Primeira Infância não entra como pauta nos principais debates das eleições de 2022

A temática tem problemas enraizados na educação, saúde e violência, mas poucos candidatos a deputado estadual e federal apresentam propostas de melhorias
por
Giovana Yamaki e Fernanda Fernandes
|
01/10/2022

Apenas 6,4% dos atuais candidatos a deputado estadual em São Paulo apresentam propostas especificamente para as crianças, é o que aponta o levantamento do Jornal Contraponto Digital, realizado com base nos candidatos presentes na Assembleia Legislativa . A pesquisa também analisou a atuação dos deputados federais de São Paulo no plenário e mostrou que, até setembro de 2022, 38,5% dos 70 eleitos em 2018, realizaram propostas legislativas voltadas às crianças.

A pauta da primeira infância - que engloba ações voltadas para crianças de 0 a 6 anos - vem há anos sendo atrelada à falta de focalização de políticas públicas e é pouco falada como prioridade pelos candidatos, tanto pelos já eleitos - como comprovam os dados, como pelos candidatos à eleição de 2022.

Apesar da necessidade, a pauta ainda não é pensada como uma política pública em si, mas se encontra fragmentada em outros nichos, como na política educacional, de saúde e de assistência social. Não tendo assim uma integralidade de atenção.

“Todo mundo diz que a criança é o futuro da sociedade, mas ela deve ser tratada como prioridade neste instante. Temos que investir para que a gente possa formar um capital humano”, destaca Sulivan Mota, presidente do Instituto da Primeira Infância (Iprede). Ele defende que o momento eleitoral deve ser usado para dissertar e buscar mudanças na primeira infância, como uma forma de conscientização.

Mota complementa ressaltando que essas demandas estão nas mãos do primeiro setor, os futuros legisladores e gestores públicos e afirma a necessidade da adoção de políticas públicas, junto ao cumprimento delas.

 

O que dizem os candidatos a deputado estadual e federal de São Paulo?

Para obter perspectivas de partidos de esquerda e de direita e  entender as possíveis propostas futuras voltadas à primeira infância, o Jornal Contraponto entrevistou a deputada estadual, Marina Helou, do partido Rede Sustentabilidade, e a deputada federal Adriana Ventura, do Partido Novo. Vale ressaltar que, as duas candidatas já atuaram nos cargos pelos quais estão se candidatando e já conseguiram aprovar projetos de lei.

A candidata Marina Helou,  que exerce o cargo de deputada estadual por São Paulo desde  março de 2019 e tem a primeira infância como uma de suas pautas prioritárias, reforça que apesar da criação do artigo 227 e do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), essa discussão ainda não é vista com a profundidade que ela deveria ter no cenário político. “É uma pauta que é circunscrita num imaginário de fofa, soft, de uma pauta de mulheres”.

Marina também afirma que é preciso apostar na primeira infância, pois é o jeito mais inteligente de quebrar o ciclo da pobreza, de combater as desigualdades sociais e de ter um retorno do investimento.

Adriana Ventura, que atua como deputada federal de São Paulo, também desde 2019, comenta sobre a necessidade em olhar para a base e cuidar desde o começo da vida. Ela justifica dizendo que é porque essa fase é a mais importante para o desenvolvimento cerebral.

“Além disso, uma criança esquecida em um berço e que vive doente não se desenvolve bem. Uma criança sem colo, afeto, calor de mãe e pai (ou de cuidador) também não se desenvolve bem”, evidencia.

Pensando em expandir essa discussão e trazer um olhar mais aprofundado para as crianças, que representam cerca de 33% da população brasileira, mais de 320 organizações se uniram para fazer chegar aos candidatos essa demanda social, por meio da Agenda 227 - movimento apartidário da sociedade civil brasileira que tem como objetivo colocar crianças e adolescentes no centro da construção de um Brasil mais justo, próspero, inclusivo e sustentável para todos.

O movimento trabalhou na formulação coletiva e plural de um conjunto de propostas de políticas públicas e outras ações de governo, que já estão sendo apresentadas às candidaturas à Presidência da República, visando sua incorporação aos planos de governo e o compromisso com sua execução a partir de 2023. Entre as 148 propostas, que foram organizadas em 22 temas, estão presentes, por exemplo, ações voltadas à saúde, educação e violência - recortes da primeira infância que precisam de atenção.

