Por Lucas Gomes
Vila Carrão. Meio-dia. O forte brilho do sol destaca o chão de terra seco e rachado. O campo de futebol do Parque Municipal do Tatuapé, também conhecido como Sampaio Moreira, não segue os cuidados e padrões da FIFA. As linhas são tortas e meio apagadas, e as redes, já desgastadas pelo tempo, permanecem presas nas traves com alguns buracos. As comissões técnicas e reservas dos times se acomodam em bancos de concreto situados em lados opostos, mas como não há espaço suficiente para todos, alguns ficam de pé ou sentados no muro que segura as grades ao redor do campo.
Na beira do "gramado", Fúlvio Santiago se prepara para entrar em campo. Ele amarra as chuteiras e se ergue orgulhoso com o uniforme que veste. No lado esquerdo do peito está o símbolo do Punho Cerrado Futebol Clube, um time da várzea paulistana que combina futebol e política. O clube foi fundado em 2020 com a intenção de lutar contra o fascismo e homenagear Sócrates, ídolo do Corinthians e um dos líderes da Democracia Corinthiana – movimento que promoveu a autogestão do clube e enfrentava a Ditadura Militar – através do nome e do escudo.
O uniforme é preto com detalhes vermelhos e mangas brancas, onde está escrito um dos lemas do time: "Uni-vos!". Nas costas de Fúlvio está o número 7, mas o nome na camisa não é o do jogador, e sim o de Zumbi dos Palmares – o último líder do maior quilombo do Brasil no período colonial. Com esse uniforme, o clube busca dar visibilidade a pessoas negras que impactaram a história e a cultura do país.
Fúlvio explica que vestir a camisa do Punho Cerrado não é apenas fazer parte de um time de futebol, mas sim representar uma causa. Além de um clube, o coletivo é considerado uma família que reuniu pessoas com os mesmos ideais, lutas e objetivos.
O TIME
Fundado em 2020 com o objetivo de promover inclusão e igualdade, o time enfrentou desafios durante a Pandemia de COVID-19 e o Governo Bolsonaro. No entanto, o Punho Cerrado persistiu e continua realizando ações que buscam compreender o contexto político, social e cultural brasileiro. Em campo, a equipe procura fugir do estereótipo masculino associado a jogos que terminam em violência e gritaria. Embora o time não conte com mulheres, esse é um dos objetivos do Punho Cerrado, e é necessário criar um ambiente receptivo para que essa ideia se torne realidade.
O clube já possui outros projetos esportivos, como um time de futsal feminino, que ainda não foi concretizado, e um elenco de futebol 7, com o qual se tornou parceiro e frequentemente enfrenta times que competem na LIGAY (liga de futebol LGBTQIAPN+).
Além do futebol, o time organiza mensalmente um clube do livro com o objetivo de discutir obras que contribuam para o desenvolvimento social dos participantes do coletivo, que não se limita apenas aos jogadores. No último encontro conversaram sobre o livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo, de Ailton Krenak.
No entanto, nem todos apreciam a iniciativa do Punho Cerrado. Em meio à onda nacionalista, o clube enfrenta represálias esporádicas de extremistas, olhares tortos e conversas que se reduzem a monólogos, sem troca de ideias. Apesar disso, Fúlvio não sente medo de exibir os símbolos da equipe em público. Ele afirma que nunca se sentiu ameaçado por usar a camisa do Punho Cerrado, mas sim motivado a enfrentar os olhares atravessados, algo com o qual já está acostumado devido à sua cor de pele.
Para ele, usar o uniforme ajuda a se preparar mentalmente para enfrentar o racismo diário. A suposta ameaça pelos ideais políticos não é nada comparada ao peso do preconceito que enfrenta por causa da cor de sua pele. Ser antifascista envolve lutar contra a desigualdade e todos os tipos de discriminação, e estar em um grupo impulsiona a coragem diante da violência cotidiana.
A LIGA
O Punho Cerrado não é o único que utiliza o futebol como meio para ampliar seu alcance. Cerca de 20 clubes de capital e região metropolitana de São Paulo se reúnem anualmente para realizar a Liga Eduardo Galeano (LIEGA). Um dos fundadores do torneio, o Autônomos, existe desde 2005 e já promoveu excursões para encontrar e jogar amistosamente contra times antifascistas fora do país.
Além do torneio, a liga promove ações conjuntas entre os times com ideais semelhantes para fortalecer a luta contra o fascismo. Isso inclui participação em manifestações, atividades nas redes sociais, debates e até mesmo arrecadação de alimentos no bar Sol y Sombra, sede da LIEGA localizada no bairro do Bixiga, em São Paulo.
O número de times antifascistas ainda é pequeno comparado ao total de times de várzea na região metropolitana de São Paulo, onde a Federação Paulista de Futebol de Várzea (FPFV) tem cerca de 3 mil clubes cadastrados. Fúlvio explica que uma das motivações para fundar o Punho Cerrado era usar o futebol como ferramenta para alcançar mais pessoas. Segundo o jogador, o esporte é uma abordagem mais humana e poderosa quando bem utilizada.
É comum que, antes dos jogos, haja uma conversa com o time adversário para explicar a ideia por trás do coletivo. Também não é raro que jogadores da equipe rival perguntem sobre os nomes homenageados nas camisas e suas histórias.
De acordo com Fúlvio, a cada jogo fora da "bolha", o Punho Cerrado planta uma semente de curiosidade nos adversários sobre o ambiente político e cultural do Brasil. Embora possa parecer pouco em comparação com a extensão do país, aos poucos mais pessoas entendem os ideais do coletivo e são incentivadas a se juntar à luta contra o fascismo.