Rita Lee renasce em Teatro no Centro de São Paulo

Espetáculo emociona e faz refletir sobre a influência da cantora atualmente.
por
Júlia Takahashi
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07/10/2024

Por Julia Takahashi


Não demorou muito para que setembro chegasse com toda sua força. Sexta-feira 13 não foi noite de terror, muito pelo contrário, o centro de São Paulo parecia até um pouco mágico pela janela do carro, com as músicas de Rita Lee ao fundo. Nem mesmo o trânsito mais caótico da cidade atrapalhou a noite. O GPS marcava cinco minutos para chegar ao Teatro e o coração acelerava. Parecia que Rita Lee estaria lá e se poderia vê-la em pessoa no Teatro Porto, na Alameda Barão de Piracicaba e se aproximava a hora do show. Faltavam quarenta minutos para o espetáculo e o hall de entrada já estava lotado. A lanchonete com fila extensa. Pessoas com roupas da cara de Rita Lee estampadas e com a tatuagem da estrela de sete pontas também marcados em seus corpos, tal qual a cantora, em homenagem à sua mãe, para trazer benção e proteção. Talvez tenha dado certo. Muitas mulheres, homens, crianças, adolescentes, gente de diferentes gerações, uma mistura de público, de sensações, de memórias e afetos.

Mas a cena já estava pronta. A luz quente baixa iluminava ao redor da plateia, o palco estava com sua longa cortina fechada. As pessoas começaram a entrar e preencher cada poltrona, cochichando sobre o que estaria por vir, outras relembrando momentos de nostalgia, parecia que a qualquer momento Rita Lee apareceria naquele palco e começaria o seu show, de tanta animação que estava e as misturas de sentimentos que pendurava o ar do teatro. Tocava o primeiro sinal e mais poltronas eram ocupadas. Ao toque do segundo sinal, uma luz vermelha começava a aparecer discretamente na fresta entre a cortina e o chão. 

 

Projeção durante o dia da peça
Projeção durante o dia da peça - Por Julia Takahashi

 

O terceiro sinal tocou, as luzes se apagaram, as cortinas se abriram e um letreiro com luz vermelha vibrante escrito “RITA LEE” ocupava o palco. O sorriso nos rostos das pessoas começavam a se alargar conforme o ritmo da música. Mel Lisboa subia no palco, interpretando a cantora perfeitamente outra vez, pela forma de falar e de agir, narrava a história de Rita Lee desde a sua infância, contando sobre o primeiro disco voador que viu, após seu pai, Charles Jones, ter convencido-a de que eles eram reais. Sobre o palco a história passou pelos Mutantes e o relacionamento conturbado de Rita com Arnaldo Baptista, que durou quatro anos. O mesmo que a expulsou do grupo em 1972, tendo que voltar para casa, desenvolvendo a relação da cantora com a mãe religiosa e seu pai que ao longo da vida foi um grande parceiro. Até que no show de Ney Matogrosso, Rita conheceu Roberto de Carvalho, do qual viveu ao lado pelo resto da vida. 

A história de amor entre os dois é uma das mais icônicas da música brasileira, fazendo o público sentir o amor vivo e percorrer pelo espaço do teatro. Marcada pela cumplicidade, parceria criativa, uma sintonia que só os dois viveram. A peça mostra uma pequena porcentagem dessa história que teve início nos anos de 1970, deu origem, também, a uma das duplas mais prolíficas e inovadoras da música brasileira. De um lado, Roberto equilibrava o temperamento energético de Rita com sua postura mais calma e introspectiva, ela trazia à tona a ousadia e a paixão que permeavam suas criações. 

A parceria artística de ambos não era apenas uma troca de ideias musicais, mas uma expressão profunda de afeto, com letras que refletiam o cotidiano, os desafios e a felicidade que se encontravam um no outro. A peça exalta o exemplo de amor verdadeiro, construído sobre respeito mútuo, admiração e, acima de tudo, uma paixão que atravessa o tempo, inspirando gerações com sua força e autenticidade. A mistura do guitarrista sereno e a rainha do rock resultou em uma verdadeira parceria criativa e revolucionária. O espetáculo mostrou não só a vida de Rita e seu entorno, mas envolveu fortemente o sentimento de nostalgia, arrancando lágrimas dos rostos das pessoas. Essas emoções são resultados da costura dos grandes sucessos da carreira de Rita, como “Ovelha Negra”, “Mania de Você”, “Lança Perfume” e outros clássicos que embalam diferentes gerações. As músicas, interpretadas sobre o palco, não só pontuaram a trama, mas também revelaram aspectos da vida pessoal e emocional de Rita, criando uma narrativa íntima entre a artista e a plateia. Personagens que fizeram história na sociedade também foram representados, como Gal Costa, Elis Regina, Raul Seixas, Gilberto Gil e Hebe Camargo. 