 

Vacina como tema central

Em Webinar desenvolvido pela escola de jornalismo da Universidade Columbia (EUA), Ariel de Castro - advogado especialista no ECA -, traz um alerta para a redução dos índices de vacinação: "O negacionismo gerou uma queda muito abrupta”.

A cobertura vacinal contra doenças, como o sarampo e a poliomielite, aparece em um cenário de queda nos últimos anos. Segundo dados do Ministério da Saúde, a taxa geral de vacinação chegou a 60,7% em 2021, enquanto o índice ideal é acima de 90%.

Ariel também ressaltou que quando o Estatuto da Criança diz que a autoridade sanitária recomenda determinada vacina, ela se torna obrigatória. Além disso, essa queda significativa irá acarretar no aumento da mortalidade infantil e na volta de doenças que estavam erradicadas no Brasil.

Vacina como tema central
                   A taxa de queda da cobertura vacinal é significativa e merece atenção.
                                                     Imagem: Reprodução Freepick

 

Para uma mudança significativa, é preciso investir no aumento de recursos para as campanhas de vacinação, proporcionar melhores horários de atendimento nos postos, colocar vans móveis de vacinação nas periferias e trazer informações de qualidade como forma de alerta, para os pais entenderem os reais riscos e vacinarem os seus filhos.

Além da vacinação de qualidade, a Agência 227 também coloca como suas propostas voltadas a saúde: Ampliar e fortalecer as redes de unidades neonatais e emergências pediátricas; fortalecer o Programa Farmácia Popular e criar programa de acesso à medicação de alto custo; ampliar o acesso a exames no Sistema Único de Saúde (SUS) e inserir de forma efetiva o tema promoção da saúde mental e prevenção de comportamentos autodestrutivos no Programa Saúde na Escola – PSE.

Voltado ao âmbito da saúde mental, a candidata a deputada estadual, Patrícia Bezerra, desenvolveu em setembro de 2021 o Projeto de Lei 292/21 para garantir atendimento emocional para crianças e adolescentes, das escolas públicas do estado, que apresentem sofrimentos ou transtornos mentais, especialmente em consequência da Covid-19. A medida foi aprovada, transformada na Lei 17.413/21 e já está em funcionamento o Programa de Suporte Emocional para Crianças e Adolescentes em todo o estado.

Ainda a questão das creches

Um dos principais problemas pelos quais a primeira infância trata também é a educação. Os dados mais recentes da cidade de São Paulo evidenciam que, em 2019, das 598 mil crianças de 0 a 3 anos que viviam na zona urbana, 385 mil frequentavam a creche. O estudo foi feito pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal que utilizou como base informações da Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Nesse setor, há outras adversidades, como a carência na qualidade de ensino e a falta de creches. No início do ano letivo, a rede municipal de ensino de São Paulo registrou 595 crianças na fila por vaga em uma determinada creche da cidade.

No Jardim Myrna, Zona Sul da capital, Paula Bezerra da Silva Souza, auxiliar de escritório, no primeiro semestre do ano, estava em busca de creche para sua filha Sofia, de 9 meses. Contudo, ela foi noticiada de que não havia vaga, nem em unidades mais longes de sua residência. O caso foi reportado pelo G1.

O presidente do Iprede diz que a creche é fundamental para as crianças, não somente por ser um lugar onde pais e mães podem deixar seus filhos para irem trabalhar, mas por ser onde a criança recebe estímulo para seu cérebro.

Escola como local de aprendizagem apresenta defasagem no ensino e carência no suporte a alunos. | Imagem: Arquivo pessoal Iprede
Escola como local de aprendizagem apresenta defasagem no ensino e carência no suporte a alunos. | Imagem: Arquivo pessoal Iprede

 

Marina Helou reforça a necessidade da garantia de que todas as crianças estejam matriculadas na escola e da importância de fazer uma busca ativa. Ela diz que é preciso cruzar os dados da assistência social com os dados da educação, e realizar um regime de cooperação entre estados e municípios.

