Com cerca de 14 milhões de indivíduos habitando o leste da Turquia e aproximadamente mais 16 milhões de pessoas espalhadas pelo Iraque, Síria, Armênia e Irã, os curdos configuram o maior povo apátrido do mundo. Eles compõem o quarto maior grupo étnico do Oriente Médio, mas nunca conseguiram um país próprio. Na luta contra o Estado Islâmico (EI) na Síria passaram a comandar uma vasta área no país, mas agora o domínio está ameaçado pela ofensiva turca.
Quem são os curdos?
As origens étnicas do povo curdo são ainda indefinidas, mas sabe-se que a população habita a região do Curdistão há cerca de 2600 anos. Até 1639, os curdos possuíam uma autonomia relativa, mesmo sem nunca terem, de fato, constituído um Estado independente. Neste ano, um tratado entre os Impérios Persa e Otomano reparte o Curdistão. Após a Primeira Guerra Mundial, com o desmembramento do Império Otomano, um tratado denominado de Sèvres quase delimitou as fronteiras para um Curdistão autônomo, mas foi rejeitado pelos turcos.
Em 1923, com o Tratado de Lausanne, parte do Curdistão foi integrada ao Iraque e à Síria, enquanto outras permaneceram para a Turquia e o Irã. Assim, a partir de 1925, a terra dos curdos, conhecida desde o século XII como Curdistão, vê-se dividida entre quatro países. Nesta época, com o novo regime turco, a língua, a cultura e as instituições curdas são suprimidas, tendo em vista o seu aniquilamento como cultura e etnia diferenciada.
Histórico de silenciamento e repressão do povo curdo
Desde então, os curdos reivindicam a área em que ocupam nesses países para a criação de um Estado chamado Curdistão, e consequentemente, a independência para seu povo. As contestações, no entanto, foram (e ainda são) duramente reprimidas. No território iraquiano, a maior onda de violência aconteceu durante o governo de Saddam Hussein, que reprimiu duramente todo e qualquer ativismo curdo, incluindo o uso de armas químicas nos anos 1980.
Entre 1987 e 1989, vários ataques foram lançados contra os curdos no norte do país, sendo o mais significativo deles um bombardeio com gases tóxicos sobre o povoado de Halabja (norte do Iraque), em 17 e 18 de março de 1988, que deixou 5.000 pessoas curdas mortas.
Em meio a tamanha repressão, no final de 1978 surgia do outro lado o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (Parti Karkerani Kurdistan, PKK), com o objetivo de devolver ao povo curdo a chance de se autodeterminar. Isto é, retomar a legitimidade em expressar suas culturas, desfrutar de acesso a segurança e saúde pública, e principalmente, poder voltar a falar sua língua de origem.
Surgimento das principais milícias curdas e do YPJ
Em 2003, surge o Partido de União Democrática (Partiya Yekîtiya Demokrat, PYD) como afiliado do PKK. É neste cenário de luta que nasce, em 2011, As Unidades de Proteção Popular (Yekîneyên Parastina Gel, YPG), uma organização curda da região do Curdistão sírio, como braço armado do PYD. O YPG é composto por alas ligadas a movimentos nacionalistas, se consolidando como uma "milícia popular democrática" e seus oficiais são apontados via eleição.
O grupo atuou na linha de frente de inúmeros combates que visavam expulsar as forças do governo da Síria de seus territórios, como a conquista das cidades de Amuda e Efrîn, em julho de 2012. Nesse contexto, surge uma representação antes pouco vista em milícias da região: a feminina. De dentro da YPG, crescia não só o número de mulheres combatentes que integravam a organização, mas a qualidade técnica delas em treinamento nas batalhas.
A necessidade das frequentes reuniões e organizações dos batalhões femininos para discutir missões, deveres e papéis dentro da luta - e do próprio povo curdo - resulta, em 4 de abril de 2013, na criação da Unidade de Defesa das Mulheres (YPJ), uma organização única e estritamente feminina. Todas as combatentes que antes faziam parte das unidades mistas do YPG tornaram-se automaticamente membras do YPJ. Registros apontam que em agosto de 2017, o grupo já contava com 24.000 mulheres - uma unidade de proteção altamente estruturada e auto-dirigida.
As mulheres como protagonistas da revolução curda
A atuação em combate das mulheres dentro das YPJ concedeu ao povo curdo avanços extremamente significativos. Mas, a participação feminina para a criação e manutenção da sociedade curda transcende confrontos e embates propriamente ditos. É preciso entender que as conquistas dos curdos nascem de um processo de revolução e de resistência - este povo, então, propõe e vive todo uma estrutura social diferente do que conhecemos nos países tipicamente Ocidentais. E quem sustenta a base desta estrutura são as mulheres.
Em 2011, a Síria começa a enfrentar uma dura Guerra Civil, fomentada pela repressão do governo de Bashar Al Assad, do Partido Baath, em resposta às manifestações populares que explodiram no Norte da África e no Oriente Médio, e ficaram conhecidas como Primavera Árabe.
