Prateleiras guardam história de amizade

O Sebo do Messias é um ponto muito conhecido de São Paulo, mas sua história vai além de suas paredes.
por
Isabelli Albuquerque
|
12/06/2025

Por Isabelli Silva

 

Localizado no coração da cidade de São Paulo, o Sebo do Messias funciona há 55 anos. Um dos pontos mais famosos do centro, o sebo possui milhões de livros em seus acervos físico e digital, recebendo cerca de 3 mil visitantes por mês. Seu fundador abriu o negócio quando tinha apenas 28 anos, em 1970. Tudo começou quando se mudou para São Paulo, procurando ganhar alguns trocados, Messias vendia livros usados e raros que comprava em outros sebos. Até que um dia, um de seus clientes morreu e deixou uma biblioteca com 5 mil livros. Alí, o Messias viu uma oportunidade de crescer, então comprou todos os exemplares e começou a vendê-los por aí.

No início, ele colocou todos os livros em um carro e começou a passar de porta em porta oferecendo os exemplares. Quanto mais gente ele conhecia, mais conhecido também ficava. Logo, Messias foi comprando mais e mais coleções e revendendo. Por fim, alugou uma pequena sala na Praça João Mendes - centro de São Paulo -, e ao longo dos anos foi expandindo o espaço até se tornar o ponto cultural que é hoje.

O público do sebo é consistido em sua maioria por turistas, mas seus clientes mais fieis apoiam o comércio há décadas. Marcos, de 36 anos, se apaixonou por livros quando entrou no Sebo do Messias pela primeira vez, quando tinha só 10 anos. Hoje, Marcos é professor de Língua Portuguesa e já tem 2 filhos pequenos, viciados em video-games. Porém, quando tinha mais ou menos a idade deles, Marcos passava a maior parte de seus dias com a cabeça enterrada em um livro.

Sua mãe, Dona Sônia, trabalhava em um escritório próximo ao sebo e, quando não conseguia deixar Marcos aos cuidados de outra pessoa ou na escola, acabava levando o menino consigo ao trabalho. Em um desses dias, mãe e filho, ao voltarem para casa, passaram em frente ao sebo. Algo sobre aquele lugar chamou a atenção de Marcos, talvez a fachada simples, a quantidade de livros entulhados, a quietude que o lugar emanava…Curioso como era, o garoto implorou à sua mãe para entrar. A pobre Dona Sônia, exausta depois de um dia de trabalho, tentou negar, mas Marcos era insistente, então acabou cedendo. O tempo era curto, o sebo estava prestes a fechar e eles precisaram ir para logo. Então Marcos fez o que pôde para explorar o máximo do ambiente no pouco tempo que tinham.

Com apenas 10 anos de idade ele achou a sessão de livros acadêmicos. Também achou a sessão de romances, mas esses são para meninas! Até que virou uma esquina e encontrou um título curioso, “O Senhor dos Aneis: A Sociedade do Anel”. “Que nome estranho.” pensou Marcos, já pegando o livro. Ele folheou diversas vezes, todos aqueles nomes diferentes, elfos, trolls. O menino já estava perdido na história quando sua mãe o encontrou. “Por favor mãe, só esse! Só esse!” ele repetiu incansavelmente até que Dona Sônia o comprou.

Ao chegar em casa e ler o primeiro capítulo, Marcos já se arrependeu. Tantas páginas, tantas palavras difíceis. Mas ele persistiu, pensando que sua mãe nunca compraria nada que ele pedisse novamente se não lesse tudinho. Então, ele leu, e leu, e leu, e leu tão rápido que terminou a história em uma semana, um recorde mundial brinca ele. Depois disso, virou uma tradição visitar o sebo todas as vezes que acompanhava a mãe no trabalho. E foram tantas, que depois de poucos meses Sônia já se sentia segura de deixar o filho nos cuidados dos imponentes livros - e, claro, nas mãos dos funcionários do comércio que se tornaram seus amigos.

Marcos passava tarde atrás de tarde no sebo, os anos se passaram rapidamente como num bom livro e hoje, já adulto, continua frequentando o lugar. O sebo expandiu, os funcionários mudaram, até a fachada amarelinha mudou, mas os livros - e os preços baixos - continuam lá. 

Com os anos, Marcos acabou se tornando amigo de outros visitantes do sebo e funcionários de outros comércios ali por perto. Foi entre a sessão de literatura estrangeira e não ficção que encontrou Rodrigo pela primeira vez, seu futuro melhor amigo. Os dois ainda eram adolescentes quando esbarraram um no outro, um procurando um livro para um trabalho escolar e o outro atrás de uma nova aventura.

Era a primeira vez que Rodrigo visitava o lugar, e, ao notar um jovem com uma camisa amarela nos corredores do sebo, imaginou que Marcos fosse um atendente. "Licença, onde fica os livros do Machado de Assis?" perguntou Rodrigo. Marcos, já familiarizado com o labirinto de corredores que era o sebo, prontamente guiou o futuro amigo à prateleira correta. Marcos, sendo o falador que é, começou a interrogar o tímido Rodrigo, que apenas concordava com tudo que o outro falava. Conversa vai, conversa vem, e logo descobriram que na verdade tinham muita coisa em comum. Ambos gostavam de fantasia (Marcos de livros e Rodrigo de jogos), tinham a mesma idade, moravam no mesmo bairro entre outras coisas. 

Rodrigo pagou por seu livro e ao chegar em casa, saiu contando para toda a família sobre o ótimo funcionário que o atendeu mais cedo. Semanas depois, seu terrível professor de português passou mais um trabalho tedioso sobre algum livro velho e lá foi ele em direção ao sebo mais uma vez. Ao se lembrar do simpático atendente, foi atrás dele, mas sem resultados. Até que encontrou Marcos sentado num canto escondido e lendo, sem usar o uniforme do sebo. 

Os dois começaram a conversar e Rodrigo, ao perceber as roupas do amigo perguntou se Marcos foi demitido e porquê continuava ali. Marcos ficou confuso por um momento mas logo entendeu sobre o que o outro falava e não conseguiu conter a risada. Rodrigo ficou em pé em sua frente sem entender nada e morrendo de vergonha de toda a situação até Marcos se explicar. Essa pequena confusão se transformou aos poucos em uma grande amizade.

Mesmo sem gostar de ler na mesma intensidade que o amigo, Rodrigo ainda frequenta o sebo de vez em quando. Por sempre ter preferido o silêncio ao caos natural da capital paulista, ele encontrou uma espécie de refúgio ali. Enquanto acompanhava Marcos em suas muitas visitas, Rodrigo se contentava em sentar em algum banquinho e jogar "A Lenda de Zelda" em seu Nintendo DS. Depois, os amigos iam na padaria Santa Teresa, que fica ao lado do sebo, e comiam algum salgado enquanto conversavam sobre as histórias de seus livros ou jogos.

Depois de duas décadas de amizade, os dois ainda seguem a mesma rotina. Toda quinta-feira os dois saem mais cedo do trabalho e se encontram no sebo, Marcos não procura novas histórias sozinho como antes - depois de muito insistir, ele conseguiu que Rodrigo lesse um livro ou outro -, e os dois vão comer alguma coisa na padaria. Seus filhos também se tornaram muito amigos, um sendo o padrinho do filho do outro, se tornaram uma família. Marcos brinca que seus filhos mais velhos foram trocados na maternidade, já que o de Marcos é viciado em games e o de Rodrigo ama ler, ou melhor, quando leem para ele.

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