Votos de moradores de rua carregam parte de suas histórias

Ao exercer a cidadania pelo voto, moradores em situação de rua saem da invisibilidade social.
por
Rodrigo Silva Marques
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05/11/2024

Por Rodrigo Marques

 

Filho de pescadores, as manhãs de Luís de Jesus, hoje com 39 anos, eram marcadas pelo som das ondas e o cheiro do mar de Anchieta, no litoral Espírito Santo. Quando criança, sonhava em ser marinheiro. Aos dezoito anos, mudou-se para São Paulo em busca de melhores oportunidades, mas logo percebeu a dureza da vida na cidade grande. Inicialmente, tentou alistar-se na Marinha para realizar seu sonho, mas foi dispensado por excesso de contingente. Trabalhou como garçom, mas um incidente no trabalho o deixou sem emprego e, eventualmente, sem moradia. Nos anos seguintes, Luís enfrentou o frio, a fome e a indiferença vivendo nas ruas de São Paulo.

Mesmo sendo sub-representada nas estatísticas oficiais, a população em situação de rua começou a ter sua condição eleitoral mais analisada nos últimos anos. Isso ocorre devido ao fato de menos da metade dessas pessoas possuírem título de eleitor. Em São Paulo, o Censo da prefeitura revelou que, no fim de 2023, cerca de quarenta mil pessoas viviam nas ruas. Entre as entrevistadas pelos agentes municipais, menos de cinquenta por cento declararam ter o título de eleitor.

Ainda assim, essa barreira não impediu os que tinham título de comparecer e exercer seu direito ao voto na última eleição para a Prefeitura paulistana. Luís tentou sobreviver com pequenos "bicos", mas estes eram insuficientes para seu sustento. Quando o período eleitoral se aproximou, ele começou a se interessar pelos candidatos à prefeitura. Determinado a votar, procurou um centro de acolhimento para obter o título de eleitor em São Paulo, uma vez que não era natural do estado. Durante o processo, conheceu uma pessoa que o ajudou a encontrar um teto após quase nove anos nas ruas em um centro de acolhimento de moradores de rua. Luís então escolheu votar em Ricardo Nunes, do MDB, por considerar que o candidato tinha uma postura mais realista. Justificou sua decisão dizendo que via Guilherme Boulos, do PSOL, como "um filhinho de papai" que, segundo ele, jamais passara por dificuldades reais. Luís também comentou que via potencial em Tabata Amaral, candidata do PSB.

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Luís de Jesus no centro de acolhimento onde reside

Em contraste, Fernando Almeida, de 55 anos, conhecido como Nandinho, é da segunda geração de imigrantes nordestinos que vieram em busca de emprego em São Paulo. Hoje, trabalha como zelador de escola, mas viveu mais de quinze anos nas ruas devido ao problema com uso de drogas, como crack e anfetaminas. Antes disso, atuava como concursado, mas começou a usar substâncias para suportar o estresse do trabalho. Após anos sem votar, seu título foi suspenso, obrigando-o a regularizá-lo para esta eleição. Nandinho escolheu Guilherme Boulos, especialmente pela proposta de criar um Poupatempo da Saúde, visando zerar as filas do SUS. Relatou que, sete anos atrás, teve uma infecção por compartilhamento de seringa e só foi atendido após desmaiar por conta da gravidade do problema. Além disso, enxergava Nunes como um inútil que encontrou uma oportunidade de assumir o posto que era do falecido ex-prefeito, Bruno Covas.

Esses são apenas dois exemplos entre milhares de moradores ou ex-moradores de rua que, apesar das adversidades, decidiram exerceram seu direito de votar como cidadãos aptos a decidirem o futuro da cidade com parte de suas histórias pessoais.

Morador de rua 2
Durante os finais de semana, Fernando Almeida e os faxineiros da escola fazem uma limpeza coletivas da carteiras das salas de aula

 

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