Após o colapso do regime de Assad em 2012, em meio à todos os conflitos que envolviam rebeldes sírios, grupos fundamentalistas islâmicos e outros países como os Estados Unidos, partidos curdos viram nesta instabilidade a oportunidade de colocar em prática um projeto extraordinário de autogoverno e igualdade para todas as raças, religiões, homens e mulheres.
Este projeto se materializou na concepção de Rojava, o chamado Curdistão Sírio: uma região autônoma situada na porção norte-nordeste da Síria. Rojava é organizada em três cantões auto governados: Afrîn, Cizre (Al-Jazeera) e Kobanî, além de partes da Região de Shahba.
Rojava, Abdullah Öcalan e o Confederalismo Democrático
Rojava tem raízes e toda sua estrutura social baseada nas ideologias do Confederalismo Democrático. Este conceito nasceu de um projeto do líder curdo Abdullah Öcalan e fundador do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). O PKK é uma organização curda antifascista que desde 1984 se engaja em uma luta armada contra o estado turco, por um Curdistão autônomo e com mais direitos culturais e políticos para os curdos na Turquia.
Em seu livro “Confederalismo Democrático” (2011), Öcalan descreve o sistema de auto-organização democrática baseado em princípios como multiculturalismo, feminismo, economia compartilhada, ecologismo, democracia direta, autonomismo, autogestão e autodefesa. O revolucionário desenhou o conceito a partir de seus estudos sobre, principalmente, ecologia social e o municipalismo libertário, com o objetivo de libertar o povo curdo das opressões sofridas e, também, para propor uma democratização para os povos de todo o mundo - assim que os problemas estruturais da sociedade de classes fossem extinguidos.
Desde o princípio da formulação de seus ideais, Öcalan compreendia o patriarcado como um dos principais pilares da sustentação de um Estado regulado em desigualdades. O líder passa a fundamentar as teorias para o PKK pensando, em primeira instância, nas necessidades sociais das mulheres. Na década de 1990, o movimento curdo enfrenta transformações profundas em sua estrutura e, sobretudo, na organização política do PKK. As mulheres passam a adquirir posições e papéis importantes no projeto de sociedade. Uma organização que, necessariamente, deve ter como eixo central a libertação das mulheres.
Em 2013, o líder curdo publica um texto chamado "Liberating Life: Woman's Revolution", em que reconhece que a escravidão da mulher, no sentido das amarras ao patriarcado, é uma construção histórica diretamente ligada ao capitalismo e ao Estado: “o capitalismo e o Estado-nação são o monopólio do macho despótico e explorador. Nada no oriente médio é tão horripilante quanto o status social da mulher. [...] O projeto de libertação das mulheres vai muito além da igualdade entre os sexos, por outro lado ele descreve a essência da democracia em geral, dos direitos humanos e da harmonia entre a natureza e a igualdade comunal”.
Primeira revolução feminista da história
Assim, o feminismo começa a ganhar destaque na luta dos curdos e se torna peça chave para a libertação social e coletiva - e, no mesmo sentido, as mulheres passam a desempenhar protagonismo na revolução curda, nos ideais do Confederalismo Democrático e na sua proposta de autogestão.
Maria Florencia Guarche Ribeiro, internacionalista e pesquisadora do Movimento das Mulheres Curdas, afirma em sua dissertação de mestrado de 2019 que: “nesse plano, o compromisso com a igualdade de gênero e o enfrentamento à opressão étnica é a marca do PKK e do movimento de mulheres.” Em outras palavras: Abdullah Öcalan deixa claro que o patriarcado atua conjuntamente com o capitalismo e o Estado em prol da legitimação das estruturas de dominação.
É com raízes nessas ideologias que o autogoverno de Rojava é construída e declarado autônomo no ano de 2012. O papel das mulheres, então, se torna essencial para a resistência do povo curdo. Pela atuação exemplar delas em todas as instâncias, a participação feminina em locais antes ocupados majoritariamente por homens nesta sociedade passa a ser visto e notado até pelos noticiários internacionais. Fica nítida a diferença, no âmbito estrutural, em relação ao contrato social entre homens e mulheres proposta pelo moderno Estado ocidental, assinado apenas por homens.
Maria Florencia ainda explica que as mulheres curdas passam a significar esperança para os movimentos feministas para além do Oriente Médio, “sobretudo os que emergem nas periferias do mundo lutando para conseguir espaço sem serem absorvidos pelos feminismos liberais e eurocêntricos”.
É importante considerar também que o povo curdo vive um processo revolucionário. “A gente está falando de militantes. É como olhar para a Rússia soviética, em 1919, aquelas pessoas estavam derrubando um império”, explica. A criação de Rojava, para a internacionalista, é “um laboratório a céu aberto da primeira revolução estruturalmente feminista da história”.
Organização social da sociedade curda
O confederalismo democrático, proposto por Abdullah Ocalan, como antes dito, se baseia em três princípios: nação democrática, indústria ecológica e economia socialista. O projeto de estado-nação tenta colocar em prática uma sociedade na qual tudo é feito em parceria direta, ou uma “democracia” direta.
