Por Guilherme Alavase
No extremo da zona oeste de São Paulo existe um bairro que pertence a dois municípios. Uma avenida separa os moradores do bairro. Uma parte é paulistana, a outra osasquense. Apesar da insatisfação dos moradores com a configuração territorial criada com a emancipação do município de Osasco na década de 1960, dividindo o bairro, com investimentos diferentes por parte de cada prefeitura. O município de São Paulo geralmente investia um pouco mais que o de Osasco, criando diferenças visíveis. No passado, a insatisfação era tanta que surgiram movimentos separatistas na porção osasquense que não aceitavam se separar da cidade de São Paulo.
No último domingo de cada mês, a união dos moradores do bairro, divididos administrativamente, é percebida na feira livre, que recebe uma inusitada banca. Lá não se vende nada, lá se distribui carinho e respeito pela boa música brasileira. Ela começa a ser montada logo cedo, com diversas caixas acústicas, microfones, cadeiras, mesas de som e um experiente DJ organizando tudo. Lá pelas dez horas da manhã, com a feira funcionando intensamente, começa uma roda de samba. A aglomeração em torno dos sambistas é concorrida. Acompanham e cantam junto com os músicos da “Barraca do Samba”. Alguns até esquecem o que vieram fazer na feira livre. Depois de algumas horas de música da melhor qualidade, a feira acaba. Os feirantes desmontam as barracas, os caminhões entram no local para o transporte das mercadorias não vendidas. Os feirantes vão para suas casas, mas o samba continua até o final da tarde.
A roda de samba, reunião informal de músicos que se encontram para tocar e cantar de forma descontraída todos são bem-vindos. A modalidade surgiu no Rio de Janeiro, no começo do século XX. A cidade havia recebido muitos ex-escravizados que procuravam oportunidades de sobrevivência na antiga capital federal. Para fugir das perseguições e preconceitos, os afro-brasileiros realizavam encontros privados, geralmente nos quintais das casas, para celebrar a sua cultura e realizar seus rituais religiosos. Os espaços privados de encontro receberam o nome de terreiro. Foi nos terreiros que nasceu o samba, como forma de expressão e resistência da comunidade negra. Com o passar do tempo, o gênero musical se tornou um dos mais populares do Brasil.
Na cidade que um dia já foi chamada de “o túmulo do samba”, a ideia de montar a “Barraca do Samba” na feira da Vila dos Remédios partiu de alguns músicos que chegavam ao bairro de manhã, após tocarem na noite. Eduardo Pereira, 45 anos, Coordenador de Compras, disse que o bairro é repleto de artistas, de bons músicos que tocavam em vários lugares, mas não se apresentavam para os amigos mais próximos, por falta de um espaço democrático. No início, em outubro de 2013, o samba na feira começou como uma brincadeira, pois lá era o ponto de encontro dos amigos sambistas. Paravam para comer um pastel e conversar com os amigos. Um falava onde tinha tocado, o outro convidava os amigos para o próximo evento em que iria tocar, até que um dos amigos sugeriu fazer uma roda de samba no meio da feira, entre a barraca de pastel e a de caldo de cana, ponto mais concorrido da feira. No outro domingo estavam lá, tocando e cantando para alegria geral.
No início, os feirantes ficaram surpresos, relata Eduardo. Depois de alguns meses, os próprios feirantes começaram a ajudar os músicos, fornecendo mesas, bancos e até pagando alguns pastéis para a turma. O Samba na Feira chamou a atenção de vários sambistas da região. Os visitantes são bem acolhidos e, se quiserem, podem apresentar duas ou três músicas para o público. O importante é abrir espaço para os jovens talentos diz Eduardo.
No Projeto “Barraca do Samba” já se apresentaram Renato da Rocinha, Netinho de Paula, Royce do Cavaco e Sombrinha, artistas consagrados no mundo do samba. Os músicos meio paulistanos, meio osasquenses já foram convidados para se apresentar no templo do samba carioca, Cacique de Ramos, casa do famoso grupo Fundo de Quintal.
Eduardo também relata que dentre tantas alegrias, também receberam notícias tristes. Foram acionados judicialmente, pois não poderiam usar o nome “Samba na Feira” que já era marca registrada de outro projeto. Então passaram a se chamar “Barraca do Samba SNF”, mas para os amigos dizem “Samba na Feira”.
Erick Mota da Silva, 37 anos, Técnico em manutenção de máquinas, disse que a motivação maior ao tocar na feira sempre foi tentar mostrar para os mais jovens o que os seus pais e avós o ensinaram como o Samba Raiz, a Black Music, o Samba Rock, enfim, todo o movimento de resistência na música. Diz que o que mais o alegra nas apresentações na feira é quando toca um samba clássico, e perceber que crianças e adolescentes acompanham na palma da mão, cantando junto. Isso não tem preço e mostra que estamos no caminho certo. Mostra que estamos ajudando a manter viva a arte que vem de longa data.
O nosso projeto sempre esteve com as portas abertas. Basta chegar, que disponibilizamos o espaço para que eles mostrem as suas experiências e as suas raízes. Assim, aprendemos todos, conclui Erick. Já Rafael Alves, 43 anos, Técnico de T.I., que faz parte do grupo desde a sua criação, assegura que o que mais o motiva a vir na feira, montar a barraca, carregar as caixas acústicas, fazer as instalações dos equipamentos, tudo isso em poucas horas, é a alegria, pura e simples, de tocar e cantar. Para ele, é muito gratificante ver os amigos e o público cantando junto.