A peça não teve intervalo, como normalmente acontece, mas a narrativa percorria com fluidez que não deu para reparar. Encaminhando para o final, o espetáculo reforça esses e outros grandes cantores que fizeram não só a música popular brasileira histórica, mas resistiram à opressão durante a ditadura, como Rita Lee, a cantora mais censurada durante a época. De pé, a plateia aplaudia o espetáculo, choros e abraços percorriam o espaço, talvez por relembrar o que Rita Lee representa e que, mesmo após falecer, ainda emociona gerações e faz muita gente feliz, como bem desejava. 

Mariana Alves, arquiteta e urbanista, e uma fã apaixonada, confessa que lágrimas rolaram durante a peça. Com a voz firme e emotiva, recorda a influência que Rita Lee tem sobre sua via. Ao comentar a história da cantora com outras estrelas, Mariana lembra o tempo que começou a mergulhar no mundo da Tropicália e conhecer mais sobre esse universo da Música Popular Brasileira. Recorda também as características que brilhavam seus olhos por Rita Lee: não levar desaforo para casa, essa rebeldia, o certo pelo certo, o não ser palanque de político de alguma maneira, sem deixar de reivindicar o que ela acreditava, essa liberdade com que ela vivia, esse lado da causa animal, de ser uma grande embaixadora nos assuntos de proteção animal. A vida com liberdade é o que faz Mariana se identificar com Rita, o tom do sarcasmo, da sinceridade, do deboche, a conectava com cada momento com a cantora. 

 

Fotos dos livros e discos de Mariana
Fotos de alguns livros e discos de Mariana - Enviado pela entrevistada


Rita Lee foi mais do que uma cantora, ela se consolidou como um ícone cultural, cuja influência se estendeu muito além da música. Ao longo de sua carreira, Rita desafiou convenções sociais, estéticas e comportamentais, tornando-se um símbolo de liberdade, irreverência e autenticidade no Brasil. Rita falava abertamente sobre o poder das mulheres, a liberdade sexual e o direito à individualidade, abrindo caminho para uma nova geração de mulheres artistas, mostrando que era possível ter uma voz forte, rebelde e independente dentro de uma indústria dominada por homens. Sua capacidade de se reinventar ao longo das décadas exalta que não havia limites para sua criatividade, a peça demonstra isso não só na narrativa, mas com toda construção de música, luzes e cenários. Rita também foi pioneira na maneira como abordava temas antes considerados tabus, como o uso de drogas, vida boêmia, amor livre e a rejeição aos padrões tradicionais de beleza e comportamento, ela rejeitava a ideia de que as mulheres deveriam se conformar a padrões rígidos, inspirando outras a fazerem o mesmo, até hoje. 

Mais do que uma roqueira, Rita Lee era uma espécie de porta-voz das minorias e dos que se sentiam marginalizados. Sua trajetória ecoa um grito de liberdade, um convite para que todos sejam fieis a si mesmos e vivam suas vidas sem medo de julgamentos, mesmo em uma sociedade que muitas vezes tenta impor normas. Rita Lee foi o exemplo máximo de resistência e autenticidade, ultrapassando gerações. Mariana ressalta que Rita ainda está viva entre nós em cada detalhe de seu legado e trabalho deixado é motivo para celebrar a vida da cantora. A peça mostrou isso, como é viva essa história, espalhando para outras novas gerações, se tornando cada vez mais um ícone atemporal.

A peça não só preencheu um sentimento de lembrança sobre a Rita Lee, mas uma séria de reflexões sobre a nossa sociedade, passando por momentos dentro da história de resistência e mudanças de comportamento e que, com certeza, Rita teve grande influência. Ressaltou a cultura brasileira e fez todos terem motivos para recordar a vida das pessoas e comemorarem a existência de uma pessoa renascendo em espetáculo teatral, como Rita Lee.

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