Verão impulsiona a busca pelo corpo perfeito

Vale tudo para conseguir o padrão de beleza para a próxima estação.
por
Jalile Elias
|
11/11/2024

Por Jalile Elias

Ana Carolina e Gabriela nasceram e residem em São Paulo e, para quem as observa de fora, vivem rotinas bem parecidas trabalhando em grandes escritórios na Faria Lima, têm uma ampla rede de amigos e, claro, de seguidores no Instagram, e exibem nas redes sociais uma vida aparentemente equilibrada. Mas, nos bastidores, as duas enfrentam o mesmo “desafio” na busca incansável pelo "corpo perfeito", levando-as a medidas extremas como dietas exageradas ao uso de medicamentos arriscados como o Ozempic e procedimentos estéticos invasivos. Cada uma carrega motivações distintas, mas o fio condutor é o mesmo. A pressão por se encaixar nos padrões estéticos que regem as redes e os círculos sociais ativam este tipo de comportamento, especialmente quando o verão está próximo.

Ana Carolina, conhecida pelas amigos como “Carol”, acorda todos os dias às 5h30, impulsionada pelo desejo de eliminar cada grama de gordura que considera "indesejada". Aos 32 anos, é formada em Publicidade e Propaganda e trabalha no setor de marketing em uma agência voltada para o mercado de moda. Ela acredita que, no ambiente em que está, ser magra e tonificada faz parte do código de conduta, algo quase tão essencial quanto entregar bons resultados para a empresa. 

Após levantar da cama, ela prepara um café preto sem açúcar - sua única "refeição" até o meio-dia - se arruma e já segue para uma sessão de corrida e musculação na academia com Suzane, sua personal trainer. Nos últimos meses, essa rotina ganhou como aliado o medicamento Ozempic, conhecido por reduzir o apetite. A ideia surgiu em uma conversa com amigas no escritório, que comentaram sobre os efeitos "milagrosos" e mega rápidos do remédio, e que conheciam pessoas que emagreceram até 10 quilos em poucas semanas. A busca constante pela aceitação social não a impediu de comprar a ideia, já que recebe um salário suficiente para lidar com o alto valor do medicamento.

Carol descreve o Ozempic como a "solução perfeita", mas enfrenta os efeitos colaterais sem reclamar. As náuseas e tonturas são, para ela, o preço de uma cintura mais fina, coxas mais firmes e um corpo mais esbelto. Ela afirma repetidamente que todo o esforço é necessário, pelo menos, até o verão, quando ela irá viajar para as praias de Búzios e precisará utilizar roupas de banho para pegar sol e tomar banhos de mar e piscina. Ela também tem o costume de se observar no espelho muitas vezes ao longo do dia, sempre buscando defeitos e imaginando como cada parte do seu corpo poderia ser "melhorada". Durante o dia, entre uma reunião e outra, ela recorre a chás laxantes ou que prometem efeitos de desinchaço e passa longos períodos sem comer - de vez em quando recorre à uma fruta.

Por mais que seu peso esteja abaixo do recomendável para sua altura, Ana Carolina ainda enxerga inúmeras imperfeições. Ela não consegue deixar de se comparar com “influencers” extremamente magras que vê nas redes sociais e sente que, para manter-se relevante na indústria da moda, precisa encarar essa rotina rígida e cansativa. A obsessão vai minando seus relacionamentos, sua saúde, mas, no fim, parece compensar – ao menos, até que a aprovação no espelho esteja garantida.

Gabriela, de 34 anos, trabalha em uma empresa de tecnologia também localizada na Faria Lima, onde os padrões corporais não são explicitamente exigidos. Mesmo assim, ela se sente pressionada pela imagem que deseja projetar, especialmente com a aproximação do verão. Diferente de Ana Carolina, Gabriela nunca gostou de praticar exercícios físicos e também não conseguiu manter dietas por um longo período de tempo. Recorreu à cirurgia plástica como uma alternativa mais rápida, radical e invasiva.

A obsessão pelo “corpo perfeito” começou após terminar um relacionamento doloroso, que a fez questionar sua própria aparência. Ela pensa que talvez o ex-namorado não tivesse ido embora se ela tivesse um corpo dentro dos padrões de estética impostos pela sociedade, Estava convencida de que um corpo dentro do padrão era sinônimo de aceitação. Essa ideia a levou ao consultório de um cirurgião estético no Rio de Janeiro, onde, em um mês, estava agendada para uma lipoaspiração e um procedimento de bichectomia - algo que prometia esculpir seu rosto e sua silhueta de forma rápida e visível.

Antes das cirurgias, Gabi decidiu tentar reduzir alguns centímetros 100% por conta própria, usando uma dieta de restrição extrema, que consistia em pequenas porções de proteína e vegetais. Ela seguiu suas “próprias orientações” até o dia em que realizou as cirurgias, tratando a data como uma espécie de salvação. Esse processo tornou-se parte de sua rotina mental, e, cada vez que pensava na cirurgia, imaginava que o corpo esculpido lhe traria confiança e aceitação.

O grande dia chegou: os procedimentos foram realizados no dia 20 de setembro de 2023. No entanto, o pós-operatório não foi fácil. Além da dor intensa, ela enfrentou complicações: inchaço, hematomas e uma recuperação lenta que atrapalhou muito suas atividades diárias. Mas, para Gabriela, esses foram “apenas” detalhes – o sacrifício pelo corpo ideal é algo que, para ela, vale cada desconforto e, obviamente, cada centavo. Ela planeja até mesmo novas cirurgias, já que, mesmo diante dos resultados, acredita que há ainda mais para “corrigir”.

Imersas em suas rotinas de sacrifícios e autocontrole, ambas vivem uma realidade que não se limita à busca de um corpo esbelto. Em momentos de introspecção, as duas se questionam sobre até onde essa jornada as levará. Conversando com psicólogos, terapeutas ou mesmo em grupos de apoio, ambas encontram relatos similares aos seus: jovens e adultos movidos pela busca de uma perfeição inatingível, imposta pela sociedade, cada vez mais distante.

O caso delas é um retrato de uma realidade maior, comum entre homens e mulheres que se submetem a dietas rigorosas, procedimentos perigosos e até mesmo o uso indiscriminado de medicamentos que, sem acompanhamento médico, podem trazer danos graves ou até mesmo irreparáveis e irreversíveis. Em um mundo globalizado onde redes sociais determinam o “valor” de cada ser humano, onde cada curtida ou comentário representa um degrau a mais na aprovação social. Carol e Gabi sacrificam a própria saúde em troca de uma aceitação que, muitas vezes, é superficial e passageira.

Carol, ainda que continue a reduzir porções, exagerar nos exercícios físicos e medir cada caloria, já sente o peso emocional das suas privações. Seus amigos e familiares, vendo sua mudança, preocupam-se cada vez mais com sua saúde. Gabi, ao olhar suas fotos pós-cirurgia, se pergunta se aquela pessoa que observa no espelho ainda é realmente ela, sentindo a pressão psicológica de manter uma imagem que agora define sua autoestima. A busca pelo padrão, para ambas, deixou marcas físicas e emocionais, e o verão se aproxima com novas expectativas e incertezas.

Tags:

Comportamento

path
comportamento

Saúde

path
saude