"Você é incompetente" a saúde mental dos operadores de call center

Atendentes trabalham 6 dias na semana, 6h20 por dia e têm apenas 20 minutos de almoço
por
Silvana Vieira e Suzana Rufino
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30/09/2020

Nessa pandemia, muitas empresas demitiram seus funcionários por não ter condições de pagá-los e arcar com as despesas. Porém, há aquelas que não só aumentaram a demanda de serviço como contrataram mais colaboradores, isto é, estão lucrando em meio a epidemia da covid-19, e são eles, os chamados calls centers. Segundo a Sintratel (Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing) as empresas de prestações de serviços empregam mais de 1,5 milhões de jovens/adultos com idade entre 18 e 29 anos. Nota-se que essa forma de trabalho é a única rentável no momento, porém quem ganha não são os operadores, mas sim as empresas terceirizadas.

A média salarial é sempre de um salário mínimo com alguns benefícios, o horário de trabalho são de 6h20 por dia e 6 dias na semana(sábado e domingo alternado), as áreas são variadas como: ativo de vendas, receptivo, híbrida, cobrança, retenção, sac,  chat e email. E agora, com essa nova fase da sociedade, essas empresas adaptaram seus serviços de uma forma remota, isto é, migraram seus  operadores para trabalharem em casa, disponibilizando máquinas com o sistema já instalado, suporte via Whatsapp, enfim, tudo para o colaborador atender de uma maneira mais cômoda e eficaz possível.

Vendo acima, até parece um emprego tranquilo e com várias atuações, mas não, pois todos os dias os colaboradores sofrem as pressões absurdas, por que há metas a serem cumpridas em determinado tempo, e muitas vezes, além das cobranças, o assédio moral e até sexual surgem para piorar o contexto (e sim, assédio sexual também pode ser virtualmente). A forma tranquila de se trabalhar com esse ramo nunca haverá, e  mesmo com a continuidade de contratações, os operadores continuarão com as mesmas pressões e aumento de serviços.   

Essa área é comum entre jovens e adultos na maioria universitários ou já formados, que ao não conseguirem um estágio ou emprego em sua área, optam por ser Atendente de telemarketing, pois é o que tem naquele momento e a única forma de pagar as contas e sustentar a família. Parece que não há escapatória, e o mais engraçado são que muitos, mesmo depois de formados, continuam os estudos para terem mais chances de conseguir um emprego melhor, mas percebe-se que a crise só piora, o emprego ideal não aparece e o telemarketing é a única opção de sobrevivência. Outra questão pertinente é ao perguntar aos colaboradores quanto tempo de call center, a resposta as vezes assusta, isto é, a maioria responde que já tem anos como operador, passando por várias empresas e sem chance de subir de cargo.

O dia a dia deles são sempre a mesma coisa, do outro lado da linha, estão os clientes irritados pelos problemas causados por uma empresa que pouco oferece aos operadores para resolverem o problema. No entanto, naquela ligação, é o atendente que personifica todos os erros e os defeitos dela e, por causa disso, acaba sendo o alvo dos insultos dos clientes irados. Os xingamentos vão desde "burro", "ignorante" a até "você é incompetente, por isso nunca vai deixar de ser operador de telemarketing". Desligar o telefone jamais, então a única opção é escutar os insultos sem se manifestar. E não dá tempo de respirar. Enquanto você tenta esquecer as ofensas que acabou de ouvir, o telefone toca novamente, e é preciso disfarçar muito rápido e dizer com a voz simpática: "Seja bem vindo a empresa tal, em que posso ser útil hoje?

Como informado acima, esse é o cotidiano de vários trabalhadores brasileiros que atuam nesse ramo, recebendo todas as reclamações dos consumidores das empresas filiadas, e também ligando para possíveis futuros clientes para oferecer serviços impertinentes. O atendente  é sempre tachado de "chato" e "irritante" pelos indivíduos/clientes. Mas, se a realidade é difícil para quem precisa de seus serviços, pode ser ainda pior para quem vive na pele esse cotidiano. A média de ligações ultrapassam 350 por dia, com pausas cronometradas e sem tolerância em atraso.

Stéphanie Freitas de 21 anos, Atendente de SAC e formada em radiologia, fala sobre sua rotina estressante e o dilema em lhe dar com a ansiedade . “Já trabalhei de tudo um pouco, menos em call center, mas em outubro do ano passado  apareceu uma vaga para trabalhar com SAC. As pessoas me falavam como era ruim trabalhar em empresas de prestações de serviços, pois os funcionários, além de não serem valorizados, não ganhavam muito bem. Hoje, percebi que  o call center só serve como um quebra galho, por que fazer carreira ali, é quase impossível. Pensava que sairia logo, mas ainda continuo lá, já faz um tempo que não atendo, pois me colocaram para auxiliar os atendentes, enfim, está mais tranquilo para mim, porém devido demanda de atendimento e serviços aumentaram para os operadores, percebi isso pelo número de pedidos de auxílio. Referente a distúrbio, sofro de ansiedade, mas hoje me controlo mais que antigamente, pois no começo até na metade do ano, cheguei a passar mal e ser afastada por quase duas semanas.

