Terapias também afetam terapeutas

Jornada de trabalho de psicólogos pode prejudicar a saúde mental
por
Khadijah Calil
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01/10/2024

Por Khadijah Calil

 

A correria incessante de um mundo que parece nunca desacelerar fez Christie se perceber no epicentro de uma batalha silenciosa. Diariamente ela ouve histórias que ecoam em sua mente como narrativas de dor e sofrimento que a envolvem como uma sombra, absorvendo sua própria energia emocional. Como psicóloga, sua missão é acolher essas feridas, mas, à medida que a conexão se aprofunda, uma angustiante necessidade de cuidar de si emerge como um alerta.

Christie sempre teve uma afinidade com a saúde, uma vontade intrínseca de ajudar os outros. No entanto, à medida que mergulha nas complexidades das vidas que atende, a linha entre o cuidado e a sobrecarga se torna tênue. Cada sessão é uma dança delicada; ela ouve, valida, oferece suporte. Mas, ao mesmo tempo, a dor do outro começa a se entrelaçar com a sua, e a realidade se transforma em um labirinto emocional. Nos momentos de quietude, quando as luzes da clínica se apagam e ela finalmente se despede de um dia repleto de emoções, o profissionalismo entra em repouso. Christie sente o peso das histórias que carrega — cada uma delas como uma pedra em sua mochila, tornando a jornada mais pesada. A pressão das expectativas, tanto internas quanto externas, a assedia. Ela se pergunta se está fazendo o suficiente, se está realmente ajudando aqueles que confiam a ela  suas vidas.

A rotina de atender pacientes em São Paulo, aliada ao formato online, se transformou em um ritual rigoroso. Christie se limita a seis atendimentos por dia, mas a realidade do trabalho clínico se estende para além das horas marcadas. Cada paciente representa um universo único de dor, e ela sabe que deve dedicar tempo ao estudo, à supervisão, às reuniões com psiquiatras. A responsabilidade pesa, e as horas de autocuidado se tornam cada vez mais preciosas. Nas noites solitárias, quando o silêncio se torna quase ensurdecedor, Christie reflete sobre os casos que mais a tocaram. Ela busca entender até onde pode ir, até onde deve ir. A consciência de seus limites surge como um mantra em sua mente. Se uma história a afeta profundamente, ela se lembra de que é preciso encaminhar o caso a um colega, um gesto de autocuidado que muitas vezes se sente como uma fraqueza. Mas, no fundo, sabe que essa é a única maneira de continuar.

As estratégias que ela desenvolve para lidar com essa sobrecarga emocional tornam-se âncoras em meio à tempestade. Desconectar-se do celular fora do horário de trabalho é um esforço consciente, uma tentativa de separar o caos do mundo profissional do sagrado espaço de sua vida pessoal. Ela busca o equilíbrio, mas, em sua busca incansável, percebe que a perfeição é uma miragem. O alívio, às vezes, vem em pequenas doses: uma viagem, uma conversa leve com amigos, uma tarde no cinema. Esses momentos são como respingos de luz em um dia nublado. Eles se lembram de que, mesmo em meio à dor, há espaço para a alegria. No entanto, a angústia permanece, como um sussurro constante em seu ouvido, desafiando sua sanidade e sua determinação.

Para Christie, a maior lição que a profissão lhe ensinou é que sempre há tempo para fazer diferente. Cada história de vida é um tesouro, e ela aborda cada uma com humildade e dedicação. Porém, a cada dia, enquanto se compromete a ser a âncora para seus pacientes, ela luta para não se afogar em suas próprias emoções. A presença deles, apesar de completa, no fim traz um sentido de propósito, um farol de esperança.

A dor dos psicólogos, como a de Christie, revela-se como um fio delicado entre empatia e sobrecarga. Esses profissionais, ao se dedicarem a entender e acolher as complexidades da experiência humana, frequentemente se tornam portadores de fardos emocionais que não são seus, mas que absorvem com o intuito de oferecer alívio aos que os procuram. A história de cada psicólogo é tecida com propósitos profundos: o desejo de fazer a diferença, de ser uma luz na escuridão da dor alheia. Eles entram em suas profissões movidos por uma paixão genuína, uma vontade de ajudar a curar feridas invisíveis. No entanto, essa busca incessante por auxiliar o outro muitas vezes os deixa vulneráveis, confrontados com suas próprias fragilidades e limites. A cada sessão, enquanto ouvem histórias de perda, ansiedade e desespero, eles enfrentam a realidade de que, por mais que se esforcem, não podem salvar todos.

Essa dor compartilhada, embora desafiadora, também é uma fonte de conexão e crescimento. Os psicólogos aprendem, com o tempo, que reconhecer suas emoções e buscar apoio não é um sinal de fraqueza, mas um passo essencial para a própria saúde mental. A prática da autocompaixão se torna vital, assim como a necessidade de estabelecer limites que protejam sua sanidade. E assim, aprendendo com a dor do outro, Christie continua sua jornada — buscando não apenas curar os outros, mas encontrar o caminho para sua própria cura.

 

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