Produção de imagens por Inteligência Artificial gera desinformação e afeta o fotojornalismo

Especialistas divergem sobre o impacto da tecnologia de produção de imagens por IA na sociedade
por
Beatriz Gabriele e Guilherme Deptula
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06/07/2023

Imagens desenvolvidas por Inteligência Artificial (IA) se popularizaram nos últimos meses. Plataformas de geração como o Midjourney e DALL-E foram responsáveis por criar imagens extremamente realistas em poucos minutos, como a do Papa Francisco usando uma jaqueta “puffer” e Donald Trump sendo preso. Embora exista admiração pela tecnologia, sua evolução pode contribuir com a desinformação em massa. 

Meses atrás, a Anistia Internacional, uma das mais importantes ONGs de direitos humanos do mundo, se envolveu em um episódio que caracteriza essa situação. Para representar uma série de protestos na Colômbia em 2021, o órgão desenvolveu uma imagem pela IA. O intuito era resguardar a identidade dos manifestantes e demonstrar a violência do ato – que deixou dezenas de mortos e feridos. Mas, a atitude confundiu seu público e a organização retirou a foto do ar. 

O episódio exemplifica o surgimento de um novo problema informativo. Se imagens falsas passarem a ser compartilhadas por veículos de comunicação, sua credibilidade é colocada à prova. 

Segundo o professor de ética da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Eugênio Bucci, “Adulterar uma foto, como a IA faz, mesclando ficção e fato colaborando com a desinformação”. 

Embora a manipulação de fotos ocorra desde a década de 1990 com o Photoshop, atualmente, a qualidade de geração de imagens por IA potencializa a aceitação desse produto como verdadeiro. Além disso, a velocidade de compartilhamento das redes  permite que mais pessoas consumam a fotografia adulterada em menos tempo. 

“Essa tecnologia automatiza a produção, ou seja, basta um `spam` rápido para essa desinformação ser espalhada”, esclarece o engenheiro de software formado pelo Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), Édio Cerati. Segundo ele, as IAs são capazes de perceber parâmetros para ajustes finos e detalhados, mantendo a imagem extremamente convincente. 

A qualidade técnica da ferramenta incrementou-se pela machine learning (aprendizado de máquina, em inglês). O termo representa uma tecnologia que vincula um código a uma imagem a partir de um extenso banco de dados. Assim, a IA consegue produzir um material original.

No entanto, o professor e fotojornalista Eder Chiodetto pondera que a fotografia é uma fonte importante de informação, mas não é inquestionável: “um ângulo bem pensado ou um instante bastam para dar um direcionamento ideológico”. Ele afirma que, da mesma forma que um texto jornalístico pode ser falso, uma fotografia também: “a checagem é o mais essencial”.  

“Sempre haverá uma desconfiança no que é visto, mas, não necessariamente no trabalho do profissional em si”,  afirma o doutor em comunicação e fotógrafo, Cristiano Burmester. Ele aponta que os procedimentos transparentes de produção fotográfica, juntamente com a ética, podem garantir a integridade do trabalho dos fotojornalistas.

Entretanto, com o intuito de regulamentar a utilização de ferramentas de IA no Brasil e conter a desinformação, o presidente do senado, Rodrigo Pacheco, propôs um Projeto de Lei (PL). A emenda procura estabelecer normas gerais de caráter nacional para o desenvolvimento, implementação e uso responsável da tecnologia no país.  

“O objetivo [do PL] é proteger os direitos fundamentais e garantir a implementação de sistemas seguros e confiáveis, em benefício da pessoa humana, da democracia e do desenvolvimento tecnológico”, elucida o advogado especialista em Direito Digital, Alexandre Atheniense. 

Para ele, o fato da IA combinar, facilmente, fatores informados pelo usuário e gerar imagens condizentes com o texto escrito, torna necessária a limitação do uso da tecnologia. Essa situação já provocou algumas mudanças nos próprios desenvolvedores de Inteligência Artificial, como a OpenIA.

Nas últimas semanas, a empresa estabeleceu uma nova política de usuário que proíbe o sistema de produzir imagens ofensivas, incluindo violência, pornografia ou mensagens com temas políticos. Com o início dessa mudança no comportamento das big techs, será possível que as imagens geradas possam contribuir também para o combate à desinformação: “As fotos criadas contribuem para a desinformação. Mas elas também podem combatê-la”, opina Bucci.

A Inteligência Artificial tem capacidade de automatizar processos, prevenir erros e solucionar questões cruciais como saúde, mudanças climáticas e desigualdades. Mas o uso exige responsabilidade. “A ferramenta é poderosa. Deve ser utilizada de forma ética, a fim de dar transparência  aos algoritmos e proteção aos dados pessoais”, conclui Alexandre. 

A sociedade enfrentará os desafios impostos pela IA. A evolução desses processos vai impor uma constante regulação e revisão de leis e, principalmente, interesse em debater esse tema.

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Ciências e Tecnologia

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