Transtornos mentais limitam o cotidiano dos pacientes

A jornada de autodescoberta de Gisela diante da Dismorfia Corporal e o impacto da busca incessante pela perfeição.
por
KHADIJAH CALIL
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12/05/2025

Por Khadijah Calil

 

Gisela não sabe exatamente quando, mas foi notando pequenos defeitos que começaram a incomodar: alguns quilos a mais aqui e ali. A transformação foi sutil, decidiu iniciar dietas e treinos, o que a princípio era um hábito saudável. Até o momento em que começou a receber elogios sobre as mudanças no seu físico, as quais ela não conseguia perceber diante do espelho, um fenômeno comum entre aqueles que sofrem de Transtorno Dismórfico Corporal. As restrições alimentares passaram a ser jejuns longos, dos quais já a levaram a desmaios repentinos, e treinos incessantes, onde passava todo seu tempo livre, acreditando que essa seria a solução para ver um resultado que lhe agradasse.

Por uma infeliz coincidência, essa luta interna surge em uma realidade de popularização de canetas emagrecedoras. O remédio, indicado para quem precisa do tratamento de diabetes e obesidade, começa a ser vendido de forma irregular, sem receitas, para quem quer emagrecer a qualquer custo. O impulso de Gisela de comprar o medicamento clandestinamente foi impedido pelos preços astronômicos que estava sendo vendido, mas ela mantinha essa meta financeira.

Após seu aniversário de 45 anos, as crises se intensificaram. Ela percebeu que a Internet, talvez pela teoria dos algoritmos, a fazia refletir mais sobre si mesma com o conteúdo que era fornecido.  Ao se deparar com postagens de outras mulheres comentando sobre defeitos na aparência, ela se perguntava se também havia falhas em seu corpo que não notava antes. Gisela começou a repensar eventos da sua vida e questionar tudo ao seu redor, inclusive sua separação do marido, achando que isso poderia ter ocorrido por uma falta de atração física por ela. Seus pensamentos auto sabotadores a levaram a acreditar que uma amiga, que constantemente a convidava para treinar, estaria indiretamente tentando alertá-la sobre seu peso.

Diante disso, a publicitária, que cuidava tão bem da imagem alheia, se refugiava no trabalho, onde tinha uma rotina home-office e não precisava se expor ao olhar do mundo. Contudo, a pressão interna sobre sua aparência tornou-se insustentável e fez com que ela retirasse todos os espelhos de seu quarto. Encarar seu reflexo se tornou uma dor física, e as comparações alimentadas pelas redes sociais intensificaram ainda mais o ciclo de autocrítica. Assim, ela se afastava cada vez mais de sua família, seus amigos e de sua vida.

O transtorno dismórfico corporal (TDC) afeta cerca de 1,7% a 2,4% da população mundial, uma prevalência comparável à de distúrbios como anorexia e transtornos de ansiedade. A doença, considerada um Transtorno Obsessivo- Compulsivo (TOC), pode ser influenciado por fatores genéticos ou ambientais, e faz com que a pessoa sobrevalorize ou imagine certas imperfeições físicas. Gisela é uma das vítimas dessa condição e convive com as limitações de ter sua imagem como o principal pilar de sua vida. 

Em busca da cura

Indignado ao ver sua mãe passar por tudo aquilo, Lucas, de 16 anos, perguntou se ela queria seus olhos emprestados, pois não entendia por que ela não se enxergava como realmente é. Sentindo falta de sua mãe, com todo o isolamento que ela optava para evitar ser vista, ele pediu ajuda a parentes para salvar Gisela desse limbo pessoal. Aos poucos, ela cedeu aos conselhos de sua família, que a incentivava a procurar ajuda psicológica, algo que ela inicialmente resistiu. Falar sobre si mesma — alguém que ela já odiava — parecia um desafio doloroso demais.

As orientações terapêuticas eram focadas na consciência corporal e no autoconhecimento, que amenizavam as crises da dismorfia corporal e reequilibravam aos poucos a vida emocional de Gisela. Sua lição de casa era mostra amor próprio: passou a se cuidar de maneira mais saudável, com o acompanhamento de um nutricionista e de um personal trainer, evitando conteúdos ou lugares que alimentassem sua autodepreciação. Porém, a doença ainda estava ali, quando ela menos esperava as crises ainda apareciam para relembra-la de todo aquele ódio interno. Foi preciso que o psicólogo a encaminhasse ao psiquiatra, onde ela passa atualmente por uma intervenção mais elaborada, com auxílio de medicamentos.

Hoje, Gisela percebe que o problema não está em seu corpo, mas em sua mente. Pintar o cabelo, mudar o estilo, emagrecer e até realizar cirurgias plásticas são apenas tentativas de adaptação ao que já está ali, como veio ao mundo. Mas, para as vítimas de TDC, essas tentativas não são apenas escolhas, são vícios torturantes. São relatos sobre a gravidade da doença e os riscos de um ambiente tóxico que proporciona gatilhos até mesmo inconscientemente, podendo agravar a predisposição a transtornos mentais. 

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