitores se baseiam nesta linha de raciocínio.
No entanto, para o cientista político e professor de Ciências Sociais da Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), Francisco Fonseca, o voto brasileiro é muito mais pragmático do que ideológico. Segundo o docente, “80% dos brasileiros têm salários baixos, ou seja, o voto no Brasil é muito mais vinculado ao custo de vida, de oportunidades de trabalho e de ascensão social”. Para Fonseca o voto ideológico, a princípio, é positivo exatamente porque há a identificação do eleitor com o candidato, tornando assim o tipo de voto interessante ao analisar as motivações dos
eleitores em relação às escolhas por certos aspirantes a cargos políticos.
Conquistando eleitorado
Sobre os discursos para ganharem o eleitorado alheio, geralmente forasteiros não apresentam grandes novidades. Repetindo promessas que rotineiramente candidatos próprios de São Paulo já fazem - como melhorar a educação e a saúde no estado - suas propostas normalmente não se diferenciam dos demais concorrentes, porém, acabam fazendo o imaginário do eleitorado por serem de fora e ainda possuírem uma certa credibilidade já que são “caras novas”.
Estes candidatos podem simplesmente forjarem vínculos com a população de quem deseja os votos ao fingir existir um sentimento de pertencimento ao território. Se utilizam de pontos semelhantes que têm com seus eleitores para se aproximarem e assim os conquistarem.
Questionados se si consideram forasteiros, dos quatro candidatos mencionados apenas Sônia Guajajara respondeu: “Não me considero forasteira em nenhum lugar de meu país porque o Brasil é Terra Indígena, São Paulo é Terra indígena e hoje eu moro em São Paulo”. A candidata afirma que criou uma relação com São Paulo, que tanto a acolheu, desde que foi candidata a Vice-Presidenta na chapa de Guilherme Boulos em 2018. Das demais assessorias, até ao devido momento, não houve retorno.
E a lei? Diz o quê?
Um levantamento feito pelo O GLOBO, com base no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que há disputando nas atuais eleições 72 forasteiros, somente pela chefia dos Executivos estaduais. Embora sejam muitos, não existe nada, segundo a legislação brasileira, que os impeça de competirem fora de seus estados.
De acordo com a lei, não há irregularidades cometidas caso candidatos optem por concorrerem a cargos políticos fora de seus locais de nascimento. Segundo o professor titular de Direito Constitucional da PUC-SP, Luiz Alberto Davi: “respeitadas as regras de domicílio eleitoral, a lei não pode proibir a candidatura destes candidatos”. Logo, caso exista uma norma proibitiva, ela seria inconstitucional visto que a Constituição não traz restrições outra a não ser os requisitos da lei.
A única exigência feita pelo TSE é que o candidato possua domicílio eleitoral onde deseja concorrer e que também tenha meios para comprovar vínculos com o estado, sejam eles de elo político, social, afetivo ou de negócios. Assim, não tendo nada que os impeça desde que cumpridos os requisitos da lei, o desafio é convencer um novo eleitorado de que, mesmo sendo frutos de um contexto diferente, são capazes de lidar com os problemas do estado “estrangeiro” que os espera pela frente.
Alunos que ingressam em 2022 nos cursos de comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), têm grande parte das aulas concentradas no “Prédio Novo” da unidade de Perdizes, e podem demorar a descobrir o edifício que abriga os estúdios de rádio e televisão.
Com mais de duas décadas, o “Prédio Novo” é chamado assim porque fica ao lado do “prédio velho” da Universidade. Este sim, tem 102 anos. Mais acima, de frente para a (sempre impecável) capela universidade, é que fica o laboratório. Ao lado do estacionamento, uma passagem estreita ladeada de gradis leva o aluno até três caminhos: dois levam a lugar nenhum —prédios ”desligados” da universidade — e o último, e mais evidente (por ser o único iluminado), dá acesso ao prédio que abriga os laboratórios de vídeo e rádio jornalismo.
Um estúdio de televisão, outro de rádio; uma sala de reuniões e outra de equipamentos. Todos no térreo de uma construção retilínea inacabada de três andares.
