Por Maria Fernanda Müller
Chefia, Mocinha, Meu Rei, Campeão, Patrão, Chapa, Nego, Bonitinha, Senhorita, são muitos os apelidos designados aos garçons e garçonetes. De fato não é o nome deles, mas assim que ouvem têm a certeza que o cliente precisa de alguma coisa. Isso entre assobios, dedos levantados, limpadas de garganta e qualquer outro sinal que teste os sentidos do funcionário. A comunicação não verbal também está no olhar que encontra o do garçom, um braço que levanta uma garrafa de cerveja vazia e já se entende que vai descer mais uma rodada, não foi preciso uma palavra para entender, apenas uma linguagem corporal comum.
O sorriso no rosto de um garçom é quase que obrigatório, no treinamento ensinam a ter simpatia e jogo de cintura, termos presentes em todo briefing antes de abrir o restaurante. Assim como no teatro, assim que sai de cena não é preciso mais atuar. A cozinha está para o garçom, tal qual a coxia para o ator. É possível parar, beber uma água, levar prato, pegar talher, ver o que houve com o pedido da mesa 20, entender o atraso da viagem, brigar com o colega, trocar o lixo, lavar a mão e enfim respirar fundo. Ao encarar o salão novamente e sair da cozinha, busca quem havia pedido o linguine, na mesa 20 era sem salsinha na finalização, o pedido atrasou porque o ponto da carne é mais demorado de fazer, mas a cozinha está trabalhando nisso já. Mas não há tempo para assimilar tudo com calma, faça isso enquanto leva o café que não pode esfriar, ou o gelo que vai derreter e aguar a bebida. Pare e olhe o seu setor, o que o cliente precisa agora.
Segunda-feira, o início da semana, quando a rotina volta e o mau humor também. Assim que dá a hora do almoço, geralmente às 13h00min, aqueles que não trouxeram marmita buscam um restaurante para comer. Mas numa segunda-feira já é possível perceber que a semana vai ser longa e cansativa. Pensando nisso, os que preferem ou precisam almoçar fora não procuram só um estabelecimento para realizar uma refeição, eles querem viver alguma experiência, jogar conversa fora, conforto e não precisar se preocupar com absolutamente nada além do prato que vai escolher. Ou às vezes não querem pensar muito, então viram para o garçom e pedem uma recomendação ou perguntam qual é o prato do dia. Para acompanhar, hoje vai ser um suco ou um refrigerante zero, sem entrada. A garçonete anota o pedido e sorri, sugere uma sobremesa para começar bem a semana e adoçar uma segunda-feira amarga, argumento típico de vendedor, e provavelmente vai passar o dia repetindo isso. Aquele é o dia de ver quem vende mais sobremesa, desafio do gerente aos garçons quase que como uma brincadeira, pois ele sabe que no começo da semana é difícil mesmo.
Pelo perfil dos clientes é possível perceber que tomar um vinho ou um sorvete numa segunda-feira é incomum. Mas com certeza o garçom sabe que nesse dia a dona Márcia, aposentada, sempre leva sua netinha para tomar uma taça com duas bolas de sorvete, baunilha e chocolate. Ou o seu José que não gosta de doce, mas gosta de um bom Sauvignon Blanc bem gelado, pede até um baldinho com gelo para deixar a meia garrafa. “O de sempre?”, a frase favorita dos clientes, que cria um ar de exclusividade e importância. Eles querem se sentir especiais de um jeito que só um garçom ou uma garçonete com sorriso no rosto conseguem fazer. A parte negativa é quando o funcionário sabe o nome e sobrenome do cliente, onde trabalha, que tem alergia à lactose, não gosta de gelo no suco, acha o salmão melhor que o atum, gosta de carne bem passada, mas ainda falta sentir uma conexão para deixar o atendimento até mais leve.
Nem sempre a abertura que um cliente dá para um garçom é mútua. Por exemplo, quando é preciso atender uma mesa de um casal que desde que pisou no restaurante não para de discutir, afinal, eles não deixam de ser clientes e merecem uma atenção. No começo é preciso fingir que não percebeu a atmosfera daquela mesa e agir naturalmente, oferecer uma bebida e uma entrada. O dia vai ser longo para os namorados e quem os atende. De repente, um deles olha, explica a briga a partir do próprio ponto de vista, o outro argumenta usando sua versão da história, e no fim ambos perguntam quem está certo para o garçom. Não é adequado se intrometer, dê um jeito de contornar a situação e não pender para o lado de nenhum dos dois, vocês nem se conhecem.