“Sofrer disso é ruim demais, por que atrapalha a sua vida, não dá para se concentrar nas tarefas e no trabalho. Infelizmente conheço vários que sofrem disso, inclusive no trabalho, sendo que algumas dessas pessoas se afastaram devido a piora no quadro. Agora com a pandemia, creio que as crises de ansiedade nas pessoas aumentaram, inclusive aqueles que trabalham em call center, pois a demanda de trabalho cresceu e muitos as vezes não tem o suporte adequado para ajudá-los. Para quem precisa de uma renda urgente e não encontra emprego em sua área, as prestadoras de serviços são as únicas portas imediatas, foi para mim e é para vários formados e cursando faculdade. Nesse ramo é impossível não contrair algum distúrbio/doença ou piorá-lo(a), há raridades que conseguem não adquirir, porém é um parte muito pequena. Seria ótimo se todos formados e os que estão cursando arrumasse um emprego em sua área, assim o mercado seria configurado pela paixão ao trabalho, não apenas por obrigação”.

Apesar do trabalho agora ser em home office, a rotina repetitiva continua a mesma ou até pior com a alta demanda de serviço. E claro, com isso vem o estresse, as dores por todo corpo, a ansiedade e a depressão. Geralmente, a saúde mental piora de tal forma que levam muitos operadores a não se fixarem no emprego e terem que se consultar todo mês com psicoterapeuta e/ou psicólogo. E também, há aqueles que antes já possuíam algum distúrbio, e no decorrer da pressão do call center, pioraram e tiveram que se afastar.

Letícia Ferreira de 21 anos, estudante de psicologia e Atendente de chat/email, fala sobre  rotina desgastante dos operadores devido ao aumento de serviço na pandemia. “Já tenho alguns anos de call center, passando por diversas áreas, e agora estou em chat/email, mas antes estava em SAC, que era pior. Sou ansiosa, mas conheço pessoas onde trabalho que ficaram piores ou desenvolveram algum distúrbio e infelizmente chegaram até se afastar. Enfim, mesmo em home office, percebi que a pressão duplicou com o aumento das chamadas e as burocracias do trabalho, gerando maiores problemas em questão não só psicológica, mas física e principalmente afetando a desenvoltura e o portar perante a sociedade. Com isso, vejo que hoje meu relacionamento com as pessoas vem sendo afetado por conta do meu cansaço físico e psicológico. Um acompanhamento com um psicólogo seria essencial, mas infelizmente nem todos podem se consultar com um profissional”.

Diante desse âmbito, o número de doenças diagnosticadas em pessoas que exercem essa função é crescente. De acordo com dados do Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing (Sintratel), somente na Região Metropolitana de São Paulo existem aproximadamente 100 mil profissionais nesse segmento. Dados do sindicato relacionados a doenças do trabalho apontam que 36% sofrem de lesão por esforço repetitivo (LER), 30% de transtornos psíquicos e 25% apresentam alguma perda auditiva ou de voz.

De acordo com psicólogos sociais, depressão, transtorno de ansiedade e síndrome do pânico são algumas doenças/distúrbios psíquicos desenvolvidos ou piorados por operadores de telemarketing. O doutor em Psicologia Social e professor associado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social (PSO) e na graduação do curso de psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde,  Odair Furtado diz que nesse ramo não há uma forma de manter o equilíbrio mental.

“Para falar a verdade, não existe saída, os trabalhadores sofrem. Alguns conseguem aguentar a pressão da empresa, sem afetar muito o psicológico, outras não conseguem e pedem para sair. Muitas pessoas não conseguem arrumar um emprego em sua especialidade, por conta da crise, optam trabalhar em uma empresa que foge de sua profissão, são alternativas para pagarem as contas e sobreviver. Esses indivíduos criam certa resistência e por mais tenso que seja, conseguem driblar as pressões diárias do trabalho. Infelizmente, hoje há uma epidemia de pessoas com depressão, principalmente as que prestam serviços, como o telemarketing. Essa epidemia foi constada quando os indivíduos pedem afastamento do trabalho para se tratarem. A LER (Lesão por esforço repetitivo), se sobressaí, pois os traumas não são só psicológicos, mas também físicos como: perda da audição, tendinite por digitar demais, dores por todo o corpo etc.  

Tempos atrás saiu uma matéria referente às pessoas graduadas que não conseguiram arrumar emprego em sua especialidade, por isso opta por empregos alternativos, um deles é o telemarketing. Esse ramo é um destruidor de saúde mental e as histórias são horrorosas. Outro aspecto, é o assedio moral, fator que prejudica ainda mais o psicológico do individuo. Infelizmente o assedio moral e sexual é uma política comum em muitos ambientes de trabalho, geralmente as pessoas que sofrem com isso estão em uma situação vulnerável, isto é, se reclamarem vão para o olho da rua, e por ter família para sustentar, suportam.

