Por Fabiana Caminha
Nos últimos anos, plataformas de voluntariado têm se popularizado entre jovens que buscam viajar e viver experiências culturais intensas com um custo acessível. A Worldpackers é uma das maiores desse segmento oferecendo uma proposta atraente. Em troca de algumas horas de trabalho, o viajante recebe hospedagem e, em alguns casos, alimentação. Para os anfitriões – em sua maioria hostels e pousadas – trata-se de uma forma prática e econômica de conseguir mão de obra. Apesar dos benefícios para quem procura economizar, a prática levanta questionamentos sobre a legalidade das relações de trabalho que a plataforma digital promove.
A empresa foi criada em 2014 por Ricardo Lima, um brasileiro que, depois de uma longa experiência no mercado corporativo, decidiu largar seu emprego para dedicar-se ao sonho de promover experiências de viagem acessíveis e imersivas. Lima, que já havia passado anos trabalhando em uma multinacional, enxergou nas viagens de baixo custo uma forma de transformação pessoal e cultural. Inspirado por suas próprias vivências ao redor do mundo, ele fundou a plataforma com o objetivo de conectar viajantes a anfitriões em uma troca baseada no voluntariado.
Para Lima, a Worldpackers é mais do que uma oportunidade de economizar em viagens. Ele a define como uma “comunidade global” onde pessoas de diferentes origens compartilham experiências, trocam conhecimentos e ajudam-se mutuamente. No entanto, apesar da proposta idealizada por ele, a falta de regulamentação e a ausência de garantias claras têm levado a críticas sobre a exploração de voluntários, que acabam muitas vezes assumindo a responsabilidade de trabalhos formalizados sem a compensação adequada.
Foi o caso de Mariana Arruda, estudante de Psicologia de 22 anos. Ela viajou com a Worldpackers para trabalhar em um hostel em Salvador, onde, segundo ela, as condições de trabalho ultrapassavam o limite do aceitável. Mariana descreve turnos longos, de até 8 horas diárias, e sem os dias de folga prometidos inicialmente. Por conta da carga horária abusiva, a estudante não pode de fato aproveitar a cidade e diz ter se arrependido da viagem por conta da rotina desgastante como recepcionista do hostel.
Mariana afirma que o hostel lucrava significativamente ao ter voluntários, já que reduzia os custos com funcionários regulares. Segundo ela, o time de voluntários faziam o trabalho de uma equipe formal, mas sem nenhum benefício. A sensação era de estar preenchendo uma vaga de emprego sem receber por isso.
Segundo a advogada trabalhista Mônica Rosa, a legislação brasileira sobre o tema é vaga, mas, em situações onde há exploração evidente, como o excesso de horas de trabalho ou a falta de folgas, o voluntariado pode ser configurado como uma relação trabalhista disfarçada. De acordo com a especialista, a prática de contratar viajantes para trabalhos temporários e rotativos sem a devida formalização pode ser interpretada como uma forma de trabalho informal, prejudicando o trabalhador e permitindo ao empregador cortar custos. Na teoria, voluntariado não deve ter a mesma carga ou responsabilidade de um emprego formal, mas isso nem sempre é respeitado.
Outros países têm regulamentações semelhantes, e algumas jurisdições chegam a proibir esse tipo de voluntariado não remunerado quando é feito em empresas com fins lucrativos, como hostels e pousadas, justamente para evitar a substituição de mão de obra local e o impacto nas economias locais.
A plataforma Worldpackers se posiciona como uma intermediária que facilita o contato entre viajantes e anfitriões, não como uma agência de emprego. Em seu site, a plataforma explica que seu objetivo é promover trocas culturais e aprendizados, e que todos os envolvidos devem estar cientes das responsabilidades e dos benefícios de cada acordo. Para prevenir abusos, a plataforma disponibiliza um sistema de avaliações mútuas, onde os voluntários podem avaliar os anfitriões e vice-versa. No entanto, a ambiguidade da plataforma sobre o que é considerado “voluntariado” abre brechas para que casos de exploração, como o de Mariana, ocorram.