Em Rojava, o Movimento por uma Sociedade Democrática (Tev-Dem) é responsável por administrar esses princípios, na maioria dos casos. Na prática, essas ideias se concretizam em uma sociedade administrada por comunas. As comunas são os locais onde as pessoas se reúnem para discutir e resolver os problemas rotineiros e todos os aspectos da vida.
Zanyar Omrani, um cineasta e ativista curdo dos direitos humanos, foi viver em Rojava para escrever um artigo intitulado “Introdução às estruturas políticas e sociais da autonomia democrática em Rojava”. O ativista entrevista o administrador-chefe do Movimento por uma Sociedade Democrática, que diz que o primeiro passo para formar uma sociedade ecológica democrática é criar várias comunas nos bairros, vilas, condados e cidades grandes e pequenas em Rojava.
No artigo, Omrani detalha o funcionamento da sociedade curda por meio das comunas. Cada comuna tem seis comitês separados, cada um lidando com as questões relacionadas a ela. Por exemplo, Mala Jin (Casa da Mulher) lida com a educação, estudo e investigação sobre a situação da mulher em cada comuna. O comitê social, o comitê de jovens, o comitê feminino, o comitê de paz, o comitê de autodefesa e o comitê econômico são os seis comitês que atualmente atuam nas comunas.
Cultuando o fim da sociedade patriarcal, as comunas são administradas em co-liderança (um homem e uma mulher) e a idade dos membros da comuna deve ser maior de 16 anos. Essas comunas realizam sessões semanais e registram e discutem seus relatórios mensais. A seleção dos co-líderes e as formações das comissões são feitas por meio de eleições diretas entre os membros da comuna.
Vários municípios de uma determinada região se reúnem em outro lugar chamado “Casa do Povo” (Mala Gel). As grandes decisões são tomadas nas Casas do Povo - elas são responsáveis pela supervisão das comunas. O administrador-chefe do Movimento por uma Sociedade Democrática, afirma, sobre a posição das comunas, à Zanyar Omrani: “O valor da assinatura da comuna é mais do que a assinatura do ministério, pois o ministro nada pode fazer se a comuna não aprovar”. Ele continua, “somos contra o sistema de cima para baixo. Queremos ter um sistema que atue da base ao topo”.
Zozaan Ali, membro da assembleia de fiscalização dos tribunais, afirma ao ativista: “um dos problemas mais comuns que leva as pessoas aos tribunais são os casos de mulheres sendo torturadas por seus maridos ou irmãos”. Zozaan acredita que por ter instituições como a Casa do Bem-Estar da Mulher no Cantão de Jazira, as mulheres sentem-se mais seguras e a garantia da força dá-lhes o poder de protestar. A presença de mulheres não deve ser inferior a 40% nos Departamento de Justiça.
Em 2014, o cantão de Jazira aprovou uma nova lei que ordena a igualdade para as mulheres. As novas regras no distrito de Jazira exigem salários iguais e direitos de herança iguais. Eles também declararam que o testemunho de uma mulher no tribunal é tão valioso quanto o de um homem. Além disso, a regra estabelece licença-maternidade para mulheres e, mais importante, determina que nenhuma mulher se case sem seu consentimento, e nunca menor de 18 anos. A nova lei não se baseia na Sharia islâmica e, por isso, os curdos estão com medo e temem as punições. Vários homens foram chamados pelos tribunais e sentiram remorso por suas ações, e até pediram desculpas a suas esposas no tribunal.
A título de exemplo, segundo Omrani, em 2014, em 9 tribunais do cantão de Jazira, 6.061 processos foram encaminhados aos tribunais, dos quais 4.500 processos foram resolvidos. Enquanto isso, e no mesmo período, as comunas conseguiram resolver e resolver mais de 20.000 casos.
A YPJ é um exército curdo?
A partir de 2012, quando Rojava é declarada uma região autônoma, a administração do povo curdo sírio passa a ser feita por governanças locais e de forma popular. Mas, é necessário contextualizar que, nesta época, toda a população está lidando com um cenário de Guerra Civil na Síria sem precedentes na região. O impacto social em todo o território é único e complexo, considerando desde a invasão pela Turquia até os ataques constantes de grupos terroristas extremistas islâmicos, como o Estado Islâmico.
Unindo o cenário de guerra no país em que habitam à tentativa de se afirmar e resistir como um povo historicamente silenciado, entende-se que a criação das unidades de proteção curdas - as YPJ ou YPG - fazem jus ao próprio nome. Estas são organizações fundamentadas na autodefesa e não possuem uma lógica militar. A YPJ não existe somente no aspecto físico e no pegar em armas: as unidades tem como objetivo proteger e garantir a aplicação de um projeto de sociedade - o confederalismo democrático para o Curdistão.
