Você quis ser mãe, então agora aguenta...

A depressão pós-parto impacta 25% das mães brasileiras, que são incompreendidas e atacadas socialmente.
por
Laís Bonfim e Maria Clara Alcântara
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29/09/2023

Por Maria Clara (texto) e Laís Carnelosso (audiovisual)   


Renata Muniz aos 31 anos de idade, decidiu ser mãe após começar a faculdade de pedagogia. Sem expectativas de como seria a maternidade, passou os 9 meses de gestação calma e sem empecilhos, com sintomas leves de enjoo e azia. Após o parto de sua primeira e única filha, ela começou a se sentir mal desde o primeiro dia que saiu do hospital. Se comparando com um animal, ela conta que não deixava ninguém encostar em seu bebê, pois sentia um ciúmes incontrolável da criança. Em seu imaginário, a possibilidade de roubarem sua filha e  ela parar de gostar da própria mãe eram mais reais do que deveriam. 

Como um modo de lidar com sua tristeza profunda e super proteção após o parto, Renata passou meses trancada no quarto com a recém-nascida em seus braços ou no carrinho. A sua mãe, avó do bebê, era a única pessoa em que confiava, ela levava comida para Muniz dentro do quarto. Nesse período a mãe de primeira viagem saia apenas para ir ao banheiro e não conseguia tirar o pijama que acompanhou por meses.  Palavras comuns na maternidade que afetam o funcionamento psicológico das mães.

Palavras comuns na maternidade que afetam o funcionamento psicológico das mães

O fardo materno não a ajudava, ouvia que seu leite era fraco, que estava com frescura, que ela não queria sair nem apresentar a criança e, a mais marcante, que já que escolheu ser mãe precisava aguentar. Essa hostilidade ocorreu até dentro de um espaço que esperava ser acolhedor, a instituição religiosa que frequenta até os dias de hoje. O sentimento de culpa apenas cresceu dentro dela, achava que fazia tudo errado,  que sua alimentação geravam as cólicas de sua filha  e que suas ações poderiam prejudicá-la. 


Esse sentimento de culpa era o mais forte durante todo o processo, para ela tudo que ela fazia podia afetar sua filha e fazer mal para ela, desde suas atividades básicas de sobrevivência até se cuidar. Ela imaginava sempre se preocupar em entregar o  melhor cuidado que poderia oferecer a sua filha. Por conta desse medo de afetar a filha de modo negativo, passou a ignorar os sintomas e tratar como se fosse algo recorrente da maternidade e seus sentimentos fossem apenas parte da adaptação da nova realidade. Essa ação fez com que ela buscasse uma avaliação um ano depois de seu parto. Ao refletir sobre essa decisão, percebe que deveria ter buscado ajuda e provavelmente ter tomado algum medicamento na época.

Ao falar sobre maternidade hoje, ela discorre de forma serena que as pessoas precisam entender que as coisas irão sair do controle e está tudo bem. É uma situação nova e viver um dia de cada vez é importante. Nunca deixa de ressaltar o quão essencial é pedir ajuda e ter uma rede de apoio, pessoas que cuidavam dela e sua filha, auxiliaram na retomada de sua rotina que contribuiu para sua melhora pessoal.

Ela diz com felicidade que dentro de casa teve muito apoio. Seu marido não se intimidou com a situação e esteve ao lado dela o tempo todo, assim como sua mãe. Como todo processo traumático, ela não lembra ao certo todos os ocorridos, mas consegue afirmar que a volta à rotina a ajudou a sair da depressão e que se soubesse o que sabe hoje teria feito tudo diferente, começando por pedir ajuda.

Renata é professora e não se esquece do dia que conseguiu levar sua filha na escola em que trabalhava. Após passar a noite em claro por conta do choro da bebê, ela decidiu mostrar sua filha aos colegas de trabalho e, ao fazer isso, tirou alguns cochilo no carro. Depois desse dia, foi retomando sua rotina antiga aos poucos.

A super proteção que Muniz obteve, não é o sintoma mais comum, de acordo com a Renata Cicília Monteiro Santos, porém pode ocorrer em algumas mulheres. Outro sinal relacionado ao transtorno que é raríssimo, é quando a mãe fica tão deprimida que rejeita o filho.

● Definição e tratamento

   A pesquisa mais recente sobre depressão pós-parto foi feita pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) em 2016, que expressa que 25% das brasileiras são afetadas por esse fenômeno. Mesmo sendo de anos atrás, essa é a melhor referência para falar desse transtorno que pode emergir durante o puerpério, período que abrange o nascimento do bebê até a volta da mãe à rotina costumeira. 

  A doença pode dar seu primeiro sinal após o “baby-blues”. Cerca de 80% das mulheres no pós-parto apresentaram essa condição caracterizada por uma estabilidade emocional passageira em mães que estão tentando adaptar essa nova rotina. Essa é uma situação comum que ocorre nos primeiros dias depois do parto e não incapacita a mulher de realizar os cuidados consigo e com seu bebê normalmente. Os sintomas diminuem em cerca de 15 a 21 dias, não sendo necessário tratamento, ao contrário da depressão.

