Por Giovanna Oliveira
Mais um sábado abafado em São Paulo, com possibilidade de chuva a qualquer momento. Andando pelo pequeno centro da Penha é possível encontrar lojas de diversos tipos e restaurantes que, só de olhar as vitrines, fazem qualquer um salivar com pratos de culinárias diferentes. Ali há um restaurante de culinária italiana com um ambiente acolhedor. As paredes estão enfeitadas com fotos e bandeiras da Itália e do Brasil, e nas mesas, um pano quadriculado em vermelho e branco. Matteo Rossi serve uma bruschetta, um pão tostado coberto com uma mistura de tomate, alho, manjericão e azeite de oliva.
Ele é neto de uma italiana e de um brasileiro, a história de amor é a mais marcante da família. Seus avós, Caterina e Antônio, se conheceram na Itália em 1974, durante um verão que mudaria suas vidas para sempre. Seu Antônio, então um jovem estudante de culinária italiana, estava no país em um intercâmbio, e, embora tivesse apenas três meses para aproveitar, o destino lhe reservou uma surpresa. Ao caminhar pela praia de um vilarejo ensolarado, avistou Caterina, com seus cabelos ao vento e um sorriso radiante. Eles conversaram e logo a paixão floresceu entre eles. No entanto, o pai de Caterina não aprovava o relacionamento, pois já tinha planos de casar sua filha com o filho de um amigo. Apesar da proibição, os avós de Matteo continuaram se encontrando às escondidas, trocando olhares apaixonados e sussurros à luz da lua. Quando o verão acabou, seu Antônio voltou ao Brasil, o coração apertado, e implorou para que Caterina o acompanhasse, mas ela hesitou, relutando em deixar sua família e a vida que conhecia.
Eles se comunicavam por cartas, e a maioria dos assuntos girava em torno da culinária italiana e das saudades que sentiam um do outro. As cartas eram repletas de promessas e sonhos, como receitas de pratos que planejavam cozinhar juntos. Foi assim que "seu" Antônio decidiu abrir seu restaurante, Caterina estava lá, do lado de fora de sua casa, com um brilho nos olhos e um sorriso esperançoso. Eles se casaram em uma cerimônia íntima, cheia de amor, e construíram o restaurante juntos. Matteo contou que a avó nunca revelou o verdadeiro motivo de ter deixado a Itália para se tornar cidadã brasileira, um mistério que cercava sua história. O restaurante começou com a culinária brasileira, servindo pratos simples e acolhedores, mas, com o tempo, os avós foram incorporando pratos italianos, começando pelas comidas que os brasileiros já tinham costume de comer: pizza margherita, lasagna, risotto e frittata, que hoje são os mais pedidos na casa. Apesar da forte influência da culinária italiana, eles nunca deixaram de servir pratos brasileiros, como feijoada, virado à paulista, pastel e feijão tropeiro, criando um cardápio que refletia a rica tapeçaria cultural do Brasil.
Embora a culinária italiana tenha influenciado fortemente a comida brasileira, não se pode negar que os ingredientes típicos do Brasil também ajudaram a moldar e adaptar a comida italiana, criando um estilo único de fusão. O restaurante dos avós de Matteo é um excelente exemplo disso. Ao longo dos anos, eles aprenderam a equilibrar as tradições italianas com os sabores e ingredientes locais, criando pratos que respeitam a base da gastronomia italiana, mas com um toque brasileiro que conquistou o paladar dos clientes. No entanto é o pai de Matteo, "seu" Alessandro, quem conta essa história com muito orgulho. Ele lembra que, no começo, a maior dificuldade foi fazer com que os clientes se acostumassem aos novos sabores e ingredientes que, para eles, eram um tanto exóticos. Os brasileiros estavam habituados a um tipo de comida e, por mais que reconhecessem a qualidade da culinária italiana, era necessário um tempo para que aceitassem a fusão dos dois mundos.
A família aperfeiçoou a preparação da pasta (o macarrão), oferecendo uma variedade maior de molhos do que a tradicionalmente italiana. A pizza também passou por adaptações: ingredientes como catupiry, milho, frango e até banana foram incorporados, algo impensável nas antigas trattorias italianas. Até o ketchup passou a ser colocado nas mesas, permitindo que os clientes ajustassem o sabor conforme seu gosto. Já a famosa pasta alla carbonara, um dos pratos mais emblemáticos da culinária romana, foi adaptada de uma forma que, inicialmente, causou controvérsia entre os puristas. A contragosto, trocaram o guanciale por bacon e, no molho, acrescentaram creme de leite – um ingrediente ausente na receita original. Com o tempo, no entanto, essas mudanças foram sendo aceitas, à medida que o público se acostumava aos novos sabores e a tradição italiana se mesclava com os gostos brasileiros. Sempre haverá um choque de culturas, mas Caterina e Antônio, com muito amor e paciência, souberam tirar proveito dessa troca e mantiveram as portas do restaurante abertas, conquistando uma clientela fiel que se apaixonou pela maneira única com que a cozinha italiana foi reinterpretada.
Os avós de Matteo, ao longo dos anos, transformaram o restaurante em um verdadeiro centro de união familiar, algo que não apenas alimentava o corpo, mas também a alma da família. O restaurante pertence exclusivamente à família ítalo-brasileira e é um símbolo de como o legado da gastronomia e da cultura pode ser preservado e renovado ao longo das gerações. As responsabilidades sempre foram passadas de geração em geração, de forma gradual, para garantir que cada membro da família estivesse preparado para assumir o próximo passo. Atualmente, o administrador do restaurante é Alessandro, que, com muita dedicação, ensina todos os dias ao seu filho Matteo, preparando-o para um futuro que, em breve, estará nas suas mãos. Matteo, por sua vez, já mostra interesse e paixão pelo negócio, aprendendo os segredos da cozinha e, principalmente, entendendo a importância de preservar tanto a tradição familiar quanto a capacidade de inovar para atrair novas gerações de clientes.
Além disso, uma tradição muito especial da família é a viagem à Itália, que acontece no momento da passagem de bastão. Esse ritual tem como objetivo manter as raízes italianas da família vivas e intactas, um jeito de nunca se esquecer de onde tudo começou. Durante essa viagem, o antecessor (geralmente o pai ou avô) leva o sucessor para uma imersão completa na cultura e na gastronomia locais. É uma semana intensa, onde eles visitam pequenas vilas, mercados locais e, claro, cozinham juntos os pratos tradicionais italianos. Entre os pratos preparados estão a focaccia, uma deliciosa massa com azeite e alecrim, o tiramisù, a sobremesa clássica com café e mascarpone, a salada caprese, com tomates frescos, mozzarella de búfala e manjericão, e a caponata, um prato siciliano à base de berinjela, tomates e vinagre. Essa viagem é mais do que um simples aprendizado culinário: ela é um rito de passagem, uma forma de fortalecer o vínculo entre pai e filho, e de garantir que o legado da culinária italiana, junto com os valores familiares, seja passado adiante com todo o respeito e carinho que ele merece.