“Existe, nesse contexto, uma diferença muito significativa entre o que a gente entende por exército, que é o uso legítimo da força por parte de um Estado, uma unidade abstrata que está acima dos cidadãos, que termina usando dessa força para proteger o seu território e a sua soberania”, explica Maria Florencia Guarche.
A internacionalista afirma que as tais unidades de proteção existem para se defender de perigos que possam vir a ameaçar o projeto de sociedade dos curdos, como a ofensiva turca e grupos terroristas. As YPJ e as YPG se estruturam a partir de uma administração pública e coletiva por meio de comunas e em uma democracia radical, o que nada se parece com os exércitos de um Estado.
Como se estrutura a YPJ?
Em relação ao projeto social do Curdistão e a atuação das YPJ, a comandante das YPJ Nesrîn Abdalla afirma ao portal Sputnik, em 2016, que “até agora, os exércitos eram criados exclusivamente por homens com pensamento patriarcal, então eles tinham apenas duas tarefas: defender e conquistar o poder. Mas nós somos um exército de mulheres, e isso nunca aconteceu antes, não há outros assim. Fazemos isso não apenas para nos proteger, mas também para mudar o modo de pensar no exército, não apenas para ganhar poder, mas para mudar a sociedade, para desenvolvê-la”.
Maria Florencia relata em seu trabalho “A revolução em Rojava: Jin, Jiyan, Azadî (Mulheres, Vida, Liberdade)”, de 2015, que a YPJ se organiza com base nos ideais estabelecidos pelo confederalismo democrático, em três frentes básicas: Força Profissional, as Unidades de Resistência e as Forças Locais. “Internamente, é formado por grupos de três a cinco combatentes; por pelotões, constituídos por mais de dois grupos; e batalhões, formados
por duas unidades”, explica.
Em reportagem para o Jornal da Band, realizada na vila de Jinwar, território autodeclarado curdo, em fevereiro de 2019, o repórter Yan Boechat afirma que “a maior parte delas [as guerreiras] são civis. Há também árabes, yazidis e as voluntárias”. O jornalista chama atenção para a idade das guerreiras, que em sua maioria, são bastante jovens. Uma moça de 19 anos comenta sua entrada para a YPJ: “decidi me juntar depois que vi tantas mulheres morrendo lutando contra o Estado Islâmico. E também queria ajudar a proteger as mulheres e crianças”.
Mulheres de várias partes do mundo podem se unir a luta das YPJ como voluntárias: é o caso de Hanna Bohman, uma civil canadense que passou três anos lutando contra o ISIS e libertando mulheres na Síria - a história dela no campo de batalha é retratada no documentário “Fear Us Women”, de 2017. Bohman relata que algumas das mulheres da guerrilha guardam consigo uma última bala para se matarem antes de serem capturadas pelo ISIS.
“Há batalhões e comandantes mas não há essa hierarquia direta, não há relação de poder na ascensão dos cargos como a gente concebe. Há uma relação de respeito e de companheirismo, é um projeto de uma sociedade socialista”, explica Maria Florencia. O tempo de experiência de cada indivíduo dentro da unidade é o que define quem ocupa cargos de maior responsabilidade, considerando os quesitos engajamento político e habilidades de batalha.
Apesar do alto nível de capacitação e organização destas mulheres, é importante ressaltar que o contexto em que elas vivem ainda é extremamente vulnerabilizado. Mortes, sequestros e perdas são ocorrências constantes no dia-a-dia das unidades de proteção curdas. São guerrilhas organizadas por populações que vivem sobre embargo econômico e que são atacadas por grupos extremistas islâmicos financiados por países alinhados ao ocidente.
Além disso, a crise de refugiados que perpassa a Síria é monumental. Segundo o ACNUR, Agência da ONU para Refugiados, nove anos após o início dos conflitos na Síria, mais de 11 milhões de pessoas foram forçadas a deixar tudo para trás. Todos esses fatores implicam no entendimento de que é extremamente difícil catalogar um número exato de guerreiras, comandantes e batalhões. Existe muita variação na formulação de dados e senso sobre quantas mulheres ocupam cada posição.
A relação entre a YPG e a YPJ no contexto de protagonismo feminino
“Não há diferença entre o YPJ e o YPG. Os dois são guerreiros. Podemos até dizer que as mulheres estão acima dos homens. As mulheres lideram os homens. Nós vivemos juntos. Comemos, dormimos e combatemos juntos.” A afirmação de Deniz, guerreira da YPJ, para o documentário “Our Allies” (Nossos Aliados) Ep. 1: As Mulheres Curdas - Field of Vision, do The Intercept Brasil, elucida por completo a relação de parceria entre as duas milícias.
As YPJ e as YPG são administradas por comunas, com base em democracia direta e participação popular em todos os setores. Há participação de mulheres nas duas milícias, porque são estruturas irmãs e fusionadas. “Entretanto há setores como a YPJ que só tem participação feminina e isso se dá pela própria orientação da luta anti patriarcado como prioridade. Todas as estruturas elas contam com organizações de mulheres e organizações mistas. O autogoverno autônomo de Rojava, por exemplo,ele tem um presidente e uma co-presidenta, todo cargo masculino, todo cargo que um homem ocupa, necessariamente, tem que ter uma mulher ocupando também ”, afirma a internacionalista Maria Florencia Guarche.
