Uma jornada sobre quatro rodas: a longa manobra de levar o skate ao mundo

Como o esporte sobreviveu a ausência de investimentos até alcançar às medalhas
por
Victor Oliveira Trovão
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01/09/2023

     Depois de décadas de negligência ao skate, uma nova iniciativa da Secretaria Nacional de Esporte Amador, Educação, Lazer e Inclusão Social (SNEAELIS) do Ministério do Esporte (MEsp) traz uma fase inédita para o esporte. O Programa Skate por Lazer surge como uma grande aposta para a transformação do skate no Brasil.
O projeto busca ampliar as políticas públicas para a participação no esporte em âmbito nacional tendo como princípio a prática da atividade física e os valores presentes nela. Um dos principais propósitos é disseminar o potencial do esporte, a promoção da saúde e a inclusão social.
     Além disso, no site oficial do Ministério do Esporte, o programa engloba outros objetivos como implantar núcleos em espaços públicos que estimulem à prática recreativa do skate nas cidades brasileiras; beneficiar pessoas, de diferentes gêneros, idades, etnias e habilidades motoras, com atenção especial às mulheres; oportunizar a participação e a organização comunitária a partir das vivências com o skate; e por fim, incentivar a realização de eventos de integração da comunidade, através de atividades de lazer.
     “Eu enxergo como uma super inovação, um incentivo e um apoio ao esporte, principalmente para o skate, que sempre foi marginalizado e agora a gente vê toda essa aceitação da sociedade ainda mais por parte dos governos”, afirma Renata Pasquini, skatista profissional, árbitra de competições, e membro da comissão de igualdade de gênero da World Skate. 
     “O Skate por Lazer apresenta grande potencial para a transformação do esporte no país, uma vez que a modalidade nunca havia recebido tamanho investimento”, expressa Pedro Pina, estudante universitário e skatista, sobre a visão que se tinha do esporte.No entanto, os reflexos a partir do projeto só serão possíveis de ser observados a longo prazo. 

- E o Bolsa Atleta?
      Ao longo de décadas sendo um dos maiores países do skate em âmbito internacional, por muito tempo os atletas brasileiros sobreviveram por meio de investimentos privados, salvo exceções por meio das poucas contemplações do Bolsa Atleta, um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas no mundo. 
     O Bolsa Atleta foi desenvolvido e mantido desde 2005 durante o governo Lula, um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas no mundo. O público beneficiário são atletas de alto rendimento que obtêm bons resultados em competições nacionais e internacionais de sua modalidade. O programa garante condições mínimas para que se dediquem, com exclusividade e tranquilidade, ao treinamento e a competições locais, sul-americanas, pan-americanas, mundiais, olímpicas e paralímpicas. Todavia, desde 2012, com a Lei 12.395/11, é permitido que o candidato tenha outros patrocínios, o que propicia que atletas consagrados possam ter a bolsa e, assim, contar com mais uma fonte de recurso para suas atividades.

- Patrocínios X Investimentos públicos
     Ainda que o programa tenha um potencial de alcance a novos praticantes, cabe relembrar que desde o princípio o esporte sobreviveu ao longo de anos por meio do investimento privado. Por meio dos patrocínios de grandes marcas como Vans, Element, Santa Cruz, entre outras, tornou-se possível o sonho de muitos atletas de ultrapassarem a faixa do amador para o profissional.
     No entanto, uma vez que o skate é uma modalidade esportiva individual, os patrocínios, em sua maioria, não chegam para equipes mas de forma individual. Logo, o investimento não é concedido a qualquer praticante visto que é importante que o skatista já tenha certa notoriedade nas pistas.
     Renata aponta que em ambos os formatos, os investimentos sempre serão necessários. “A importância é muito grande, porque no mercado privado, se você não tem público, você não tem apoio e incentivo. Então, quanto mais atletas você tiver e mais pessoas tiverem praticando o skate,  mais incentivo privado você vai ter. Porque a marca quer isso, ela quer bastante gente pra poder estar divulgando, para poder estar sendo vista e sendo consumida. Então é super positivo”, reflete.

- Protagonismo brasileiro em competições esportivas internacionais
     Da proibição e preconceito às telinhas da televisão como esporte olímpico, o cenário do skate brasileiro tem aberto espaços de reconhecimento e deixado seu legado ao redor do mundo. De acordo com pesquisa do DataFolha, 8,7 milhões de pessoas praticavam o esporte no Brasil em 2019. Apesar da alta adesão, a história da modalidade versa, também, sobre a falta de investimentos e pouco apoio por parte da população e do próprio governo.
     Desde o início do esporte o Brasil está conquistando seu espaço nas competições e deixando seu legado pelo mundo. De acordo com a pesquisa do DataFolha, cerca de 8,7 milhões de pessoas praticavam o esporte no Brasil em 2019. Esses números são expressivos uma vez que o esporte passou por inúmeros desafios no país. 
     Por outro lado, dentro deste número de praticantes, atletas profissionais ganharam destaque e garantiram o nome do Brasil no skate internacional, em especial nas Olimpíadas de Tokyo em 2021, a qual recebeu a modalidade do skate pela primeira vez na competição. Assim, logo de estreia dois grandes nomes trouxeram medalhas para a casa e mostraram o poder do skate brasileiro, foram eles Raissa Leal e Kelvin  Hoefler, ambos no street[FS2]  (modalidade do esporte com obstáculos na pista, que exigem muitas técnicas para aplicarem as manobras).

