Por Giovanna Oliveira da Silva
Sábado, o sol brilha intensamente, marcando um dia atípico para o inverno, com os termômetros registrando 30ºC. O Parque Belenzinho está especialmente convidativo para atividades ao ar livre, aproveitando o clima agradável. O ambiente está vibrante; o canto dos pássaros mistura-se às risadas das crianças brincando, enquanto o cenário é complementado por um grupo de venezuelanos jogando futebol, adolescentes tentando a sorte no vôlei e um casal na faixa dos 30 anos se divertindo de patins. O que chama a atenção é uma senhora idosa, com cabelos brancos e pele fina, que está se alongando de maneira tranquila e focada.
Lordes de Cândido, de 68 anos, mãe, avó, viúva e aposentada, uma figura carismática e cheia de vida. Ela está vestida com uma legging preta, tênis preto, uma camiseta com a frase “Vovó, amamos você” – um presente sentimental de seus netos, seu primeiro presente como avó. Seu cabelo está preso em um rabo de cavalo simples e prático, e ela tem aproximadamente 1,65 metros de altura. Manter uma alimentação saudável e fazer exercícios agora fazem parte da sua rotina. O cuidado com sua saúde tornou-se um novo aspecto de sua vida, algo que antes parecia distante.
No passado, sua vida era marcada por uma rotina agitada e exigente. Dona Lordes começou a trabalhar muito jovem, aos 19 anos, como doméstica na casa de Dona Bianca em Perdizes. Seu expediente era de segunda a sexta-feira, começando às 7h00min, quando a filha da patroa se levantava para ir à escola, e terminava às 17h00min, quando o senhor Marcelo chegava em casa. Esse foi o seu único emprego ao longo de toda a vida profissional. O trabalho demandava considerável esforço físico. Ela chegava, preparava o café da Amandinha [filha da patroa] e o lanche da escola. Depois, preparava o café dos patrões e começava a limpar a casa, desde os quartos até o banheiro. Tinha que empurrar os móveis para limpar embaixo e depois colocá-los no lugar.
Seus horários de descanso eram bem definidos. Mesmo assim, cuidar da saúde nunca foi uma prioridade para Dona Lordes, que só frequentava a UBS para tomar vacinas. Foi somente após a aposentadoria, quando seus filhos a convenceram a fazer um check-up completo. Flávio, seu filho mais velho, a acompanhou em todas as etapas, desde o agendamento das consultas e exames até o retorno ao médico. Há muito tempo Dona Lordes não ia ao médico e nem se lembrava da última consulta.
No dia 25 de julho de 2019, após realizar todos os exames, Dona Lordes retornou ao médico e recebeu um alerta preocupante. Os exames indicavam pré-diabete, sobrepeso e colesterol elevado. O médico prescreveu um medicamento para controlar o colesterol e orientou Dona Lordes a mudar sua alimentação e a incorporar exercícios físicos à sua rotina para evitar a necessidade de múltiplos medicamentos no futuro. Dona Lordes se lembra rindo da situação. Nunca imaginou que os resultados seriam tão negativos. Para ela, comer de tudo era sinônimo de saúde. A descoberta de pré-diabete, o peso acima do normal e a necessidade de tomar remédio foram um grande choque. Esses problemas não faziam parte dos que ela tinha para sua aposentadoria. Sua maior motivação foi a família; ela queria viver mais tempo com os filhos e acompanhar o crescimento dos netos.
Assim, no dia seguinte, sua prioridade passou a ser cuidar da saúde. Ela foi à farmácia da UBS, retirou o remédio e fez mudanças significativas em sua rotina. Desfez-se de todos os doces que tinha em casa, foi ao mercado e comprou frutas – maçã, pera, morango, laranja e abacate – além de verduras e legumes – alface, cenoura, vagem, brócolis e tomate. Os exercícios foram incorporados gradualmente: todos os dias dava uma volta no quarteirão e, depois, passou a frequentar aulas gratuitas de zomba oferecidas nas segundas, quartas e sextas. No entanto, com a chegada da pandemia, Dona Lordes enfrentou o desafio de ficar em casa. Seus filhos notaram que ela desenvolveu ansiedade, pois tinha dificuldade em resistir à tentação de comer e manter a nova rotina que estava começando a gostar.
