Por Melissa Joanini
Era noite de 29 de maio de 2017 quando Marcelo, que mora em Berlim, descobriu que sua filha Amy não voltou para casa. O combinado era de que ele e a família jantassem para comemorar os 16 anos da filha. A data marcou dois episódios com características distintas e contraditórias. Era seu aniversário e a data de seu óbito. Gea, sua ex-mulher, comentou que ela não foi para a escola e não atendia ao telefone. Ele ainda estava anestesiado por lamentar a morte de sua tia no dia anterior. Quando recobrou a consciência naqueles poucos segundos, ligou para a polícia alemã. Uma semana depois, Linus, seu filho do meio, completava 18 anos. Marcelo comenta que fizeram um bolo e deram parabéns – e Amy ainda desaparecida. Foram 11 dias procurando em todos os cantos de Berlim e da Alemanha.
Ele se recorda, em meio às buscas, de perguntar à filha alguns dias antes qual bolo ela gostaria e ela apenas respondeu que naquele ano não seria necessário. Quando a primeira pista surgiu, na quinta-feira, o círculo foi se fechando rapidamente. Na sexta de madrugada encontraram o corpo de Amy. Marcelo estava no apartamento de amigos quando recebeu a notícia. Ao chegar em casa, quando subiu e entrou na cozinha, reparou em como o céu estava azul e pensou que só queria que passasse um meteoro enorme para entender tudo havia acabado.
Um padre do bairro mandou uma mensagem lamentando e prestando condolências. Ele comenta a decisão da filha, mas não queria que aquele lugar tivesse um peso, um estigma, e queria muito ver onde foi. Os policiais acompanharam Marcelo e amigos, incluindo o padre. Marcelo precisava saber que lugar era aquele e julgou ser importante que não estivesse pesado energeticamente, espiritualmente para ele. O local era ligeiramente deserto, entre uma malha ferroviária e, em uma das idas ele encontrou escrito uma frase que estava também no diário da menina: " Até logo e obrigada pelo peixe".
Ele entendeu que a filha queria realizar sua decisão na intimidade dela e encontrar aquilo foi algo que também o ajudou, interpretando como um simbolismo de que, a partir daquele recado, ela ficava por lá e quem permaneceu por cá guardava o adeus e sua gratidão. Em meio ao turbilhão de sentimentos e digerindo sua vida dali em diante, o pai de Amy pontua a parte mais difícil: como lidar com o dia a dia e como viver sem aquela pessoa, aprender a viver de forma sóbria na tentativa de não se culpar tanto, mas também sem negar a situação.
Amy gostava de pintar os cabelos com frequência. O patriarca rememora que chegava do trabalho e um dia era rosa, mas em três dias poderia ser azul, e que nessas trocas, o chão do banheiro e a banheira estavam sempre sujos - mas que hoje ele olha para esses lugares limpos e fica deprimido, pois adoraria limpar os resquícios de tinta reclamando enquanto imagina como o cabelo da filha deve estar maravilhoso.
Nisso, ele se recorda de outras situações que o preparam para esse momento sem ele perceber. Um amigo americano de Marcelo revelou como os pais dele mudaram após a morte do irmão velho, vítima de uma avalanche junto dos tios. Imersos na dor do luto, os pais desse amigo esqueceram-se que tinham um outro filho - que também sofria e demandava atenção - e se afastaram, vendo apenas o pesar e não mais as figuras paterna e materna. Curiosamente, quando a lembrança veio à cabeça, Marcelo estava jantando com Gea, Lucas (seu filho mais velho) e Linus (seu filho do meio). Nisso, ele comentou que precisava da ajuda dos filhos para que essa situação não acontecesse dentro de casa. Marcelo relembra que as coisas foram acontecendo e ele percebeu - considera uma certa sorte por lembrar e poder tirar dessas experiências a chance de poder fazer melhor com sua família.
Nesse meio tempo, as marcas do luto se sobressaíram em outras esferas da sua vida – dedicou-se mais ainda ao trabalho e as idas ao cemitério tornaram-se praticamente diárias. Em conversas com terapeutas, mas em especial uma brasileira, ele comentou o quão difícil era levantar da cama ou não chorar a cada cinco minutos. Ele comenta sobre ficar mais de um ano sem conseguir ler algo do início ao fim por não ter concentração. Ele considera que o assunto precisa ser desmistificado e menos endemoniado, com outros lugares falando abertamente, mas de forma responsável. Relatou que procurou ser o mais racional possível – e que isso não o isentou de sentir falta – e que apesar de não concordar, respeita a decisão.
Decisão dela para a vida dela – mesmo sem pensar nas consequências para quem estava em volta, na visão dele, e aprendeu a respeitar isso, a aceitar, mas revela que não tem a capacidade de entender – e tenta não a culpar, mas se sente culpado por achar que não fez o suficiente para protegê-la e defendê-la dos perigos do mundo, assim como sente que não protegeu a Gea (sua ex-esposa), Linus e Lucas (seus filhos), e quem a conhecia que também estava ligado à ele e a esse sentimento de perda, da consequência que isso teve na vida deles.
Apesar do tempo, Marcelo diz que ainda não pode afirmar que está bem, mas que está mal também, e acredita que será um processo que perdurará até o seu último dia de vida. Ele revela que a dor é infinita, porém a alegria de viver ao lado de Amy durante 16 anos também é - e que essa alegria, esse quentinho no peito quando lembra dela é infinitamente maior que toda a dor. Ele revela que tenta encontrar paz em meio à culpa que sente e que, mesmo tendo os dias que não quer levantar da cama ou acorda em meio às lagrimas por sonhar com sua menina, há diversos momentos que, hoje, consegue lembrá-la e sorrir. Seu maior desafio tem sido conciliar a angústia e o conforto - as lágrimas estão aqui, mas os sorrisos também - e que isso só é possível no dia a dia, levantando da cama - mesmo não querendo em alguns momentos - e vivendo.