  Por conta do elevado número de hormônios, o sentimento de tristeza do “baby-blues” é normal nesse período, já a persistência desses indicativos cometem o primeiro sinal de transtorno. Muitos profissionais estão começando a adotar a denominação “depressão parental", porque algumas mulheres podem apresentar quadros durante a gestão e se estender até dois anos após o parto.

  A psicóloga Renata Cicília define os sintomas que aparecem com mais frequência, sendo eles, humor deprimido, fadiga, medo de cuidar do seu bebê, insegurança e sentimento de incapacidade, que levam as mães a deixarem seus bebês aos cuidados de outras pessoas. O ponto mais preocupante e rotineiro é a perda de energia que traz dificuldade na realização de tarefas simples, como conversar, pentear os cabelos ou escovar os dentes. Isso faz com a mulher perca forças para cuidar dela mesma como deveria e de seu filho como gostaria.  

  A especialista também desmistificou algumas concepções sobre a doença, muitos acreditam que a depressão perinatal vem seguida de uma rejeição ao bebê, o que acontece em poucos casos. Na maioria das vezes, o que realmente ocorre é a falta de motivação para organizar sua rotina como desejou.

  Não existe apenas uma causa para a depressão, ela é multifatorial, com influência genética e ambiental. Se a mãe da mulher passou pela depressão perinatal, ela tem uma predisposição maior de desenvolver a doença. Viver uma gravidez indesejada ou em um ambiente onde exista violência doméstica, instabilidade no relacionamento conjugal, privação financeira, luto por um ente querido ou ter histórico de aborto são outos fatores de risco para o desenvolvimento desse transtorno. 

 A psicóloga reitera que o processo de diagnóstico da doença é feito a partir de uma entrevista clínica e é avaliado tempo, intensidade e prejuízos que os sintomas acarretam na vida dessa mulher. Quando diagnosticada, a mãe é encaminhada para o tratamento que consiste em acompanhamento psicológico que a encaminha para psiquiatra, profissional especialista que avalia a necessidade ou não de tratamento medicamentoso. 

  Uma mudança de estilo de vida como a inserção de atividades físicas e alimentação equilibrada podem auxiliar a evitar a doença, porém o acompanhamento psicológico é essencial e não deve ser desprezado. Por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), todo o tratamento é oferecido de forma integral e gratuita.

Em casos mais graves, como a psicose pós-parto, que envolve sintomas como delírios e alucinações, o tratamento imediato, muitas vezes hospitalar, é necessário. O acompanhamento pré-natal e a identificação de sinais de risco durante a gestação podem ajudar a prevenir o agravamento da depressão pós-parto, é importante que a gestante faça avaliação constantemente e não ter receio de contar suas angústias ao médico.

  No Sistema Único de Saúde (SUS), durante o acompanhamento pré-natal, os profissionais conseguem acompanhar os sinais e fatores de risco que podem levar a gestante a desenvolver depressão após o nascimento do bebê. 

   As equipes de Saúde da Família podem solicitar o apoio matricial dos profissionais de saúde mental, por intermédio do Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) ou de outras equipes de saúde mental do município. Quando se trata de depressão, não existe uma cura, mas existe a remissão dos sintomas que permite que a pessoa volte a viver com muita qualidade e, muitas vezes, não passam pelo quadro em uma outra gravidez.

  Como um método de avanço, recentemente, uma nova pílula chamada Zurzuvae foi aprovada nos Estados Unidos para alívio rápido dos sintomas da depressão perinatal. Ela promete resultados em questão de dias, ao contrário dos antidepressivos mais antigos, que podem levar semanas ou meses para surtir efeito. No entanto, ainda não está claro quando ou se esse medicamento estará disponível no Brasil. Contudo, mais estudos são necessários para avaliar sua eficácia a longo prazo.

   A pílula é de uso diário e o tratamento dura duas semanas. O medicamento ainda passará por análise da Administração de Fiscalização de Drogas (DEA) e a expectativa é de que ele seja classificado como uma substância controlada com baixo potencial de abuso.

  Mesmo sem previsão de quando, e se, o medicamento será comercializado no país, a psicóloga Renata comenta que ao que se indica o medicamento é um tratamento promissor, mas não descarta a informação de que ainda se faz necessários mais estudos. 

   É fundamental destacar que, mesmo sem o acesso a essa nova medicação, as medidas recomendadas pela psicóloga são essenciais para garantir a melhora do quadro de depressão pós-parto e são eficazes, especialmente quando iniciadas nas fases iniciais da doença. Além disso, a existência de apoio gratuito pelo SUS oferece uma opção acessível para as mulheres que enfrentam esse problema.

  O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece toda as etapas desde o diagnóstico até o tratamento para todas as pessoas sofrendo desse problema de forma gratuita, mas para mulheres que preferem se consultar e com profissionais que já conhecem é possível e essencial ir atrás do profissional de confiança e começar o tratamento assim que aparecerem os primeiros sinais. Com isso, o sistema universal garante uma remissão dos sintomas nas fases iniciais da doença, o que proporciona uma qualidade de vida maior para a mulher e o bebê, além de prover o tratamento até a adolescência da criança.

 

 

          

Procure ajuda, não deixe de tratar a depressão perinatal.
            

  

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