Projeto leva arte da dança para periferia paulistana

Projeto social luta pela inserção de jovens que vivem em vulnerabilidade social no balé clássico
por
Beatriz da Cunha Porto
|
21/06/2024

Por Beatriz Porto

A vida de Nina não foi fácil. Filha de mãe solo, ela morava com a mãe, o irmão adotivo e a madrinha na periferia de São Paulo. Ela percorria longas distâncias para chegar à Escola Municipal, muitas vezes sozinha em horários de pouco movimento nas ruas. Aos 15 anos, a bailarina começou a ministrar aulas de dança, nas quais além de ensinar a técnica também aprendia a didática necessária para seguir como professora. No entanto, aos 20 anos uma lesão no joelho a afastou dos palcos e forçou sua presença apenas nos bastidores. Tudo pelo sonho de ser bailarina. Aos três anos, Nina Canadari Pereira iniciou as primeiras aulas de balé. O que começou apenas como recreação tornou-se uma paixão que a acompanha até hoje. Aos nove ela entrou na Escola de Bailados de São Paulo, onde se formou bailarina em 1997.

Foto 1
Foto: Arquivo pessoal

Nina sempre prezou pela presença de projetos sociais que incluíssem a periferia no mundo clássico, pois ela reconhece as dificuldades financeiras e sociais que os bailarinos periféricos, sobretudo os negros enfrentam para ingressar na dança são fatores determinantes para afastar essas pessoas da modalidade. Assim, investiu sua energia em aprimorar sua técnica de ensino, bem como contribuir para que mais jovens da periferia pudessem ter a chance que ela teve de se profissionalizar. Nina começou seus trabalhos em centros comunitários nos bairros de Taipas, Brasilândia e Elisa Maria. Atualmente, Nina Canadari atua como coreógrafa, ensaiadora, coaching, professora, diretora artística da Cia Jovem Nina Canadari. No ano de 2022, sua companhia ganhou mais de 150 premiações, sendo 64 em primeiro lugar, 43 em segundo lugar, 22 em terceiro lugar, além de 35 premiações especiais.

Desde 2008 ela participa com seus alunos dos principais festivais de dança tanto nacionais quanto internacionais, como o Youth American Gran Prix-New York; Tanzolymp-Berlim-Alemanha; European Ballet Competition-Viena; Amsterdans Competition; Livorno in Dança; Festival de dança de Joinville; Passo de Arte; Festdança; Prêmio Desterro; Pridansp; Il Balleto; Vida ao Corpo; Darin Produções, entre outros, levando importantes premiações para casa.

Mas o mundo artístico não é aberto a todos. A pesquisa Mapeamento de Dança feita pela Universidade Federal da Bahia em oito capitais, de 2016, aponta: entre os entrevistados, 38% são jovens de 16 a 25 anos. Outro dado apresenta 1,0% dos entrevistados como autodeclarados indígenas; 33,6% pardos e 16,6% pretos. O estudo ainda indica que 31,2% dos bailarinos ganham até dois salários-mínimos, sugerindo que, pelo menos entre os entrevistados, os bailarinos de baixa renda - ganham até metade de um salário-mínimo per capita- não alcançam seu espaço na dança, apresentando dificuldades de se profissionalizar.

A partir disso, Nina viu no projeto uma oportunidade de democratizar o acesso ao balé e promover a diversidade cultural na dança. Assim, em 2022, nasceu o Projeto Odara. Tudo começou numa escola de dança no bairro do Tucuruvi. O espaço contava com duas salas que poderiam ser usadas pela diretora e suas 15 crianças. Depois, a turma cresceu e com as novas crianças veio a oportunidade de um local maior, onde estão até hoje. Ainda que não seja uma sede própria, mas um espaço alugado, é o ideal para acomodar os 48 aspirantes a bailarinos e todas as aulas que o projeto oferece atualmente.

Desde o início o intuito do Odara é que os bailarinos que entrem se formem pelo projeto. Visando a permanência dos jovens, a organização custeia os gastos dos alunos como uniformes para as aulas e ingressos e figurinos para os espetáculos. E assim seguem até hoje por meio de parcerias e campanhas de arrecadação de renda. No início, eram apenas 15 crianças divididas em duas turmas: Pré-Balé e Balé Clássico. No Pré-Balé crianças de 4 a 7 anos participam de atividades lúdicas e iniciam o processo de musicalização. Já nas aulas de Balé Clássico os alunos a partir de 8 anos começam a aprender a técnica do balé. Agora, além das aulas originais, os mais de 40 jovens se reúnem aos sábados para aulas de Jazz e Canto Coral, que ocorrem alternadamente a cada semana, e sessões de arteterapia.

Foto 2
Primeira turma de Balé Clássico do Projeto Odara praticando as posições dos braços no balé. Foto: Beatriz C. Porto

O projeto parte de uma iniciativa familiar. As professoras são bailarinas da Cia Jovem. Os professores de canto são estudantes de música da Escola Municipal de Música de São Paulo, sendo um deles o filho mais velho de Nina e o melhor amigo do rapaz, que insistiram para a diretora de arte que isso seria um diferencial no projeto. E estavam certos. As aulas de música tem sido um sucesso entre as crianças que, semana sim e semana não, ensaiam para apresentações ao final do semestre. Os figurinos são cuidadosamente produzidos pelas mãos de dona Clara e dona Lúcia, mãe e tia de Nina, respectivamente.

No universo artístico, os espetáculos de encerramento representam uma chance para que os alunos possam ter a experiência de estar no palco, além de compartilhar com os amigos e familiares o trabalho construído durante o semestre. Desde que o projeto começou, foram cinco espetáculos que levaram diversos convidados a prestigiarem os bailarinos em formação. No entanto, não só as apresentações são o momento mais esperado pelos bailarinos. O Odara tem se classificado para diversos festivais de peso no mundo da dança, sendo um deles o Festival de Dança de Joinville. Neste ano, algumas alunas terão a chance de concorrer no festival que já foi classificado pelo Guinness World Records como o maior evento do mundo em questão de participantes - com 4.500 bailarinos.

Foto 3
Alunos do Odara, professores e bailarinos convidados no último espetáculo (16/06). Foto: @beart.emtodaparte

As meninas que foram classificadas, as mais antigas da turma, estão encantadas com a conquista. Nina considera uma ótima oportunidade para que elas conheçam o mundo da dança de forma mais completa. Para que a viagem aconteça agora na segunda quinzena de julho, elas estão arrecadando verba para que as meninas possam se apresentar, organizando as passagens, hospedagens e figurinos. 

A cada ano o Projeto Odara cresce em número de participantes e conquistas. É notável o orgulho que Nina sente ao ver seus alunos no palco com a energia de uma criança, mas a dedicação que a profissão exige. Levar a arte da dança para um universo de vulnerabilidade social é um sonho que se torna um passo mais real a cada sábado em que eles se reúnem por um ato de amor em comum.

Tags:

Cultura e Entretenimento

path
cultura-entretenimento