O regulamento interno de ambas as Unidades é bastante semelhante, pois ao estabelecerem-se como forças de defesa em Rojava, possuem como objetivo principal proteger a sociedade políticas e ética, tomando a auto-regulação como base, sem discriminar religião, língua, nacionalidade, gênero ou partidos políticos. Reafirmam a autodefesa como a resposta a todos os tipos de ataques, externos ou domésticos, e lutam para alcançar a liberdade de todos do Curdistão.
Mulheres na linha de frente no combate contra o Estado Islâmico
A liderança sobre os princípios organizativos e comando geral dos embates curdos da Síria é compartilhada em comum acordo pelo YPJ com o YPG - o que os diferencia são as linha de ação independentes, que são feitas em reuniões e conselhos militares independentes. O objetivo em buscar a liberdade, legitimidade, autonomia e resistência do povo curdo é nítida para os dois grupos.
As guerreiras atuaram na linha de frente dos embates mais significativos entre o povo curdo e o Estado Islâmico, bem como dentro do contexto da Guerra Civil da Síria, como a retomada da região de Kobane de volta para o comando curdo. O YPJ também desempenhou um grande papel no resgate e no fornecimento de segurança à comunidade Yazidi que ficou presa no monte Sinjar, no Iraque, em 2014.
A YPJ e a quebra dos papéis tradicionalmente estabelecido para as mulheres
Contudo, mais do que apenas lutar contra as ameaças ao povo e identidade curda, as integrantes da YPJ enxergam a luta armada como uma alternativa às condições de vida especialmente hostis vividas pelas mulheres no Oriente Médio, em que, partindo de uma perspectiva ocidental, são frequentemente discriminadas e têm seus direitos limitados.
Prova disso é a própria rotina dessas mulheres: além da organização para estratégias militares e de combate, Nesrin Abdullah, comandante e porta-voz da YPJ, conta ao portal Sputnik que a vida das soldadas não se resume ao campo de batalha. Elas recebem educação tradicional e especialização em alguma área, como pesquisa médica. Abdullah entende que para a criação de um sistema de igualdade social, mulheres capazes de tomar decisões são necessárias. Por isso, elas devem dedicar tempo de estudo para estarem ideologicamente preparadas e experientes, a fim de manter o sistema de confederalismo democrático defendido pela população curda.
É importante destacar a relevância do sistema patriarcal como estrutura na luta dessas mulheres. Como relata a Abdullah, nas palavras dela, “somente a suavidade da mulher pode mudar o pensamento dominador do homem. Na verdade, Daesh não é nada. O que realmente queremos derrotar é o sistema, na qual o domínio é do homem.”
Dupla opressão sobre as mulheres curdas: sequelas estruturais e de conflito
Em agosto de 2017, a YPJ resgatou centenas de civis e derrotaram dezenas de extremistas em Raqqa, a chamada “capital” do Estado Islâmico na época. Hoje em dia, o território e a população ainda se recuperam da destruição causada pelos conflitos. A respeito dessa conquista, a comandante da YPJ, Zozan Kobanê, destacou, em entrevista à ANF News, que o aspecto mais interessante da operação em todas as suas fases foi a forte participação feminina: “A YPJ desempenhou um papel de destaque nesta operação, tanto na coordenação militar como no campo de batalha. O papel de liderança e participação das mulheres árabes na YPJ foi particularmente notável”.
“As mulheres combatentes tiveram um papel importante no atendimento e resgate das pessoas no território da operação. Seu papel no resgate e na saudação das mulheres, que mais sofreram com a guerra, gerou uma grande simpatia e uma influência muito positiva entre os povos Raqqan [de Raqqa]. Nossas forças de fato desempenharam um papel de sacrifício nesta campanha”, completa Kobanê.
O sofrimento durante a batalha contra o EI citado pela comandante se encaixa no entendimento de que os combates contra o grupo terrorista, que abusa sexualmente, tortura, sequestra e mata mulheres, geram uma opressão mais intensa para elas - uma vez que são tratadas de forma diferente e estrutural pelo Daesh. Segundo uma representante da ONU que visitou o Oriente Médio em 2015, na Síria, uma em cada três mulheres corre o risco de sofrer violência baseada no gênero. Nesse contexto, ela relata que a violência sexual é cada vez mais utilizada como uma arma de guerra.
Tanto para o EI quanto para os Estados em que habitam, as mulheres curdas não sentem que possuem direitos e nem plena liberdade - constituindo-se assim uma dupla opressão.
O feminismo das mulheres curdas e a Jineology
O feminismo das mulheres curdas nasce por meio das bases populares, heterogêneo e construído coletivamente, desconsiderando qualquer matriz de dominação como o racismo e o capitalismo. É um movimento autônomo e que termina por criar o que se chama de jineology.
