Por Guilherme Gastaldi
O cheiro característico de pipoca inunda o ambiente num dos poucos cinemas de rua remanescente em São Paulo. Localizado na bem arborizada Fradique Coutinho uma vitrine mostra os filmes em cartaz na semana, bem como os diferentes valores para os diferentes tipos de ingresso. A playlist ambiente, que toca nomes como Steve Lacy e Cage The Elephant, dá um toque jovial e descolado ao lugar, afinal são artistas que possuem uma pegada indie/alternativa, o que nos leva a desconfiar do possível público alvo desse cinema.
O espaço é dividido em dois ambientes. Logo na entrada, à sua direita, fica o Barouche, lugar esse que exala aquele aroma fantástico de pipoca e que vende várias outras guloseimas, além de drinks e bebidas alcoólicas. À esquerda, estão disponíveis diversas mesinhas para se acomodar e comer. Seguindo em frente, subindo alguns degraus é possível chegar à uma salinha de espera/socialização. Os assentos de couro, os móveis de madeira e a iluminação levemente amarelada, tornam o ambiente aconchegante. Na parede da esquerda, o grande espelho que ali se encontra se transforma em um “ponto turístico” para visitantes tirarem boas fotos e postarem em suas redes sociais. Nas demais paredes, estão espalhados posters antigos de verdadeiros clássicos do cinema, como Metropolis e Life of Brian, do grupo Monty Python. Além dos posters de filmes mais contemporâneos, como Viagem a Darjeeling e Little Miss Sunshine, ambos de Wes Anderson.
Em 1962, nesse mesmo espaço da Fradique Coutinho, nasceu o Cine Fiammetta e desde então, através de diferentes nomes, esse cinema de rua ali permaneceu, até que em 2014 finalmente ganhou o nome de CineSala. Essa conexão com o passado, a mistura entre elementos antigos e mais modernos é perceptível, e o cinema faz questão de deixar isso claro. Essa mescla de características é resultado da revitalização do espaço, que buscou se aproximar de um público jovem que, não apenas gosta de cinema, mas encontra no CineSala um lugar para comer um salgado, beber alguma coisinha, conversar com os amigos e assistir a um filme.
Passando pela sala de espera, o ticket de ingresso é validado. O espaço conta com apenas uma sala de cinema, espaçosa, que acomoda 221 pessoas sentadas. Os assentos são confortáveis e combinados com um ar condicionado fortíssimo, te fazem bocejar em poucos minutos. Antes da exibição de cada filme, é reproduzido um pequeno vídeo introduzindo o CineSala, contando um pouco da história da fundação do espaço. Além disso, ele faz questão de ressaltar a importância dos cinemas de rua para o espaço público. Não apenas isso, como incentiva as pessoas a continuarem frequentando tais lugares para que eles possam se manter vivos, afinal, como mencionado neste mesmo vídeo, a cidade de São Paulo já chegou a contar com mais de 200 cinemas de rua, hoje, o número é menor do que 10.
Em dias de semana, o ambiente é mais tranquilo. Na sessão das 14h00min, havia pouquíssimas pessoas. Casais de idosos, pessoas indo sozinhas. Mas na medida que o tempo passa, as sessões vão se enchendo, principalmente de jovens. Dando um chute, palpitaria que mais de 80% do público é composto por pessoas entre 25-40 anos, dominando o local. Já para sessão das 21h00min, mesmo em um dia de semana, o cinema fica cheio e escancara o real propósito do ambiente.
Jovens se sentem atraídos, principalmente pelas modas e fases da nossa sociedade. Já há alguns anos, a busca e simpatização por rolês retrôs têm se popularizado. Portanto, para muitos, frequentar um vibrante cinema de rua é muito mais cool do que ir até um apático cinema de shopping.
Frequentando o cinema com um grupo de amigas do cursinho, Luísa, que pretende estudar artes na USP, disse que descobriu o CineSala através de vídeos no TikTok e que eles teriam deixado ela com vontade de visitar o lugar. Ela gostou muito da ambientação e disse que pretende voltar mais vezes, claro, para assistir a filmes que lhe interessam, mas também porque o espaço é ideal para se divertir e conversar com suas amigas.
A produção cinematográfica brasileira, Motel Destino, em cartaz no CineSala, conta com uma atuação digna de Oscar por parte de Fábio Assunção, mas infelizmente não está disponível em diversas franquias de cinema, que preferem dar uma atenção aos grandes e caríssimos blockbusters norte americanos. Com uma curadoria de filmes diferenciada, o CineSala abre espaço para filmes que possuam “apelo popular e expressão artística” - definição utilizada pelo próprio cinema em seu vídeo introdutório - fugindo assim, da Hoolywoodização do cinema, tão comuns nos dias de hoje.
Existe uma preocupação genuína e nada forçada de espaços como esse cinema de rua com a manutenção e o empoderamento do cinema nacional. Tais lugares abrem seu espaço de exibição para filmes brasileiros que não possuem tanta visibilidade, e assim, são expostos para um público interessado em consumir esse tipo de cinema. Evair, um dos funcionários do CineSala, enquanto criticava as produções norte-americanas de hoje em dia, se mostrou orgulhoso da posição que o cinema tem na sociedade atual de divulgar e exibir produções brasileiras, feitas por nós mesmos, sobretudo para as tardes de cinema.
