Solidão faz parte da vida de muitos profissionais da metrópole

O paradoxo de profissões que fazem parte da rotina de milhões de pessoas.
por
Guilherme Nazareth
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12/11/2024

Por Guilherme Nazareth

Todos os dias, Temir embarca em sua rotina silenciosa. Motorista de ônibus na cidade de São Paulo, ele percorre o trajeto do Terminal de Santana de Parnaíba até a Avenida Bernardino de Campos. Uma linha de transporte que conecta diferentes regiões da cidade, mas que, para ele, é mais do que uma simples jornada entre pontos. É uma rotina que, embora cheia de movimento, traz consigo uma solidão difícil de escapar.

Apesar de dirigir um ônibus moderno, confortável, com poltronas acolchoadas e ar condicionado, Temir sabe que sua jornada diária é, em grande parte, marcada pelo silêncio. Ele dirige em meio a uma multidão de passageiros, mas, de alguma forma, continua sendo uma presença invisível. Às vezes tem a sensação de que no fundo tá fazendo o trajeto para ninguém, sentimento esse que mistura cansaço e resignação. Seu dia começa cedo, com a movimentação do terminal e o burburinho das pessoas entrando no ônibus. Algumas delas se sentam na frente, trocam palavras rápidas, perguntam sobre o trânsito, e ele, com sua experiência, responde sem tirar os olhos da estrada. Mas, em boa parte do trajeto, a viagem se torna uma viagem interior, em que o barulho do motor e o vai e vem dos passageiros são apenas pano de fundo para os pensamentos que preenchem esse vazio. As pessoas que entram e saem do ônibus parecem estão mais concentradas em suas vidas, imersas nas telas de seus celulares ou simplesmente descansando durante o trajeto, e o motorista se vê mais uma vez como um simples facilitador do caminho, sem espaço para algo além do trabalho que desempenha.

Ao longo dos anos, Temir desenvolveu um olhar atento para os passageiros frequentes, aqueles que pegam o ônibus todos os dias e que acabam se tornando figuras conhecidas. Com alguns, até começou a trocar palavras ocasionais, criar pequenas amizades de corredor, mas, de forma geral, ele continua sendo o motorista que transporta, mas nunca é transportado pela conversa. Ele lembra de poucos momentos em que alguém lhe pediu mais do que um simples auxílio sobre o caminho ou o horário de chegada. Ele diz que se surpreende quando alguém entabula uma conversa.

O paradoxo é claro: ele é uma presença constante na vida de centenas de pessoas que desaparecem assim que o ônibus chega ao destino. A vida das pessoas que embarcam, viajam e depois desembarcam é apenas uma parte de sua jornada diária, mas a delas continua, enquanto a de Temir volta ao ponto inicial. Isso se reflete não só na rotina física, mas também na solidão emocional de estar sempre entre os outros, mas nunca de fato pertencendo a nenhum daqueles universos que se formam dentro do ônibus.

Esse distanciamento emocional também vem do seu cargo. Temir aprendeu, com os anos de estrada, que seu trabalho exige uma certa neutralidade. Ele precisa manter o foco, estar atento a todos os detalhes da condução, e não pode se deixar afetar pelas situações que, muitas vezes, surgem ao longo do trajeto. Para ele, o motorista tem que carregar esse comportamento de prudência, já que sua função é garantir a condução tranquila e segura para os transeuntes. As conversas, as brincadeiras, as questões pessoais, tudo isso fica sem espaço. Precisa seguir o ritmo das rodovias, sempre com um sorriso de profissionalismo, sem que ninguém perceba o desgaste interno de quem conduz.

Mas se por um lado ele sabe que sua profissão exige que ele se mantenha à margem das atenções, por outro, ainda nutre a esperança de que, em algum momento, o simples fato de estar ali, fazendo o seu trabalho com dedicação, seja reconhecido por algo mais do que um simples pagamento pela passagem. E, quem sabe, em um desses dias, alguém lhe faça uma pergunta mais pessoal, quebre essa barreira de motorista e passageiro.

A história de Temir, o motorista de ônibus, reflete uma realidade comum a muitas profissões que, embora cruciais para o funcionamento da sociedade, são caracterizadas pela solidão e pela invisibilidade. Profissões como a de porteiro, vigilante e até taxista, por exemplo, envolvem rotinas repetitivas, em que o trabalhador passa muitas horas lidando com o silêncio e com a distância emocional em relação às pessoas ao seu redor.

Pessoas como Temir desempenham papéis fundamentais na sociedade, mas, em grande parte, suas vidas continuam sendo marcadas pela solidão. Eles interagem com muitas pessoas, mas essas interações são curtas, superficiais e, muitas vezes, impessoais. A conexão que buscam é rara, porque sua presença é mais uma constante funcional do que uma oportunidade de interação verdadeira. No fim do expediente, eles voltam para suas casas cientes de que, embora tenham sido parte do cotidiano de muitas pessoas, não foram lembrados como indivíduos, mas apenas como cumpridores de suas funções profissionais.

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