A jineology - em tradução para o português, a ciência das mulheres - é um processo epistemológico, que prevê uma intervenção radical na mentalidade patriarcal para que as mulheres possam ter domínio do conhecimento e da ciência. O objetivo é abrir caminho para as raízes e a identidade da mulher e da sociedade, em que possam criar suas próprias disciplinas, alcançar suas próprias interpretações e significados e compartilhá-los com toda a sociedade.
Na prática, a jineology atua por meio de centros de pesquisa, instituições e academias locais, conduzindo pesquisas, desenvolvendo ideias e promovendo seminários e programas de treinamento. Em suma, a jineology pretende estabelecer academias e centros de estudos feministas capazes de abrir espaço à novas perspectivas onde as mulheres sejam sujeitos ativos na construção do conhecimento.
Jinwar como aplicação de toda a ideologia feminista das mulheres curdas
Se as mulheres são o coração do movimento, Jinwar é a parte mais delicada e pulsante desse coração. É o ponto em que de fato se aplica o modelo. Jinwar, uma vila exclusivamente para mulheres e seus filhos, foi fundada em 2016 perto da cidade de Dirbesiye.
O projeto Jinwar envolve a criação de uma aldeia onde só as mulheres desenvolvem a cultura, a economia, a vida diária e a governança. As mulheres também construíram a aldeia física, usando técnicas tradicionais e ambientalmente sustentáveis para construir casas de barro, uma cozinha comunitária e jardins. A aldeia possui uma escola, uma clínica médica, uma academia, uma padaria, rebanho de animais, uma loja, horta e vários campos para cultivo.
As mulheres organizam a vida na aldeia através de um conselho e participam na gestão da economia coletiva da aldeia. No entanto, as mulheres e seus filhos tiveram que evacuar a aldeia por algum tempo após a invasão turca de outubro de 2019 devido ao bombardeio e à proximidade das forças apoiadas pelos turcos na aldeia.
Jinwar era um espaço de mulheres que não querem se casar, mas buscam uma vida autônoma. Era, também, um lugar de mulheres que perderam seus maridos e outros parentes na guerra ou que não têm um lugar adequado para ficar com seus filhos. Jinwar era um espaço para mulheres que sofreram violência — devido à guerra ou outra opressão patriarcal – e querem se libertar disso. Jinwar era um lugar onde os ideais sociopolíticos da revolução de Rojava, conhecida como uma revolução feminina, podem ser realizados em pequena escala.
Mulheres em cativeiro do Estado Islâmico e conflitos atuais
Sendo assim, as soldadas curdas ressaltam que a luta delas não se resume ao povo curdo e a liberdade das mulheres curdas da opressão que sofrem no Oriente Médio pelos ataques do Estado Islâmico, e sim como uma ideologia democrática que deve se espalhar pelo mundo.
Atualmente, elas combatem, ao lado de outras forças de defesa do povo curdo, a Turquia na parte norte do Curdistão (sudeste da Turquia) e na parte sul do Curdistão (norte do Iraque) para libertar terras curdas ocupadas por turcos, o Estado Islâmico e outras entidades. As soldadas divulgam as conquistas, perdas de combatentes e atualizações dos embates por uma página no Facebook. Além disso, atuam junto à organização Missing Afrin Woman para resgatar as mulheres sequestradas pelo Daesh na região de Afrin em 2018. Nesrin Abdullah acredita que não haverá descanso na Síria e no Oriente Médio enquanto o Estado curdo não for aceito democraticamente.
'Curdos não têm amigos, só as montanhas': a tomada de Afrin pela Turquia
Em março de 2018, o exército da Turquia e seus aliados rebeldes sírios tomaram de volta o controle da região inteira de Afrin, no noroeste da Síria. A tomada ocorreu após uma campanha de oito semanas para expulsar a milícia curda YPG, que a Turquia considera um grupo terrorista.
As Unidades de Proteção Popular (YPG) desfrutaram de um forte apoio da população de Afrin e haviam preparado estruturas defensivas sólidas. Mas manter uma resistência em um local rodeado os levou a derrota – e provocado a devastação da cidade e de sua população.
Os curdos tiveram uma dura experiência com “a comunidade internacional” no que diz respeito a Afrin e outros territórios do Curdistão sírio desde esta época. Em outubro de 2019, o Exército turco lançou uma nova invasão na Síria: desta vez em áreas do norte e nordeste do país que estavam nas mãos de milícias curdas. O fato ocorreu depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, deu seu aval ao presidente turco Recep Tayyip Erdogan, para atacar aqueles que até então eram os principais aliados dos norte-americanos em solo sírio.
A ofensiva ocorreu após os Estados Unidos retirarem suas tropas da região, sinalizando concordância com a operação. As Forças Democráticas da Síria (FDS), lideradas pela milícia curda YPG, acusaram Washington de traí-las - uma vez que, até então os curdos eram os principais aliados dos EUA no combate ao grupo jihadista autodenominado Estado Islâmico, que tenta construir um califado na região.