- Marginalização do esporte
     As competições reconhecem o valor do talento dos atletas brasileiros ao mundo, no entanto, dentro do próprio país, o skate passou por diversos obstáculos, dentre eles, a proibição da prática na cidade de São Paulo, em 1988, pelo ex-prefeito Jânio Quadros.
     Em seguida, os praticantes se reuniram em manifestação pela cidade lutando pela liberação do esporte. Não havia justificativa para a proibição além da marginalização. A proibição continuou, e somente no ano seguinte, 1989, Luiza Erundina revogou a proibição, uma promessa que a candidata havia feito durante as eleições e cumpriu. 

Luiza Erundina Skate

 

    “Antigamente, como foi um esporte que nasceu meio ao preconceito nunca teve nenhuma visão de investir nisso ou que levaria alguém a ter algum futuro e se tornar um atleta profissional. Sempre foi algo estereotipado. Como se o skatista fosse lá matar tempo, fosse vagabundo, ia ficar escutando rap e fumando maconha”, reflete Pedro.
   Os consecutivos anos de discriminação e marginalização do skate resultaram com que o esporte tivesse um retrocesso gigantesco, o que ocasionou com a inexistência de investimentos, um cenário que só  veio a mudar recentemente. “ A gente vive um atraso muito grande com esse esporte. Se você for pegar países como o Japão, você vê os atletas em sua maioria super novos disputando e ganhando medalha de ouro. É bizarro a diferença. É um país que realmente vê o esporte com outros olhos. Hoje está melhorando muito, mas obviamente, estamos sempre ficando para trás nesse quesito. Existem investimentos, mas nunca chegará aos pés dos outros países, se não tivéssemos sofrido tanto preconceito”, reflete Pedro.
 
- Skate antes das Olimpíadas
    Durante a transmissão das Olimpíadas, milhares de telespectadores tiveram o primeiro contato com o esporte. No entanto, antes da modalidade entrar como uma das categorias da competição, o skate tem uma longa trajetória tanto no país como no mundo. Alguns praticantes e atletas têm opiniões divididas sobre a entrada do esporte nesta competição. Uma parte deles acredita que o esporte nunca precisou da competição e não deveria participar, enquanto outros pensam que com a entrada nas Olimpíadas será possível alcançar novos estágios no esporte.
     De fato, a discussão engloba diversos fatores e ambas as partes possuem argumentos importantes sobre suas perspectivas. Ao longo de anos o skate viveu às margens do preconceito sozinho, com raros investimentos e zero divulgações. Assim, gradativamente o esporte se transformou por meio de muita garra pelo mundo.
     “O skate é um esporte muito solitário. Você tem que correr por si só, principalmente se você não tem nenhum patrocínio. Quando você começa, é preciso pagar para competir nos campeonatos. Então você investe em você mesmo. Para ter um skate bom, o shape, o truck, a rodinha e o rolamento custam caro. Todos os materiais vêm de fora e comprar aqui o preço é muito alto. É muito caro. Você precisa de um dinheiro para investir nisso, para competir, para ter aulas, etc. É muito difícil porque é um esporte caro”, pontua o estudante sobre alguns dos fatores que contribuem para as dificuldades que os atletas têm que lidar sozinhos.
      Ainda que tenha acontecido em raras exceções ao longo da trajetória do esporte no país, o investimento é urgente, e uma das únicas formas de transformar essa realidade. “O desafio realmente é no apoio porque todo mundo conhece a nossa realidade. Somos um país de terceiro mundo, tem conta para pagar, temos que estudar ao mesmo tempo para poder ter uma profissão fora o skate. O problema maior está realmente nisso, de poder ter esse suporte financeiro para poder se sustentar dentro do esporte. O atleta não deve trabalhar com outras profissões, ele tem que treinar. Ser atleta não é só andar de skate,tem que fazer uma academia, ter uma alimentação adequada, um suporte médico, nutricional, e isso tudo custa”, afirma Renata.
 
- O que esperar do futuro?

      Observando o cenário atual, é possível notar como mesmo com a ausência de grandes projetos de investimento a longo prazo, o Brasil mostrou seu potencial nacional e internacionalmente. Com o patrocínio cada vez maior de grandes marcas e o apoio governamental por meio de projetos e investimentos nos atletas, espera-se que os atletas e praticantes possam experienciar uma realidade melhor tanto nas competições como nas pistas do país. Ao mesmo tempo, que as próximas gerações de skatistas também possam ter acesso a um esporte com menos discriminação e mais incentivo.
      Pensando nas Olimpíadas de 2024 que acontecem em Paris, a expectativa para atletas brasileiros no pódio é grande. “ Para o desempenho das próximas Olimpíadas, eu estou muito confiante. Os atletas permanecem os mesmos. Agora, com mais experiência, principalmente após já terem passado por mais uma Olimpíada. Eu tenho certeza que o Brasil estará no pódio tanto na modalidade de street como no bow”, expressa Pedro.
     “O Brasil é um berço de talentos de skatistas, a gente tem novos nomes surgindo, e os fóruns que já existem. Eu tenho certeza que para a próxima olimpíada de Paris e para Londres também, se nós não trouxermos todas as medalhas, a gente ainda vai trazer muito mais medalhas do que as duas que vieram agora no Japão em Tóquio”, conclui Renata.
 

 

Fotos

Raissa Leal -  Francois Nel/Getty Images

Luiza Erundina - Instagram 

 

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