O novo governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apresentou quatro vezes menos propostas para o esporte do que o seu rival Fernando Haddad (PT). Os candidatos mostravam propostas muito diferentes para a pasta em seus planos de governo, mas ambos não apontaram como vão utilizar o curto orçamento reservado.
A Lei Orçamentária Anual aprovada em 2021, elaborada pelo ex-governador João Doria (PSDB) para o exercício deste ano, prevê um total de R$ 282 milhões para o esporte, valor que corresponde a apenas 0,09% do orçamento total. Já o orçamento proposto por Rodrigo Garcia para o ano que vem destina R$ 315 milhões para a pasta, correspondente a 0,1% do montante.
Nos planos de Haddad e de Tarcísio, nada se fala sobre um possível aumento da verba da pasta e nem como o orçamento disponível será alocado para a realização das políticas públicas propostas. Tal falta de clareza sobre o uso da verba pública foi criticada por Flávia da Cunha Bastos, professora da Pós-Graduação em Legislações e Políticas para o Esporte da USP.
"Nos dois planos falta clareza sobre o orçamento para o esporte. Não existe um caminho para essa política, pelo menos até o momento. Os dois não mostram como cada receita será distribuída e são questões de extrema importância. Portanto, é inegável dizer que o Plano do Haddad há mais iniciativas, mas também falta uma explicação orçamentária para colocar tudo em prática"
A professora formada pela USP afirma que, sobre os planos, não há justas comparações. O plano de Fernando Haddad seria mais completo em termos de práticas esportivas e ideias realmente novas para a cidade. A docente aponta o plano do novo governador como muito vago. Flávia Cunha ainda afirma que o Plano de Governo de Tarcísio de Freitas trata os números com desprezo, se baseando em dados de anos anteriores.
Já quanto aos últimos quatro anos, durante os governos de João Doria (sem partido) e Rodrigo Garcia (PSDB), uma das prioridades para tentar escapar do baixo orçamento destinado à pasta foi a realização de concessões. A professora Flávia Cunha criticou a medida, e afirma que as condições dos espaços públicos do esporte eram ruins por conta de um descaso de vários governos estaduais.
“[No complexo do Ibirapuera], nós tivemos um histórico campeonato de basquete que chovia, e caia enormes goteiras. Uma vergonha nacional. Essa é uma marca e uma visão de tratar determinados assuntos e em especial as políticas sociais, como neste caso o esporte. É uma marca muito negativa que denota essa não preocupação com o esporte, cultura e saúde. Esses são os principais pontos dessa gestão”.
As concessões faziam parte do plano da gestão de João Doria de tentar cortar gastos com a pasta, assim como fez na prefeitura de São Paulo, quando deu início aos processos de concessão do Parque do Ibirapuera e do Estádio do Pacaembu, que se concretizaram durante o mandato de Bruno Covas.
Porém, ao tentar conceder o Conjunto Desportivo Constâncio Vaz, conhecido como Complexo do Ibirapuera, para a iniciativa privada, ele esbarrou no tombamento como patrimônio histórico nacional pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
A ex-atleta olímpica de esgrima, arquiteta e professora de arquitetura, Maria Julia Herklotz, participou do grupo que mobilizou a liminar que barrou a concessão do ginásio. Ela afirma que privatização, que previa a demolição do patrimônio, não traria novos benefícios à sociedade.
“A lei que previa a concessão era muito mal redigida, não só do ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista da contrapartida para a sociedade. Era isso: ‘Te dou um shopping e coloco um estacionamento’... Ou seja, fora o valor da arquitetura, oferecia algo que a gente já tem para todo lado em São Paulo”.
Flávia da Cunha ainda acrescenta o valor histórico e cultural que o Ibirapuera tem para a cidade de São Paulo em entrevista. Palco de grandes campeonatos brasileiros, o complexo já foi parte de premiação com medalhas, comemoradas vitórias e as mais dolorosas derrotas, também.
Apesar de ter sido uma pauta muito importante na gestão de Doria, nenhum dos candidatos ao Governo de São Paulo falou sobre privatizações na área do esporte. O Contraponto Digital entrou em contato com as assessorias dos candidatos Fernando Haddad e Tarcísio Freitas para questionar o posicionamento dos concorrentes sobre o tema, mas não obteve resposta.
Apesar de ter considerado a gestão de Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo péssima, a jornalista com especialização em economia Salette Lemos afirma que, do ponto de vista do esporte, o plano de Haddad é mais completo que o de Tarcísio.
Lemos aponta que é um dever do Estado, e apenas dele, de prover para o seu povo iniciativas e programas de esporte, lazer e cultura. Indo nesta direção, a especialista esclarece que houve uma forte desvalorização do esporte no país nos últimos anos, “Desde que o governo de Jair Bolsonaro transformou o Ministério do Esporte em secretaria, o investimento da pasta despencou: de R$ 70,3 milhões, em 2018, para R$ 19,5 milhões, em 2020”.
Paradesporto
Entretanto, apesar de um número maior de propostas para a área esportiva, Haddad não propõe políticas específicas para o paradesporto. Tarcísio de Freitas, por sua vez, pretende ampliar a rede de educação física paradesportiva nas escolas estaduais e promover competições escolares para alunos com deficiência.
Cristina Heitzmann, diretora da Associação Paradesportiva JR de São Paulo, acredita que as propostas do candidato do Republicanos são muito importantes para a ampliação da inclusão no esporte, mas pondera que é necessário investir na formação de profissionais especializados no ensino do paradesporto.
“A inclusão realmente é necessária, mas é preciso preparar as pessoas para ela. Não só na reabilitação e lazer, mas também para a prática esportiva, pois temos muitos talentos que acabam não seguindo no paradesporto por falta de oportunidade e de preparação dos profissionais para auxílio no desenvolvimento do atleta”, disse
Heitzmann destacou a necessidade da proposição de novas ideias para as atividades paradesportivas, mas lembrou que é essencial que essas propostas sejam postas em prática e de maneira efetiva.
Lei de incentivo ao esporte
A Lei nº 13.918, de 22 de dezembro de 2009, conhecida como Lei Paulista de Incentivo ao Esporte, foi um marco no estado de São Paulo, pois permitiu que a iniciativa privada destinasse valores arrecadados através do ICMS para projetos desportivos.
Flavia da Cunha destaca a importância desta lei e lembra que, na época, a Secretaria de Esportes organizou um comitê com acadêmicos das universidades públicas do estado para discutir a norma, o que teria contribuído para que ela fosse mais bem elaborada.
Apesar de ser uma lei essencial para o esporte em São Paulo, apenas Fernando Haddad possui propostas para fortalecer a legislação. O candidato propõe que os processos de repasse de recursos sejam desburocratizados para incentivar a iniciativa privada a destinar mais verba a projetos desportivos.
Além disso, assim como foi feito no governo Serra na elaboração da Lei Paulista de Incentivo ao Esporte, o plano do candidato do PT prevê a criação de comitês para o auxílio na elaboração de políticas públicas.