Nos primeiros três meses, ela conseguiu se manter firme na alimentação e concentrada em seus hábitos, mesmo que a situação a impedisse de sair de casa para suas caminhadas. O medo constante de contrair COVID tornava a simples ideia de sair um desafio impossível. O confinamento forçado trouxe uma sensação de isolamento e incerteza que parecia se estender sem fim. Com o tempo, as dificuldades se intensificaram. A ausência de previsão para a vacinação aumentava seu medo, e a alimentação, que antes era apenas um aspecto da rotina, passou a ser seu único consolo em meio ao caos.
Dona Lordes começa a chorar. Passou dez minutos em um choro silencioso; o tempo parecia parar ao seu redor. Ao fundo, se escutavam o canto dos pássaros e o riso das crianças. As nuvens cobriram o sol e a brisa do vento acariciava suavemente nossos rostos, enquanto as folhas das árvores balançavam lentamente, como se respeitassem o momento de tristeza. “Me desculpe”, ela diz com a voz entrecortada, “naquela época, eu perdi meu marido. Ele morreu de infarto e nem conseguimos fazer um velório para ele.”
Enxugando as lágrimas com um lenço que ela guarda com carinho na bolsa, Dona Lordes tenta recuperar a compostura, mas seu choro silencioso continua. Sinto uma vontade irresistível de perguntar mais sobre o seu amor, mas a dor em seus olhos me faz hesitar. Perder o Zé, seu grande amor, é uma dor que não sabe como explicar com a voz entrecortada por soluços. Dona Lordes fala lentamente, passando os dedos pelo lenço umedecido com suas lágrimas e colocando-o de volta na bolsa. Enquanto limpa as lágrimas que ainda insistem em cair, seu olhar parece perdido em uma memória distante, como se ela estivesse revisitando cada momento compartilhado com Zé. O ambiente ao redor parece se tornar mais silencioso, respeitando o espaço de sua tristeza. Cada palavra carrega o peso de uma vida inteira de sonhos e promessas que agora transformadas em lembranças.
No final de 2021, seus filhos sugeriram que Dona Lordes fizesse terapia. No entanto, ela não conseguiu aceitar a ideia; compartilhar sua dor dessa maneira parecia impossível na época. Uma amiga então a apresentou a um grupo de apoio composto exclusivamente por pessoas da terceira idade. Eles compartilhavam histórias, dores, memórias e dificuldades. Composto por 15 pessoas, o coletivo foi se tornando uma verdadeira rede de apoio ao longo do tempo. Os membros se tornaram grandes amigos, cuidando uns dos outros e saindo juntos. O grupo transformou-se em um espaço de acolhimento, essencial para a saúde mental e física de todos. Ela conta que sai junto com eles para fazerem exercícios, vão ao cinema, ao restaurante. Às vezes, um amigo a acompanha outro ao médico. Essa família escolhida não deixa ninguém sozinho, oferecendo suporte e companhia em cada passo do caminho.
À medida que Dona Lordes se reinventa e encontra novas maneiras de cuidar de si mesma, sua história se torna um exemplo inspirador de como a terceira idade pode ser um período de crescimento e descoberta. Sua transformação, de uma vida marcada pela rotina exigente para a busca de um equilíbrio saudável, prova que nunca é tarde para mudar hábitos e priorizar a saúde. Dona Lordes nos lembra que a terceira idade, longe de ser um período de declínio, pode ser uma fase de renovação e vitalidade. Ao cuidar da saúde mental e física e buscar apoio em comunidades solidárias, todos podemos enfrentar os desafios dessa fase da vida com otimismo e propósito.