Por Lídia de Castro Alves
Um rapaz de boné vermelho rasgado conta que o Parque da Juventude representa a liberdade, algo que nem sabia que faltava em sua vida. Guilherme sai da Brasilândia antes do céu clarear, faz o caminho até o parque todos os dias, estuda Biblioteconomia na ETEC. Para ele, o que antes era um símbolo de aprisionamento virou lugar de expressão, onde se pode sentir o prazer do vento no rosto e a adrenalina de uma manobra bem-sucedida. Ele sabe do passado do Carandiru e se sente conectado a essa transformação, como se cada salto fosse um ato de resistência, de ocupação pacífica e criativa.
O Parque da Juventude floresce como um pulmão verde e pulsante, escondendo o que fora as paredes e a memória amarga do Complexo Penitenciário do Carandiru. Ao caminhar por ali, um visitante talvez não imagine a história densa que o solo guarda, mas circular entre as árvores e trilhas sente, de algum modo, que há uma carga invisível, um eco que ressoa em cada passo. O espaço livre de limitações é capaz de fazer sentir fora do caos da cidade, há quem diga que é justamente essa sensação de abertura, de espaço sem muros, o que mais toca, ainda que sejam apenas memórias.
Talvez, de algum modo, ainda é possível haver um sentimento da prisão, mas, o que aconteceu naquele lugar deixou o campo das ideias. Eles estavam presos ali no sentido mais literal da palavra. O Carandiru possuía sete pavilhões divididos em blocos, a população na época era de aproximadamente 7.200 internos. Havia um encarceramento em massa, e uma superpopulação prisional. Hoje, o parque recebe quase um milhão e meio de pessoas por ano, número 200 vezes maior do que os de detentos da época. A potência que a revitalização deste espaço atrai muita gente.
Cida e Nelson já moravam na Zona Norte na época em que o Complexo estava ativo, uma realidade que trouxe uma sensação de peso e insegurança ao bairro por muitos anos. Como muitos moradores antigos, eles acompanhavam as notícias e sentiam o impacto das histórias vindas de dentro da prisão – a lembrança dos muros altos e das patrulhas constantes ainda é vívida para ambos. O dia do massacre também é uma forte memória para Nelson, seu pai trabalhava na segurança do local.
Hoje, os dois têm uma relação completamente diferente com aquele lugar, o casal que se formou 10 anos antes da inauguração do parque, encontrou uma nova rotina e um motivo de alegria ao caminhar pelas trilhas cobertas por árvores gigantes todos os dias. Eles gostam de observar a vida naquela perspectiva, ouvir o som dos pássaros e sentir a brisa leve que passa pelo local, algo que jamais imaginaram ser possível em uma área que antes carregava tanto sofrimento.
Para Cida, é uma chance de recomeçar, uma oportunidade de cura, um sopro de renovação para uma cidade que carrega tantas cicatrizes. Ela conta que por um tempo evitou essa área do próprio bairro, pois as lembranças de violência e dor pareciam ter impregnado o ar. Nelson, adora ver as crianças brincando e os jovens fazendo esportes no espaço onde antes o silêncio era pesado e assustador. Eles comentam entre si como o Parque da Juventude é um exemplo de resiliência, e essa transformação faz com que eles se sintam gratos e mais conectados à própria história.
O parque é um memorial vivo, uma mistura do frescor das plantas com o peso da história. O espaço não esconde seu passado; as ruínas de metal do antigo Pavilhão 9 contrastam com a beleza da natureza do ambiente, são necessárias para lembrar que o que aconteceu ali, não deve acontecer nunca mais. Além dos gramados verdinhos e bem cuidados, o espaço abriga a ETEC Parque da Juventude, instituição inaugurada em 2003 que oferece uma extensa lista de cursos e já formou mais de 200 mil estudantes.
O ambiente parece respirar um passado transformado, um suspiro de cultura, educação e arte. É um constante diálogo entre o que foi e o que é. Um espaço onde São Paulo reflete suas contradições e desejos, onde o passado ecoa, mas o presente pulsa com esperança. E entre árvores, os passos de cada pessoa continuam a tecer novas histórias sobre o antigo e o novo, numa sintonia silenciosa e transformadora nas ruínas da antiga penitenciária.