Por Maria Fernanda Müller
Com apenas 12 anos, André foi diagnosticado com depressão por causa de sua dependência digital. Desde os 2 anos de idade, ele já tinha seu próprio tablet, liberado por sua mãe para que ele pudesse se distrair e ficar quietinho enquanto ela cumpria as tarefas diárias. Ao crescer, nada mudou em sua rotina, apenas um novo eletrônico foi acrescentado, o celular. A mãe descreve que quando o menino acordava, a primeira coisa que fazia era olhar o dispositivo, e assim ficava o resto do dia, evitava conversas e brincadeiras, não gostava de ir às festinhas de criança e aparentava não ter amigos na escola. Sua mãe percebeu que seu comportamento só piorava conforme os anos passavam. Ela reparou que André andava mais irritado, angustiado e sensível, às vezes o menino chorava sem motivo, e quando questionado se havia acontecido algo, ele negava e ficava agressivo, pois alegava que os pais se metiam muito na vida dele. Ele foi levado à psicóloga com urgência e iniciou as sessões de psicoterapia, por fim, foi concluído o diagnóstico de depressão.
Além disso, a profissional conseguiu identificar a nomofobia como um dos agravantes da depressão. Nomofobia, termo utilizado para descrever o medo irracional de ficar sem celular, é um transtorno que gera ansiedade e manifesta a dependência digital excessiva. Os pais de André e ele começaram a terapia familiar, além do menino passar em consultas com o psiquiatra também. Atualmente eles adotam novos hábitos para melhorar a qualidade de vida do filho.
De um lado, existem pessoas que acreditam que o poder da tecnologia é inofensivo para crianças e adolescentes. Por outro existe gente como a Kátia, que assim que engravidou da primeira filha já lia sobre os malefícios de contaminar crianças com eletrônicos desde pequenas. Quando a Mariana nasceu, Kátia e o marido optaram por deixar as telas de lado e preferiram brincar com brinquedos, ler livros e incentivar atividades que estimulam a criatividade e o movimento. A mãe alega que apesar de ter sido exaustivo em diversos momentos, ela não se arrepende de ter optado por esse estilo de criação. Kátia até brinca quando conta que decidiu trocar a tela eletrônica pela tela criativa, visto que Mariana gosta de pintar quadros desde pequena, e agora leva até como profissão.
"Brain Rot", traduzido como “cérebro podre”, foi eleito a palavra do ano em 2024 pelo Dicionário Oxford. O termo refere-se ao fenômeno de deterioração do estado intelectual e do desgaste mental causado pelo consumo excessivo de conteúdos repetitivos e superficiais, como vídeos curtos e altamente estimulantes, que "atrofiam o cérebro". A expressão foi popularizada nas redes sociais, especialmente entre adolescentes e jovens adultos. Embora o termo seja usado de forma irônica, revela uma preocupação crescente com os efeitos da mídia de massa sobre o desenvolvimento cognitivo, especialmente entre o público infantojuvenil.
Um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que crianças de até 2 anos não devem ter acesso a eletrônicos com telas. E de 6 a 10 anos não é indicado que passem mais de duas horas por dia diante das telas — um limite que, na prática, é extremamente ultrapassado. Em meio à disputa por atenção promovida por plataformas digitais e canais de televisão, surge a necessidade de compreender como esses conteúdos influenciam hábitos, comportamentos e até o aprendizado de crianças e adolescentes.
Nas últimas décadas, o marketing e a publicidade passaram a direcionar seus esforços cada vez mais para o público infantil, transformando crianças em alvos estratégicos para a promoção de produtos e serviços. Essa prática, embora rentável para as empresas, levanta questões éticas e sociais, sobretudo quando se considera o estágio de desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, que ainda não possuem maturidade para discernir o caráter persuasivo das mensagens publicitárias.
As empresas perceberam que as crianças exercem um grande poder de influência dentro do ambiente familiar, especialmente nas decisões de compra. Isso ocorre porque, desde muito cedo, elas são expostas a um volume massivo de propagandas, especialmente em canais infantis, redes sociais, jogos e aplicativos. Além de consumirem diretamente brinquedos, roupas e alimentos, as crianças influenciam os pais na escolha de produtos de uso coletivo, como marcas de supermercado, eletrônicos e até destinos de viagem.
A publicidade voltada ao público infantil costuma ser mais colorida para chamar a atenção e divertida para manter a criança entretida. Esses fatores evidenciam o apelo emocional por trás. Personagens animados, músicas cativantes, brindes e colecionáveis são recursos usados para atrair a atenção dos pequenos e gerar desejo de ter. No entanto, o que muitas vezes passa despercebido é o impacto que pode ter no desenvolvimento da criança. Especialistas alertam que o contato constante com a lógica do consumo pode gerar comportamentos consumistas, contribuir para a obesidade infantil, experienciar erotização precoce e enfrentar dificuldades no desenvolvimento de valores e relações sociais saudáveis.
Por esses motivos, muitos países, incluindo o Brasil, adotaram medidas legais para limitar ou proibir a publicidade voltada diretamente para crianças. A Resolução n° 163/2014 do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), afirma que “considera abusiva a publicidade e comunicação mercadológica dirigidas à criança, definindo especificamente as características dessa prática, como o uso de linguagem infantil, de pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil, de personagens ou apresentadores infantis, dentre outras”. A resolução é baseada no Código de Defesa do Consumidor, que visa incluir consumidores jovens.
Outro tipo de contexto é quando a criança ou adolescente vira o centro dos holofotes, como é o caso de influenciadores digitais mirins. Os influenciadores têm poder real sobre decisões de consumo, comportamento, opinião e estilo de vida. Com milhões de seguidores em plataformas digitais, essas personalidades exercem um papel que vai além da publicidade tradicional: elas constroem uma relação de proximidade e confiança com o público, o que torna sua influência muito mais poderosa e sutil.
É possível ver uma faixa etária ampla nesse universo digital, e em diversos momentos, a fama é capaz de encobrir a idade daquela figura. Como um caso de três influenciadoras do TikTok que começaram uma discussão pública por meio de pronunciamentos, nos quais cada uma expunha o seu sentimento diante de uma situação. O caso envolvia Antonella Braga, Júlia Pimentel e Liz Macedo, todas com apenas 16 anos. Em seus respectivos vídeos, elas enfrentaram uma questão diante do relacionamento amoroso de Júlia.
Apesar de ser um assunto que envolve mágoas originadas de sentimentos reais, a repercussão dividiu opiniões para todos os lados, e em um determinado momento, parecia que tinham esquecido que se tratava de menores de idade e não pouparam comentários carregados de discursos de ódio. Eventualmente, outros envolvidos apareceram, sendo todos na mesma faixa etária. As empresas de grandes marcas se aproveitaram da visibilidade que todos os envolvidos ganharam, independente de ser positiva ou negativa, para usar essa imagem em campanhas publicitárias e convites para grandes eventos.
Esse tipo de prática, que se aproveita da vulnerabilidade do público infanto-juvenil, levanta uma reflexão urgente sobre os limites éticos da exposição de menores nas mídias digitais, especialmente quando externos a fins de entretenimento e exploração comercial. Embora a mídia de massa ofereça espaços de informação, lazer e pertencimento, ela também impõe padrões de consumo, comportamento e imagem que frequentemente extrapolam a capacidade crítica dessa faixa etária. Mais do que depender exclusivamente da atuação dos órgãos reguladores, é necessário questionar a lógica de mercado que transforma a infância em estratégia de liderança, comprometendo, muitas vezes, o desenvolvimento saudável e a supervisão emocional de crianças e adolescentes.