Azad Cudi, um curdo britânico-iraniano, é um atirador de elite na UPP, em entrevista à rede BBC, conta que a decisão de Trump, de retirar soldados americanos da região de fronteira antes da ofensiva turca foi como "uma punhalada nas costas". "Muitos, muitos no passado abandonaram os curdos. Isso é o que eles dizem: 'Não temos amigos, só as montanhas'", afirmou Cudi.
Esses grupos extremistas sírios apoiados pela Turquia invadiram a cidade de Afrin e expulsaram mais de 160.000 curdos, yazidis e outras minorias da província, ocupando-a e estabelecendo outros em casas curdas. Desde então, Afrin tem se envolvido em batalhas entre os grupos rebeldes sírios que a Turquia apoia, com frequentes tiroteios e alvos e mortes de mulheres.
Alguns dias antes dos ataques, os curdos alertaram o risco de que milhares de supostos militantes jihadistas detidos em prisões da Forças Democráticas Sírias fujam caso as instalações sofram ataques da Turquia. O temor se confirmou: poucos dias após a invasão, os confrontos resultaram, segundo a Reuters, na fuga de pelo menos 950 combatentes do Estado Islâmico do campo de Ain Issa, na Síria.
Fato é que, após os ataques turcos, as milícias curdas se enfraqueceram e sequestros começaram a acontecer com meninas e mulheres curdas. Em uma publicação deste ano em uma antiga página do facebook da YPJ chamada Kurdish Female Fighters/ YPJ - hoje desativada -, escreveu-se: “Centenas de mulheres curdas inocentes foram sequestradas pelo terrorista jihadista Turquia desde a ocupação da cidade curda de Efrîn [Afrin] pela Turquia, depois que os governos de Trump e Putin deram luz verde para a Turquia terrorista invadir e ocupar Efrîn.”
Segundo a página do Facebook, outros ataques turcos à região norte do Curdistão entre 2015 e 2017 foram feitos com apoio da União Europeia. As mulheres alegaram em publicações que tanques alemães, helicópteros da OTAN e jatos de guerra transformaram muitas cidades curdas em escombro, incluindo locais históricos que estavam na lista de Patrimônios Mundiais da UNESCO. As publicações ainda alertam que os milhares de curdos deslocados devido à esses ataques estão vivendo em condições desumanas, e que nenhum país da UE se posiciona sobre o assunto.
“Todo o mundo deveria saber que o terrorista jihadista da Turquia jamais poderia realizar nenhuma dessas ocupações e massacrar milhares de curdos SEM tanques alemães, ajuda financeira da UE e jatos de guerra da OTAN, helicópteros”, escreveram em uma publicação deste ano.
Os extremistas apoiados pela Turquia continuam a perseguir e assassinar mulheres curdas e de minorias em Afrin. Semanalmente, novas vítimas desaparecem ou seus corpos são encontrados. Muitas vezes, os assassinos publicam fotos na internet dos cadáveres delas. Mulheres ativistas são foco dos ataques: quando a Turquia invadiu a cidade síria de Tell Abyad, em outubro de 2019, um dos primeiros alvos foram militantes, como Hevrin Khalaf. Uma política local, ela foi caçada e retirada de seu veículo, espancada e baleada até a morte por grupos sírios apoiados pela Turquia.
No final de maio de 2020, segundo a publicação Jerusalem Post, após combates entre grupos apoiados pela Turquia, várias mulheres foram encontradas detidas, sequestradas e sofrendo abusos em uma prisão secreta em Afrin.
Ainda em maio deste ano, o meio de comunicação curdo Kurdistan 24 relatou que casamentos forçados agora são comuns em Afrin. O Jerusalem Post afirma ainda que embora as mulheres desempenharam um papel na administração de Afrin antes da invasão turca, hoje elas não ocupam cargos políticos ou de liderança. O mesmo acontece em todas as áreas ocupadas pela Turquia na Síria. As mulheres foram retiradas da esfera política e foram marginalizadas e sequestradas. Esse padrão de intimidação é semelhante a todos os grupos que compartilham a ideologia dos extremistas da Turquia, do Talibã ao ISIS. Muitas outras mulheres ainda estão desaparecidas no noroeste da Síria ocupado pelos turcos. A publicação ainda alerta que grupos de direitos humanos e mídias independentes não têm acesso ao Afrin.
Outra publicação deste ano na página do Facebook Kurdish Female Fighters/ YPJ pede ajuda às comunidades internacionais pelo sofrimento das mulheres: “Todas as mulheres, crianças e meninas curdas desaparecidas estão sendo documentadas e publicadas neste site. Pedimos a todas as organizações internacionais de direitos humanos, ONGs e comunidades internacionais que parem de ficar em silêncio e ajudem os curdos a expulsar o terrorista Turquia de Efrîn [Afrin] e todas as áreas que ocupa e levar as mulheres sequestradas de volta para suas casas. Não podemos imaginar o horror que essas mulheres curdas estão experimentando agora sob o cativeiro do jihadi, terrorista estuprador da Turquia!”.
