Vida de árbitro tem rotina agitada

Quando acaba a partida só a súmula vale para explicar os lances duvidosos
por
Helena Cardoso
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30/09/2024

Por Helena Cardoso

 

A equipe de arbitragem chega no estádio e já tem seu vestiário estabelecido. Menor que o das equipes, claro. Sem todos os detalhes e aparatos. A equipe é formada por quatro juízes – o árbitro central, os dois assistentes, os bandeirinhas, e o quarto árbitro – a preparação é pessoal. As orações e superstições ficam a critério e crença de cada um. Depois, eles se reunem novamente, já que, dentro de campo deve existir uma certa sintonia para fazer com o que o espetáculo funcione e avance. O mental é fortalecido com uma reunião feita antes da partida, onde é definido um plano de trabalho, baseado no comportamento e na parte técnica das equipes, tudo para terem as ferramentas para atuar em situações específicas naquele determinado jogo. Na teoria, tudo devidamente planejado. Mas nem tudo sempre sai como se imagina.

A concentração é máxima. É como se fosse possível ouvir os próprios batimentos cardíacos. Ou sentir uma única gota de suor escorrendo pelo corpo. O juiz sai do túnel com a bola na mão, assim como o garotinho que jogava futebol na rua e tinha que voltar correndo para casa quando a mãe o chamava e gritava para avisar que o almoço estava pronto. Eles entram, prontos para julgar todos os acontecimentos de um jogo diante dos olhares atentos dos milhares de torcedores dentro do estádio, e todos os espectadores sentados na sala de casa. De cabeça erguida, escutam o hino e depois se reúnem com os capitães. Cara ou coroa.

Todos nos seus devidos lugares. Um olho no relógio. A pontualidade é importante. O apito soa alto. Todos escutam. Mas para ele, é nesse momento que o tempo para, não se escutam mais os xingamentos do mais baixo calão proferidos contra o mesmo. Na cabeça do juiz da partida estão as regras. A paixão pouco importa. Eles correm para tentar não perder um lance, não errar nas marcações.

Para Adriano Miranda, a rotina antes de apitar um jogo é quase como um ritual. Simples. Repetitiva. A preparação durante a semana, com treinamentos de força e velocidade, são o básico do que acontece no pré-jogo. Mas se engana quem pensa que o psicológico não é trabalhado. Miranda diz que alguns outros trabalham o raciocínio rápido e fazem acompanhamentos com terapeutas.

Os árbitros viajam para os jogos e perdem momentos especiais com a família. Mas quem escolheu isso como profissão, sabe que existem diversos pontos negativos. Por não ser uma atividade profissionalmente reconhecida, a grande maioria dos árbitros no Brasil hoje, não consegue se sustentar apenas com a prática, e tem uma segunda fonte de renda — como é o caso de Adriano, que também empreende.

Assim como os jogadores, os árbitros têm a chamada “concentração”, antes das partidas, bem como os membros da comissão técnica. Com muitos avanços na transmissão dos vídeos e na qualidade das imagens, além da criação do Árbitro de Vídeo, o VAR, — esse fica na sede da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), no Rio de Janeiro — e agora da comunicação com o público sobre as decisões feitas depois da checagem, parte do protagonismo das partidas foi diretamente para os juízes. Muitas vezes, esse espaço conquistado pelos “donos do apito” acaba ofuscando o desempenho de atletas e treinadores em transmissões, análises e programas de debate.

Após uma partida, jogadores e técnicos justificam suas escolhas e resultados por meio de entrevistas. Os árbitros, não. Eles não possuem nem a oportunidade de se defender de possíveis lances polêmicos e acusações, nem de justificar e explicar questões mais simples para os espectadores. Miranda acha interessante ter considerações por parte da arbitragem, mas o processo não é tão simples quanto parece. Eles podem contar suas versões em um documento publicado depois do jogo, a súmula. É lá onde eles têm o espaço para contar o que ocorreu dentro da partida pelo seu ponto de vista, mas ainda assim não dão explicações. Essas, na verdade, são dadas cerca de dois ou três dias após a partida, pela chamada Comissão de Arbitragem, que divulgam trechos selecionados dos áudios do VAR para o público e a imprensa, enquanto os clubes têm acesso na íntegra. 

Quando um juiz fala, ele fala pela instituição em que ele é membro e advoga por uma linha de pensamento — que não é exclusiva dele. Miranda acredita que, dentro da realidade atual, em que são utilizados muitos recortes de falas e não todo o contexto do discurso de alguém, o processo acabaria sendo ainda mais polêmico, e que visa fazer justiça ou favorecer um ponto de vista unilateral, ao invés de contribuir para o esclarecimento de dúvidas.

É difícil saber se colocar árbitros para explicarem lances em entrevistas pós-jogo é a melhor opção. É difícil saber se eles já teriam clareza e calma para analisar possíveis erros ou também quais seriam as consequências, quando se trata da reação de torcedores que tiveram seus clubes prejudicados. Não é novidade alguma que alguns adeptos são os responsáveis por críticas mais duras, reações acima do tom ou até mesmo ameaças e tentativas de agressão contra a arbitragem que comete erros explícitos que prejudicam seus times. A questão é se essas entrevistas contribuiriam para essas ações, ou ajudariam a preservar a integridade física e mental dos árbitros. 

No calor da emoção, as críticas que vem por parte do desconhecimento das regras de torcedores, dirigentes, membros da comissão técnica e jornalistas cria situações desconfortáveis ao ambiente esportivo e que acabam inflamando versões que nem sempre são corretas, e que poderiam ser esclarecidas. Essas situações continuarão acontecendo já na próxima partida do campeonato e  a saída do jogo dependerá do resultado. Nem sempre pode ser tranquila, vale lembrar. Pode ser escoltada por policiais. Pode ser correndo dos objetos arremessados por torcedores fervorosos na arquibancada. Mas, quase que de forma unânime, sob xingamentos. Que vem dos dois lados, mesmo se um time sair com a vitória, se existiu algum erro ou lance duvidoso, ele será cobrado pela torcida.

 

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