“Precisamos lutar também pela qualidade das escolas e fortalecer a valorização dos professores. A equidade escolar do meu plano se desdobra em várias formas de atuação estratégicas, desde articulação até criação de leis”, esclarece.

O candidato a deputado estadual de São Paulo, Adalberto Freitas (PSDB) tem como propostas o investimento na capacitação dos professores e no estímulo à aprendizagem por meio de infraestruturas mais modernizadas e seguras. O intuito dele é também de fornecer suporte de um psicólogo em cada escola.

Para a candidata Adriana Ventura, de início, deve-se ter como prioridade a alfabetização plena das crianças no Ensino Básico para que elas saibam ler, escrever, interpretar textos, ter uma boa base de matemática e português, para assim, desenvolver o restante. Um de seus pilares é também a aplicação das escolas em tempo integral.

Ela afirma que esse formato de ensino, com a incrementação de aulas de reforço, contribui para o aumento do aprendizado, reduz as taxas de evasão e abandono escolar, facilita a rotina de trabalho dos pais e desenvolve habilidades das crianças. “Somente no horário normal não seria possível ofertar atividades extras, como de artes, esportes, robótica, idiomas, educação empreendedora e etc”, complementa.

Outros candidatos, como Aldo Demarchi (UNIÃO), Alex de Madureira (PL), Altair Moraes (REPUBLICANOS), Analice Fernandes (PSDB) e Erica Malunguinho (PSOL) também colocam a educação como um de seus pilares, mas de forma aberta e não voltada especificamente à primeira infância.

 

Crianças são vítimas de mortes violentas

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), junto ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reportou que, nos últimos 5 anos, 35 mil crianças e adolescentes sofreram mortes violentas.

Entre os casos, houve, por exemplo, o de Hillary Souza Valadares, de apenas 2 anos. Durante uma perseguição policial em Peruíbe, no litoral paulista, a menina foi atingida por uma bala perdida na cabeça. O caso chegou até a ser arquivado pelo Ministério Público em 2020, sendo necessário a família recorrer a um perito particular para desarquivar o processo.

Hillary Souza Valadares vítima de uma bala perdida em decorrência de uma perseguição policial em Peruíbe. | Imagem: arquivo pessoal / G1
Hillary Souza Valadares vítima de uma bala perdida em decorrência de uma perseguição policial em Peruíbe. | Imagem: arquivo pessoal / G1

 

Na tentativa de contornar o problema, em outubro de 2021, foi sancionada pelo governo de São Paulo a Lei 17.428/21, de autoria da candidata à reeleição Marina Helou, em coautoria com os deputados Érica Malunguinho (PSOL), Paulo Fiorilo (PT), Patrícia Bezerra (PSDB) e Bruno Lima (PSL). O projeto de lei Criança Primeiro prioriza a investigação de mortes violentas de crianças no estado.

Apesar de já ter essa lei que se mobiliza contra a violência infantil, é preciso combater a causa do problema para evitar que isso se perpetue. O candidato a deputado estadual, Adalberto Freitas, por exemplo, nos âmbitos da segurança, prioriza o patrulhamento nos bairros e nas proximidades de escolas e defende que policiais recebam equipamentos necessários e adequados à ação. Todavia, não especifica a luta da violência infantil.

O que esperar das eleições no cenário da Primeira Infância?

É dever dos estados criar um modelo de cooperação e colaboração para enfrentar os problemas mais complexos, oferecendo ajuda aos municípios, que devem saber como utilizar seus recursos públicos de maneira efetiva.

Nesse cenário eleitoral, Adriana Ventura acredita que as eleições podem cooperar para com o compromisso à primeira infância para que esta seja colocada como prioridade.

A candidata à deputada federal aponta que o maior desafio é o cuidado, sendo que as crianças brasileiras, especialmente as mais pobres, não estão crescendo em ambientes seguros e também não estão sendo estimuladas de forma satisfatória.

“Devemos pensar em políticas públicas eficientes para essa fase em todas as áreas, interligadas à saúde, educação e assistência social. Como diz tão bem um provérbio africano: ‘é preciso toda uma aldeia para cuidar de uma criança’ ”, conclui.

 

 

 

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