Precarização: um conflito estrutural no jornalismo

Em um mundo digital, mais do que nunca, o jornalismo com qualidade editorial é cada vez mais ameaçado
por
Iris Martins e Patrícia Mamede
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18/09/2023

A pós-modernidade abriu seus enormes portões criando espaço para despejos de excesso. Hoje, mais do que nunca, o que importa são números grandes, deixando a qualidade em escanteio. A sociedade neoliberal-capitalista desvalorizou o tempo, a História, a construção, o simbólico e a ética. Em cima disso, em seu topo, restaram-se os números, ou o dinheiro. As profissões optam cada vez menos por profundidade, análise crítica e experiência, ao invés disso, busca-se proatividade exagerada. Com o jornalismo não seria diferente. Notícias rápidas, poucos detalhes e a incerteza sobre a apuração dos fatos é uma realidade dentro do meio jornalístico. Uma realidade na qual não se pode acusar alguém e todos são responsáveis pelo modelo de vida que sustenta uma oferta e demanda insustentáveis.

José Arbex, graduado pela USP, doutor em história social e professor no curso de jornalismo na PUC-SP, conta das diferenças entre o jornalismo dos anos 70 e de hoje. O especialista explica que agora o sistema é montado para impedir o pensamento crítico do público, com as notícias rápidas e superficiais publicadas no Instagram que dispensam qualquer reflexão sobre o assunto retratado, pois logo depois a pessoa já se esqueceu do que leu, pois em seguida já é bombardeada com mais informações. Arbex ainda relata que hoje em dia, a censura é feita desta maneira, com o bombardeio de conteúdos, não com o ocultamento como antigamente.

Páginas de fofocas vêm cada vez mais se popularizando nas redes, como, por exemplo, a “Choquei”, que conta com mais de 6 milhões de seguidores no Twitter. A busca por esse tipo de notícia de fácil consumo é grande e pode ser explicada pelo dia a dia cada vez mais corrido da população, intensificando a precarização do jornalismo. A tecnologia mudou radical e aceleradamente a maneira como as pessoas consomem. O professor alerta que seria preciso diferenciar entre o que é conhecimento e o que é informação. Desde a alimentação até o conhecimento, tudo o que é consumido exige instantaneidade e superficialidade.

 Com a divulgação de notícias a todo momento, não só o público se sente constantemente pressionado a acompanhar tudo o que acontece, como quem produz esse conteúdo precisa estar sempre antenado, ‘’eu diria que a Internet ampliou até quase o infinito o acesso à informação, mas estreitou e encurtou’’, diz o professor. Ele ainda relata que no cenário atual, além das dificuldades citadas, as inteligências artificiais estão tomando conta de muitas redações dos jornais e hoje em dia já é possível encontrar textos publicados por essas tecnologias. Além desse problema, os jornalistas necessitam inovar em um mundo totalmente saturado de informações se quiserem ganhar notoriedade, o que será um desafio para as pessoas que atuam na profissão.

O jornalismo continua sendo uma ferramenta potente, capaz de elucidar grandes discussões, devolver a História, o direito à informação e preservar sua ética. Ele diz que o jornalismo sempre foi um instrumento da luta porque o jornalismo revolucionário, combativo dependente permite levar o debate, levar a reflexão para os seus leitores sobre como quebrar uma estrutura quando se vive dentro dela.

Segundo o Ministério da Saúde, a atividade profissional do jornalista está entre as principais com tendência à Síndrome de Burnout, caracterizado justamente pelo excesso de trabalho; reflexo da precarização da profissão. Além disso, a dificuldade em desligar-se do trabalho também está conectada a problemas como insônia e ansiedade, que assolam milhões de cidadãos e prejudicam diversos aspectos de suas vidas.

Isabela Alves, jornalista de 25 anos que cumpre uma jornada de trabalho e também atua como freelancer, reflete sobre a necessidade de se manter conectada a todo tempo, pois considera um desafio porque é preciso estar sempre em busca de novas histórias que se destaquem, que sejam exclusivas, além de ficar acompanhando as páginas da região para saber o que estão publicando, artistas novo. O desafio diário é de estar ligada em um movimento frenético, com um olhar sempre atento para saber o que é notícia e o que não é. Ela acha que além de um problema estrutural, há subjetividades que afetam diretamente a condição de vida daquele ou daquela profissional.