"Por que você trabalha como garçonete?", pelo tom, já é perceptível a intenção da pergunta. Pode ser por curiosidade, mas geralmente soa quase como um julgamento. É como se esse tipo de cliente pensasse que é uma profissão fracassada, mas se não existissem garçons, ninguém poderia atender quem pergunta. Novamente, o consumidor se sente na liberdade de criar todo tipo de diálogo com o atendente. Mas puxar papo para iniciar uma conversa não é um crime, é até natural esse tipo de coisa acontecer. Ao sentar num banco no bar para pedir um drink, se surgir a curiosidade como o barman conseguiu memorizar a receita da cartela inteira, é bem capaz de gerar uma pergunta. Elogia o trabalho, agradece a bebida, mas compara com outro bar que frequenta, alega até que a qualidade do outro lugar é superior.
Na terça já começa a sair pelo menos um Fitzgerald, um drink clássico e quase irrecusável, ou só um café mesmo para se manter acordado para voltar ao trabalho. Se o café é coado? Bom, aquele que o garçom toma escondido na cozinha para aguentar o resto do período com certeza é. Ao enfrentar o salão, não se sabe que tipo de cliente vai encontrar, como está o humor, as exigências ou até mesmo o julgamento. O olhar sobre o garçom revela muito como vai ser o atendimento. De repente pede para que outro garçom o atenda, mas não quer revelar o motivo, não fala se o atendimento foi bom ou ruim, se aquele garçom está apresentável, sem vontade de trabalhar, se é muito grosseiro na fala. O gerente conhece o funcionário e sabe que ele sempre faz um bom trabalho, nunca recebe reclamações, mas ao julgar pela forma como o cliente falou sobre, já entende que o problema está na cor de quem o atende.
Comentários e comportamentos racistas são tão cotidianos na vida de um garçom quanto servir pratos. Como ao notar o sotaque nordestino da barman e evitar conversar ou até desistir do drinque. Talvez nem tenha passado pela cabeça do cliente que a comida que ele elogia foi feita por alguém que não teria o seu reconhecimento, seja por cor ou origem. O que não se vê não se critica, por isso quando o pedido vem errado culpam o garçom, que não deve ter anotado direito. Errar nessa profissão é um pecado, vão questionar a inteligência, o grau de escolaridade e o quão difícil é anotar um pedido simples. Anotar o pedido de uma mesa não parece um trabalho complicado, mas anotar o de várias mesas e cuidar de tantos pedidos e clientes é a parte que causa confusão. O suspiro aliviado só vem quando o consumidor pensa nesse lado e tentar ser compreensível ao máximo.
De quarta é o dia em que aquele senhor aparece, não ousam falar o nome dele, mas o chamam por um apelido simples e explicativo, "tarado". Na semana anterior ele levou uns amigos para jantar, foi elogiar uma garçonete nova, colocou a mão em suas costas e desceu. Na semana retrasada, ele veio com outros amigos, que elogiaram outra garçonete e pediram uma recomendação de vinho, um tinto, que segundo eles é da cor do amor, ou do pecado. A olharam dos pés à cabeça e deram um elogio sugestivo: "o seu corpo é típico de uma mulher paulistana". Ela relatou ao gerente, e desde aquele dia, qualquer mulher estava proibida de chegar perto desse cliente e qualquer amigo dele. Mas o gerente do restaurante ao lado disse que sua garçonete deveria jogar charme e vender mais, até ganharia uma caixinha maior. Tudo em nome do lucro.
A quinta é a nova sexta-feira para alguns. Já é o começo de um longo final de semana. Sexta, sábado e domingo é sempre a mesma loucura. Os garçons acordam, respiram fundo e vão na condução imaginando como o clima vai estar hoje. Durante o dia, muitas famílias, principalmente com crianças, logo é necessário pensar um jeito de entretê-las. A mesa ao lado reclama que um menininho de uns 5 anos não para de chorar, a mãe não faz nada para impedir o choro. Os pais nem se importam com a bagunça de seus filhos, afinal eles também querem relaxar. O garçom fica de babá, nem sempre preocupado com o bem dos pequenos, mas sim para evitar o caos. Ao sair da vista dos pais, uma garotinha de uns 8 anos brinca de pega pega no salão com seu irmão, a garçonete não a vê, carregava quatro pratos na mão, de repente elas se trombam. No final já sabemos quem vai ser culpada.
A noite caí e as histórias ficam mais interessantes. Um casal vem para o seu primeiro encontro, um momento romântico e constrangedor. Uma mesa de amigas que bebem vários drinks, pedem para o garçom tirar fotos, ou gravar uma trend para o Tiktok com elas. Uma mesa com empresários pede um champagne ou apenas uma rodada de chopp, eles comemoram mais uma venda bem sucedida. Um cliente bêbado é expulso por ter surtado com algum funcionário ou exigir mais bebida. Uma mulher exagerou no vinho, entrega a chave de seu carro para um garçom e pede que a leve para casa. O restaurante para e canta parabéns para uma completa desconhecida que reuniu poucos amigos para comemorar seu dia especial, até quem trabalha entra no coro. A semana acaba e a rotina volta para todos, menos para o garçom, que vive todos os dias da mesma forma, mas também sem saber como vai ser o dia de amanhã.