Solidariedade com São Sebastião esfriou 12 semanas após o desastre

Moradores, turistas, organizações e especialistas ajudam a explicar o porque situações como a que ocorreu na cidade geram uma alta demanda de doações a curto prazo
por
Larissa Soler e Victória Toral
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22/06/2023

Barra do Sahy. Pescadores desembarcando mantimentos.
Pescadores desembarcando mantimentos na Barra do Sahy

 

As ações solidárias destinadas à região de São Sebastião, desapareceram junto com a chuva que devastou o litoral norte de São Paulo há três meses e deixou 1.090 pessoas desalojadas, 1.126 desabrigadas e 65 mortas. 

A Diretora do Fundo Social de São Sebastião, Rita Elizabeth informou que 13.500 toneladas de doações foram feitas à cidade depois das chuvas no final de semana do Carnaval. Empresas, como as Casas Bahia e a Sabesp, e órgãos governamentais, como a Receita Federal, doaram juntas mais de 90 toneladas de produtos. Uma empresa de refrigerante em conjunto com a ONG Geração Falcão destinou cerca de R$100 mil para auxiliar as vítimas. 

Porém, semanas depois do ocorrido, o Fundo Social da cidade, já estava com o estoque de doações praticamente zerado, como conta a diretora. Moradores que foram atingidos pela tragédia, e ONGs que levantaram arrecadações também sentiram a redução. 

Organizações que se voluntariaram e levaram doações para os atingidos pelas chuvas no litoral conseguiram coletar altos números de donativos. Como a Feito Formiguinhas e a Formiguinha em Ação que juntas levaram mais de 14 toneladas de produtos, entre elas cestas básicas, produtos de limpeza, de higiene pessoal, água e ração. 

Segundo Elis Pedroso, representante da ONG Feito Formiguinhas, as doações no começo foram enormes, mas, com o passar do tempo, a quantidade de produtos doados sofreu uma redução:"Todas as vezes que existe alguma coisa de comoção de massa, há uma entrada maior de doações. O complexo é que dura muito pouco, porque passou a mídia [noticiando a tragédia], é como se nada tivesse acontecido. Em 15 dias já não se tinha mais tantas doações.”

Sensação também presente para a organização Formiguinhas em Ação. Alex Cahli, porta-voz do local, conta: “Nos momentos iniciais de uma tragédia, como a que ocorreu no meio de fevereiro, os números de doações são altos, mas em seguida com a “volta da rotina”, há uma queda”.

A antropóloga explica que o momento inicial da catástrofe é marcado pela comoção das pessoas de fora do contexto. O sentimento de sensibilidade com a situação emergencial faz com que os não envolvidos sintam que precisam agir diante do cenário de destruição e perda e com isso, entram as doações: “É importante lembrar que essa onda de doações é uma onda inicial e a comoção não chega a mobilizar as pessoas para agirem em relação às questões mais estruturais da catástrofe.” 

O impacto de agir no início é causado muito por aquilo que está imediatamente acessível aos nossos sentidos e essas pessoas distantes da tragédia, recebem essa informação de forma sensacionalista e se inflamam e acreditam que as doações serão o suficiente. O que traz depois da contribuição um "alívio de consciência" e permite que essas pessoas possam voltar a viver suas vidas normalmente.

A identificação com aqueles que sofreram com os 682 mm de água, foi o que levou Márcia Mota a ajudar: “Tenho uma casa na cidade há mais ou menos vinte anos e conheço bem a região desde o final da década de 70. Frequento lá há muitos anos, antes de ter a estrada, inclusive antes das ocupações, em áreas de risco”.

A moradora não estava em sua residência em Juquehy quando tudo ocorreu, mas assim que soube que a casa tinha condições de receber pessoas liberou o local para quem precisava. Marcia, ainda, conta do cenário que encontrou quando chegou no litoral norte: "Lembro que a cena era de guerra. Eram carros do exército, móveis na rua, muita lama, nem parecia que era o mesmo lugar”.

Já a estudante, Letícia Cali, viajou para o sertão de Camburi, São Sebastião, para aproveitar o feriado e vivenciou a tragédia. A jovem e mais quatro amigas acabaram ficando presas na cidade. Cali conta, ainda, que vivenciou o aumento nos preços dos produtos, principalmente em supermercados, mas nada que chegasse a ser valores absurdos, como da água que teve repercussões nos noticiários. 

A estudante também presenciou a "normalidade" que algumas pessoas levaram a situação: "Na praia da baleia, onde estive hospedada, logo na segunda-feira, após as fortes chuvas, vi diversas pessoas passeando na orla da praia como se nada tivesse acontecido." 

O psicólogo social Pedro Luz, explica quanto essa apatia de uma parte pequena da população, se faz presente nesses momentos de tragédia: "Isso diz respeito, a alguns valores que a nossa sociedade cultua, como os valores da competitividade, da meritocracia e de uma individualidade.” Ele ainda ressalta que isso é causado muito por conta da visão do mundo de consumo. 

Escolas e outras estruturas, como restaurantes, serviram, no momento pós tragédia, como locais de abrigos para os atingidos pela chuva, de preparo de comidas e de pontos de coleta de doações. Como o caso da Escola Municipal Branca de Neve, que antes servia para a formação de crianças entre 3 a 5 anos, virou abrigo para oitenta famílias que perderam tudo e tiveram suas casas interditadas. 

Mesmo após quase três meses da tragédia, a vida na região ainda não se ajustou. Algumas pessoas voltaram para suas casas, mesmo com o local classificado como área de risco pela Defesa Civil, pois ainda não tem para onde ir. Os olhos, dos que estão distantes de São Sebastião, deixaram de estar voltados para a região e a crença nas ações solidárias sofreram drásticas reduções.  

O psicólogo faz um alerta sobre esse aspecto do ser humano que precisa ser trabalhado: "Quando cessam as informações e há a diminuição do afeto e da empatia provocados, as pessoas dão continuidade a sua vida. Porque é difícil ter a concepção que o sofrimento do outro é prolongado e que a ação solidária precisa ser contínua, já que a tragédia e seus efeitos vão ser posteriores ao dia, semana ou mês em que ocorreu”.  

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