Projeto que prevê aumento salarial pode destruir a carreira do magistério paulista

Sob muito protesto, o PLC 3/2022 foi acatado pelos parlamentares e só depende da confirmação do governador para entrar em vigor
por
Fernando Bocardo Batista Pinto
|
12/05/2022

Por Fernando Bocardo

“Professor não é bandido, professor não é bandido”, esse era o grito que vinha da entrada da Assembleia Legislativa de São Paulo e ecoava por todos corredores, passando pelos gabinetes e sendo notado até no Plenário, que estava com pouco movimento antes do início da Sessão Extraordinária. O número de pessoas na rua Pedro Álvares Cabral antes do meio-dia, do dia 29 de março, já indicava que algo diferente e importante seria votado pelos parlamentares naquela tarde. Tratava-se do Projeto de Lei Complementar 3/2022, que reajusta em 10% os salários de todos os profissionais da Educação paulista e um novo plano de carreira para professores, com salário inicial de R $5 mil - aumento de 73% do que era pago até então.

O projeto 

A medida encaminhada ex-governador João Doria despertou revolta em centenas de profissionais do ensino que foram até a Alesp para protestar contra a proposta do líder do PSDB e acompanhar atentamente a votação. O texto do Poder Executivo sugere o aumento de 10% para a categoria dos professores, mas também inclui no projeto a criação da chamada "nova carreira do magistério paulista". O projeto promete tornar a carreira docente mais atraente com a possibilidade de aumento no piso salarial. O novo valor é quase o dobro do antigo piso salarial de R $2.886. 

Direcionado para professores, diretores escolares e supervisores, o novo plano elaborado pelo Poder Executivo é baseado em um modelo de trilhas, que são rotas de crescimento profissional percorridos pelo docente, com promoções por desempenho e desenvolvimento. 

A iniciativa estabelece jornada de 40 horas semanais para o salário inicial, podendo chegar a R $13 mil no nível mais alto da carreira. O texto também prevê a criação de gratificações para docentes que atuam em áreas de risco e em período noturno. A adesão ao novo plano será opcional aos profissionais que já atuam na rede estadual. 

O projeto de lei complementar ainda cria as funções de Especialista em Educação e Gestão Educacional, Coordenador de Equipe Curricular, Professor Especialista em Currículo, Coordenador de Gestão Pedagógica e Coordenador de Organização Escolar, funções que deverão ser desempenhadas de acordo com os diferentes graus de formação dos profissionais.

O presidente da Alesp, deputado Carlão Pignatari, celebrou a aprovação da proposição.  "Esse projeto vai melhorar substancialmente a educação no Estado de São Paulo, que tem avançado a cada dia, com as escolas em tempo integral e outras conquistas, como recursos para melhorias", disse.

Os servidores da Educação pedem que o PLC 03/2022 não seja aprovado pelos deputados estaduais da forma como foi sugerida pelo então governador João Dória.

Os sindicatos e deputados da oposição defendem que o PLC 03/2022 seja desmembrado, discutindo o reajuste de 10% nos salários dos professores em um projeto e a criação do novo magistério em uma proposta separada.

Um dos pontos mais criticados pelos manifestantes é que agora os professores passam a integrar o regime de remuneração por subsídio, excluindo o pagamento de bônus ou gratificações. 

A luta 

Inflamados pela votação do projeto, centenas de professores e servidores da educação organizaram ato que movimentou o Palácio 9 de Julho, há tempos a entrada da rua Pedro Álvares Cabral não recebia tantas pessoas. Os manifestantes se reuniram nos arredores da Assembleia e de maneira pacífica protestaram contra o PLC 3/2022. 

A demora na liberação dos servidores criou uma pequena tensão com os policiais responsáveis pela segurança, mas de acordo com os próprios policiais nada saiu dos conformes. Após a revista, os professores se alocaram no plenário Juscelino Kubitschek e nos outros auditórios disponíveis, os corredores geralmente calmos da Alesp agora eram palco de constantes cantos coletivos contra a proposição, “PL não, PL não, PL não”, gritavam os servidores da rede pública de ensino. 

Quando aberta, a galeria do plenário JK lotou instantaneamente, quase que exclusivamente de membros de movimentos sindicais. Deputados pediam a palavra e colocavam sua opinião, ou para os aplausos ou para as vaias da plateia muito inflamada. Parlamentares da oposição eram ovacionados sempre que criticavam o projeto, com destaque para Professora Bebel (PT), também presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, que declarou seu apoio total aos servidores e julgou a medida como “injusta”. 

O deputado Carlos Giannazi (PSOL) também se manifestou contra o PLC 3/2022, “embora haja um reajuste, que não repõe as perdas inflacionárias, esse projeto talvez seja o último reajuste dos aposentados. Nossa luta do magistério era por 33,24%, que é o valor do reajuste do piso nacional", disse. 

Horas de discussão e votação culminaram na aprovação do Projeto de Lei Complementar 3/2022, para tristeza e revolta de grande parte dos servidores presentes na Assembleia. Em seu twitter, o secretário de Estado da Educação, Rossieli Soares, comemorou a aprovação do projeto. "A Alesp acaba de aprovar o PLC 3. A Nova Carreira Docente já é uma realidade no Estado de SP. Vitória da educação", escreveu na rede social.

O resultado 

Após o anúncio, o sentimento era de luto nos corredores da Alesp, professores e professoras aos prantos, o entusiasmo e otimismo presentes no início dos protestos foram substituídos pela indignação e descrença nas instituições. A professora da rede estadual de ensino, Patrícia Pinto, era uma das mais abaladas na galeria do Plenário. “A nova carreira é a destruição do magistério, ela representa uma farsa e  estamos desacreditados no momento, é difícil digerir”, disse. 

O projeto acabou sendo aprovado com duas emendas e seis subemendas propostas por parlamentares de diversos partidos. Uma das emendas aprovadas garante que até a publicação da lei, o corpo docente das escolas estaduais de ensino integral seja composto exclusivamente por professores coordenadores. A segunda emenda acrescenta gratificação para os profissionais que aderirem aos novos cargos de complexidade. Já as subemendas determinam que a demissão de profissionais do ensino da nova carreira seja feita por meio de ato devidamente fundamentado e motivado.

Para o deputado Carlos Giannazi ainda há esperança de alteração no projeto. “Vamos continuar lutando pela melhoria salarial e funcional do ensino e vamos lutar para revogar essa legislação com a chegada do novo governo”, disse. O projeto segue agora, ainda sem data prevista para sanção ou veto, total ou parcial, pelo governador Rodrigo Garcia.

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