"Com o país em crise, o medo de perder o emprego é tão grande que a pessoa se submete a situações conflituosas no trabalho. Por já haver ficado sem trabalho há algum tempo, e por ter sido complicado arrumar o atual, o trabalhar assediado não tem escolha, suportar os insultos calado, pois tem receio de ser dispensado. Esse ato é um “crime” sistemático em algumas empresas. Por conta do cotidiano desgastante e assedio moral/sexual no trabalho, o individuo começa a ficar deprimido, desmotivado, não crer mais em si, não tem força para combater o abuso, enfim, seu psicofísico reage retroativamente. Quando chegam ao estado acima, muitos ou descontam nas pessoas ou ficam paralisados, afetando todos os sentidos da vida, e quando acha que não tem jeito de sair dessa situação, se suicidam.

"Esse tipo de trabalho é total desgastante, tudo é controlado e a produção não pode parar, esse é um dos piores empregos que existem, só perdem para os trabalhos escravos. Uns se apropriam e consegue subir de cargo, outros só ficam por que não há alternativa, então, aguentam até não puderem mais, pois já estão destruídos fisicamente e psicologicamente. Quando se entra nesse ramo, não há tratamento psicológico que ajude. Não adianta se consultar com psicoterapeutas, psicólogos, psiquiatras que não vai adianta. O único jeito é sair o mais rápido possível trabalho. O Brasil em telemarketing só perde para a Índia e EUA, no quesito de acumulação de doenças mentais e físicas nos operadores. Infelizmente não há escapatória.

De acordo com o médico do trabalho e mestre em Saúde Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Airton Marinho em entrevista a BBC News Brasil. "O jeito de organizar o trabalho do operador de telemarketing é o grande problema. Essa vigilância constante do trabalhador em relação ao tempo das ligações, por exemplo, é um dos fatores do acúmulo do estresse. E aí acaba que você coloca pessoas sadias e jovens nesse mercado para depois ter uma grande quantidade de adoecidos. Ninguém fica mais do que um ano e meio nessas empresas. Como atendente, é raro ter alguém com mais do que esse tempo. As pessoas são tratadas como substituíveis, as empresas já contam com isso, trabalham com meta de rotatividade de 12% ao mês.

Outro fator que eleva o nível de estresse e desenvolve distúrbios é a rotina cronometrada, ou seja, com poucas pausas para ir ao banheiro, 20 minutos de refeição e 20 minutos divididos por dois para poder descansar os ouvidos. São 6hs20 mais torturantes e desafiadoras paras os atendentes, tudo é controlado, e se passar 1 minuto da pausa, o supervisor já chama a atenção. Tem lugares que o operador, além de pedir para ir ao banheiro, só pode levantar duas vezes ao dia.

O tempo de ligações também é cronometrado. O padrão exigido pelas empresas é de até quatro minutos na linha com o cliente, passou disso, o líder já começa a cobrar agilidade, e se envolver venda, pressiona para que o atendente venda o mais breve, pois tem que bater as metas. As metas são o pesadelo dos operadores. Quando não batidas, a pressão é maior, mas também quando são concretizadas, as metas aumentam. Então, não tem para onde correr. Apesar de hoje algumas companhias optarem por um atendimento mais humanizado, serem mais flexíveis com as necessidades dos operadores, modificar o ambiente de trabalho, com sala de jogos, uma boa área de refeição e lugares para descanso, mesmo com essas ações, a rotina de descaso, cansaço e cobrança excessiva não muda.

Portanto, com o país em crise parece que as únicas opções são os prestadoras de serviços . A graduação e a continuação dos estudos são escolhas positivas na vida da pessoa, mas muitos se perguntam se um dia haverá um retorno gradativo, pois o que se nota são indivíduos tendo que optar por empregos desgastantes (como o telemarketing), mal remunerados e desenvolvedores de doenças psicofísicas. Mesmo com essas empresas investindo em ambientes mais descontraídos e motivações diárias, dificilmente essas ações suprirão as pressões, os abusos, o desgaste físico e mental e a possível doença.

É fácil dizer para sair de um trabalho estressante como esse, mas se muitos não têm opções, por que o mercado de trabalho não permite, o jeito é aguentar até o limite ou encontrar uma forma de equilibrar o emocional. Pergunta-se por que as companhias requintadas não dão oportunidades aos universitários ou aqueles com vasta experiência que estão loucos para conseguirem um emprego melhor? O que realmente elas procuram? É engraçado, que algumas destas até empregam, mas as exigências são tão grandes e o salário uma miséria, que desmotiva o funcionário. O que fazer diante de um país com poucas alternativas de trabalho para os trabalhadores com vasta experiência e estudantes frenéticos por uma oportunidade? Parece que a luta por um emprego melhor, no qual haja reconhecimento, ótima remuneração, ambiente agradável e plano de carreira pertinente virou utopia.  

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