Missing Afrin Women Project e o resgate das mulheres sequestradas
A página citada pela publicação é a Missing Afrin Women Project, que compila relatos de sequestros e desaparecimentos de mulheres e meninas em Afrin, na Síria, desde que a região ficou sob o controle da Turquia e de grupos armados sírios afiliados em janeiro de 2018. A página possui uma base de dados com informações sobre as vítimas sequestradas com o nome do indivíduo, a data e local do incidente, o grupo armado responsável e se o indivíduo foi relatado em liberdade, bem como detalhes relevantes sobre o incidente.
Um relatório feito em agosto de 2020 confirma desaparecimentos na cidade de Afrin: 6.000 sequestros foram registrados desde maio de 2018, incluindo 1.000 mulheres. Em uma notícia publicada em outubro de 2020, a Missing Afrin Women Project conta que o relatório mais recente da Comissão de Inquérito da ONU sobre a Síria afirmou que “um ex-juiz confirmou que combatentes do Exército Nacional da Síria foram acusados de estupro e violência sexual cometidos durante invasões domiciliares na região. No entanto, nenhum foi condenado, mas sim libertado após alguns dias ”.
Há alguns anos, o Ocidente torceu pela YPJ na luta contra o ISIS - o noticiário internacional vibrou com a ascensão de uma “revolução feminista”. Hoje, este desenvolvimento está ameaçado e o Estado Islâmico está crescendo novamente. Apenas no ano passado milhares de curdos foram enviados para o exílio quando a Turquia invadiu as áreas em que se estabeleceram. O Estado Islâmico está fazendo uso desse vácuo de poder e está ressurgindo em várias regiões da Síria.
“Quase não passa um dia sem ouvir notícias de sequestros, estupros, casamentos forçados e assassinato de mulheres”, disse, em outubro deste ano, Evin Swed, porta-voz da Kongra Star - uma confederação de organizações femininas no enclave curdo -, ao portal de notícias Haaretz, falando da cidade fronteiriça de Qamishliao.
A reportagem do jornal, de outubro deste ano, relatou que os ataques às mulheres curdas, especialmente ativistas, são cada vez mais frequentes e simbólicos. Funcionários do enclave curdo de Rojava, no norte da Síria, disseram ao Haaretz que a Turquia está sistematicamente visando mulheres que estiveram na vanguarda da organização política curda.
Perseguição de mulheres ativistas curdas
Em junho de 2020, um suposto ataque de drones turcos matou três mulheres - incluindo a conhecida ativista pelos direitos das mulheres Zehra Berkel - na aldeia de Helincê, nos arredores de Kobane. Dilar Dirik, professora curda da Universidade de Oxford, afirmou ao jornal que o ataque "foi interpretado de forma muito simbólica, porque Kobane é onde a maioria das pessoas ouviu pela primeira vez sobre as mulheres guerreiras curdas pegando em armas contra o Estado Islâmico".
A participação das mulheres curdas não só na política, mas também em combate, faz com que os jihadistas as ataquem de forma muito mais intensa. E mais: as guerreiras buscavam libertar não apenas as mulheres curdas, mas todas as mulheres, incluindo as que viviam no nordeste da Síria. A violência, em especial a sexual, é frequentemente utilizada pelos extremistas por conta desta representação da força feminina por elas.
Retrocesso em cidades anteriormente pacíficas e igualitárias
A invasão turca está deixando marcas por diversas cidades sírias, que anteriormente estavam sendo ocupadas de maneira igualitária entre curdos, árabes, siríacos, armênios, yazidis, turcomanos, cristãos e outros. Normas turcas estão sendo impostas nas escolas e comandos apoiados pela Turquia estão instituindo a Sharia (lei islâmica), impondo conversões forçadas, uso de véu para mulheres e administrando a segregação de gênero.
Diversos portais de notícias e ativistas curdos relatam que agora a língua de várias cidades do norte da Síria voltaram a ser turco e árabe. Estudantes refugiados da ocupada Afrin se juntaram aos protestos no norte da Síria no dia 25 de outubro de 2020. Os curdos sírios alertaram sobre uma operação de limpeza étnica e cultural, com mudanças demográficas sendo forçadas na região.
“Milhares de estudantes estão recebendo educação em língua curda hoje, graças aos sacrifícios feitos até agora. Este é um direito legítimo que nunca pode ser negado ”, afirmou o porta-voz do Comitê de Educação Democrática da Afrin, Silan Ala, no dia dos protestos.
Cerca de 200.000 residentes de Rojava foram deslocados no ano passado devido à operação militar turca, enquanto outros 300.000 foram deslocados em 2018 durante o ataque turco a Afrin, de acordo com uma organização dirigida por curdos, o Centro de Informação de Rojava.
Sem um fim à vista para a operação turca, muitos curdos que participaram de comunas e comitês governamentais estão tentando se organizar da forma que conseguem no atual momento, com alguns órgãos de decisão continuando a se reunir em campos de deslocados. Homens e mulheres também organizaram manifestações e protestos locais.