A Supervalorização da Jovialidade

A procura cada vez maior por procedimentos estéticos em busca de retardar o envelhecimento
por
Barbara Ferreira
|
14/04/2023

Em culturas como Japão e China, é comum a associação entre idade, experiência e sabedoria, sendo de orgulho o fato de haver o velho que ensine o novo, e a constante transformação e passagem de fases e idades, algo natural do ser humano. 

“A velhice como sinônimo de sofrimento, decadência e solidão faz-se presente nas sociedades. Entretanto, a invenção da categoria "Terceira Idade" reflete a redefinição da velhice em termos positivos, como uma etapa da vida repleta de possibilidades”, explica o professor do Departamento de Antropologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), José Paulo Florenzano. 

Apesar disso, é comum que, em outras situações, pessoas mais velhas associem esse título a uma característica pejorativa. Central de um ideal de estética, o fetiche na jovialidade é a aura da ideia de preservação de um físico banalizado, que nega o corpo que envelhece para alcançar o padrão imposto pela sociedade. 

Ícone dos palcos, Gretchen alcançou seus 63 anos com muita saúde. Entretanto, preencheu as fases da idade com procedimentos estéticos cada vez mais invasivos (como aplicação de botox e harmonização facial). A estrela é só mais uma numa indústria que cria e incentiva esse culto ao jovem e, ao mesmo tempo, critica quem assume a realização de procedimentos com exaltação. 

Esse fenômeno  adquire contornos mais nítidos no período posterior à Segunda Guerra Mundial, com o advento das culturas jovens, considerando a dimensão estética da revolta jovem focada na supervalorização do corpo. Na década de 60, manifestações políticas e culturais permeavam a sociedade, promovendo transformações que os adultos da época não podiam imaginar. Hoje, de acordo com uma pesquisa da UNFPA, há 1,8 bilhão de adolescentes e jovens entre 10 e 24 anos, que representam um quarto da população global. Essa ideia, estimulada pela  obsessão eterna pela juventude, faz do corpo o objeto para grandes investimentos da medicina, biologia e indústria, visto que escapa do envelhecimento, fragilidade e morte, os inimigos do sistema de produção.  

O peso dessa exigência de jovialidade frente ao corpo feminino não é leve. Cremes e procedimentos estão cada vez mais relacionados ao culto à jovialidade de forma doentia, capazes de incentivar o consumo excessivo. Hoje, com o nível de persuasão e alcance, os chamados influencers incentivam esse padrão divulgando cosméticos e procedimentos estéticos capazes de manipular a concepção de belo, acima de tudo, nas mulheres. O indivíduo carrega consigo sua imagem, que permite a inserção social em determinada cultura.  

"Eu arrisco dizer que a sociedade criou uma espécie de “competição”, principalmente, entre as mulheres. É exigido que elas estejam bem arrumadas, cabelo e unha feitos, corpo socialmente aceito e quem não se encaixa nesses padrões, automaticamente, se sente mal. Isso faz com que elas invistam muito mais em procedimentos e produtos para alcançar o que é esperado.” afirma Jéssica Silvestre, psicóloga formada pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, FMU. 

A presença do corpo jovial é exagerada na publicidade, moda e cultura de massas; caso as mulheres não se encaixem nesses padrões, são taxadas de desleixadas e descuidadas. Madalena Ribeiro, dona de casa, de 54 anos, afirma uma maior preocupação em relação ao corpo que parece não ser mais visto como desejado. Se incomoda com sua identidade, receosa em perder o sentimento prazeroso de ver e ser desejada, transformando este em um dos principais momentos de intensa obsessão pela interferência de procedimentos que rejuvenescem. Este é o fruto de padrões veiculados pela mídia e um pensamento resultado da construção da misoginia. 

O imperativo de ser jovem e belo, de acordo com um padrão estético instituído no contexto da dominação masculina, traduz o caráter assimétrico das relações de poder na sociedade entre homens e mulheres. A misoginia tende a condicionar a mulher em um padrão determinado pela classe de poder hegemônico, conveniente ao patriarcado e controle da capacidade feminina. Tomando como exemplo, o movimento Redpill é utilizado por membros da extrema-direita e impõe sua contrariedade ao sistema que favorece as mulheres, considerando-as, na verdade, as grandes vilãs, interesseiras e aproveitadoras da sociedade, e enaltecendo apenas as com princípios conservadores. 

“Não é uma questão de mulheres serem mais manipuláveis, você só vende uma coisa se tem um problema. Procedimentos e produtos são uma solução para esses problemas criados pela própria indústria. Servem tanto como um autocuidado e bem estar pro dia a dia como também para se adequarem. A questão é como as mulheres se sentem em relação a isso. Mas independente disso, elas atingem os dois lados”, completa a psicóloga. 

De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, ISAPS, os procedimentos que mais foram realizados em 2019 foram o de botox (507.869.000), preenchimentos com ácido hialurônico (398.830.00) e peeling químico (34.804.00), procedimentos feitos majoritariamente em mulheres.  

Em geral, esses conceitos são consequência da teoria de uma beleza inalcançável, que infelizmente, ditam a realidade sobre a aparência ideal. O envelhecimento não é sinônimo de deterioração, mas de metamorfose, sendo assim finaliza Florenzano: “A categoria velhice é construída socialmente, no quadro das relações de poder. A luta consiste justamente em se desvencilhar do estigma, atribuindo novos significados ao processo do envelhecimento”. 

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