Vendedores ambulantes tentam se reerguer após desastre no Litoral Norte

Trabalhadores da região de São Sebastião comentam como estão retomando a rotina de trabalho. Banco do Povo tem planos de oferecer um total de R$30 milhões em crédito para comerciantes informais
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Ana Beatriz Villela, Kiara Elias e Luciana Zerati
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07/07/2023

Afetados pela redução de turistas, vendedores do litoral norte contam com pouca ajuda, já que governo de São Paulo e o Banco do Povo ainda planejam formas de auxílio financeiro. Além disso, os ambulantes pedem por políticas públicas e eficazes de programas que envolvam a geração e a restituição de empregos.

O fluxo de turistas nas praias diminuiu após as chuvas, e a falta de fiscalização pública quanto a prevenção de desastres naturais é um dos motivos que ainda preocupa a população local e especialistas.

Com a flexibilização da covid-19, os comerciantes almejavam retomar suas atividades pré-pandêmicas e ter perspectivas positivas de faturamento no primeiro verão sem as restrições. Porém, o temporal devastou parte das cidades da região e afetou a economia local. De acordo com o presidente da Associação Comercial de São Sebastião, Olivo Ramirez, dos 3,5 mil comerciantes informais, 1,2 mil foram atingidos pela falta de turistas nas praias após a tragédia.

“O temporal me endividou, investi muito alto para trabalhar. Tinha comprado um novo carrinho de tapiocas e só tinha pago metade, a outra parte seria para pagar Pós carnaval. Além disso, perdi todos os meus materiais no alagamento”, relata Paulete Araújo, vendedora ambulante de tapiocas na praia.

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Reprodução: TamoiosNews

Após as chuvas, muitos turistas cancelaram as diárias em hotéis e pousadas, e os comerciantes de São Sebastião realizaram uma campanha “Não cancele, adie”, que pedia para quem possuía reservas apenas adiasse a viagem para outras datas, para não prejudicar quem estava contando com aquela renda vinda dos visitantes.

Luana Germanota, dona de um carrinho de milho, diz sentir falta da rotina antes do desastre: “eu acordava às 6h pra dar tempo de tomar café e chegar na praia, montava o carrinho e às 9h já estávamos na areia trabalhando, provavelmente até às 17 horas ou 18 horas”, conta. Depois da tragédia, ficou mais complicado arrumar clientela, já que o fluxo de turistas na praia diminuiu bastante. “Hoje estamos tentando não passar fome, pois só tem gente na praia aos finais de semana, e mesmo assim, não vendemos o suficiente para recuperar o que foi perdido”, conclui.

O governador do Estado de São Paulo, Tarcisio de Freitas, se reuniu com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, no dia 25 de fevereiro, logo após a tragédia. No encontro, o governo de São Paulo anunciou que iria disponibilizar R$230 milhões em linhas de crédito para empresas de cidades afetadas pela chuva, medida que exclui os vendedores ambulantes.

Para os microempreendedores informais, o Banco do Povo tem planos de oferecer um total de R$30 milhões em crédito. O objetivo do governo é beneficiar pelo menos mil empreendedores pequenos. Os empréstimos concedidos podem chegar a vinte e um mil reais. É importante mencionar que essa modalidade de crédito não envolverá a cobrança de juros, mas, são apenas empréstimos e não auxílio financeiro de fato.

A Associação Comercial realizou uma reunião com bancos, Sebrae e Governo do Estado, para que os empréstimos oferecidos tivessem um prazo estendido, com um período de carência maior, para que quem foi afetado possa recuperar o que foi perdido. E quando o fluxo de turistas voltar ao normal, possam reembolsar o dinheiro. Os pagamentos terão uma carência de seis meses e o prazo total para quitação dos créditos será de dois anos. Esse crédito concedido foi o que auxiliou alguns dos ambulantes.

As propostas apresentadas, no entanto, não foram suficientes para os prejuízos a curto prazo de todos os comerciantes, Araújo comenta que algumas dessas medidas estão sim sendo tomadas, como por exemplo, mandar quem perdeu tudo para as pousadas ou casas em Bertioga, porém, nem todas as pessoas foram beneficiadas. “Tem muita gente ainda vivendo em área de risco e não tem pra onde ir. Muita gente também foi para as pousadas e agora estão tendo que retornar para as áreas de risco porque a Defesa Civil diz que a casa deles está apta para voltar a morar, mas a realidade não é essa. São áreas de risco extremo”, afirma.

