Por Nícolas Damazio
O quarteirão da Avenida Brigadeiro Luís Antonio, entre a Alameda Santos e a Avenida Paulista, é curto. Composto basicamente por uma galeria com lojas tanto nos corredores internos quanto viradas para rua e formando uma península no entroncamento com a Rua Manoel da Nóbrega, onde nesta face se acumulam pequenos boxes de lojinhas de acessórios para celulares e mini cafés e lanchonetes. Mas não só de quiosques vive o comércio da Brigadeiro.
Entre uma loja de doces e o antigo salão da antiga e tradicional Pizzaria Urca, quase de frente para o ponto de ônibus onde se enfileiram coletivos para descarregar fluxos inesgotáveis de passageiros que desembarcam ali para acessar o metrô, está o Sebo Alternativa.
Fundado há quase 30 anos, está há mais de 20 neste ponto. E quem passa por lá ao longo de todo esse período continua se sentindo familiarizado. A disposição das prateleiras, a organização e localização dos livros, discos e filmes. Nada parece ter mudado com o passar dos anos. Nem o balcão, na lateral esquerda da entrada e nem a presença de José Carlos Gomes de Freitas atrás dele.
Contador de causos e dono de uma memória admirável, Zé é daqueles que parece ter vivido cem vidas. Além de atento e profundo conhecedor de seu acervo, é um curioso incurável a ponto de dominar um bocado suficiente de livros para conduzir boas prosas sobre os assuntos mais diversos possíveis com clientes de variados perfis, idades, gêneros, credos e gostos, que são característicos do público heterogêneo da Paulista.
Um cliente entra, vai direto ao balcão e pergunta se eles têm o "Fausto", de Goethe. Zé Carlos, surpreso com a coincidência, se desculpa com o rapaz apontando para a porta e dizendo que a moça que acabara de sair dali levava exatamente o último exemplar do título. O passante, então, agradeceu e foi embora. Sua permanência não durou mais de um minuto. Muitas vezes é assim. Quando quem entra já sabe o que busca, mesmo no caso de encontrar, é o tempo de Zé, Marlene, ou quem estiver de trás do balcão dar baixa o livro no sistema, pegá-lo na estante, fazer a cobrança e pronto. Jogo rápido. O movimento segue e o público no estabelecimento se renova em uma pequena porção de minutos.
Assim, o entra e sai não para. Mas não só por ávidos leitores que em pleno horário comercial entram de sebo em sebo em busca de alguma raridade específica. Há algum tempo, Zé agregou um novo serviço para trazer uma renda complementar ao seu ponto: virou uma agência parceira do Mercado Livre.
A atividade, entretanto, ocorre totalmente em paralelo. O lugar segue com cara, forma e cheiro de sebo. A principal diferença é que entre um ou outro que passa pela porta buscando um livro estão três levando pacotes. Zê confere as embalagens, faz os trâmites no aplicativo do e-commerce e leva as caixas para uma sala ao fundo da loja que ele reservou para isso. Uma vez por dia, furgões do Mercado Livre passam por lá para fazer a retirada. Pelo serviço, Zé recebe uma comissão calculada com base em cada entrega, grana que o ajuda a seguir naquele ponto e seguir vendendo seu vasto acervo livros. Diversificar o negócio, sem duvida, foi a receita para mantê-lo de pé. Não apenas diversificar, mas atualizá-lo. Adaptá-lo à passagem do tempo. Ao Estante Virtual, à Amazon e seus preços imbatíveis, dentre outros desafios modernos que os sebos e livrarias passaram a enfrentar nas últimas décadas. O Alternativa chegou a ter uma segunda loja, logo em frente e uma outra na Rua Pedroso de Morais, em Pinheiros. As filiais se foram, mas a matriz permanece firme, mesmo com os tempos de pandêmicos e virtuais.
Na mesma Pedroso de Morais fica outro simpático ponto de vendas de livros usados: o Sebo Avalovara. Por alguns anos, o dono foi um escritor que decidiu tentar a vida de livreiro: o romancista Evandro Afonso Ferreira. Autor de títulos como “Os piores dias da minha vida foram todos” (Record, 2014) e “Não tive nenhum prazer em conhecê-los” (Record, 2016), sua gestão no Avalovara ficou famosa por botar para correr quem procurasse por livros de Paulo Coelho e por responder àqueles que perguntavam sobre algum título de José Saramago, com “tenho um português muito melhor: o Lobo Antunes”. A “terapia de choque literária” de Ferreira, em pouco tempo, não se provou viável comercialmente e ele passou o ponto.
Seja no Alternativa, no Avalovara ou em tantos outros sebos em São Paulo, ou em outras cidades, o cliente assertivo não é o único. Entre o vai e vem dos que apenas passam com encomendas pré determinadas estão os que entram pisando fofo, olhando em volta, como se adentrassem pela primeira vez em um parque de diversões. Mapeiam o território, corredor por corredor, estante por estante. Param, puxam algum livro que salta os olhos. Folheam calma e minuciosamente para ler algum trecho, ou observar o real estado físico do livro. Tem um quê de mineração. Cuidadosa. Vagarosa. Quem entra no sebo para explorar, deixa o tempo lá fora passar à vontade. Deixa seguir o entra e sai dos que chegam ao balcão com pedidos prontos. Ignoram solenemente os pacotes e entregas do Mercado Livre que a todo momento disputam a atenção do livreiro. Tomam. Seu tempo. Ficam dez, quinze minutos ali, de um lado para o outro. E sem que ninguém, nem mesmo o dono do estabelecimento os amole ou interrompa sua busca.
Por vezes, encontram algo que parece muito preciso. Um achado. Por outras, algo que já estava na lista, ainda que difusa, de interesses. Ou apenas saem como entraram, sem levar nada. Mas que não significaria tempo perdido, mas sim de pequenos encontros com cada uma das lombadas pelas quais os dedos passaram. E um quase convite, para que em outro dia, outro local e outro momento, hajam novos pontos de encontro ou de passagem como o Alternativa e o Avalovara.