O longa-metragem “A Baleia", que estreou no Brasil em 23 de fevereiro, chamou a atenção dos fãs da cinematografia ao trazer como protagonista Brendan Fraser, ator fortemente conhecido por protagonizar filmes como “Viagem ao Centro da Terra: O Filme” (2008) e “Múmia” (1999). Longe do universo da aventura que quase sempre atuou, Fraser, em seu mais novo projeto, agora explora o gênero drama. O novo filme, se torna assim, um de seus trabalhos mais simbólicos em mais de vinte anos de carreira.
Dirigido por Darren Aronofsky - mesmo diretor de Cisne Negro, filme que levou para casa o prêmio Spirit Awards 2011 nas categorias de melhor filme, diretor e atriz - o longa rendeu a Brendan Fraser o primeiro Oscar de sua trajetória profissional nas telas. Seu brilhantismo e atuação na obra levaram o prêmio na categoria de Melhor Ator.
O personagem responsável por tamanho feito é Charlie, um professor de inglês recluso que lida com a obesidade mórbida e com um sério transtorno de compulsão alimentar. Uma grande polêmica foi gerada ao redor do protagonista pela forma transparente e crua que seu comportamento é trazido ao público. A maneira como ele é retratado no filme levantou debates e questionamentos acerca de como o longa pode, ou não, ser considerado uma obra-prima e marcante da história do cinema.
Para Alexandre Ferrer, UX designer, de 24 anos, que faz parte da parcela dos espectadores que adoraram a narrativa, o longa retrata uma história real, sem, em nenhum momento, tentar minimizar a complexidade das emoções do personagem, sejam elas suas inseguranças, vulnerabilidades ou dores.
"Você vê que o personagem principal é uma pessoa que considera muitos como as outras pessoas o definem e o enxergam, ele tem muito essa coisa de levar em conta o que as pessoas pensam dele (...). Você vê que ele é uma pessoa real, por isso, como ele é retratado choca, porque é dura, mas é algo que tem que ser mostrado e falado... é a realidade daquela pessoa (...)”, pontua Alexandre.
Ainda na visão do designer, o filme retrata os efeitos da cobrança constante, pela sociedade, por uma aparência física “aceitável” e padronizada. O longa trata essa questão que, para Ferrer, é a mais pura realidade.
Já para Enrico Souto, 21 anos, estudante de jornalismo da PUC-SP, o filme não foi nada agradável de assistir. Os 117 minutos da obra, para Souto, foram extremamente, na maioria das cenas, gordofóbicos: “A própria direção do filme vai tratar ele com muito nojo, olhando sempre com distância, é uma olhar muito clínico, como se estivessem sempre o analisando, como se tivesse retratando um zoológico, como se ele fosse um animal que está sendo mostrado, exposto ao público”.
De acordo com Enrico, trata-se apenas de um filme baseado no choque: “É um filme feito para chocar, é um choque pelo entretenimento, só que um entretenimento baseado na violência, são violências reais.”
Para Marcelo Santos, professor de Psicologia do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), a representatividade de pessoas obesas na mídia - inclusive no entretenimento - é importante porque contribui para a naturalização deste corpo como mais um corpo possível de se viver em sociedade, possibilita sua existência, de vê-lo como um estrutura física passível de existir.
Contudo, para o psicólogo, é necessário tomar-se muito cuidado com a maneira que essa representatividade é colocada nas telas:
“Dependendo de como for vinculada, essa representação pode trazer ainda mais preconceitos para um grupo de pessoas que já sofrem com as dificuldades do dia a dia, com os olhares e as cobranças de uma exigência social de que aquele corpo não é o adequado e que eles necessita de mudanças, então quando vemos essa representatividade, vemos de maneira positiva, no intuito de naturalizar o corpo obeso. Agora trazer essa representatividade de forma a causar ainda mais preconceitos, cobranças sociais para que esse corpo se transforme, isso realmente se trata de um desserviço”.
Sobre como essa representação, muita vezes baseada apenas em estereótipos, pode interferir de forma negativa para a questão da obesidade, Santos destaca:
“Há um impacto negativo quando há uma estereotipagem, ela pode aumentar a possibilidade da gordofobia. (...). Algumas dessas pessoas desenvolvem depressão, desenvolvem uma redução drástica da autoestima e isso faz com que haja um isolamento social, um sofrimento psíquico, que não deveria acontecer”.
Brendan Fraser, de algum modo, também possui relação com o personagem Charlie, que interpretou. Vítima de assédio sexual em 2003, Fraser foi apalpado pelo então presidente da Associação de Imprensa Estrangeira da época, órgão responsável pelo Globo de Ouro. Convidado para a cerimônia, o ator teria sido surpreendido por avanços que variaram desde apertos nas nádegas a dedos na parte de baixo do ator. Da situação desconfortável que enfrentou, Fraser entrou em depressão e, por efeito, também engordou. O uso de medicamentos fortes também contribuiu para o ganho de peso.
Além do episódio que lhe gerou um trauma, Fraser também tem um filho, de apenas 20 anos, diagnosticado com autismo e também obesidade. Embora tenha emagrecido hoje - comparado há alguns anos atrás - Brendan tem aprendido a lidar com as condições que o filho mais velho apresenta.
O filme, com todas as controvérsias, ainda levou o Oscar também de Melhor Maquiagem. A caracterização do personagem como de fato uma pessoa obesa a ponto de retratar um indivíduo com obesidade mórbida, quase que de forma verossímil, rendeu outro reconhecimento para a produção na categoria. “A Baleia”, segue em exibição em diversas salas de cinemas pelo Brasil.