Por Isabella Santos
Bastaram 3 pedaços de pizza calabresa e duas horas de conversa para que o Sr. Pereira contasse como, há 21 anos, construiu um restaurante que mistura o sabor e o aroma com aconchego familiar em uma avenida movimentada, na divisa entre São Paulo e Osasco. Aos 87 anos, ele atua como personagem principal e fundamental da pizzaria. Além de proprietário, sua função é muito mais do que comprar os ingredientes e garantir o bom trabalho de seus funcionários. É ele que dá o sentimento de família para todos que lá frequentam. Ele recepciona pacientemente todos os seus clientes com calorosos abraços e apertos de mão. Depois disso, conversa com cada cliente para garantir que eles se sintam à vontade. Quem o vê hoje com família formada e sucesso em seu empreendimento não imagina o quão longa sua trajetória foi.
Tudo começou aos 12 anos quando José Pereira da Silva decidiu deixar a Paraíba, sua cidade natal, rumo ao Rio de Janeiro completamente sozinho para tentar a vida. Ele vivia uma infância sofrida no Nordeste. Sua mãe tinha 10 filhos no total, mas o dinheiro não era o suficiente para que todos vivessem bem. Por mais que a única realidade que ele conhecesse fosse a miséria, José sempre foi muito inteligente e trabalhador, e sabia que o destino reservava mais para ele. E assim ele foi, rumo a cidade maravilhosa com a esperança de encontrar mais oportunidades. Morou com a família de seu padrinho. O único problema é que seu padrinho tinha uma filha, mais ou menos da sua idade, e a condição imposta foi morar lá, mas dormir todos os dias do lado de fora da casa. Pereira aceitou a condição por não ter mais para onde ir. As noites eram sofridas e sua presença na casa durante o dia não era bem quista, lembra.
Ele ficou no Rio de Janeiro durante 4 anos, porém, durante a comemoração do quarto centenário de São Paulo, ele e seu padrinho fizeram uma visita à cidade dos prédios, e foi por ela que Pereira se apaixonou. Ele conta que ficou deslumbrado com a festa dos paulistas e com o quanto as pessoas eram alegres e receptivas, assim, ele tomou a decisão de que não voltaria para o Rio com seu padrinho. José conseguiu seu primeiro emprego em São Paulo em uma padaria\restaurante, de um dono português, e mal sabia ele que esse seria o primeiro dos inúmeros restaurantes que fariam parte de sua história. Como ele não tinha onde morar, pediu ao dono para dormir nos fundos do restaurante.
Depois da padaria, ele foi contratado para trabalhar em uma pizzaria como lavador de pratos. Com brilho no olhar ele disse que gostou bastante de seu primeiro contato com uma pizzaria, que se encantou pelo dia a dia no restaurante e começou a se interessar em aprender a fazer as pizzas. Uns anos depois ele conseguiu ser promovido a pizzaiolo.
José seguiu para outro restaurante, onde trabalhou como garçom por mais 7 anos. Lá ele aprendeu muito sobre como lidar com o público, procurando sempre manter um bom relacionamento com os clientes. Após um tempo, Pereira foi informado de que uma pizzaria famosa da época estava precisando de empregados, e como sua ambição por ter uma vida melhor sempre falou mais alto, ele enxergou uma oportunidade de crescer nesse mundo dos fornos e massas frescas.
E foi numa pizzaria localizada na rua Teodoro Sampaio que ele trabalhou pela última vez como empregado. José Pereira entrou lá como garçom, mas logo foi reconhecido por seu talento com o público e foi promovido a gerência. Ele trabalhou lá durante 5 anos, e se tornou um funcionário muito querido na casa, tanto pelos clientes quanto por seus patrões.
Um dia, tudo mudou. O patrão, que confiava muito nele, trouxe a notícia de que iria vender a pizzaria e que Pereira poderia escolher se trabalharia para o novo dono ou se tentaria a sorte em outro lugar. Pereira decidiu conhecer o rapaz que estava interessado no restaurante, e logo na primeira conversa dos dois o homem o informou, de forma ríspida, que não precisaria dos seus serviços em seu restaurante.
Ao ouvir essa declaração Pereira ficou irritado e desapontado, por saber que dedicou tanto de sua vida a casa e agora seria descartado. Porém, em um momento de coragem ou rancor, ele me diz que não sabe ao certo até hoje, ele disse ao rapaz que não precisava de emprego porque ele iria abrir sua própria pizzaria, visto que, por ser muito querido pelo público da região, ele teria a clientela para ele. Dois dias depois, ele foi informado de que o homem interessado havia desistido de comprar a pizzaria, então ele marcou uma reunião com seu patrão para anunciar que gostaria de comprá-la.
E assim foi feito. Pagando em 40 prestações, o restaurante bateu o recorde de vendas e se tornou um dos melhores da região. Depois de anos de experiência em São Paulo, a saudade de casa gritava mais alto. Então Pereira achou que era a hora de voltar à Paraíba e tentar ganhar a vida por lá. Agora ele já tinha esposa e filhas, que foram convencidas a voltar com a ideia de que ele abriria uma pizzaria em sua cidade natal com a qualidade diferente de tudo que eles já haviam visto por lá, mal sabia ele que esse seria seu pior arrependimento.
A ideia pareceu boa no papel, mas segundo ele, as pessoas de lá não buscavam uma pizzaria com os padrões de São Paulo, elas queriam massas mais recheadas e preços mais acessíveis, mas Pereira não estava disposto a abrir mão do que acreditava ser o melhor. Ele tentou durante bons anos fazer a casa ganhar popularidade, mas ela vivia às moscas e ele já estava beirando a falência.
E foi em uma fatídica noite, por meados de março, que entrou um único cliente pela porta de sua pizzaria, um homem alto de meia idade que parecia ter chegado lá por engano. José Pereira o atendeu e, como faz com todos os seus clientes, começou a conversar com ele. Lembra que a conversa foi muito agradável e que ele, como forma de desabafo, contou toda sua história ao homem e comentou sua indignação pela falta de sucesso da pizzaria. Ao final do jantar, o homem o chamou na mesa para elogiar a comida, Pereira conta que ele elogiou sobre tudo e disse que realmente nunca havia comido em uma pizzaria com tamanha qualidade. José Pereira foi para casa pensativo naquele dia, mas assim que chegou, comunicou a decisão à família de que todos voltariam a São Paulo tentar a vida outra vez. No mesmo mês ele vendeu o restaurante e partiu, sem olhar para trás.
Com o dinheiro que havia ganhado da venda da pizzaria na Paraíba, conseguiu comprar um restaurante em Osasco. Ele conta que no começo foi difícil conseguir clientes, e que a pizzaria passou bons meses vazia, mas que hoje, 21 anos após sua abertura, não consegue mais imaginar sua vida fora da cidade e de seu restaurante.