Alunos mais ousados descobrem, eventualmente, o fundo de um dos laboratórios (nosso segredo, leitor) onde há uma estante com uma surpreendente coleção de discos de vinil. Ali, funciona uma espécie de museu precário. Discos, trabalhos de antigos alunos, câmeras analógicas e equipamentos de rádio e tv obsoletos ocupam as estantes dos estúdios sem muita distinção.
Dos equipamentos disponíveis aos alunos para as tarefas das disciplinas, alguns poderiam agregar à coleção do museu. As câmeras de vídeo são bastante antigas ainda, mas têm certa qualidade. Os microfones, ainda mais antigos, é que merecem substituição mais urgente.
Caso o estudante não tenha uma boa máquina em casa, cinco computadores estão à disposição. Apesar de terem instalados softwares de edição, não escapam do padrão dos demais equipamentos —- que combinam com o viés católico da universidade. São antigos e avessos a grandes mudanças (como abrir muitas páginas de uma vez). Às vezes é preciso orar para que eles não travem.
Apesar de integrar a universidade católica, o prédio destoa muito da área reservada à oração e, assim como a pontifícia, já teve dias melhores. Ernesto Luís Foschi, 61 anos, é técnico nos laboratórios de rádio da PUC-SP há 35 anos e conta que, inicialmente, aquele espaço abrigava os cursos de comunicação. Sediava oito salas de aula, centro acadêmico, copiadora, a associação dos funcionários e até alguns laboratórios de psicologia.
Ernesto menciona que o prédio foi construído por volta de 1997, mas "em 2002, 2003 (mais ou menos), surgiu o projeto para construção de três prédios de cinco andares, com salas de aulas, laboratórios e até quadras nas coberturas… isso nunca aconteceu [...]. Em 2010, os últimos andares foram desativados por causa da construção [que nunca ocorreu]. Os nossos laboratórios seriam os últimos a sair. A princípio, seríamos realocados para o quinto andar, mas aí perceberam que ficaria muito caro e então nos disseram que iríamos para a ala nova do prédio velho. A ala nova do prédio velho já tem quase 100 anos… não rolou”.
Desde então, o terreno que abrigava os prédios de comunicação serve de estacionamento e é administrado por uma empresa particular. Todas as salas de aula foram transferidas para os prédios novo e velho da pontifícia, restando apenas os laboratórios de rádio e vídeo, além de três andares abandonados.
2° andar do prédio desativado da PUC-SP. REPRODUÇÃO: Laura Lima set/2022. O abandono dos andares acima, também é visível no térreo. Trechos de forro faltando abrem o caminho para as salas de aula que ainda funcionam, uma delas possui paredes com infiltrações, piso descascado e tomadas abertas com fios soltos. Na percepção do técnico, “eles achavam que era fácil mudar, mas quando perceberam a caixa de marimbondo que estavam tacando pedra, falaram que não dava porque era muita grana”.
O prédio possui problemas estruturais, como a falta de uma rota de fuga em caso de incêndio. O acesso a um dos laboratórios, só se dá ao atravessar a sala de aula e, frequentemente, interrompe as aulas. E problemas de administração, os laboratórios ficam abertos até às 9:45, mas segundo Ernesto, "após o retorno da pandemia, a PUC diminuiu o número de seguranças. Nós temos seguranças até as oito da noite. Depois disso, Deus protege”.
Apesar do corte no quadro de funcionários, a mensalidade do curso aumentou recentemente e o aluno que se matricular em 2022 vai pagar uma mensalidade de R$ 2.820,00. Ao ser questionada, a assessoria da universidade católica afirmou que “ser bonita e bem equipada nunca foi a vocação da PUC-SP. Há quem diga que a PUC tem muita alma e pouco corpo, rs”.
A última reforma dos laboratórios foi feita em julho deste ano, onde houve a troca do piso dos corredores. Ernesto revelou que “tinha um buraco no chão já há vários anos”. Até o momento, não se tem projetos para a construção de novos laboratórios. A universidade também não se manifestou com relação à compra de novos equipamentos ou a reforma deste abençoado espaço.