Os vendedores têm opiniões diferentes, para eles a maior ajuda foi da população, e não do governo. “Fizeram uma força tarefa entre a galera do litoral, com doações de alimentos, vestuários e itens básicos de higiene, até onde eu sei, foi o povo ajudando o povo, medidas políticas até agora foram só faladas”, comenta Germanota. Ramirez reitera que houve uma mobilização para reconstituir o básico: “Por incrível que pareça, uma das maiores necessidades que eles tinham era de água potável, nós recebemos mais de uma centena de toneladas de doações que vieram de todo o canto do Brasil, chegou um ponto que a gente não precisava mais de doação”.

Já, Mauricio Henrique, dono de um outro quiosque, o Canto do Rio, afirma: “o governador Tarcísio foi um monstro, agiu de forma rápida e sagaz. E o grande problema é a mídia e os jornais botando terror na população.”

Segundo Victor Marchezini, sociólogo no Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e especialista em sociologia dos desastres, a recuperação e a reconstrução sócio econômica dessa região a longo e médio prazo depende da maneira como as políticas públicas federais, estaduais e municipais vão se articular. “É importante sempre pensar em programas que envolvam a geração de empregos para a população local, para que a riqueza produzida permaneça naquela região.”

A coordenadora do curso de Economia do Insper, Juliana Inhasz, acrescenta que a economia, em um primeiro momento, vai ter que se adequar a situação, recebendo menos turistas. Um município que já era estabelecido como destino de férias e contava com essa renda vinda dos turistas, vai ter que se reerguer, focando no reparo do que foi destruído. “A longo prazo, a própria sociedade desenvolve meios para se restabelecer, a economia se reestrutura baseada em um cenário que não quer que se repita, como nas cidades de Brumadinho e São Lourenço (MG)”, afirma.

Ambas cidades foram aos poucos sendo reconstruídas com ajuda de diversas entidades, doações para as famílias que perderam tudo e com auxílio financeiro do Governo e município. Com isso, ao longo do tempo foram surgindo oportunidades de investimento no setor turístico, e as cidades voltaram a receber visitantes.

A professora do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Universidade de São Paulo (USP), Clarissa Gagliardi, diz que não concorda com o trabalho informal dos ambulantes. Para ela, isso se baseia em um tipo de turismo que “espelha uma segregação social, que cria condomínios, áreas de alto padrão para quem não mora na cidade e só a frequenta esporadicamente, enquanto afasta das áreas enobrecidas a população local, que depende deste frequentador e, além de tudo, por meio de um trabalho precarizado”.

A região de São Sebastião é baseada em um sistema de “segunda residência” - onde o visitante mora em sua cidade (geralmente, em São Paulo) e tem uma segunda casa no litoral. Não é um sistema de turismo completo, o que dificulta que os turistas da cidade retornem à ela após a tragédia.Já que nada garante que os mesmos utilizarão suas casas, consumindo no município e movimentando uma economia baseada no mercado de turismo.

Gagliardi discute que para tentar retomar o fluxo normal de turistas no Litoral Norte, é necessário apresentar investimentos e ações públicas comprometidos com o bem-estar da população local e com a reestruturação das áreas afetadas. Além disso, deve contar com intervenções urbanas que demonstrem sua eficácia na drenagem e escoamento das águas, sistemas de emergência e segurança na eventual necessidade de deslocamentos de áreas de risco. Para mais, ações que demonstrem a sustentabilidade do atual modelo de ocupação e uso turístico, considerando quanto ele contribui para impermeabilizar o solo e sobrecarregar as infraestruturas.

De acordo com uma pesquisa feita em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) junto com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, o Brasil tem cerca de 9,5 milhões de pessoas vivendo em áreas de alto ou muito alto risco de deslizamentos ou inundações.

Marchezini diz que é necessária uma política nacional que olhe para a gestão de risco de desastre, que é um tema que vai muito além da defesa civil. Ele cita o Plano Nacional de Gestão de Risco e Resposta a Desastres criado por Dilma Rousseff em 2011, que envolvia a participação de vários ministérios, e dessa forma fazia com que o tema da gestão de riscos fosse tratado de forma intersetorial.

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