O sistema capitalista exige cada vez mais produção a fim de aumentar sua margem de lucros. O que a modernidade encara agora é uma crise de produção intelectual criteriosa e, além disso, uma precarização na condição dos trabalhadores. Tempo é dinheiro, e o dinheiro é o grande condutor dos mares sociais. Thiago Tanji, jornalista na Globo e presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, se queixa a respeito dos rumos que a profissão têm tomado para que as empresas continuem tendo lucro e receita. Segundo afirma, eles aumentam a exploração do trabalho dos jornalistas, aumentando a pressão, a carga de trabalho e diminuindo os salários.

Sindicato jornalista
Sindicato jornalista - Por: Divulgação SJSP

A pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro 2021 revela que o País paga pouco a jornalistas de formação elevada. A renda de 60% dos entrevistados é inferior a R$5,5 mil por mês e somente cerca de 12% recebem acima de R$11 mil, além de 42,3% ter ensino superior completo, com especialização, 28,6% das respostas e 14,7% têm mestrado. Tais dados evidenciam que a desvalorização do jornalista não está diretamente ligada à formação, denunciando o problema enquanto uma questão complexa.

A partir da última década houve uma rápida mudança das relações econômicas, principalmente por conta da tecnologia, o que levou a uma ascensão das plataformas e mudou a forma como as pessoas consomem os conteúdos. Hoje, as redes sociais são controladas por grandes empresas americanas, que além de controlarem o conteúdo, também controlam a resida publicitária. A receita está alocada mais de 70% nessas empresas. Thiago elucida que o modelo que sustentou o jornalismo durante cem anos, que são os anúncios, hoje está migrando para essas plataformas digitais, o que nos leva a uma crise estrutural.

A precarização adoece jornalistas e o sistema informativo. Jornadas exaustivas e salários desproporcionais são a realidade de muitos que trabalham na área nos dias de hoje. Tal como Charles Chaplin em “Tempos Modernos”, as pessoas têm cada vez mais se tornado uma peça automatizada dentro de um sistema capitalista, em que os empregadores não se importam com o bem-estar de seus empregados, ou com o conteúdo que antes eram carregados de promessas revolucionárias.

Outra questão que a sociedade enfrenta é em relação a uberização das profissões. Vendida enquanto uma ideia progressista, as empresas terceirizam certas atividades, se isentam da responsabilidade de arcar com leis trabalhistas e vendem um trabalho precarizado como antídoto, ’seja sua própria empresa’. Pode-se pensar que essa é uma realidade de empregos delegados à baixa classe, como, por exemplo, serviços de delivery ou aplicativos de táxi. Mas a precarização transpassou as. 

Tanji explica que um jornalista é contratado como se fosse uma empresa prestando serviços para outra empresa, como se houvesse uma terceirização, porém, nada mais é que um trabalhador sendo explorado, sem os direitos que um CLT teria garantido. Quando se procura vagas no LinkedIn, por exemplo, observa-se que empresas não têm nem mais embaraço em publicarem que estão contratando como pessoa jurídica, e como muitos precisam de emprego, se candidatam da mesma maneira.

A exploração não ocorre somente por meio dessas contratações PJs, mas também nas CLTs, freelancers, MEIs. Não importa o meio de contratação, jornalistas são explorados em seus trabalhos todos os dias, com as horas extras não remuneradas, abusos físicos e psicológicos que ocorrem e na maioria das vezes a vítima não pode sequer denunciar por medo de perder o emprego.

Thiago conta que o Sindicato vem recebendo denúncias e procura sempre assistir às vítimas dessas violências, bem como na justiça quando procuram regularizar suas situações trabalhistas. A instabilidade no mercado de trabalho da comunicação é um problema grave e afeta grande parte de quem trabalha na área. Os cortes massivos que vêm ocorrendo em grandes emissoras, como na Globo, é reflexo da crise que esse setor enfrenta e põe luz em problemas subjacentes ligados a esta pauta.

A mudança no jornalismo ainda está longe de ser efetiva. Associações como sindicatos são cruciais para haver uma virada no cenário jornalístico e incentivos como uma bolsa para a apuração de notícias, como ocorre no jornalismo investigativo, seria ação motivadora para o jornalismo com qualidade no País.

 

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