A trajetória política do cinema sul-coreano

Como a política da Coreia do Sul foi - e continua sendo - influente no mercado cinematográfico
por
Maria Eduarda Cury
|
04/05/2020

Se quisermos resumir, com uma palavra, o que representa o cinema da Coreia do Sul atualmente, essa palavra é liberdade. Mas ela não vem de agora. Para começar a entender o significado, é preciso voltar para 1945 – ano em que a Coreia se viu liberta da colonização japonesa. Para essa época, podemos relacionar o filme “Viva Freedom!”, de Choi In-Gyu – é o primeiro longa-metragem a iniciar a trilha de filmes coreanos independente, além de ter se tornado um importante marco para demonstrar o sucesso comercial que a nova onda da arte coreana poderia alcançar.

O triunfo, porém, durou pouco. Quatro anos depois, teve o início da Guerra da Coreia, que acabo estagnando a indústria cinematográfica local e fazendo com que todos os seus filmes fossem perdidos. Foi apenas com o Acordo de Armistício Coreano, no dia 27 de julho de 1953, que o cinema conseguiu ter outra chance: Syngman Rhee, o presidente da Coreia do Sul na época, isentou a indústria de impostos e conseguiu revitalizar a produção de filmes, com novos equipamentos e tecnologia.

Acordo Armísticio Coreano
Acordo Armísticio Coreano

Alguns anos depois, o governo instituiu uma espécie de sistema de cotas para produções audiovisuais nacionais. Instauradas em 1966, durante o regime militar pelo qual o país passava, as novas regras exigiam que cinemas locais mantivessem, por no mínimo 146 dias, produções nacionais em exibição. Esse sistema permaneceu até 2006, ano em que a ditadura militar deixou de existir e a democracia chegou no país. 

Além disso, a ditadura também deixou como herança uma academia de cinema e um conselho cinematográfico, o que demandou um maior direcionamento do financiamento público para a produção de filmes no país. Para Cecília Mello, que deu uma entrevista sobre o tema para a BBC, essa decisão se encaixa em uma política que exalta a “onda coreana” em diversas áreas da cultura: “É uma política de soft power do governo para fazer com que a cultura coreana seja mais conhecida mundialmente e, assim, ampliar a influência do país sobre o que acontece no mundo”, comentou Mello. 

Desde então, o cinema se popularizou ainda mais na região e, graças à reforma educacional, a geração após 1990 acabou criando um laço maior com a profissão – e isso fez com que a indústria se tornasse cada vez mais relevante e respeitada. Companhias como Samsung e Hyundai viram ali uma oportunidade de crescimento, e passaram a investir cada vez mais em filmes sul-coreanos. 

Parasita
Parasita


Mesmo para quem não possui um conhecimento aprofundado sobre o cinema sul-coreano, é improvável que os filmes “O Hospedeiro”, “A Criada”,  “Parasita” ou até mesmo “A Gripe” sejam desconhecidos. Josmar Reyes, que cursa pós-doutorado em cinema sul-coreano na Universidade Sorbonne, em Paris, disse à BBC que o diretor Bong Joon-ho é um dos principais responsáveis para a internacionalização das produções nacionais – o diretor se tornou mais conhecido mundo afora com “Okja”, distribuído pela Netflix, e quando “Parasita” foi o grande vencedor do último Oscar. 

O que é chamado de reinvenção do cinema nacional na Coreia do Sul deu tão certo que, em 2006, quando a venda de ingressos aumentou consideravelmente, o governo decidiu diminuir o número de dias que um filme nacional deveria permanecer no cinema – regra que havia sido implantada em 1966. Sendo assim, o espaço para filmes hollywoodianos na Coreia do Sul cresceu, mas o interesse dos residentes pelas produções nacionais nunca diminuiu. Até o dia de hoje, um filme nacional sul-coreano é lançado por semana. 

O país é, hoje em dia, uma grande referência para como governos democráticos devem tratar suas produções locais. Mesmo com a redução das cotas de exibição pela metade, em momento algum o incentivo ao cinema diminuiu – e isso é resultado de uma política ampla de incentivo. 

Mas isso não significa que todos os países possam replicar o modelo idealizado pela Coreia do Sul. Isso acontece porque, para muitos nativos, o cinema é uma das principais – ou únicas – formas de lazer no exterior. No entanto, após a vitória de “Parasita” no Oscar, é possível que outras regiões – como o Brasil – passem a ver a possibilidade de aumentar o financiamento cinematográfico com outros olhos, visto que, aparentemente, a Academia passou a olhar fora de seu território, e o prestígio internacional tende a crescer. 

 

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